Tempo Livre novembro/dezembro 2019

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DIRETOR - FRANCISCO MADELINO JORNAL BIMEStrAL 3.a SÉRIE • 1€ N.0 20• Nov-dez 2019

Combate à pobreza



ÍNDICE

TL nov-dez 2019 3

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8

Reportagem: Gala Social Inatel

Viajando com livros

Reportagem: Inatel 55+.pt Inclusivo

A Casa na árvore

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capa

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Memórias de Júlio Isidro

12

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Ciclo Mundos: Leyla McCalla

16

Viagens: Carnaval de Nice Carnaval de Vale Ílhavo

Entrevista: Edmundo Martinho

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Ver | Ouvir

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Notícias | Coluna do Provedor

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Contos do Zambujal

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Passatempos

Editorial

FRANCISCO MADELINO Presidente da fundação inatel

Pobreza: ainda a grande Questão Social

S ilustração

Susa Monteiro

usa Monteiro vive em Beja, cidade onde nasceu. Estudou Realização Plástica do Espectáculo na Escola Superior de Teatro e Cinema e cinema de animação no CITEN. Durante alguns anos trabalhou como figurinista, caracterizadora e aderecista para o teatro e para o cinema. Em 2009, com a inauguração da Bedeteca de Beja e do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja (onde é responsável pela linha gráfica e coorganizadora), deixa definitivamente as artes do espectáculo e passa a dedicar-se exclusivamente à banda desenhada e à ilustração. Nos últimos anos ilustrou livros para diversas editoras como a Pato Lógico, Bertrand, Asa, Verbo, Bruáa, Oficina do Livro, etc. E ilustrou cartazes e panfletos para várias instituições e projectos (Casa da Música, Palavras Andarilhas, Almarte – Festival de Artes na Rua, La Guarimba International Film Festival, Festival du Court Métrage de Clermont-Ferrand, etc.) Publica regularmente ilustrações e bandas desenhadas em vários álbuns, fanzines, jornais e revistas. Tem exposto frequentemente o seu trabalho em festivais de Banda Desenhada e galerias individual e colectivamente.

A

pobreza é uma das razões que mais justificou e justifica as políticas públicas e os programas e teorias político-sociais que lhes estão associadas, seja na lógica da justiça, seja na igualdade de oportunidades. Os filhos dos pobres não partem em igualdade no acesso às oportunidades que a vida e a sociedade lhes abrem. Os pobres, em regra, têm origem já pobre. Paralelamente, para muitos, a pobreza não resultou sobretudo das consequências das suas decisões individuais perante a vida, mas é determinada por relações de poder no acesso aos bens e ao saber, assim como pela lotaria da vida e da natureza. Justiça e igualdade de oportunidades, são assim temas que surgem associados inevitavelmente à pobreza. Assim como a dignidade do homem e os seus direitos inalienáveis. Portugal é, no quadro dos países europeus e mais desenvolvidos, uma exceção negativa em termos de pobreza. Estamos na União Europeia no top da pobreza e da desigualdade social. Muito por culpa de décadas e décadas de enorme pobreza e da desigualdade da distribuição do capital humano. Em 2018, segundo o INE, 17,3% dos portugueses estão abaixo do limiar de pobreza. Nas últimas décadas, ao longo da Democracia, esta variável tem descido tendencialmente, sofrendo apenas, durante os radicalismos da Troika, um aumento e inversão (chegou aos 20%). Quase metade dos portugueses (41,3%) não tem capacidade para pagar uma semana de férias, por ano, fora de casa. Quase 35% não tem capacidade para pagar imediatamente uma despesa, sem recorrer a um empréstimo. Mais de 7% dos que trabalham, continuam em pobreza (sendo quase 11% há quatro anos, antes da subida do salário mínimo). Assim uma Fundação como a Inatel, inclui na génese da sua Missão o lazer para todos, e o combate à exclusão social dos pobres, promovendo a inclusão social, a cultura e a educação. Este número do Tempo Livre centra-se assim na raíz da génese da Inatel, há 84 anos. Usufrua dele e reflita connosco.

