DIRETOR - FRANCISCO MADELINO JORNAL BIMEStrAL 3.a SÉRIE • 1€ N.0 7• set-out 2017
Turismo Sustentável
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ÍNDICE
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Conferência UNECE
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Opinião de Maria João Botelho
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Viajando com livros
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A Casa na árvore
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Memórias de Júlio Isidro
Desporto: Futebol Inatel
Na mesa com Valéria Olivari
Coluna do Provedor Musicando
Entrevista: José António Vieira da Silva
Viagens: Fim de Ano na Madeira
18 Notícias
20 Teatro da Trindade
capa
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Contos do Zambujal
23
Passatempos Agenda
Editorial
FRANCISCO MADELINO Presidente da fundação inatel
Turismo Social, com história e com futuro
ilustração
joão fazenda
J
oão Fazenda é um ilustrador cuja actividade se divide entre a ilustração, o desenho, a animação, a banda desenhada e, por vezes, a pintura. Nascido em Lisboa em 1979, licenciou-se pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa antes de se dedicar, a tempo inteiro, à criação de imagens para uma variedade de histórias e diferentes mediuns. No seu trabalho tem como principal objectivo explorar as relações entre o desenho e a narrativa, nas suas muitas possibilidades e diferentes caminhos. Com vasta obra na imprensa e vários livros publicados, tem como clientes, entre muitos outros, o EL País, o Público, a Visão, o The New York Times, a The New Yorker, o The Wall Street Journal e o The Guardian. O livro Dança, de 2015, editado pela Pato Lógico, levou-o a juntar mais um galardão aos muitos prémios, nacionais e internacionais, que constam do seu currículo: Fazenda foi o vencedor da 20ª edição do Prémio Nacional de Ilustração, atribuído anualmente pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB). João Fazenda vive e trabalha entre Lisboa e Londres. JS
O
grande debate sobre a sustentabilidade do nosso Planeta, atual, lançado a partir da Organização das Nações Unidas (ONU), assenta nas premissas ambiental e intercultural. As sociedades atuais, vivendo em grandes metrópoles, com pessoas de várias heranças, têm de ser capazes de se organizar, aceitando os outros nas suas diferenças, vivendo sob formas de vida que garantam que os recursos naturais sejam preservados para as novas gerações. É esta a ideia-base da Agenda 2030. Paralelamente, a ONU, através da United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), comemora este ano, o Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento. O Turismo representa cerca de 10% da economia mundial. Pode ser um importante instrumento para combater a pobreza, em regiões e demografias mais empobrecidas, e promover a interculturalidade. A diversidade cultural e o seu conhecimento podem ser, simultaneamente, fontes de emprego e riqueza económica e de compreensão do outro, nas suas diferenças. A Inatel esteve sempre no centro destas preocupações e debates. Na promoção do lazer para todos. Na preservação da cultura portuguesa, ligada ao Mundo. Na abertura aos refugiados. Nas suas raízes com o mundo do trabalho. Na sua ligação ao mundo rural e ao interior com história. Na economia social e solidária. Este número é dedicado precisamente ao Turismo Sustentável. Vários artigos abordam esta matéria. Em entrevista de fundo, o Ministro do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social, faz o balanço destes desafios, partindo de um conjunto de três Conferências, que a ONU, conjuntamente com o Governo português, organizaram em Lisboa, sobre o envelhecimento ativo, onde estes temas foram largamente debatidos. A Inatel organizou precisamente uma. É nos públicos seniores que mais se tem feito sentir esta procura do lazer na História e na Natureza. Os jovens, contudo, em tempos de estandardização e globalização, têm vindo também a procurar cada vez mais a diferença na paisagem e na cultura. Adicionalmente, pode ainda o leitor desfilar a sua curiosidade pelas histórias que vão compondo o nosso País. Boas leituras.
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Conferência da UNECE, em Lisboa
Uma sociedade sustentável p Fotos: Beatriz maduro
“Este é um desafio que só será vencido por toda a sociedade e com um grande protagonismo da sociedade civil e das suas organizações.” O envelhecimento é uma realidade e com ele surgem questões “como reconhecer o potencial das pessoas mais velhas”, “como promover o prolongamento da vida ativa e manter a capacidade de trabalho” e “como garantir o envelhecimento com dignidade”. Questões discutidas entre mais de 400 pessoas de 55 países, durante 3 dias, de 20 a 22 de setembro, em Lisboa
A
capital portuguesa recebeu a 4.ª Conferência Ministerial da UNECE sobre o Envelhecimento, organizada pela Comissão Económica da Região Europa das Nações Unidas (UNECE) sob o tema “Uma sociedade sustentável para todas as idades: cumprindo o potencial de viver mais”, e onde foi assinada a Declaração de Lisboa, com as linhas orientadoras de atuação dos Estados-membros para os próximos cinco anos. Depois do Plano de Ação Internacional de Madrid para o Envelhecimento, aprovado em abril de 2002 é Lisboa que ficará na história. A Fundação Inatel foi uma das peças da organização desta conferência, Francisco Madelino, presidente da fundação, deixa claro o porquê deste interesse: “Todas as atividades económicas relacionadas com proteção de serviços para pessoas mais seniores são questões relacionadas com a comunidade europeia, e com a comunidade mundial, e a Inatel sempre esteve no centro destes grandes debates. Este também é o ano do turismo sustentável que é um dos campos onde mais se coloca a questão do tempo de lazer dos públicos seniores, lazer com ligação ao ambiente e à História e isto está no centro das questões da Inatel, numa altura em que vai relançar o programa do turismo sénior, com ligação a questões de qualidade de saúde e de vida”. Durante a conferência foi apresentado
um relatório que revela que em 2017, no conjunto dos países da UNECE, 15,4% da população tem mais de 65 anos. Em 2030, os indicadores prevêem que a população vai diminuir em mais de 20 Estados-membros – devido a fatores como o aumento da esperança de vida, os baixos índices de fertilidade e os crescentes movimentos migratórios –, e a população com mais de 65 anos vai corresponder a mais de um quinto da população total. No caso português, isso já era uma realidade em 2015: mais de um quinto da população tinha 65 ou mais anos. Para 2030, a previsão é pouco animadora: as estimativas indicam que mais de um quarto da população portuguesa estará nesse intervalo de idades. O ministro da Saúde, Adalberto Campos, sublinhou que o envelhecimento não é um problema em si mesmo, defendendo que o problema é o “envelhecimento com doença”. E mostrou-se consciente em relação às necessidades: “É preciso desenvolver um conjunto de medidas” para dar mais qualidade de vida aos idosos. Para José Pereira Miguel, médico e professor catedrático da faculdade de medicina da universidade de Lisboa, as medidas passam por “adaptar o serviço de saúde, tem que corresponder mais às necessidades e preferências das pessoas idosas, e isso passa por muitos aspetos, o da comunicação, o tamanho das letras de avisos do dia-a-dia, por exemplo; intervenções no ambiente, para que este facilite uma vida
saudável e não promova uma vida onde as quedas e a fragilidade dos idosos é posta constantemente em causa com barreiras, coisas que complicam muito a vida das pessoas”.
O duplo envelhecimento traz essa e outras questões, entre elas, “vamos trabalhar mais anos?” Em Portugal, a taxa de emprego entre os 55 e os 64 anos passou de 50,4% para 52%, é notório que no mercado de trabalho, as empresas estão conscientes de que “o envelhecimento ativo não é para quem tem 65 ou mais anos, é um processo de ciclo de vida, se não for preparado com antecedência não é concretizado. Já não é um objetivo das empresas, é uma necessidade das próprias empresas porque há uma parte dos conhecimentos que são detidos por essas pessoas e que são integrantes no mercado de trabalho”, palavras do ministro José Vieira da Silva, em conferência de imprensa. Para Olga Algayerova, secretária executiva da UNECE, quando questionada sobre o setor privado, a resposta parece simples: “As empresas têm esse controlo, podem criar as próprias condições para os trabalhadores mais velhos, podem ser mais flexíveis; têm mais recursos e podem ser usados para o crescimento de ambas as partes. A ideia é trabalharmos juntos.” Sobre as políticas públicas, Vieira da Silva tem algo a dizer: “A economia vai responder pior aos desafios futuros se não
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l para todas as idades
A conferência da UNECE, em Lisboa, acolheu mais de 400 pessoas de 55 países, de 20 a 22 de setembro. Estiveram presentes, entre outros, Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas, Catarina Furtado, e presidente da Fundação Inatel, Francisco Madelino
conseguir integrar pessoas menos jovens nas suas estratégias. Nas políticas públicas o que se pode fazer é dar prioridade nos apoios à contratação ou manutenção nas empresas de pessoas mais velhas. Já estamos a fazer essa mudança. Reforço das redes no apoio às famílias, e apoios sociais – nas áreas da demência, das pessoas com incapacidade. É extenso o leque de iniciativas que podem ser tomadas. Não é preciso inventar coisas novas, mas o aperfeiçoamento das medidas para dar resposta a estas necessidades.” Durante a conferência os mais jovens estiveram presentes e quiseram participar no debate. Luis Alvarado, presidente do European Youth Forum deu voz às gerações mais novas: “Os mais novos pensam e preocupam-se se vão ou não ter pensões, o sistema não está auto-sustentável, e muitos não têm emprego e os que têm estão a contribuir para o sistema, mas pode não chegar a nossa vez... E alguém vai ter que pagar pelos erros que foram cometidos, precisamos de estar mais coordenados, o problema dos mais jovens é emprego, casa, e queremos fazer parte dos debates, se aqui falam de pensões, nós queremos fazer parte dessa conversa porque isso também afeta as nossas vidas.” O secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita, defende que os mais jovens, têm novas oportunidades de trabalho nos serviços sociais, nos serviços de saúde e no apoio às pessoas idosas, “no fundo o aumento das pessoas idosas abre novas oportunidades nas mais diversas áreas no mercado de trabalho; o turismo sénior, da Inatel, que é um dos grandes exemplos de Portugal, e todo um conjunto de atividades ligadas às áreas sociais, ligadas ao lazer e à saúde, estão a emergir com o envelhecimento”, explica. Marcelo Rebelo de Sousa marcou presença no dia 21, data em que se comemorava o Dia Mundial do Alzheimer, e numa mensagem de boas-vindas a Portugal, o Presidente da República, deixou claro que é um problema de todos: “isto (as questões levantadas pelo envelhecimento) não muda consoante as cores do governo. As questões são as mesmas e a resposta social tem que ser duradoura. É um dos domínios óbvios em que tem que haver um acordo generalizado.” E há um acordo que também deve ser cumprido, o acordo dos Direitos Humanos. Catarina Furtado, embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População chamou à atenção para as questões de género, “sabemos que muitas mulheres têm um isolamento maior, há também a questão da violência com base no género, também nas pessoas mais velhas”, um problema presente nas sociedades ocidentais e que deve fazer parte da agenda dos governos. “Assumam os desafios da longevidade, e a riqueza do potencial humano. A aprendizagem da vida, saúde e o apoio intergeracional são cruciais”, palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres, que definem o presente e o caminho que deve ser percorrido. Maria João Costa
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Fotos: Beatriz Maduro
FOTORREPORTAGEM
A despedida. Há coisas que não mudam, marinheiro no mar, amor em terra. (À direita) Comandante Maurício Camilo a dar as boasvindas aos cadetes do 1.º ano da Escola da Marinha Portuguesa.
INATEL A BORDO DO NRP SAGRES U
ma feliz conversa no Tall Ships, em Sines, com o Tenente Morais Braz levou-nos a bordo do tão aclamado Navio Escola Sagres, Embaixada de Portugal. A Sagres (não esqueçamos que é uma barca) é o único local onde é possível e permitido jogar futebol de convés, uma forma de quem nela navega passar parte do tempo livre em alto mar – e assim de repente parece que estamos a falar da Fundação Inatel. Futebol, tempos livres, paixão, entrega e dedicação. Embarcámos e fomos perceber como é que
se joga num campo sem relvado, com um mastro a marcar o “meio campo” e uma bola feita de meias e folha de jornal. Estivemos a bordo de 20 a 23 de agosto, embarcámos na Base Naval de Lisboa em Almada e desembarcámos em Leixões. Éramos quase 200 pessoas a bordo numa viagem que terminou no dia 30 em França, Le Havre, onde a Sagres participou na final do encontro de grandes veleiros – Tall Ships Regatta. Não somos marinheiros, mas a Inatel já sabe navegar. Maria João Costa
O despertador dos cadetes obrigáva-os a estarem despertos no treino diário de preparação física, 6h30 e já corriam.