Jornal Tempo Livre | email: tl@inatel.pt | Propriedade da Fundação Inatel | Presidente do Conselho de Administração Francisco Madelino Vice-Presidente Lucinda Lopes Vogais Álvaro Carneiro e José Alho Sede da Fundação/ Sede do Editor/ Sede da Redação Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 Lisboa NIPC 500122237 Diretor Francisco Madelino Publicidade Tel. 210027000/ publicidade@inatel.pt Impressão Lidergraf Sustainable Printing – Rua do Galhano, 15 – 4480-089 Vila do Conde Tel. 252 103 300 Dep. Legal 41725/90 Registo de propriedade na ERC 114484 Preço 1 € Tiragem deste número 110.746 exemplares Membro da APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação | Estatuto editorial publicado em www.inatel.pt


4 TL NOV-DEZ 2019

reportagem

GALA SOCIAL O bem-estar integral e o desenvolvimento pessoal de cada um é um dos pilares das várias missões da Fundação Inatel, assim como abraçar causas sociais que promovam a inclusão de todos os cidadãos. “A Fundação alterou o seu funcionamento e alguns dos seus objetivos mas a sua missão, nestes 84 anos, tem permanecido, praticamente, a mesma”, referiu Francisco Madelino, presidente do Conselho de Administração da Fundação Inatel, na sessão de abertura. É através deste evento que se revela a importância do trabalho desenvolvido em Portugal, no campo das políticas sociais, e onde se reúnem os principais intervenientes de iniciativas promovidas pela Fundação Inatel, bem como pessoas e organizações da Administração Pública e da Sociedade Civil, que assumem um papel importante para a vida da comunidade. Entre os envolvidos, estiveram cerca de 25 pessoas na organização e cerca de 350 pessoas no público, numa noite repleta de sentido de humor, boa disposição e também alguma emoção à mistura.

O espetáculo José Carlos Malato foi o apresentador que guiou esta noite de Gala, confessando que é um grande privilégio fazer parte deste projeto de reconhecimento e valorização e estar ao lado da Fundação Inatel para dar a conhecer estas iniciativas. A Gala Social Inatel contou com um programa rico

e ilustrado pelo espetáculo “Por Terras do Zeca”, uma homenagem à obra de José Afonso, autor e cantor português. “Índios de Meia-Praia” e “Venham mais Cinco”, foram alguns dos temas ouvidos no palco do Teatro da Trindade, que surgiram revestidos de novos arranjos de Davide Zaccaria e com as vozes residentes deste projeto, Filipa Pais, João Afonso, Maria Anadon e Stefania Secci.

Premiados A Aldeia dos Sonhos é um programa direcionado para os habitantes de aldeias portuguesas isoladas geográfica e socialmente, onde vivem 100 ou menos pessoas. Esta iniciativa proporciona experiências turísticas, culturais e desportivas. Em 2019, a aldeia premiada foi a Estrela, localizada no concelho de Moura, Alentejo.

O Teatro da Trindade foi o palco da primeira edição da Gala Social Inatel, que se realizou no dia 22 de outubro, com apresentação de José Carlos Malato

Já no palco e ao mesmo tempo que recebia o testemunho da aldeia vencedora na edição passada, o representante da aldeia da Estrela, afirmou que estas iniciativas fazem toda a diferença, principalmente quando há habitantes que nunca saíram da aldeia e nunca fizeram uma coisa tão simples como ver o mar. A Conversa Amiga é uma linha de atendimento telefónico, um espaço de escuta, sete dias por semana, 365 dias por ano, em que uma empenhada rede de voluntários, de forma comprometida e empática, ouve quem mais precisa de uma voz amiga. Andreia Condesso foi quem subiu ao palco para receber o prémio de reconhecimento, desabafando que, por vezes, é ajudando os outros que se ajuda a ela própria. A distinção dos Centros de Cultura e Desporto filiados na Fundação Inatel que, em 2019, celebraram 100 anos ao serviço da comunidade também foram premiados. Foram eles: a Associação Filarmónica Lyra Barcoucense, a Associação Recreativa e Cultural de Serzedo, O Clube de Futebol “Os Belenenses”, o Clube Desportivo de Pedrouços, o Clube Nacional de Natação e a Sociedade Filarmónica Flor do Alva. O reconhecimento aos trabalhadores da Inatel também é um momento esperado nesta gala onde a Fundação reconhece o trabalho de colaboradores que tenham passado à condição de reformados durante os últimos 12 meses e tenham dedicado anos de vida ao serviço da Instituição.