Acordámos às 4h00 para ajudar o Cabo Malveiro a fazer 70 kg de pão.
Reserva Natural das Berlengas, paragem para treinos com cadetes.
Cadetes remam pela primeira vez.
Cadetes aprendem regras básicas de primeiros-socorros.
Cabo Rodrigues, chefe de cozinha do NRP Sagres, responsável por uma das melhores cozinhas de Portugal, a da Sagres.
O futebol de convés, “puro e duro”.
A Sagres tem que estar sempre limpa e pronta a receber convidados. Os cadetes confessaram que fizeram o que não costumam fazer em casa, usar balde e esfregona.
Subir o mastro, uma experiência e uma vista únicas.
Atracar. A chegada ao Porto de Leixões. Até breve, NRP Sagres.
©TUNA_Teatro da Trindade
ESPE TÁCU LO
ANOS
Todo o Mundo é uM Palco
Criação
Arena Ensemble Encenação
Beatriz Batarda Marco Martins Colaboração
Victor Hugo Pontes
17 NOV a 10 DEZ
produção
criação
apoios
QUI. a SÁB. 21:30 / DOM. 16:30 BILHETES À VENDA: TEATRO DA TRINDADE INATEL TEATRODATRINDADE-INATEL.BOL.PT
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Opinião
DR
TURISMO SUSTENTÁVEL E DESENVOLVIMENTO RURAL O turismo, nas suas diversas modalidades e, ao longo dos tempos, tem vindo a assumir uma importância crescente na economia mundial e na economia portuguesa, em particular, constituindo atualmente a nossa principal atividade exportadora e um setor de atividade muito importante para alavancagem da economia nacional
Por Maria João Botelho
O
facto de as Nações Unidas, e a Organização Mundial do Turismo, terem declarado 2017 – o Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento, releva o importante papel que estas duas instituições têm tido na procura de novos modelos de desenvolvimento e da atividade turística, que contribuam para o desenvolvimento sustentável dos territórios e para a melhoria da Qualidade de Vida das suas populações. A publicação do Relatório Brundtland, em 1987 e a realização em 1992 da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento – Cimeira do Rio ou ECO 92, com a aprovação da Agenda 21 e a assinatura das Convenções da Biodiversidade e das Alterações Climáticas, entre outros documentos, tornaram evidente que o desenvolvimento para ser sustentável tem que assegurar a integração das suas 3 componentes – económica, ambiental, e social, num processo de solidariedade inter e intra geracional. Desenvolver com qualidade, respondendo à procura de quem visita e à oferta dos diferentes territórios, do seu património, da sua população, produtos e atividades, da sua cultura, e da sua paisagem, são desafios complexos e nem sempre fáceis de atingir.
Portugal cedo se apercebeu das po- combatendo desse modo o seu abandotencialidades do turismo para o desen- no. É do conhecimento geral que a dinamivolvimento dos territórios rurais e, por zação da atividade turística tem um imisso, foram surgindo diversas iniciativas, pacto direto nas economias locais, uma quase todas bem-sucedidas, quer para a vez que o seu desenvolvimento interfesalvaguarda do património, quer para a re com múltiplos setores de atividade e criação de alojamento e restauração, a serviços da região, induorganização da oferta, a zindo frequentemente formação profissional e Desenvolver o desenvolvimento de a animação e promoção iniciativas de caráter amdos territórios. com qualidade, biental e paisagístico e O lançamento da inirespondendo à tendo reflexos na identiciativa comunitária Leadade dos territórios e resder em 1991, atualmente procura de quem petiva coesão social. integrada no DLBC rural visita e à oferta A tendência atual para e dinamizada por 60 Aso despovoamento dos tersociações de Desenvoldos diferentes ritórios rurais e para o envimento Local (ADL), no territórios, velhecimento da sua ponosso país, através de pulação, carecem de uma uma metodologia comum são desafios abordagem mais integrae ascendente, cuja área complexos e nem da e abrangente, novas de atuação cobre mais formas de exploração da de 93% do território nasempre fáceis de terra, novas formas de gocional, incluindo Açores atingir vernança e de desenvole Madeira, tem vindo a vimento rural, que criem apoiar, financiar e dinamizar a concretização de um vasto con- condições de vida e emprego suficientejunto de projetos e iniciativas, onde o mente atrativas para a fixação de pessoas. Gerir de forma integrada e sustentável turismo se inclui, fortemente enraizados nos territórios rurais, e que contribuem o turismo, como contributo para o desenmuito positivamente para o desenvolvi- volvimento das zonas rurais e da economento dessas zonas e para a criação de mia, é não só um desafio, mas também empresas e emprego nesses territórios, uma obrigação de todos.
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Viajando com livros
José Rodrigues Miguéis, Lisboa, sempre tão perto
A A obra de Rodrigues Miguéis reflete um tempo histórico e social e, simultaneamente, desvenda-nos o próprio Miguéis, as suas raízes humanas e a relação direta com Lisboa, tão íntima que Lisboa deixa, muitas vezes, de ser um cenário, para se tornar numa personagem. Miguéis reconstituiu, fundamentalmente, as primeiras décadas do século vinte nas Saudades para Dona Genciana, A Escola do Paraíso, O Milagre segundo Salomé e no livro de crónicas e outros textos de intervenção Espelho Poliédrico Por António Valdemar
narrativa concentra-se na cidade e, dentro dela, em alguns bairros. Aprofunda crises, mutações, desencontros na vida. Escolhe em alguns bairros os sítios que, por um motivo ou por outro, são locais emblemáticos. Procura os contrastes insólitos e os primores do vulgar. Pequenos mundos cheios de reminiscências. Paisagem com história e também com alma. Conhecedor da natureza humana e das circunstâncias da sua época Rodrigues Miguéis extraiu da observação da realidade e das formas de convivência o testemunho de uma sociedade vivida. Recupera a memória factual da infância e da adolescência: o fim da Monarquia, os primeiros anos da República, o surto de idealismo que domina na cidade e, apesar das perturbações da ordem pública, impulsiona uma transformação urbana e social. Coloca-nos perante a cidade triste e alegre e mostra-se sensível às evidências imediatas. Os pormenores entrelaçam-se. Nas Saudades para Dona Genciana e na Escola do Paraíso recria pequenos heroísmos e pecados triviais, gestos na aparência insignificantes, mas de forte carga emocional e simbólica. Recusa o pitoresco. Desmascara a teia de mentiras, a malha de imposturas e a falta de ambição. Fixa a comédia e a tragédia. As personagens deparam-se com aquilo que são e naquilo que não fizeram e deveriam ter feito. A caracterização do fim da República e do advento do 28 de Maio, o golpe militar que está na origem do salazarismo, a ditadura que se vai prolongar até ao 25 de Abril, encontra-se num dos seus grandes livros O Milagre segundo Salomé. Além de uma leitura dos acontecimentos de Fátima, das conexões da hierarquia religiosa com o poder político, apresenta um retrato cruel do país: uma sociedade ferida por obscuras cumplicidades, interesses turvos, corrupções escandalosas. Envolve membros do governo e altos funcionários públicos que deviam zelar pela República e atribuir-lhe tudo quanto idealizaram os percursores. Dá-nos um Portugal em derrapagem, condenado a ficar enterrado na ditadura. Tal como outras figuras notáveis do seu tempo, José Rodrigues Miguéis situa-se entre a geração do Orpheu e a geração da Presença. Sem ligação a estes movimentos não ficou, todavia, indiferente a algumas
das propostas renovadoras. Um dos seus mestres é Raul Brandão com quem ainda privou. Contudo, reflete a herança literária de Eça e de Cesário. É visível no quadro da 24 de Julho: «a avenida da Índia meio deserta, entre as árvores magras, numa paisagem de docas, hangares, fábricas, estaleiros. O entardecer estava lânguido e desanuviado, com um sol amarelo e uma aragem tépida e calma». (...) «No rio vogavam fragatas, lanchas a motor, vaporzinhos da Outra Banda. Um grande paquete entrava a Barra, subia devagar, com prudência, dissipando o fumo cor de bronze no ar leve e parado». Mas se não pertenceu a um movimento literário definido, esteve, contudo, vinculado ao grupo da Seara Nova, no qual participaram escritores, poetas e artistas plásticos de várias tendências literárias e estéticas que se integravam — conforme se afirma nos objetivos programáticos — numa ala esquerda da República para formar, à margem dos «partidos políticos mas não da vida política», uma consciência nacional que assumisse «perante (...) o egoísmo e a mentira (...) uma atitude de protesto» e apoiasse ou exigisse, numa hierarquia de urgências, «as reformas necessárias». Entretanto, Miguéis tomou parte nas campanhas em defesa da democracia, para a criação de uma «Escola Nova». Juntamente com António Sérgio, Jaime Cortesão, Câmara Reys, Rodrigues Lapa e Bento Caraça, fundaram uma «Liga Propulsora de Instrução» e uma «Universidade Livre» para divulgar o melhor da cultura portuguesa e estrangeira. Em 1926, com a implantação da ditadura, intensificou a luta política. Resolveu não advogar, nem viu condições para desempenhar o magistério (recorde-se que também era licenciado em Ciências Pedagógicas pela Universidade de Bruxelas). Perante a censura que cortava a totalidade (ou quase) das colaborações nos jornais e que asseguravam a sua subsistência, Miguéis decidiu emigrar para os Estados Unidos. Tinha 34 anos. Foi em 1935, o ano da morte de Fernando Pessoa. Souberam da existência um do outro, cruzaram-se nas mesmas ruas; sentaram-se nos mesmos cafés; foram às mesmas livrarias; viajaram nos mesmos elétricos. Apesar de tudo não se interessaram um pelo outro. E terá sido com surpresa que Miguéis ainda assistiu à projeção nacional e universal da obra ortónima e heterónima de Pessoa.
Radicou-se em Nova Iorque, onde viveu mais de metade da sua vida, onde casou, organizando a sua vida profissional como redator da edição em língua portuguesa do Reader’s Digest. O exílio voluntário de Miguéis nos Estados Unidos transformou-o num escritor emigrado, mas nunca assimilado ou aculturado. Ausente do quotidiano literário português, jamais perdeu o contacto direto com o país. Colaborava com regularidade na imprensa e editava, entre nós, os seus livros, que tinham leitores fiéis, se bem que lhes faltasse a expansão a que tinham direito e de que outros muito menos dotados usufruíram. Miguéis foi sempre respeitado e o seu mérito reconhecido embora condicionado às reservas de adversários políticos e às manobras de capelas literárias, incluindo as dos seus próprios correligionários. Citado em todas as histórias e panoramas da literatura portuguesa contemporânea, foi o primeiro escritor a receber, em 1959, o Prémio Camilo Castelo Branco, uma das distinções de maior prestígio em Portugal. Após o 25 de Abril teve acesso, por unanimidade, em janeiro de 1976, à Academia das Ciências e em 1979, numa cerimónia realizada no Consulado de Portugal em Nova Iorque, recebeu as insígnias de Grande Oficial da Ordem de Sant’Iago. Lisboa permanecia a todas as horas, na sua casa de Nova Iorque, em pleno coração da Greenwich Village, onde a morte o surpreendeu e onde, nos últimos anos, sonhava — conforme revelou — a fundação de uma igreja agnóstica, uma espécie de templo de anarquismo ético-espiritual que votasse ao total abandono todas as preocupações de caráter partidário. Teria por missão incutir, num tempo de equívocos e de ameaças, a coragem moral, a integridade de princípios e a crítica vigilante para transpor obstáculos do dia-a-dia e manter sempre vivo o espírito da liberdade. Exerceu uma oposição sistemática que visava fundamentalmente o regime e a classe política; não atingiu, como sucedeu em muitas circunstâncias com Eça de Queiroz, a dignidade moral do homem português, nem o País, como expressão de uma história e de uma cultura. Rejeitou o nacionalismo, mas teve sempre o sentimento da Pátria. Miguéis exigiu ficar sepultado em Portugal, e em Portugal na cidade de Lisboa o seu espaço de identificação e de orgulho.
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A Casa na árvore
Como a casta bananeira nos agarrou pela cabeça, estômago e genitais Por Susana Neves
A secreta intenção de uma banana
P
assado longo tempo a compilar notícias históricas “em todas as idades e estados do mundo”, frei João Pacheco no seu livro Divertimento Erudito (1734) regista uma descoberta extraordinária sobre a bananeira: «Quando o cacho quer brotar a fruta, dá gemidos como mulher que quer parir». Em 1917, depois de observar a província de “Misiones” na Argentina, o arqueólogo Juan B. Ambrosetti publica outra notícia igualmente notável: «Quando alguma [bananeira] não dá frutos fazem com que um homem a abrace, para que os dê». Importante contributo para o imaginário sobre a banana, estes relatos revelam ainda quão enigmática e desconhecida é a frutificação da bananeira cultivada. Além disso, ao atribuírem à banana um “corpo”
que poderia ser fecundado por um homem e parir como uma mulher, diferem da visão mais convencional, que maliciosa e jocosamente associa a forma da banana à do orgão sexual masculino erecto. Uma associação que remonta aos primórdios da Humanidade, porque segundo vários religiosos quinhentistas portugueses (entre eles, frei Pantaleão de Aveiro), o fruto do pecado original poderia ter sido a banana e não a maçã. Cobrindo-se, posteriormente, Adão e Eva com as grandes folhas de bananeira, a “Árvore do Paraíso”. Acontece porém, que a bananeira não é uma árvore, mas uma erva gigante, e reproduz-se vegetativamente, ou seja, por rebentos que se formam a partir da planta mãe. Apesar de lançar uma inflorescência que contém três tipos de flores: femininas,
A flor da bananeira com algumas brácteas secas. Em baixo, da esquerda para a direita: Nas axilas das brácteas escondem-se as flores da bananeira; Bananeiras com fruto e flor no Jardim Botânico de Lisboa, em Belém; As bananas ou dedos ainda verdes
hermafroditas, e masculinas, só as femininas dão fruto sem semente (fruto partenocárpico), sem qualquer fecundação. Considerada pelos botânicos como uma baga, a banana é o ovário desenvolvido de uma flor feminina. Assim que as flores femininas formam cacho, a bananeira não volta a frutificar, embora a grande inflorescência, que pende para o chão, continue a erguer todos os dias uma nova bráctea (folha transformada) violácea, debaixo da qual se escondem as outras flores que não formarão bananas. Este curto ciclo de vida da bananeira fez com que no Oriente, sobretudo na Índia (mas também na China, onde terá tido origem), se tornasse símbolo de impermanência e de fertilidade, mas também alimento dos «sábios indianos que andam nus», segundo afirmara Teofrasto, filósofo grego da Antiguidade Clássica. Muitíssimo nutritiva e de fácil digestão, a banana (do árabe “banana”, que quer dizer dedo), não serviu somente à sobrevivência dos yogis, mas mostrou-se apta a alimentar os que despendiam grande esforço físico. À base de banana eram as refeições dos escravos africanos que trabalhavam na produção de cana-de-açúcar do Novo Mundo; dela igualmente se alimentaram os 600 homens que, no final do século XIX, acompanharam o célebre repórter norte-americano, Henry Stanley nas suas épicas viagens pela África central. Em Portugal, durante a Primeira Guerra Mundial, a banana foi o alimento quase exclusivo de muitas famílias na Ilha da Madeira, e nos anos 30, com o “Banacáo”, farinha de banana desidratada e aromatizada a cacau, produzida pela Sociedade Comercial e Industrial de Produtos Alimentares Tropicais, tornou-se o alimento de atletas de futebol e dos campeões de ciclismo. Designada cientificamente por Musa (os árabes chamam-lhe “mawz”), a banana viria a ser considerada medicamento, incluindo-se no tratamento da tuberculose pulmonar. Numa revista de farmácia dos anos 30, o médico português Amílcar de Sousa conta como curou um «rapaz de vinte e poucos anos». Enviou-o para a Ilha da Madeira, receitou-lhe nozes e pinhões em vez de peixe e carne, substituiu-lhe o pão por duas dúzias de bananas. Ainda não se sabia nessa altura como se sabe hoje, que uma banana amadurece por “acordar em sobressalto”. Ou seja, assim que começa a produzir etileno altera-se a sua respiração normal. O nível de açúcar sobe, e gradualmente a casca passa de verde a amarela. Por contágio, todas as bananas (ou dedos) que estão perto iniciam o mesmo processo e amadurecem em conjunto para nos agarrarem os sentidos. [A autora escreve de acordo com a antiga ortografia]
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MEMÓRIAS DE JÚLIO ISIDRO
MUITO ANTES DO ADEUS
O
Manuel Paulo de Carvalho Costa, cantor Paulo de Carvalho, chegou aos setenta. Falar de idade relativamente a certas pessoas, é constatar que o calendário da vida não é igual para todos. O Paulo está naquele grupo onde se vê a idade nos cabelos brancos, nas rugas, porventura no amplexo ventral, mas não se sente na sua prestação artística. Conheço-o desde os anos 60, quando apareceu na cena roqueira do país com os Sheiks. Havia quem lhes chamasse os Beatles portugueses, mas eu que não sou de exageros, diria que os Beatles eram os Sheiks do Reino Unido. Não conquistaram a Inglaterra como os magriços de 66, mas deram mais luz a Paris durante a sua passagem pela cidade da torre Eiffel. O Paulinho tocava bateria no grupo e, já com microfone à disposição, fazia vozes e imitava instrumentos com esse instrumento único e inimitável que é a sua garganta. Em 63/64 foram ao Programa Juvenil da RTP onde por acaso, um dos apresentadores era eu próprio. Foi um tremendo sucesso com direito a discos e muitos espectáculos pelo país fora, porque essa coisa dos concertos seria uma designação para mais tarde. O Paulinho tinha e tem jeito para muita coisa. É bom de bola e nos juniores do Benfica já se adivinhava um lugar ao lado dos veteranos Eusébio, ou Coluna. Pendurou as botas e passou a jogar descalço na Caparica onde este escriba alinhava à baliza marcada com duas toalhas. Os golos que ele me meteu…. Esta prosa não é nem podia ser uma minibiografia do nosso melhor cantor. Trata-se apenas de trazer ao presente, memórias como a estreia em Festivais da Canção com o tema “Corre Nina” em 1970. E veio depois a ”Flor sem tempo” em 1971, a “Semente” em 73 e o “Depois do Adeus ”em 74. Já lá vamos…. Aconteceu-nos a liberdade e em 1977 o Paulo entre “Os Amigos” ganhou o Festival e, lá foram todos a Inglaterra cantar a amizade. Entretanto, no Festival Internacional do Rio de janeiro, cantou a “Maria vida fria” que ainda hoje me emociona. O Paulo também mandou muitos meninos para a cama quando deu a voz à canção do Vitinho com um “boa noite” feito de ternura. A nossa amizade perde-se no tempo porque este não é flor que se cheire. Sem-
pre o tempo, sempre o tempo a correr mais depressa do que a Nina e a dizer-nos que dez anos é muito tempo mas que dele só ficam as memórias. Das minhas noites longas na Galeria 48 uma boite da nossa Lisboa com o Thilo’s Combo e o vocalista Paulo de Carvalho. O que a gente se divertiu quando gravámos a série de televisão “Sheiks com cobertura” onde eu era o Califa a quem eles mandavam sistematicamente calar. Quem não tem motivos para se calar é o Paulo que aos setenta, canta como jamais, e mostra em palco aquela segurança que só a idade pode transmitir. Neste ano, o septuagenário (que mau jeito tive para escrever esta palavra) gravou o melhor disco deste ano, onde foi buscar uma parte dos seus muitos sucessos, cantando-os com tão diferentes gerações de músicos e cantores. Não vos vou dizer quais as minhas favoritas mas posso garantir-vos que se o CD fosse de vinil como antigamente, já preci-
sava de comprar outro porque as espiras estariam gastas de tanto o tocar. Estes Duetos do Paulo parece que vão ter continuidade, e ainda bem, porque não lhe faltam canções que teimam em ficar nos nossos ouvidos e corações e também porque há muito mais gente a cantar bem para partilhar com o cantor três minutos de emoções. O Paulo também fez cinema e televisão como actor e é um bom malandreco no papel do lisboeta típico. Ao longo desta longa carreira tem sempre surpreendido o público com as suas súbitas mudanças de direcção porque só está bem onde não está. Daí o pop, o rock, a música étnica, o fado e tudo o que o seu talento permite. Quanto ao “Depois do Adeus”, já o ouvi cantar de cem maneiras, mas cheira sempre a esperança num futuro melhor. E o futuro continua a passar pelo meu amigo Paulo de Carvalho. [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
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Entrevista José António Vieira da Silva Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
“Um mercado de trabalho mais inclusivo gera uma sociedade mais rica” Da seleção nacional às pensões, do turismo sénior à migração, José António Vieira da Silva, ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, falou, sem medo das palavras, de uma das maiores potencialidades, e ao mesmo tempo um dos maiores problemas da sociedade atual: duplo envelhecimento
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epois de três dias de reflexão, discussão sobre o tema “Uma sociedade sustentável para todas as idades: cumprindo o potencial de viver mais tempo”, na 4.ª Conferência Ministerial da UNECE, e de onde saiu a Declaração de Lisboa para os próximos cinco anos, Vieira da Silva elogiou o trabalho dos portugueses, reconheceu que há muito a fazer no Serviço Nacional de Saúde, alertou para uma mudança de mentalidades e deixou claro que não é apenas uma obrigação do governo, mas de toda a sociedade, incluir os menos jovens no mercado de trabalho e em contacto direto com os mais jovens. Um não tira o ligar do outro, completa-o. O fenómeno do duplo envelhecimento – aumento da esperança média de vida e diminuição da taxa de fecundidade – é um problema das sociedades atuais, ou abre espaço para novas potencialidades? Estamos a falar de uma realidade muito complexa, com aspetos obviamente muitos positivos. O ser humano tem a ambição natural de quase viver para sempre, ou pelo menos alguns seres humanos, portanto quando aumenta a esperança média de vida, estamos a acrescentar meses ou anos a cada criança que nasce em comparação às que nasceram no ano passado. Quando hoje uma pessoa que tenha 65 anos, tem uma esperança de vida que está a caminhar rapidamente para os 20 anos no nosso país, e isso é um aspeto positivo; mas quando falamos em duplo envelhecimento também estamos a falar de uma sociedade que está a
ficar desequilibrada do ponto de vista demográfico. Temos que repensar a sociedade para que possa funcionar com um padrão de uma estrutura etária que é muito diferente daquele no qual vivemos durante décadas; as mudanças foram sucedendo-se, a sociedade adaptandose; em muitos países, e em particular no nosso, esse processo do duplo envelhecimento acelerou-se do lado mau; da recessão demográfica, da recessão da natalidade, e dimensão migratória. O equilíbrio de uma sociedade fazse muitas vezes pela riqueza das suas migrações. E nós que tivemos em Portugal durante muitos anos um saldo positivo, chegavam mais pessoas do que aquelas que saíam, com a crise económica evoluímos para uma situação inversa, onde centenas de milhares de pessoas abandonaram o país e empobreceunos. Inevitavelmente é tudo isto que é o duplo envelhecimento, e nós temos que combater os aspetos negativos. Qual a visão estratégia que o sr. ministro, o governo, tem para dar resposta aos desafios que se colocam às políticas públicas quando falamos em viver mais tempo, e viver mais tempo com qualidade? Já agora, acha mesmo inevitável o aumento da idade da reforma, e a preocupação com as pensões, parece excessiva? A questão das pensões parece a mais óbvia mas nem sei se será a mais decisiva. Há outras menos óbvias, quando pensamos que vivíamos num sistema educativo que contava com um nascimento anual acima das 100 mil crianças e atualmente são menos
de 90 mil, se projetarmos isso a longo prazo vamos ter que responder a um sistema educativo (escolas, creches, equipamentos pré-escolares) que estão a ter dificuldade em se manterem perfeitamente funcionais; se falarmos no sistema nacional de saúde, estamos a pensar num sistema de saúde onde cresce a importância relativa dos cuidados com os mais velhos, e diminui a pressão dos cuidados com os mais jovens, crianças, com outras etapas da vida. Obviamente que a Segurança Social seja aquilo que salte mais à vista porque desde logo os nossos temas, como em qualquer outro país, dependem muito da riqueza que é criada no momento para pagar pensões a pessoas que em grande parte já não participam na produção de riqueza, mas é assim que as sociedades sempre viveram. Essas são áreas que nós temos que investir e adaptando sem cair na tentação de fazer mudanças radicais, porque raramente são bem-sucedidas, mas tendo a noção de que tendo nós esta recessão demográfica, ainda assim, entre desempregados e inativos, em idade de trabalhar, nós temos um milhão e 300 mil pessoas no nosso país, portanto, nós temos no nosso país uma almofada de recursos humanos (mulheres e homens, muitos deles querendo trabalhar, ou não procurando emprego) que se pudesse regressar ao mercado de trabalho mudava muita coisa e mudava para melhor. Há espaço para todas as idades no mercado de trabalho? Há espaço para a intergeracionalidade?