Mafalda Carvalho

Prémios Personalidade CULTURA Cinema: Abi Feijó Etnografia e Tradição: Mário Correia Música: António Vitorino de Almeida Teatro: Carlos Fragateiro Cultura e Multiculturalidade: Mia Couto

DESPORTO Personalidade no Desporto: Nuno Delgado Desporto no Coletivo: Centro de Recreio Popular de Formoselha – Associação Cultural, Desportiva e de Solidariedade Desporto para a Inclusão: Associação Jorge Pina

TURISMO, SUSTENTABILIDADE E ECONOMIA SOCIAL Envelhecimento Ativo: José Eduardo Pinto da Costa Acessibilidade: Tur4All, Accessible Portugal Sustentabilidade: Alfredo Sendim, Herdade do Freixo do Meio Economia Social: Edmundo Martinho Formação e Inclusão: Associação Portuguesa de Surdos Direitos Humanos: Teresa Tito de Morais


TL nov-dez 2019 5 Fotos: beatriz Lorena


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reportagem Inatel 55+.pt Inclusivo

Quando a oportunidade é de todos e para todos Inclusão. Assistência. Tolerância. Igualdade. São tudo sinónimos de Inatel 55+.pt

O

Programa da Fundação Inatel 55+.pt, em parceria com as áreas governativas do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Economia e o Turismo de Portugal, destina-se à população idosa, pessoas com deficiência ou carência económica. O Programa pretende disponibilizar atividades de lazer, associadas a ações integradas de apoio à cidadania e ao envelhecimento ativo, aproveitando as infraestruturas hoteleiras existentes, na época de baixa sazonalidade. De norte a sul, nas Inatel locais, são rececionadas muitas candidaturas de quem nunca tem a oportunidade, ou tem muito poucas oportunidades, de sair e de conhecer outros lugares que não aqueles que estão a apenas 100 km de distância da sua área de residência. Numa viagem de 5 dias, pela cidade de Setúbal e Lisboa, conhecemos um grupo de mais de 20 pessoas, das cidades de Leiria, Coimbra e Aveiro. Casais. “Corajosos” que se aventuraram sozinhos e houve quem viesse com amigos e amigas. Em comum, a vontade de sair de casa e de conhecer outros semelhantes, que em tudo e nada, são iguais a eles próprios. Das visitas pelas cidades, aos almoços temáticos, às noites de baile, passando pela formação, a criação e o trabalho em grupo, o Programa Inatel 55+.pt tem a missão de, mais do que passear, é partilhar. Tolerar. Saber olhar de forma diferente o que está para lá da porta de casa. Dar a conhecer histórias de outras pessoas que riem dos próprios problemas, pessoas que não fazem do analfabetismo ou uma cadeira de rodas razão, ou até desculpa, para deixar de fazer, ou mais do que isso, deixar de ser. São vidas reais, testemunhos como o do José Acácio que dão voz, vida e razão ao Inatel 55+.pt. O José é cego. Não é invisual. “Cego sempre, invisual, nunca. Invisual é a pessoa que passou e não nos viu. Aí tornamo-nos todos invisuais”, são palavras dele. Ele que anda sempre acompanhado pela Felicidade, a mulher, mas se ela não consegue ir, ele encontra sempre coragem e vontade. “Quando entro em dificuldade e estou sem a minha mulher, ganho coragem para agarrar num cotovelo e dizer: olhe, só preciso que me ajude até àquele sítio e se vir que vou cair ou vou para um sítio que não devo ir, diga esquerda ou direita, por favor”. O José não deixa de viver por não conseguir ver. “Umas mais outras menos, mas ajudam sempre, porque não estão habituadas a contactar nestes passeios com este tipo de deficiências, mas ajudam sempre. A Inatel ajuda-me, não por ser cego, mas porque me leva a sair da minha casa e a conviver com outras pessoas, o mundo dos cegos é fecha-

do. Amigos tinha, amigos foram.” E amigos tem com programas como este que, pretendem chegar aos “Josés” do país, e que façam pensar as “Marias” e os “Antónios”. Quando confrontados com a situação do José, ou com um outro participante de cadeira de rodas, ninguém hesita nas respostas, “está tudo pronto para ajudar o senhor de cadeira de rodas e o senhor cego, porque hoje são eles, amanhã somos nós. Todos ajudam”. E todos têm contacto com uma realidade que não é assim tão distante. A importância da tolerância, do aceitar a diferença. Para o José faz todo o sentido que ela diga sim a estas oportunidades, “para mim é importante, para não tornar a minha vida monótona, e para levar as outras pessoas, que não estão habituadas a lidar com a deficiência, a interagir connosco. Isso é ótimo.” É trabalho social. É missão Inatel. À semelhança do ano transato, o programa Inatel 55+.pt 2019 tem previstas três tipologias de viagem, todas com a duração de 6 dias, 5 noites: “Base”, “Bem-Estar Termal” (com práticas de bem-estar termal incluídas) e “Inclusivo” (dirigido preferencialmente a destinatários com dificuldades locomotoras, uma vez que prevê transporte especial adaptado a cadeiras de rodas). “Iria ter muito mais dificuldade em viajar se não fosse a Inatel. Aqui há sempre pessoas de boa vontade que nos ajudam e auxiliam”, Joaquim Frazão, ele também fez parte deste grupo inclusivo e que teve o apoio, não só da mulher – que o acompa-

nhou – mas foi surpreendido pela boa vontade de muitos que estavam sempre atrás da cadeira, ou de olhar atento, só para perceber se precisava de mais tempo ou se estava a acompanhar a velocidade do grupo. A Isilda é analfabeta. Ou antes, sabe ler, e escreve o seu nome. E dá. Dá para viver e para dizer sim ao pedido da filha “Tinha remorsos de vir sozinha lá de Coimbra, mas a minha filha disse para eu vir e vim”. Tem 86 anos. É exemplo para muitos. No primeiro dia da viagem perdeu-se. Não sabia para onde ir nem como ir. Não tinha telemóvel. Tinha um papel com nome e número de telemóvel da guia, a Susana. A Susana recebeu uma chamada de um número estrangeiro, era Isilda a dizer que estava perdida. A Isilda, a senhora que não sabe escrever, “desenrascou” e mostrou porque é que com 86 anos tem um sorriso fácil e pernas “ligeirinhas”. Uma das atividades/formações que deixou a sala em lágrimas de alegria foi a formação de Teatro com a Andresa. Ela comoveu e deixou-se comover. “Eu não consegui conter, eles são tão acolhedores. Fui muito bem-recebida por eles, muito carinhosos e disponíveis para os trabalhos que propus. Disseram que sim e abriram a vida deles, e fazer isso, contar e expor as tuas vivências para alguém é um ato de generosidade. E foi isso que eles fizeram comigo.” O exercício que a Andresa propôs ao grupo baseava-se nas histórias de infância de cada um e, em grupos, criarem uma nova