Durante alguns anos foi dominante a ideia de que as pessoas com 50, 55 anos eram um encargo, e as empresas que se conseguiam livrar delas, e contratar pessoas mais novas, estavam a ter sucesso e as suas ações até subiam na bolsa; isso foi durante muitos anos a ideia comum, era o chamado downsizing, e hoje percebemos que esse downsizing está em desuso porque muitas empresas começaram a perceber que precisam dos trabalhadores com mais idade, dos menos jovens – porque aqueles que tem 50 ou mais anos, têm o mesmo direito ao trabalho como tantos outros – e esta conferência valorizou como nunca essa dimensão. A sociedade tem dificuldade em responder aos problemas que vão surgindo se não tiver a contribuição de todas as idades; se se perder a contribuição daqueles que transmitem o conhecimento, dos menos jovens, que muitas vezes têm dificuldades em se adaptar às novas técnicas, mas que não deixam de ter muito a transmitir, e se perdermos isso a resposta ao desafio demográfico será muito mais difícil. Temos que consolidar esta ideia, a ideia de que não é apenas uma obrigação cívica, moral ou política de que nos temos de entregar, todos sem exceção, mas sim uma necessidade da sociedade valorizar esses segmentos, e esse salto, esse passo, que demora a ser consolidado, passa pelo plano político, social e cultural. A principal dificuldade passa por uma mudança de mentalidades? A sociedade ainda não está consciente de que em 2030 as pessoas com 65 anos ou mais vão representar mais de um quinto da
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Beatriz maduro
população em mais de 50 países? Ainda hoje é muito comum ouvir “porquê aquela pessoa, que tem uma idade muito avançada, porque é que não vai embora para dar lugar aos outros, aos mais jovens?” Parece uma ideia óbvia. Na realidade os estudos de países de diferentes sociedades mostram-nos que os países que têm mais gente a trabalhar com mais idade são os mesmos que têm mais capacidade de integrar os jovens. Pode parecer um paradoxo mas é verdadeiro. Porque um mercado de trabalho mais inclusivo gera uma sociedade mais rica, e uma sociedade mais rica tem mais capacidade de incluir os jovens. Um indivíduo com 65 anos que vai deixar de trabalhar não vai deixar de existir, vai ter necessidade de receber pensões, e tem que haver uma despesa para suportar isso. Há aqui uma perda de criação de riqueza e não uma diminuição da despesa com essa pessoa, portanto a sociedade não ganha assim tanto como se pensa. A ideia assumida explicitamente de que havia e há uma espécie de conflitos de gerações dos mais novos e menos jovens é uma ideia falaciosa, e que tem prejuízo grande do ponto de vista de comunidade e do seu sentido de pertença. Já faz parte do senso comum os mais jovens e os menos jovens não coexistirem no mesmo espaço… Isso é um combate muito duro. É a mesma coisa do que a imigração. Uma pessoa sair do país para ganhar um ordenado maior é bom, mas quando isso se transforma num movimento em grande número torna-se um problema.
“As gerações que não tenham o reconhecimento do contributo dos mais velhos são gerações mais pobres, e o envelhecimento é muito mais duro quando se corta o relacionamento com os mais jovens”
Começa a faltar alguma coisa à sociedade, do ponto de vista económico, social, do domínio dos afetos e qualidade de vida, começa a faltar alguma coisa. Portanto, temos que ser mais exigentes e não ir pelas afirmações que parecem óbvias e valorizar mais a reflexão técnica, e por isso é que estas conferências são importantes. Qual a importância para Portugal de receber e participar na conferência da UNECE sobre o envelhecimento? Qual o impacto para o nosso país? Portugal foi convidado a organizar esta conferência e aceitou, num momento difícil, há mais de um ano. É um trabalho exigente, estavam aqui mais de 50 países, zonas da Europa que não é tradicional estarem em Portugal, Rússia, Arzebeijão, e por nosso convite países fora da Europa de Língua Oficial Portuguesa. Da comunidade internacional estavam muitas organizações; e a nossa capacidade, não apenas de organizar, mas de trazer toda esta gente, produzir resultados e de ser assinada aqui a declaração de Lisboa é importante; obviamente que depois as pessoas se irão esquecer dela, mas durante cinco anos a reflexão deste tema tem uma marca, e essa marca foi também resultado da nossa capacidade de trabalho, de organização, e isso do ponto de vista internacional é bastante valioso. Não tivemos problemas de segurança, não tivemos problemas de organização, tenho um grande orgulho no trabalho das pessoas que fizeram e colaboraram e também no espírito de solidariedade. Nós organizámos, numa situação em que não abundam recursos financeiros, esta conferência apenas porque várias instituições públicas e privadas deram apoio e quiseram fazer parte deste momento. Os portugueses têm esta característica de ajudar, de fazer parte de um bem maior. Nós temos uma grande qualidade, temos uma espécie de horror em ficarmos mal, em ficarmos mal na fotografia, especialmente quando estão convidados. Quando estamos sozinhos em casa e o arroz fica queimado … mas quando estão convidados … nós temos esse brio, é muito nosso, talvez se o conseguíssemos estender para todas as dimensões da vida fossemos um país mais próspero. Quando está em causa a nossa imagem externa fazemos como às vezes faz a seleção de futebol, vamos descobrir alguém que mete um golo numa altura improvável. O sr. ministro foi o Éder da conferência? Não, aqui foi um trabalho de muita gente. Eu não fiz nada, eu apenas sirvo de ponto de referência. Também não posso dizer que sou o Ronaldo porque isso seria excessivo e já há um membro do governo com essa identificação. Só sou chamado quando há mesmo uma decisão que precisa de ser tomada, e que ninguém mais pode tomar. Para o restante, as pessoas têm muito dinamismo e autonomia. É inevitável não falar da Fundação Inatel que tem nas suas áreas de missão o debate do envelhecimento ativo, é uma das prioridades e muitos dos projetos vão nesse sentido. Como é que vê o papel da Fundação nesta área? Tem uma perspetiva precursora… talvez as razões sejam mais conjeturais ou menos profundas, mas a Inatel, que nasce e que tem uma vocação dirigida ao mundo do trabalho, desde há muitas décadas, começou a desenvolver uma forte presença junto dos mais idosos,
de alguma forma é um instrumento do envelhecimento ativo e por isso não me surpreendeu que tivesse uma tão grande disponibilidade para ser uma das peças tão importantes da organização desta conferência, porque isso já faz parte do código genético, da sua missão. No termalismo sénior, no turismo sénior, e até nos desportos radicais, a Inatel construiu uma história que é muito exemplar que vai desde a presença nos mais jovens até à sua presença junto dos mais idosos duma forma organizada. Como é que a Inatel, com o turismo sénior, poderá participar nas políticas do envelhecimento ativo? Foi dito na conferência por um investigador português e pelo Ministro da Saúde aquela que é uma verdade dura. Aumentamos a esperança média de vida sem conseguirmos melhorar significativamente a qualidade de vida dessa esperança que vai aumentando. Isso tem a ver com problemas de saúde, temos que dar respostas na área da saúde, mas não só. A ativação dessas camadas, dos menos jovens, através de programas como o turismo sénior, são um instrumento de manutenção das pessoas mais ativas, com mais capacidade de resposta, com mais capacidade de resolverem os seus problemas, com mais saúde, e desse ponto de vista, esse programa, tem um papel muito importante. Estamos a tentar relançar o turismo sénior que foi quase destruído – é mais fácil destruir do que construir – mas estamos a trabalhar nesse sentido. Isto é uma resposta que não é apenas do governo, nem das instituições públicas ou sociais, é uma resposta que tem que ser de toda a sociedade. Temos que mudar algumas dimensões da forma como vemos esta relação intergeracional mas isso é um trabalho longo. A palavra “velho” incomoda? Como é que vê as relações de hoje entre os mais novos e os mais velhos? Eu normalmente não tenho problemas com as palavras. Vivemos um período muito duro desse ponto de vista, vivemos um período em que quase foi estimulada uma relação de antagonismo. Quer do lado dos mais jovens, quer do lado dos mais velhos; e não foi raro ouvir na esfera familiar: “Vai embora que me estás a roubar o espaço”; ou outro a dizer: “Não quero saber, a pensão é minha porque fui eu que a ganhei”, estou a sintetizar conversas que de uma forma ou outra são frequentes, estou a caricaturar aquilo que se passou na nossa sociedade não há muitos anos, e isto é terrível para uma comunidade, porque fragiliza todos os segmentos. As gerações que não tenham o reconhecimento do contributo dos mais velhos são gerações mais pobres, e o envelhecimento é muito mais duro quando se corta o relacionamento com os mais jovens. Não é por acaso que as instituições sociais onde coexistem respostas sociais para os mais velhos e para as crianças normalmente funcionam melhor, para quem não sabe esse convívio tornase natural e muito produtivo. É uma reprodução de algo que é natural na nossa vida: quem é que não tem uma imagem positiva, uma memória afetuosa dos seus avós? E que avós é que não olham para os seus netos como um prolongamento da sua vida? Se a sociedade como um todo não faz isso está a empobrecer.
Maria João Costa
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Zé, o nome que nasce com Futebol Inatel Vive o associativismo, e acredita que é seu dever mantê-lo ativo. Cresceu com o futebol da Inatel e foi feliz ao fazer parte dele. Hoje é um romântico e um colecionador pelo que foi e pelo que é o desporto coletivo da Fundação Inatel
“A
minha mulher até me mandou pentear o cabelo para a gravação”, foi assim que o José, ou antes, Zé, como prefere ser chamado, nos recebeu em casa, num apartamento do terceiro andar, em São Domingos de Benfica. Os 66 anos não escondem a alegria que tem no que faz, apesar de ser reformado, continua muito ativo, e é no associativismo e no futebol que encontra a sua grande paixão. O primeiro pontapé na bola e contacto com a Inatel foi aos 11 anos, no Campo do Padre, em Lisboa, quando vibrava com os jogos da equipa da Fábrica Companhia dos Telefones. Os campeonatos vividos no campo não eram apenas distritais, eram nacionais, e o entusiasmo e as rivalidades entre equipas já se faziam notar. Estávamos em 1960. Depois de praticar futebol na Escola dos Irmãos Rebelo, de ter estado 26 meses no Ultramar, onde também se dedicou “à bola”, foi como engenheiro eletrotécnico na Efacec que viveu, em pleno e na primeira pessoa, o entusiasmo do futebol. “Associava o grupo desportivo da empresa onde estava com aquilo que já tinha vivido no campo
CCD Efacec de 1984/85. O desaparecido Campo do Prior Velho. Nesta página, em cima, a Taça Monumental FNAT. A taça era entregue ao CCD que ganhasse 5 títulos Nacionais, esses foram o GD do Pessoal da Companhia dos Telefones.