história com base nas vivências de cada um. E nem todos tiveram uma infância feliz. “A gente espera que o mundo seja bom, e não é assim, viver é difícil e sofremos quando somos crianças e são esses momentos que nos marcam e marcam aquilo que queremos ser. Quando tens uma pessoa que conta que aos 18 anos o pai lhe disse: ‘sai de casa ou espeto-te com uma forquilha’, tu pensas que o teu pai nunca te diria uma coisa dessas, mas alguém ouviu isso”, partilhou connosco um dos testemunhos de um dos participantes do programa. A Andresa conseguiu que muitos tivessem uma experiência que marcará as suas vidas. “Saímos desta viagem melhores pessoas”, ou “incentiva as pessoas a trabalhar em grupo e a cultivarem mais e o espírito de camaradagem não podia ser melhor”, e ainda “este workshop foi espetacular. Uma forma diferente se ser e de agir. Puxou pela nossa imaginação, pelo nosso à vontade, acabei abraçada à Andresa para lhe agradecer por ela ter puxado por mim e fiquei surpreendida com a história dos meus colegas”, foram alguns comentários que se ouviam pelo corredor das salas, depois dos abraços e da entrega ao projeto, ao desafio da Andresa, um desafio que espelha a vida de muitos daqueles que vivem numa luta constante com a inclusão. Uma luta por serem aceites e por serem apenas mais um. Quantos de nós lutamos por não sermos “só mais um”, e quantos lutam por serem esse “só mais um”? A vida é difícil de viver.

Maria João Costa


INATEL 55+.pt - 2020 -

UM PAÍS A DESCOBRIR • VIAGENS DE MÉDIA DURAÇÃO (6 DIAS, 5 NOITES) A PARTIR DE TODOS OS DISTRITOS DE PORTUGAL CONTINENTAL • DESTINATÁRIOS: CIDADÃOS COM 55 OU MAIS ANOS, RESIDENTES EM PORTUGAL CONTINENTAL • ATIVIDADES DE LAZER TURÍSTICAS, CULTURAIS, GASTRONÓMICAS E FORMATIVAS

DATAS PREVISTAS DE CANDIDATURAS* 1ª FASE - JANEIRO 2020 | 2ª FASE - JUNHO 2020 ESCALÕES**

Rendimento mensal

Valor a pagar pelo destinatário

Escalão 1 Até 1 IAS (435,76€) (inclusive)

0€***

Escalão 2 A partir de 1 IAS (435,76€) até 2 IAS (871,52€) (inclusive)

115€

Escalão 3 A partir de 2 IAS (871,52€) até 2,5 IAS (1.089,40€) (inclusive)

184€

Escalão 4 A partir de 2,5 IAS (1.089,40€)

459€

IAS (Indexante de Apoios Sociais) = 435,76€ (valor referente a 2019)

Notas * Datas sujeitas a reconfirmação. ** Valor do IAS referente ao ano de 2019, sujeito a atualização em 2020, de acordo com a legislação em vigor *** Obrigatório o pagamento de caução no valor de 30€ por pessoa, reembolsável após o regresso da viagem. Programa com o apoio de:

Candidaturas Contacte as INATEL Locais Informações gerais Contacte as INATEL Locais ou através do email 55+@inatel.pt


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Viajando com livros

Natal entre as estrelas Por António Valdemar

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empo repleto de memórias e que faz evocar na intimidade do lar e em redor da mesa da consoada os nomes de todos os que já passaram pelas nossas vidas, os amigos de longe e os amigos de perto. Os amigos das horas difíceis e amigos das horas alegres. Jaime Cortesão voltara do exílio, no Brasil, em 1957 e faleceu em 1960. O regresso que o fixou em Lisboa e lhe permitiu completar investigações em arquivos nacionais e percorrer Portugal de norte a sul, detendo-se em tudo quanto lhe interessava, também teve horas de atribulação política ao ser preso, com mais de 70 anos, em Caxias, por estar a organizar uma conferência sobre Democracia, a proferir por um deputado trabalhista britânico. Mesmo assim, Jaime Cortesão manteve a atividade intelectual até quase aos últimos dias e fez, no seu último Natal, uma divagação entre o humano e o simbólico. Estávamos numa época assinalada pelas aventuras espaciais, cujos primórdios Jaime Cortesão acompanhou com interesse. O lançamento do primeiro Sputnik ocorreu a 4 de outubro de 1957 e, pouco depois, a 31 de janeiro de 1958, surgiu o primeiro satélite, o Explorer. O mundo inteiro, apesar da desconfiança e o ceticismo de muitos perante estas e outras audaciosas inovações, viria a assistir à chegada à lua. Foi a 21 de julho de 1969, com a nave Apollo 11. Neil Armstrong protagonizou este acontecimento que ficou na história universal. O Natal de Jaime Cortesão convocou os valores e ensinamentos tradicionais, de quem nasceu, em Ançã e nunca se desligou – ele próprio confessa – das suas origens, de uma terra de dunas e lagunas, de bairrada e de pinhais, gândaras e pedreiras e de tão pródigas entranhas que a sua pedra, o calcário macio de Ançã de Outil e de Portunhos, forneceu retábulos, púlpitos e imagens de meio Portugal. «Nascemos todos – escreveu – no mesmo estábulo. O melhor tesouro de cada um será o riso das crianças, as lágrimas de ternura, a alegria sem palavras, a bondade que brota, espontânea e gratuita como as flores na primavera.»

DR

Dias tão íntimos que acordam fantasmas reais ou imaginários que ganham um rosto de inquietação ou de esperança, que nos aproxima ou separa dos laços que nos prendem à terra

A imaginação mergulhou no passado e procurou avançar para o futuro: «Vejo raiar na grande noite a Estrela que anuncia eternamente o nascimento do Menino; vejo o estábulo sem conforto onde a vaca rumina e o burro sonha; e vejo os Pais que se debruçam com ternura sobre o filho que vai remir a Humanidade. A criação do Homem e a sua redenção sobre o Amor continuam.» Mas Jaime Cortesão distinguiu-se de todos os seus contemporâneos, da Águia e da Renascença Portuguesa de Pascoaes a Afonso Duarte e da Seara Nova, de Aquilino a Raul Brandão, sem esquecer Santiago Prezado, do Auto dos Pastores Brutos, em poesias e prosas com a marca que singulariza cada um. Cortesão associou a era espacial aos momentos alegóricos da comemoração do Natal: «O ser terrestre conhecerá em breve outros seres. Outros Céus. Outras Terras. Outras manhãs e ocasos múltiplos de sóis. Quando sobre nós raiarem todos os sóis dos Céus, então os homens – ao mesmo tempo vermes da Terra e águias

do Universo – terão forças para realizar todas as promessas do Natal e ouvidos para escutar o coro dos Anjos e a música das estrelas.» As prodigiosas aventuras que se realizavam para além do planeta levaram o homem – interrogava ainda – a sentir-se «desterrado do seu próprio mundo onde viveu milénios». A chegada à lua constituiu uma etapa de uma exploração espacial que tem prosseguido, nos últimos 50 anos, que não se sabe quando virá a ser concluída, que abre ampla reflexão acerca da cultura humanista e a cultura científica, entre as dimensões culturais, políticas e mediáticas. Confronta-nos com dinâmicas de conflito que caracterizam a contemporaneidade. Todas as situações da natureza humana, neste tempo de Natal, vêm à superfície nos dias tão íntimos, em que fantasmas reais ou imaginários andam dentro de nós e caminham dentro de nós. Ganham um rosto de inquietação ou de esperança, que aproxima ou separa os laços que nos prendem à terra.


TL nov-dez 2019 9

A Casa na árvore

A pastilha elástica do bosque As muitas vidas do Liquidâmbar e o sonho de uma traça verde Por Susana Neves