onde jogava a equipa da companhia dos telefones”. Trabalhavam das “nove às seis”, e no final do dia “dávamos uma perninha” no Parque de Jogos 1.º de Maio Inatel; era esse o estádio que enchia de claques (familiares, amigos, funcionários), de jogadores, de quarta a domingo. Havia sempre jogos a acontecer, mas era “no fim de semana, das nove da manhã às oito da
noite que ninguém saía dali. Podíamos ter um jogo apenas às quatro, mas íamos mais cedo, comíamos uma bucha e ficávamos a conversar ”. Criavam-se amizades, conviviam, e é esse o segredo para as associações se manterem vivas e ativas, as amizades e o convívio. Andava o Zé ainda a jogar com o número 11, a extremo esquerdo, quando já participavam na Inatel cerca de 137 equipas, divididas em 3 categorias: A 3.ª com elementos mais velhos, os “quarentões”, como disse o sr. Zé. A 2.ª e a 1.ª eram constituídas por clubes de “grandes fábricas e de CRT – Centros de Recreio Populares e CPT – Centro Popular de Trabalhadores”. Chegou aos quarentões, aliás, chegou aos “cinquentões”, idade com que deixou de jogar futebol. E foi quando guardou as chuteiras que decidiu levar a “brincadeira” do associativismo mais a sério. Em 1987 entra para o Bairro de São João (criado em 1984) como presidente do Conselho Fiscal, onde está até hoje, agora como presidente da Direção. Um desafio que lhe lançaram por ser quem é. “Gostavam de mim”, deixa escapar a medo. O Zé diz não gostar de mediatismo, mas sabe que sempre foi muito querido por todos. Mas não esconde o que para muitos era visto como defeito. “Na minha vida pessoal e na vida do associativismo levo as coisas muito a sério, sou muito organizadinho, e a malta às vezes dizia “este Zé Augusto é uma coisa danada, não falha nada com ele”, diziam que levo as coisas demasiado a sério; por isso é que costumo dizer que o Bairro São João é uma brincadeira séria, só assim é que consigo viver.” E foi a sério que começou a organizar todo o material recolhido ao longo dos anos sobre o futebol Inatel, e foi a sério que contribuiu para a escrita e edição do livro de João Gonçalves, “Futebol Inatel 75 anos”. “Toda a informação que ia encontrando guardava em pastas e envelopes. Reformei-me, e esta coisa que tenho pela Inatel, e de conhecer muita gente da Fun-
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dação, como a Maria do Carmo, uma excelente profissional… e como sempre gostei de frequentar a biblioteca, de ler e pesquisar, pensei: porque não desembrulhar esta história da Inatel? E ainda hoje vou descobrindo coisas de há muitos anos, correções que venho a descobrir e a fazer ”, conta, de capa na mão enquanto tenta explicar o pensamento com as mãos e os braços que não para de mexer. Fala com o coração e com as mãos. A proposta de João Gonçalves deixou-o “muito satisfeito por dar essa contribuição e continua a dar nossa contribuição, hoje em dia; porque também é esse o papel dos dirigentes associativos – que é o meu caso; e eu tenho uma ligação muito forte com a Inatel. O meu mundo foi ali, foi muito gratificante e entusiasmante – foi ali que joguei, que conheci grande parte das minhas amizades”. E se lhe perguntarmos o que é que o futebol tem de especial … “não sei, pergunta bem … não sei, sei que é entusiasmante”, e é com quem está casado, porque a mulher com quem subiu ao altar “já costuma dizer que é minha amante”, em jeito de brincadeira. De todas as pesquisas que já fez houve uma que lhe revelou o que há muito desejava saber, – “esclareci a dúvida que eu tinha, a nível empresarial, todos os empresários tinham uma preocupação nas suas empresas, ter equipamentos desportivos para os seus funcionários. A Boa Reguladora de Braga, Companhia dos Telefones, fábricas em Castelo
28 de Junho de 1959: Inauguração do Estádio da FNAT, atual Estádio 1.º de Maio. Ao lado, foto de 1989/90. Com o filho de 6 anos na Equipa do B.S. João que já estava na 1.ª Categoria da Inatel. Foto tirada no Estádio 1.º de Maio
Branco e Portalegre também – e hoje nada disso se passa, hoje os CCD das empresas praticamente nem ligam” e talvez seja por isso que a partir dos anos 90 muitas das equipas da Inatel tinham terminado, depois de um “boom” entre 1983 e 1990. “A maior parte das equipas deixou de apostar – já não tínhamos gente para dinamizar, a malta vai embora …. e futebol já dava chatices, sempre deu”. Mas não há chatice que faça com que o Zé pense em abandonar o Bairro São João, o associativismo, “não deixo, só quando fechar os olhos.” E até lá ainda quer descobrir mais equipas, atletas, taças, fenómenos, para completar a obra. “Santarém é um polo de entusiasmo; é algo que gostava de explorar mais, é uma coisa que ainda não consigo perceber o entusiasmo de todas as povoações, lado a lado, e cada uma tem o seu campo. É um entusiasmo que não se explica e quero perceber.” O Zé, depois de nos ter recebido e uma hora de conversa já tinha coisas “a fazer ”, tinha que ir ao Bairro São João, e ia continuando a recolher informação sobre a nova época, agora em post e comentários do facebook. Mas antes de se despedir quis deixar um pedido especial: “A maior prenda que a Inatel me podia dar é deixarem-me ir ao pavilhão de Póvoa Santo Adrião vasculhar, ainda preciso de muito para ter a minha obra completa.” A Inatel quer ver essa obra completa.
Maria João Costa
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Madeira
Renovar a esperança
Doze badaladas. Doze passas. Doze desejos. Votos, planos, promessas. Tradições, superstições, memórias. O famoso fogo de artifício do Funchal faz brilhar o céu e o Atlântico
FIM DE ANO NA MADEIRA Partidas de Lisboa e Porto: 30 de dezembro a 3 de janeiro Informações: Tel. 211155779 | turismo@inatel.pt | www.inatel.pt
A
temperatura é amena. Passeamos pela zona antiga do Funchal, que integra o núcleo histórico de Santa Maria, datado de 1425, início do povoamento da ilha. Desta época, o núcleo preserva o traçado urbano, a capela do Corpo Santo e uma pequena porta manuelina. Continuamos até ao Mercado dos Lavradores, construído em 1941, onde estão expostos legumes e frutos exóticos, orquídeas, estrelícias, antúrios e flores secas de todas as cores. Seguimos caminho para visitar uma fábrica de bordados, onde assistimos à execução de alguns trabalhos do famoso artesanato regional. Mais tarde, no Jardim Botânico apreciamos inúmeras plantas tropicais de todo o mundo. No dia seguinte, a primeira paragem é na Camacha, pequena vila situada a poucos quilómetros do Funchal, muito conhecida pela indústria de vime e pelos grupos tradicionais de folclore. Continuamos em direção ao terceiro pico mais alto da ilha, o Pico do Arieiro (1.818 m de altitude), que oferece uma vista deslumbrante. Desce-
mos em direção à costa norte, com destino ao parque natural de Ribeiro Frio, local conhecido como ponto de partida para alguns passeios nas levadas. Continuamos até Santana, vila caracterizada pelas pequenas casas triangulares cobertas de palha. Ainda passamos por Porto da Cruz, Portela e Machico, onde João Gonçalves Zarco desembarcou pela primeira vez na ilha.
Ao longo dos tempos, com ou sem arrependimentos, há uma variedade de tradições e superstições que remetem para a ideia de esperança renovada, entre outras, vestir uma peça de roupa nova, entrar com o pé direito, subir um degrau com dinheiro na mão, fazer barulho para afastar os maus espíritos, deitar fora um objeto velho, dar um mergulho no mar.
Celebrar a passagem de ano
Ano novo, viagem nova
A noite de réveillon, cuja origem francesa (verbo réveiller) significa despertar, tem lugar no Hotel Pestana Casino Park. Um jantar especial antecede o grande espetáculo pirotécnico da Madeira, preenchendo o céu de luzes e cores à hora esperada, ano após ano, para brindarmos à passagem do tempo. Na Lenda da Noite de São Silvestre, segundo Gentil Marques, o jovem santo diz à Virgem Maria que a última noite do ano poderia assinalar “uma fronteira entre o passado e o futuro”, tendo a finalidade de “os homens se arrependerem dos erros cometidos e prometerem, a si próprios, esperança de melhores dias”.
No segundo dia do ano passeamos pela costa sul, com paragem na vila piscatória de Câmara de Lobos. Continuamos em direção ao Cabo Girão, o promontório mais alto da Europa. Seguimos para a Ribeira Brava. Depois de uma breve pausa continuamos até à costa norte, atravessando a Encumeada. Passamos por São Vicente, uma das mais antigas povoações da ilha, conhecida pelas pitorescas ruas e igreja barroca. Seguimos para Seixal e chegamos a Porto Moniz para ver as piscinas naturais. O regresso será feito pelo Paul da Serra, o único planalto da ilha (cerca de 1.600 m de altitude), com tonalidades surpreendentes em todas as estações do ano.
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Na mesa com
Valéria Olivari
nicole sánchez
“E DR
sta receita remete-me muito para o Peru e para a minha infância junto das Cholas, as mulheres dos Andes que trabalham sobretudo como empregadas domésticas. Mulheres por quem tenho um grande carinho porque são símbolo de coragem e determinação, por isso, criei o Atelier Las Cholas, em Arroios, Lisboa, onde sirvo jantares de degustação peruanos. Mas escolhi também esta receita porque a quinoa é um dos superalimentos peruanos com imensos benefícios para a saúde. Só para dar alguns exemplos, melhora o sistema imunitário, protege de doenças cardíacas, retarda o envelhecimento, alivia a hipertensão, protege da osteoporose, reduz os diabetes e a enxaqueca, entre outros. Basta pesquisar um pouco e vai ver que tem excelentes motivos para inserir a quinoa na sua alimentação.”
Salada Real de Quinoa Ingredientes (para 4 pessoas) 2 Chávenas de quinoa preta; Rúcula q.b.; 80 gr de Passas de uva; 40 gr de Nozes; 16 Tomates cherry; 1 Pimento vermelho; 1 Abacate;100 gr de Cogumelos; Coentros picados q.b.
Preparação Comece por cozer as duas chávenas de quinoa em quatro chávenas e meia de água. Deixe arrefecer. Depois basta misturar a quinoa com o abacate cortado aos cubos, as passas, nozes, cogumelos crus laminados, coentros e os pimentos em tiras finas. Para empratar comece por colocar a rúcula e as metades de tomate cherry nos pratos cobrindo depois com a mistura de quinoa. Para temperar basta adicionar um bom azeite, sumo de lima e sal. Boa viagem aos sabores do Peru.
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Beatriz maduro
Agenda da ONU: Debates para transformar o mundo
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Piódão é uma das 7 Maravilhas de Portugal
A Aldeia Presépio venceu na categoria de Aldeias Remotas
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epois de dois meses de votação entre as 40 aldeias selecionadas para integrar as 7 Maravilhas – Aldeias de Portugal, num ano em que se celebram 10 anos após a primeira iniciativa, os sete monumentos mais relevantes do património arquitetónico português, já se conhecem os vencedores. O público participou, votou e elegeu as 14 finalistas – duas por cada categoria –, as sete vencedoras foram reveladas numa Gala no Piódão, no concelho de Arganil,
no dia 3 de setembro: Dornes, na categoria de Aldeias Ribeirinhas, Sistelo, de Aldeias Rurais, Fajã dos Cubres, de Aldeias de Mar, Piódão, na categoria de Aldeias Remotas, Castelo Rodrigo, de Aldeias Autênticas, Monsaraz, na rubrica de Aldeias Monumento e Rio de Onor, de Aldeias em Áreas Protegidas. Estas 14 finalistas estiveram em votação ao longo de uma semana, em Portugal e em vários países europeus. As sete mais votadas em cada categoria fazem agora parte do roteiro das 7 Maravilhas, ao
lado do património histórico e natural, gastronomia e praias. Na entrega dos prémios estiveram Bernard Weber, fundador da New7Wonders Foundation, Regina Neves, uma bombeira voluntária da Corporação de Coja, os campeões mundiais Inês Henriques e Fernando Pimenta, Eduardo Cabrita, ministro-adjunto, Ana Paula Vitorino, ministra do Mar, e João Pedro Fernandes, ministro do Ambiente. Já há ideias para as próximas Maravilhas e em breve será anunciado o tema.
Clássicos do cinema no Salão Piolho
A “À Espera de Beckett”
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espetáculo recria três episódios específicos das três montagens de “À Espera de Godot”, que se tornaram referências na carreira do encenador Ribeirinho. Quatro atores tentam ensaiar esta peça de Beckett em momentos particulares da história de Portugal: a seguir às eleições de 1958, a seguir à morte de Salazar e finalmente, num epílogo africano, com o país à beira da Revolução. Texto e encenação de Jorge Louraço, assistência de encenação de Tânia Guerreiro, direção de produção de José Luís Ferreira, e no elenco, entre outros, Estevão Antunes e Pedro Diogo.
2.ª edição do Salão Piolho, organizada pela Fundação Inatel, decorre nos dias 16, 17 e 18 de novembro, em Lisboa. Na capital existiram mais de 100 salas e salões de cinema desde a primeira exibição cinematográfica nacional, ocorrida a 18 de junho de 1896, no Real Colyseu de Lisboa, na avenida Almirante Reis. Entre tantos espaços reservados à 7.ª arte são raríssimos os que chegaram até aos nossos dias, cumprindo a sua função original. Este evento, dedicado a alguns destes espaços, pretende “devolver aos lisboetas a magia de outrora”, passando este ano, entre outros, pelo Cinema Promotora (1912-1989), atual Sociedade Promotora de Educação Popular, em Alcântara, e Salão Foz, inaugurado em 1908. No Salão Piolho é possível ver grandes clássicos do cinema, como “The kid” de Chaplin, e ouvir bandas sonoras, em tempo real, compostas por Nuno Costa e Óscar Graça. A entrada nas sessões é gratuita para os associados da Fundação Inatel.