A

o subir as altas montanhas do Novo Mundo (México) em direcção a Tenochtitlán, um perfume trazido pela brisa, primeiro surpreende, e depois emociona o conquistador espanhol Hernán Cortés (14851547), fazendo ajoelhar o padre Juan Diaz (1480-1549) e o frade Bartolomé de Olmedo (1484-1524) que o acompanham. De onde provinha o perfume desconhecido e adocicado? Os índios mexicas, pertencentes ao corpo expedicionário, aproximam-se de uma árvore cortam-lhe um ramo e mostram a resina aromática que dele se desprendia. Era a resina de Liquidâmbar (Liquidambar styraciflua L.), na língua “Nahuatl” (Azteca): “Xochiocotzoquahuitl”, ou “Ocotzocuahuitl”, que quer dizer árvore (“cuahuitl”) que dá resina (“tzol”) de pinheiro (“ocotl”) –, embora não seja um pinheiro. O relato contado pelo escritor, historiador mexicano Fernando Benítez (19122000), no livro La Ruta de Hernán Cortés, decorre no Verão, quando as folhas em forma de estrela – desta árvore longeva (pode viver 400 anos), apreciadora de solos húmidos bem drenados e da boa exposição solar – ainda proporcionavam uma ampla sombra verde. Como se infere das palavras de Benítez, a comoção dos invasores europeus, em 1519, nada teve a ver com o fascínio que a espécie actualmente desperta, resultante da beleza cromática das suas folhas no Outono.

De facto, o Liquidâmbar ou Árvore-do-estoraque, também nativa nos Estados Unidos (desde o Connecticut até à Flórida e além do sul do Texas), fizera os religiosos espanhóis ajoelharem-se e cantarem louvores a Deus por nela terem reconhecido um potencial «incensário» e não uma “árvore Pintora”. Para a poderosa nação Azteca, que bebia chocolate, jogava uma espécie de futebol, e temia os sacrifícios humanos, praticados pelos seus sacerdotes, esta resina aromática que dá o nome à árvore tinha outra função. Ao soldado espanhol Bernal Díaz

Liquidâmbares no Jardim das Conchas, em Lisboa, durante o mês de Novembro

del Castillo (1496-1584), autor da Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, 1576, devemos um dos primeiros relatos sobre a utilização do liquidâmbar pelos índios. No final de uma cerimónia partilhada com Cortés e os seus homens, o Imperador Montezuma (1480-1520) inala fumo de tabaco aromatizado com liquidâmbar e por fim adormece. Conhecido por ser muito asseado, tomando, por vezes, dois banhos por dia, Montezuma teria tido necessidade de se purificar face ao cheiro dos invasores ou antevendo o saque e queda do seu Império fumara para se evadir? Ao observar a copa vermelha dos novos liquidâmbares, plantados nas ruas de Lisboa e no Jardim das Conchas, ao Lumiar, é-me impossível não associar esta árvore, que pode atingir 40 metros de altura, aos rituais sanguinolentos das culturas mesoamericanas e ao etnocídio que os invasores espanhóis levaram a cabo durante o período colonial. Aparentemente, uma espécie de resina de Liquidâmbar, proveniente de outras regiões, já era conhecida na Europa, onde chegava solidificada, mas durante um longo período, até à expedição de Cortés, ninguém tinha visto a árvore americana. O Liquidâmbar, também chamado “Madeira-de-crocodilo” (pela semelhança da casca com a pele do réptil) exsuda este líquido gomoso como um antisséptico destinado a proteger feridas que atinjam a sua casca. Uma virtude antisséptica (proveniente da «estorenina»), valorizada pelos herbalistas da nação índia Cherokee, que incluíram o Liquidâmbar na sua farmacopeia, utilizando-o com frequência no tratamento de feridas, na cura da sarna e outras doenças de pele, bem como na higiene bucal. Alguns descendentes dos índios norte-americanos recordam ainda terem usado a resina como pastilha elástica do bosque, a par da goma de faia, pinheiro e abeto, mais apetecíveis por serem menos amargas. Apesar do seu grande valor ornamental e da rapidez de crescimento ter feito do Liquidâmbar uma árvore urbana estimada nos Estados Unidos da América – em Illinois, no século passado, substituíram os ulmeiros atacados pela grafiose –, neste momento é considerada uma espécie a plantar com moderação devido à amplitude do seu sistema radicular e ao facto de produzir um fruto que se torna lenhoso (cápsula de sementes) demasiado abundante, e susceptível de ferir quem o pisar de pés descalços. A substituição das nossas árvores fluviais – em particular, o Choupo e o Freixo – por árvores de montanha do continente americano, como o Liquidâmbar, como está gradualmente a acontecer na Avenida Guerra Junqueiro, em Lisboa, trará, por certo, uma multidão de estetas que à maneira japonesa rumarão a esta rua para apreciarem a lenta mutação cromática das suas folhas mas quem sabe, a americanização das nossas ruas com estas árvores florestais, habituadas a conviver com ursos, veados, lobos, castores, esquilos e a grande borboleta nocturna verde da Virgínia (Traça Luna) acabem também por estimular o aparecimento do imprescindível silêncio dos índios e o olhar profundo do bisonte. [A autora escreve de acordo com a antiga ortografia]