Fundação Inatel organiza um ciclo de conferências para debater os 17 objetivos da Organização das Nações Unidas (ONU), no âmbito da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, que ao longo do ano – e até 2018 – tem trazido à discussão diversas metas com a resolução de “transformar o nosso mundo”. Os três primeiros debates decorreram na Ilha das Flores (Açores), em Lisboa e Coimbra, referentes aos temas, “Proteger a vida marinha”, “Erradicar a Pobreza” e “Saúde de Qualidade”. Em novembro, dia 20, no grande auditório do ISCTE, a Inatel promove o painel “Educação dos adultos – realidade atual”, integrando o congresso da “Semana Aprender ao Longo da Vida”, organizado pela Associação O Direito de Aprender, que se dedica ao tema da educação para adultos num mundo digital, e que desenvolverá também o tema da educação inclusiva, bem como a promoção da educação ao longo da vida.
Teatro da Trindade – 150 Anos
N
o dia 30 de novembro celebram-se os cento e cinquenta anos do Trindade com vários acontecimentos. “Todos Aplaudem com Delírio os 150 Anos do Trindade”, uma exposição que homenageia o público, concebida por José Carlos Barros. Lançamento de dois livros, “Francisco Ribeiro – O Instinto do Teatro”, de Ana Sofia Patrão e “O Teatro da Trindade – 150 Anos de Espetáculos”, de Paula Magalhães, um projeto do Teatro da Trindade Inatel, em colaboração com o Centro de Estudos de Teatro da faculdade de letras da universidade de Lisboa. Apresentação de “Todo o Mundo é um Palco”, na sala Eça de Queiroz. Estreia de “À Espera de Beckett”, na sala Estúdio que, após obras de adaptação, permitirá a acessibilidade a espectadores com mobilidade reduzida.
TL set-out 2017 19
Musicando Por Luís rei
Coluna DO provedor
O Ciclo Mundos em modo exploratório
Manuel Camacho
A
segunda temporada do Ciclo Mundos recebeu, no passado mês de Junho, duas das mais carismáticas figuras do universo das músicas do mundo: Natacha Atlas e Mário Lúcio. A 11 de Outubro e a 12 de Dezembro sobem ao palco do Teatro da Trindade Inatel a libanesa e parisiense Yasmine Hamdan e a dupla experimentalista da checa Iva Bittová e do sardo Paolo Angeli, respectivamente
Natacha Atlas e Mário Lúcio Apesar de mais curta, a temporada de 2017 do Ciclo Mundos já nos ofereceu dois momentos verdadeiramente inesquecíveis que serão certamente lembrados quando efectuarmos as listas dos melhores concertos do ano. O primeiro momento protagonizado pela anglo-egípcia Natacha Atlas que trouxe ao Trindade um espectáculo de etno-jazz maduro e de arranjos refinados, interpretados por uma banda assaz competente com o palco livre para o improviso e virtuosismo dos instrumentistas. Estratégico aquele enorme sofá em cima do palco, não só para Natacha Atlas apreciar devidamente os momentos instrumentais, como para outros elementos da banda se deleitarem com os solos de violino pelo director musical Samy Bishai, ou de piano por Alcyona Mick. O segundo momento protagonizado por cantautor, poeta, romancista, artista plástico e ex-ministro da cultura de Cabo Verde, Mário Lúcio, que nos ofereceu um concerto-tertúlia de quase três horas, em modo de rodagem de hipotético documentário sobre as origens e o desenvolvimento do género musical funaná, tão popular quanto eclético, abordado no seu último álbum “Funanight”. E é exactamente para noites como esta que o Ciclo
Mundos existe. Para que um artista possa cantar, alertar, explicar, conversar informalmente com o público, sem estar a olhar para o relógio a gerir o tempo de um concerto que não pode exceder os 50 ou 60 minutos habituais no formato típico de um festival com uma dezena de atrações diárias.
Yasmine Hamdan No retomar pós-férias do Ciclo Mundos, a 11 de Outubro, o Teatro da Trindade recebe a jovem e multifacetada artista libanesa e parisiense Yasmine Hamdan que editou este ano o seu segundo álbum a solo “Al Jamilat” (“The Beautiful Ones”), novamente via editora belga Crammed Discs de Marc Hollander. “Al Jamilat” é mais um ousado disco de uma dream pop e uma folk pastoral em língua árabe repleta de ambientes e ruídos electrónicos, oníricos e minimalistas, que parecem ter sido produzidos por alquimistas islandeses (como os Sigur Rós, os Múm ou Ólafur Arnalds). Canções ora doces, ora ácidas extremamente cinemáticas. Aliás, o universo da criação e interpretação de música para cinema está-lhe no sangue. Desde 2002, altura em que gravou com o seu outrora projecto electro-pop Soapkills parte da banda sonora da obra-prima do cinema árabe “Intervenção Divina”, do seu marido e cineasta palestiniano Elia Suleiman que, curiosamente, inclui nomes como o de… Natacha Atlas. Há quatro anos atrás, altura em que gravou o disco de estreia a solo “Ya Nass”, Yasmine deixou na retina de todos os cinéfilos a belíssima e melancólica canção “Hal” no filme “Só Os Amantes Sobrevivem” de Jim Jarmusch. “– Yasmine, she’s lebanese, i’m shure she will be very famous”. Palavras da actriz Tilda Swinton na pele de Eve. Acreditamos plenamente sim. Yasmine Hamdan será famosa à sua maneira.
Iva Bittová e Paolo Angeli O Ciclo Mundos de 2017 encerra a 12 de Dezembro com um espectáculo verdadeiramente vanguardista e experimental que resulta da união improvável de duas singulares e mutantes figuras que usam o free jazz, a clássica contemporânea, músicas tradicionais mediterrânicas e dos balcãs como camadas sobre camadas de uma performance que ultrapassa géneros musicais. A checa Ivá Bittová é, a par da norte-americana Meredith Monk ou da espanhola Fátima Miranda, uma das artistas que melhor conhece todas as potencialidades, técnicas, tonalidades desse maravilhoso instrumento chamado voz. À parte disso é uma exímia violinista de formação clássica e de sangue cigano da região checa da Morávia. O italiano Paolo Angeli é um peculiar instrumentista e construtor de uma guitarra sarda preparada de 18 cordas, híbrido entre guitarra, barítono, violoncelo e bateria que desde que apresentou na WOMEX (maior feira de músicas do mundo) a sua curiosa invenção, não tem parado de dar espectáculos a solo nos quatro cantos do mundo. Recentemente, editou o duplo álbum “Talea” que inclui gravações das suas performances de 2015/16 efectuadas no Japão, Brasil, Austrália, Estados Unidos e Turquia. Um repertório edificado à base de técnicas de improviso, do jazz e da clássica contemporânea ao noise rock, ancorada na música tradicional da Sardenha e do Mediterrâneo. Ivá Bittová e Paolo Angeli propõem-nos então uma assombrosa e agitada viagem de montanha russa, sem freios, na qual circularemos à velocidade luz, com os cintos bem apertados, entre Cagliari (Sardenha) e Brno (Morávia). [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
provedor.inatel@inatel.pt
D
urante mais de 4 décadas, todos os anos, no mesmo local e mais ou menos na mesma altura, eles faziam “aquelas” férias. Eram duas semanas de fuga à rotina que tinham como objetivo principal “carregar pilhas” para a rentrée – o trabalho, a escola e os quotidianos que identificavam cada um deles. Naquele ano, a ausência de alguns dos mais velhos, dera lugar ao aparecimento de mais carrinhos de bebé… e também naquele ano, muitos constataram, com um sorriso nos lábios, que em breve seriam eles a integrar o “escalão” dos mais velhos. Isso trazia-lhes uma sensação de felicidade tranquila ao recordar todos os bons momentos vividos, ao mesmo tempo que sentiam alguma melancolia por saberem que nada se repete e que o futuro é quase sempre imprevisível. Durante todos esses anos trocaram experiências, fizeram amizades, travaram conhecimentos. Falavam de trabalho, de lazer, da evolução profissional e/ou escolar, da família. À conversa vinham os amigos, os conhecidos comuns e os acontecimentos do ano que passara, cada vez mais depressa. Invariavelmente, aquelas duas semanas passavam a correr, melhor dizendo, a voar. Davam-se conta, então, que um dos objetivos para o ano seguinte, era poderem voltar àquele local como já o haviam feito tantas vezes. E voltavam, como sempre, porque aqueles dias faziam parte de uma história que seria sempre contada com igual entusiamo em cada ano das suas vidas.
20 TL SET-OUT 2017
Trindade Todo o [amor do] Mundo no Palco “Todo o Mundo é um Palco”, fazendo ressoar a frase original de Shakespeare, vai buscar a sua inspiração e matéria ficcional mais profunda às histórias e narrativas dos seus intérpretes, num elenco que combina atores profissionais com pessoas que trazem, de uma forma literal, a diversidade do nosso mundo ao palco do Trindade
O
convite para a realização do espetáculo principal das comemorações dos 150 anos do Trindade nasceu depois de Inês de Medeiros, diretora do Teatro da Trindade e vice-presidente da Fundação Inatel, ter visto anteriores trabalhos do Arena Ensemble (projeto de Marco Martins e Beatriz Batarda) em colaboração com a CCTAR, junto dos trabalhadores dos Estaleiros de Viana do Castelo ou da Comunidade Cigana de Sanguedo. Surgiu assim “Todo o Mundo é um Palco”, projeto multidisciplinar para a criação de um espetáculo reflexivo e especulativo na sua forma, contando com a participação de atores e não atores, cerca de vinte habitantes (do triângulo Mouraria/ Chiado/ Campo Mártires da Pátria), portugueses nativos e imigrantes. Para os encenadores Beatriz Batarda e Marco Martins, “o ponto de partida para este espetáculo, desde logo denunciado pelo seu título, seria então o desejo de proceder a uma reflexão sobre o lugar do teatro na sociedade contemporânea criando um dispositivo dramatúrgico que nos permitisse colocar o espectador no centro do palco. Não se tratava de criar um espetáculo de teatro comunitário, mas sim uma espécie de ‘objeto total’ em que se quebrassem as habituais fronteiras entre intervenientes (atores) e espectadores”. E acrescentam: “Ao comemorar os 150 anos deste teatro fazia-nos sentido olhar para uma cidade em profunda mutação e trazer para o palco a população dos bairros circundantes do Teatro da Trindade. Foi assim que, depois de alguns meses de investigação, chegamos a este elenco de mais de vinte pessoas que representam a grande diversidade e pluralidade da atual população lisboeta fruto dos grandes surtos migratórios europeus dos últimos anos. Um grupo que encerra em si mesmo as grandes questões políticas e sociais que se colocam a uma sociedade em profunda mudança.” Tratou-se de um processo de trabalho de vários meses com um grupo onde, para além dos profissionais Romeu Runa, Miguel Borges e Carolina Amaral, se estabilizou um elenco onde convergem países como a Síria, Brasil, Angola, Alemanha, Guiné, Cabo Verde, Portugal, Bangla -desh, Argélia, França e Itália. O percurso de trabalho contou também com vários workshops de improvisação teatral, corpo e movimento, música e storytelling. Paralelamente a alguma divulgação junto de grupos e comunidades, o trabalho de seleção dos participantes contou com a investigação na rua, através de entrevistas e conversas realizadas por Zé Pires. Marco Martins e Beatriz Batarda, tendo como referência a linha de força que tinham proposto para o espetáculo, que era a da relação do teatro com a representação e com a não representação, e através de uma grande abertura à capacidade de improvisação dos atores e atrizes, criaram um dispositivo de comunicação engenhoso que permite, dentro da ficção, encontrar espaço para as histórias de cada um. O teatro enquanto lugar de uma experiência marcada pela autenticidade.
©TUNA_teatroTRINDADE
“Mostrar que tudo é possível aos 59 anos.” António Alberto Figueira, de 58 anos, nascido no Porto, sabe que “não é aquilo que já foi e é isso que o torna naquilo que é”, e quer continuar a sentir-se livre por mais vinte e quatro horas, amanhã, um dia de cada vez. Tem, se não um sonho, um desejo: “Gostava muito de ir ao espaço.” Hélder Pina tem 56 anos, 2 filhos e 3 netos. Veio de África para Lisboa em 1986, é guineense, vive na margem Sul, é servente de pedreiro e o gosto pelo teatro levou-o a ser um elemento constante e permanente do Teatro Comunitário da Casa da Achada. Deste grupo de teatro vem também o encenador sírio Heitham, de 46 anos, que chegou de Outaifah há um ano e meio.
“O erro é o mais belo...”
Para Marco Martins, “poucas coisas agregam tanto as pessoas como a construção de um objeto artístico. Naquele momento todas as forças, todas as sensibilidades estão focadas e unidas nesse objeto”. A encenadora Beatriz Batarda, que curiosamente aos 19 anos se estreou no Teatro da Trindade como atriz no Conto de Inverno, da Cornucópia, reforça a ideia: “Para os participantes, e é justo dizer que para mim também, é uma oportunidade de encontro real no momento, no qual nos permitimos olhar o outro na medida do seu tempo, mantendo o foco no outro. No dia a dia, esse tempo não tem espaço, a velocidade dos nossos gestos não o permite; dedicar esse tipo de tempo ou qualidade a outra pessoa até pode parecer estranho e mal interpretado, só a Arte oferece esse espaço. E mesmo que seja inconsequente o enamoramento é real.”
Todos no palco No Espaço Mouraria, da Fundação Inatel, encontramos uma pequena comunidade que forja “Todo o Mundo é um Palco”. Safira, que veio para Portugal a partir da Alemanha, mas é portuguesa (filha de mãe angolana e pai alemão), e os seus antepassados – é a história que lhe contaram – talvez tenham chegado a Angola através do tráfico de cavalos da Mongólia. Abdul veio da Argélia, e há-de trazer ao espetáculo a intensidade dos cânticos e sonoridades árabes. Jean Bruno, francês nascido nos Pirinéus, tem 60 anos, vive em Portugal há 28 anos, é formador e tradutor e tem um sonho (aliás, todos eles têm um sonho): “O de que a humanidade saia deste trilho infernal de desumanização.” Jorge, 45 anos, nasceu em Coimbra mas viveu sempre em Lisboa. Arquiteto, músico, programador e produtor é vítima das novas – ou muito velhas – modalidades de trabalho precário e mal remunerado. O seu sonho? “Que as pessoas se queiram umas às outras”. Pascoal Lopes, caboverdiano, é músico e trabalha na construção civil. Dewis Meneses Caldas, jornalista e músico, natural de São Luís Maranhão, tem, com Aline Camargo, publicitária, atriz, fo-
tógrafa e produtora, uma filha que virá a ser, certamente, uma das mais novas “atrizes” a pisar este palco. Moin Uddin Ahamed veio do Bangladesh há muitos anos, participa com regularidade em espetáculos de dança e teatro, e é mediador no Centro Nacional de Apoio ao Imigrante. Marco Pedrosa, vem de Coimbra. Arquiteto de formação, trabalhou como ator e agora é guia turístico. Mick Mengucci é italiano, engenheiro especializado na área da programação computacional, e é muito conhecido em Portugal pelo seu trabalho na divulgação do Poetry Slam (foi o anfitrão do primeiro Poetry Slam nos Encontros Arte Escola Comunidade, em 2015, no Trindade). António José Vasconcelos, 48 anos, veio de Angola em 74 e é cidadão português. Lucas, veio de Sertãozinho, São Paulo, jornalista, tem 25 anos e o seu sonho é: “Viver livre de preconceitos.” Laure, de 45 anos, francesa, veio de Paris atrás de uma paixão, o seu amor. Luísa Pinto, tem 59 anos, vem de Lisboa e traz dentro de si um sonho e uma vontade:
Todo o Mundo é um Palco Espetáculo Comemorativo dos 150 Anos do Teatro da Trindade
Sala Eça de Queiroz, 17 de novembro a 10 de dezembro Quinta a sábado, às 21h30 |Domingo, às 16h30 Criação: Arena Ensemble Encenação: Beatriz Batarda, Marco Martins Colaboração: Victor Hugo Pontes Com: Carolina Amaral, Miguel Borges, Romeu Runa, e Aline Caldas, António Alberto Figueira, António Vasconcelos, Abdelkader Benmerja, Dewis Caldas, Heitham Khatib, Hélder Pina, Jean Bruno Massy, Jorge Pedrosa de Oliveira, Laure Cohen-Solal, Lucas Sadalla, Luísa Lorena Pinto, Malena Camargo Caldas, Marco Pedrosa, Mick Mengucci, Moin Ahamed, Pascoal Silva, Safira Robens.
Marco Martins e Beatriz Batarda assumem a necessidade de questionar o lugar que o teatro tem na vida contemporânea. Sonham com um espetáculo que seja uma experiência tanto para quem participa como para quem assiste. Nesse criar de condições para o papel ativo do espectador investem muito no trabalho de encenação. E dão muita importância ao movimento: “O espetáculo tem uma componente muito grande de movimento, mais do que de texto. Por vezes os corpos informam mais do que um discurso que possamos elaborar. Quando iniciámos os processos de improvisação (base de construção de toda a dramaturgia do espetáculo) tornou-se claro que aqueles corpos tinham uma história. Há um lado muito físico neste espetáculo, desde logo porque se trata de uma massa de pessoas que raramente podemos ver num palco, heterógenea mas ao mesmo tempo muito solidária”, diz Marco Martins, assinalando que como havia esta ideia de fazer um confronto com a representação, com o lugar do teatro, a uma dada altura decidiram encontrar um ator, uma atriz, um bailarino que funcionassem em contraponto, “enquanto agentes do gesto artificial ou construído”. Beatriz Batarda complementa: “Tinham de ser atores que tivessem a agilidade de se diluirem e de se destacarem do restante grupo com a mesma simplicidade. E acrescenta: “Mesmo depois de fechado [o espetáculo] haverá espaço para a improvisação. Baseado no trabalho desenvolvido ao longo de seis meses.” “Isso implica alguma confiança” – pergunto. “Claro, se não arriscarmos de que serve?” – responde Beatriz Batarda. “E o gosto pelo erro. O erro é o mais belo...” – interrompe Marco Martins. “Quando o intérprete aceita o que está a acontecer no momento, mesmo que seja erro, há possibilidade de transformação, é um ato de resistência. O erro só é erro se acontecer no momento.” – continua Beatriz Batarda – “Tudo o resto é aperfeiçoamento de mecanismos que desenvolves para evitar o erro. O grande acontecimento é o erro: quando acontece em palco, e é vivido na sua verdade, então sim, ganhamos espaço e tempo para olhar para o outro no seu corpo real.” Joaquim Paulo
Nogueira
TL set-out 2017 21
“Proteger a vida terrestre” é o tema da próxima conferência, que se realiza dia 9 de novembro, em Manteigas. A iniciativa, organizada pela Fundação Inatel, está inserida no ciclo de debates temáticos da “Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”, promovida pela Organização das Nações Unidas. Neste debate vai ser discutido o Objetivo 15, que visa proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, travar e reverter a degradação dos solos e travar a perda de biodiversidade.
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“Rentrée” sob o signo do cinema português
Original Dixieland Jass Band
O cartaz de estreias até outubro promete. Há filmes de Vanessa Redgrave, Gus Van Sant, Teresa Villaverde, Pedro Pinho e, como é claro, o novo e muito aguardado “Blade Runner” Cinema A Fábrica de Nada, de Pedro Pinho | Portugal, 2017 Com: José Smith Vargas, Carla Galvão, Njamy Sebastião. Em cartaz. •Da resistência de um grupo de operários contra o encerramento de uma fábrica nos anos da grande crise trata esta prometedora primeira obra, premiada internacionalmente, que mereceu do júri do festival de Munique as considerações seguintes: “um drama comovente, um musical peculiar, um documentário preciso, um ensaio desafiador, um excelente filme em tempos de turbo capitalismo”. Sea Sorrow, de Vanessa Redgrave | GB, 2017 Com: Vanessa Redgrave, Ralph Fiennes, Emma Thompson. Estreia 28/9. •É a realização de estreia de Vanessa Redgrave, actriz octogenária britânica sobejamente conhecida (e oscarizada) que aqui dá prova de outros talentos. Trata-se de uma meditação – na forma de “ensaio-documental” – surpreendente sobre a crise global dos refugiados e a importância da defesa dos direitos humanos. Blade Runner 2049, de Denis Villeneuve | EUA, 2017 Com: Ryan Gosling, Harrison Ford, Robin Wright. Estreia 5/10. •Porventura aquele que é o mais aguardado de todos os filmes da temporada. E o caso não é para menos. A averbar pelo esplendor atmosférico que sobressai do “trailer”, esta nova incursão ao território dos blade runner’s e dos “seres” criados pela bio-engenharia promete não defraudar expectativas. Como a expectativa de reencontrar ‘Rick Deckard’ e Harrison Ford, envelhecido, que lhe veste a pele.
Al Berto, de Vicente Alves do Ó | Portugal, 2017 Com: Ricardo Teixeira, Ana Vilela da Costa, João Villas-Boas. Estreia prevista 5/10. •Evocação do poeta (de seu verdadeiro nome, Alberto Raposo Pidwell Tavares, falecido em 1997) centrada nos anos de juventude adulta, passados em Sines no período pós-25 de Abril. Do mesmo realizador de “Florbela”. Colo, de Teresa Villaverde | Portugal, 2017 Com: João Pedro Vaz, Beatriz Batarda, Ricardo Aibéo, Simone de Oliveira. Estreia 12/10. •A crise, os anos da troika espelhados na erosão e desmoronamento de uma família dos subúrbios de Lisboa. Na aparência, a cineasta de “Idade Maior” e “Os Mutantes” quer ir mais além (apelo à força dos afectos?) do que a “mera” abordagem das perturbações psíquicas e emocionais de um triângulo familiar rumo à insolvência. Porto, de Gabe Klinger | EUA / França / Portugal, 2016 Com: Anton Yelchin, Lucie Lucas, Françoise Lebrun. Estreia 19/10. •Uma história de amor, breve mas intensa, entre um americano que se mudou para Portugal e uma francesa a estudar na cidade invicta. Último filme do malogrado Anton Yelchin. The Sea of Trees, de Gus Van Sant | EUA, 2015 Com: Matthew McConaughey, Ken Watanabe, Naomi Watts. Estreia 19/10. •Do mesmo cineasta de “O Bom Rebelde”, “Descobrir Forrester” e “Elephant” um drama existencial à volta do amor, da vida e morte, bem condimentado de crenças e superstições nipónicas, espíritos errantes e outras coisas que tais.
Joaquim Diabinho [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
Uns minutos de Jazz…
F
oi em Fevereiro de 1917 que foi gravado pela Original Dixieland Jass Band, o primeiro disco de jazz com 78 rpm. Em 2017 celebra-se 100 anos deste acontecimento, que os historiadores entendem ser um marco do reconhecimento do jazz enquanto género musical autónomo e por consequência, décadas mais tarde, inundar a música ocidental do séc. XX com uma nova paleta de cores. Para os amantes do género é costume outubro ser o mês do SeixalJazz! Este festival internacional existe desde 1996 e é já uma referência incontornável do meio jazzístico português. De 19 a 28 de outubro, sempre às 22h00, o Auditório Municipal do Fórum Cultural do Seixal conta com um cartaz magnífico onde destacamos a 26 de outubro, João Barradas Quinteto. Este jovem acordeonista excecional, de quem já tive oportunidade de falar aqui neste espaço de leitura, faz-se acompanhar de grandes nomes nacionais como: André Fernandes na guitarra, João Paulo Esteves da Silva no piano, André Rosinha no contrabaixo e Bruno Pedroso na bateria. Sábado, no encerramento do festival, teremos o icónico Lee Konitz Quartet. Saxofonista norte-americano, figura incontornável do género e que durante a sua longa carreira tem navegado por todos os estilos, desde o cool ao jazz moderno. Lee Konitz no saxofone alto faz-se acompanhar de Dan Tepfer no piano, Jeremy Stratton no contrabaixo e George Schuller na bateria – a não perder! Um pouco mais a norte, com vários concertos espalhados pela cidade, de 22 de outubro a 1 de
dezembro temos o festival Caldas Nice Jazz. Este festival internacional, existente desde 2012, traz à cidade grandes nomes do panorama nacional e internacional. Na vasta programação destacamos a 2 de novembro, no Centro Cultural das Caldas da Rainha, o moderno pianista norte-americano, conhecido e acarinhado, AAron Goldberg Trio. A 5 de novembro, no mesmo local, o concerto dos músicos nacionais Afonso Pais e Rita Maria. Ainda na rúbrica Jazz Na Cidade, destacamos a 18 de outubro o concerto de Sara Pestana Trio, e a 1 de novembro Daniel Bernardes e Mário Marques. Por último, na cidade berço, destacamos o Guimarães Jazz que este ano irá celebrar a sua vigésima sexta edição. De 8 a 18 de novembro o Centro Cultural de Vila Flor irá receber este festival, que celebra os 100 anos da edição de 1917. Destacamos, por esse motivo, a 9 de novembro às 21h30 o ensemble Jazz – The Story. Liderado por Vincent Herring o espetáculo promete uma viagem sintética pela história do jazz. Ainda neste festival teremos a oportunidade de ouvir a 16 de novembro, pela mesma hora, dois grandes nomes do jazz e a fusão com a world music: Jan Garbarek Group e Trilok Gurtu acompanhados de Rainer Brüninghaus no teclado; piano e Yuri Daniel no contrabaixo. Com a mudança das estações e o início do tempo mais frio, as salas de espetáculo passam a ser a escolha predileta para um serão diferente. Com o intuito de divulgar o crescimento da cena jazzística em Portugal, convido os leitores a presentearem-se com... Uns minutos de jazz. Susana Cruz
22 TL SET-OUT 2017
Os contos do zambujal
DUPLA DE SUCESSO
N
o gabinete reservado aos altos cargos da empresa Iluminex, Lda, as secretárias dos doutores Lucindo Malheiro e João Ernestino estão separadas por um metro. Nada mais separa aqueles distintos servidores da Iluminex, que entraram para a empresa à data da fundação e, em parceria, elaboraram os planos de desenvolvimento traduzidos nos gráficos com rectas sempre a subir. O presidente do Conselho de Administração, doutor Valério Mapa, tem reconhecido a elevada competência de Lucindo Malheiro e João Ernestino não elevando os salários mas salientando, frente a todo o pessoal, que eles são a dupla de sucesso. É sempre reconfortante ver reconhecidos os seus serviços e a dupla de sucesso esmera-se na entreajuda para que, ano após ano, a Iluminex apresente cada vez melhores resultados. Embora concentrados cada um em seu computador, eles vão segredando comentários sobre a marcha do negócio e, frequentemente, saúdam novo êxito unindo-se num abraço. Nesta manhã de segunda-feira, João Ernestino estranha alguma sisudez de Lucindo, ainda não lhe ouviu um comentário e já têm os resultados, altamente positivos da semana que passou. Interroga: – Foi agradável o teu fim-de-semana? – Económico. Só saí de casa para passear o cão. – E eu nem saí. Levei a pasta dos clientes atrasados nos pagamentos e estudei modos de os apressar. – disse João Ernestino e acrescentou: – claro que não avanço sem a tua opinião. Somos uma dupla. Dupla de sucesso, como nos chama o presidente. Mas deixa-me dizer-te, Lucindo: acho-te hoje um bocado estranho. – Estranho, como? – Enfim, um ar grave, reservado. Foi então que Lucindo fez rolar as rodinhas da cadeira, aproximando-se do colega, e dizer, voz baixa: – Meu caro amigo, vou dizer-te o que ninguém sabe ainda. Terias de ser o primeiro, és o meu parceiro de trabalho e somos unha com carne. Mas, por enquanto, fica entre nós. João Ernestino redobrou de atenção e garantiu: – Um segredo? Fica entre nós, homem, bem sabes que mereço toda a confiança. Vá, diz. Nesse momento, Lucindo já tem os cotovelos assentes na secretária do colega e diz, num murmúrio: – Vou-me embora. O pasmo de João Ernestino traduziu-se num longo silêncio e olhos arregalados.
Mário Zambujal
– Vais quê? Vais embora de onde? – Da Iluminex. Tive um convite com condições irrecusáveis, irrecusáveis, repito, e apesar da estima por esta empresa, e em especial por ti, seria tonto recusar. Abalado pelo choque, João Ernestino balbucia: – Pensa melhor, Lucindo. O dinheiro, Lucindo, não é tudo, na Iluminex somos uma família, toda a gente gosta de ti e eu nem se fala. Por causa de mais uns euros ias quebrar a dupla de sucesso. – São muitos euros, menino. Conto com a tua compreensão. – Não contes. A Iluminex é a nossa casa, vai triunfando com os planos estabelecidos, a partir daqui, a partir dos nossos neurónios funcionando como se fosse uma só pessoa. Desiste dessa ideia irreflectida, e pensa nos perigos de qualquer mudança. Já agora: e de onde chegou esse convite? Hesitante, como se fosse essa a parte mais secreta do segredo, Lucindo tardou a responder. Finalmente, exclamou: – Da V.X. Brown, Enterprise! A revelação levou Ernestino a um grito de indignação: – O quê?! A Brown? – Fala baixo, peço-te. – Desculpa, disse João Ernestino moderando a voz. – Desculpa, mas é difícil entender que te tenha passado pela cabeça mudares-te para o nosso concorrente e líder do mercado, líder a que estamos a pisar os calos. Tu, na Brown Enterprise?
Nem pensar! – Está pensado, paciência, no início do mês apresento-me lá. E como tu vais para férias, hoje é o último dia que trabalhamos juntos. Não vamos dramatizar, é a vida. – Considero uma traição à Iluminex e a mim próprio. Não admites fazer marcha atrás? – Impossível. Ficou tudo assente. O único pormenor que ficou por esclarecer é o de me cederem um carro. Pedi, sem fazer questão desse benefício suplementar, disseram-me que talvez, talvez, a seu tempo se verá. E é secundário. – Fazes mal, Lucindo. Uma multinacional não tem o ambiente caloroso da Iluminex. Tu, lá, não passas de um número. Repensa, pá! – Está pensado e repensado, João. Ao fim da tarde, a dupla uniu-se mais ainda, num abraço de despedida. Tinham lágrimas nos olhos.
N
o primeiro dia de Setembro, Lucindo vestiu o fato que acabara de comprar para estar à altura de uma empresa como a Brown Enterprise. Meteu-se num táxi e, no caminho, lembrou-se de João Ernestino. Não tardaria a voltar do período de férias e compreendia a desolação que sentiria perante o vazio da secretária do parceiro de sempre. É a vida, repetiu com alguma tristeza a ensombrar o entusiasmo pelo novo emprego. Parou junto do balcão envidraçado da Brown Enterprise, indeciso acerca da pessoa a quem deveria apresentar-se. Não foi preciso. Notando-lhe a presença, aproximou-se o senhor Martinez, um hispano-americano com quem contactou no acto de admissão. – Cá estou – disse Lucindo, todo ele satisfação. O rosto de Martinez revelou alguma surpresa, maior ainda nas palavras: – Isto é estranho. Não o avisaram? – De quê? – sobressaltou-se Lucindo. – Ora, do cancelamento da sua admissão. O processo foi enviado à secção de Recursos Humanos e decidiram pela negativa. Segundo percebi, o meu amigo terá exigido um carro e o gestor deu parecer contrário. – Exigi?... Eu não exigi, só disse que… – calou-se de olhos fixos no homem que cruzava a sala, de camisa branca, gravata azul e dossiê nas mãos. – Aquele senhor… – Conhece o senhor João Ernestino? Veio agora da Iluminex, apresentou-nos proposta três dias depois do meu caro amigo ter cá estado. E ofereceu uma vantagem: não quis carro.
JS
[O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
TL maIO-JUN 2017 23
Passatempos
agenda inatel
Palavras cruzadas POR josé lattas 1
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ATIVIDADES CULTURAIS E DESPORTIVAS
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1-Barulho; Nota musical. 2-Busca; Fim (pl.). 3-Numerosos; Sigla do Partido Socialista (inv.); Condição. 4-Encaixes. 5-Bairro e praia de Guanabara (Brasil); Rio que banha Mirandela. 6-Tálio (s.q.); Gozar. 7-Seja (inv.); Lázaros (fem.). 8-Pessoa que se dedica ao estudo, que se relaciona com os astros, as suas leis e os seus movimentos. 9-Barqueiro do Alto Douro (pop.); Estanho (s.q.). 10-Uma das principais divindades do panteão egípcio, esposa de Osíris, e mãe de Hórus; Acção (pl.). 11-Falo; Série de casas.
VERTICAIS: 1-Farmacopeia. 2-Cânones; Estrôncio (s.q.). 3-Dança popular; Terno. 4-Túlio (s.q.); Subornaras. 5-Ponto cardeal; Preposição que exprime a ideia de baixo de. 6-Coentrela. 7-Obtem; Presta;
Furnas. 8-Ulmeiro; Veículo da polícia para o transporte de presos (pop.). 9-Hábito; Cromo (s.q.). 10- Esmaga; Nome de larva que se cria nas feridas dos animais; Entendi. 11-Separa; Bestunto.
BRAGA
Teatro no Outono. Ciclo dedicado à atividade teatral amadora, em Braga, Guimarães e Barcelos, durante outubro e novembro, com a participação dos grupos Sol no Miral – Associação Cultural, Teatro de Balugas, A Capoeira, Companhia de Teatro de Barcelos, Nova Comédia Bracarense e ART – Associação Recreativa de Trandeiras.
ÉVORA
Soluções: 1-RESTOLHO; MI. 2-EXAME; ALVOS. 3-CEM; SP; MEIO. 4-EMBUTIDOS; L. 5-IPANEMA; TUA. 6-TL; T; P; RIR. 7-UO; ASILADAS. 8ASTRONOMO; E. 9- R; RABECO; SN. 10- ISIS, LANCES. 11-ORO; CASARIO.
HORIZONTAIS:
Sudoku POR Jorge Barata dos Santos Problema n.0 5 Prencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado.
“Sons ao Sul” – Encontro de Bandas. A Fundação Inatel de Évora, Beja, Portalegre e Faro, no âmbito das comemorações do mês da Música, promove a intervenção de 12 Bandas Filarmónicas, com mais de cinco centenas de músicos participantes. Próximos concertos: 14 outubro, em Estremoz (Évora); 21 outubro, em Moura (Beja); 29 outubro, em Silves (Faro).
LISBOA
Domingos com Música: Concerto do Centro Cultural Azambujense, 15 de outubro, às 11h30, na sala Eça de Queiroz, do Teatro da Trindade. A Banda Filarmónica, oficialmente fundada a 25 de maio de 1901, é dirigida por Luís Miguel do Rosário Balão, desde novembro de 2014.
FUNCHAL
Madeira Open Surfcasting. A Inatel do Funchal é parceira, com várias entidades da Região Autónoma da Madeira, do segundo evento de pesca desportiva de competição, de 13 a 15 de outubro, na Ilha de Porto Santo, onde participam atletas federados e amantes da pesca.
GUARDA
Orquestra Viola Beiroa. Concerto dia 14 de outubro, no Paço da Cultura, às 16h00. A viola beiroa, que estava quase em vias de extinção, é um instrumento tradicional de incidência regional do distrito de Castelo Branco. A maioria dos instrumentos da Orquestra Viola Beiroa é construída pelos próprios músicos.
SANTARÉM
FESCÉNIA – 5.a Mostra de Teatro Inatel. Apresentação de companhias CCD Inatel oriundas dos distritos de Santarém, Setúbal, Évora e Leiria, durante o mês de novembro, em várias salas, com entrada livre. O evento, promovido pela Fundação Inatel em parceria com associações e autarquias, pretende valorizar a atividade teatral amadora.
VISEU
Soluções:
“É tempo de Teatro”. Espetáculo de teatro amador, 15 de outubro, pelas 15 horas, no Auditório Mirita Casimiro, antecedido de “Dois dedos de conversa”, por Jorge Fraga, professor da Escola Superior de Educação de Viseu. Representação e atuação dos CCD TEM – Teatro Experimental de Mortágua, NACO – Núcleo Juvenil de Animação Cultural de Oliveirinha, e Orfeão de Viseu – Grupo de Teatro. Entrada livre (sujeita à lotação da sala). Informações: viseu.inatel@inatel.pt. | Tel. 232 423 762
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