10 TL NOV-DEZ 2019

MEMÓRIAS DE JÚLIO ISIDRO

CARLOS DO CARMO VEIO PARA O FADO e FICOU

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Q

ue ambiente de irmandade fadista tinha o restaurante O Faia, nos anos 60. O jovem gerente, vindo da Suíça com um curso de línguas e um diploma de gestão hoteleira, filho da dona da casa, a consagrada Lucília do Carmo, punha em prática os seus conhecimentos do ramo e intervalava com alguns fados, coisa só para amigos e clientes habituais, quando altas horas da noite, o amador experimentava a coisa amada. Carlos do Carmo tinha ali duas heranças pesadas, gerir bem como o seu falecido pai, e cantar sem desmerecer do prestígio de sua mãe. E foi assim, passo a passo, fado a fado que um dia (terá sido uma noite) que Carlos se decidiu: “a minha carreira, a minha vida vai ser a música.” Aprendeu e apreendeu bem a partir dos melhores que passavam pelo Faia, Alfredo Marceneiro, Maria Teresa de Noronha ou

Carlos Ramos. Gostava do fado que lhe corria nas veias mas Sinatra ou Brel fascinavam-no. Tomada a decisão, a vida foi um turbilhão feliz de acontecimentos. O primeiro disco foi uma “Loucura” com instrumentos nada afins com o fado mas conquistou os gira-discos das rádios. E depois veio o primeiro prémio, melhor intérprete, atribuído pela Casa da Imprensa seguindo-se o melhor disco do ano, troféu Pozal Domingues. E tantos agora, sem conta. O que se seguiu foi um trajecto feito de muito trabalho, milhares de quilómetros e milhões de aplausos por esse mundo fora. O Olympia de Paris, a Ópera de Frankfurt, o Teatro de São Petersburgo ou o Tivoli de Copenhaga, entre outros. O jovem cantor que tinha vivido a sua infância no bairro da Bica, conquistava plateias com o charme de quem um dia o apelidou de Carlos Charmoso. Ele próprio assume que estar em palco é

um acto de sedução e uma troca de sentimentos e emoções. Vivi algumas por ele e com ele. O concerto de 1991, no Casino do Estoril, após meses de recuperação de uma queda de um palco em Bordéus. De fato branco Carlos espalhou magia com a sua música naquela noite. Vibrei com o Festival da Canção de 1976 onde cantou as oito canções concorrentes num desafio à sua capacidade interpretativa. Melodias de rara qualidade, palavras cheias de poesia, e a sua voz única que deixava uma réstia de fado em cada canção. Emocionei-me numa noite única para uma vida, quando Carlos do Carmo apresentou no Teatro Aberto, em Lisboa, o seu álbum “Um homem na cidade” com poemas de Ary dos Santos e músicas de alguns dos nossos melhores compositores. Anos antes, por razões que envergonham uma democracia, Carlos do Carmo esteve discretamente afastado da nossa televisão. A música era outra… Decidi convidá-lo para um programa

meu. Uma bela entrevista e dois fados a emoldurar a conversa. No final, no aperto de mão grato disse-me: “Quando quiser virei a qualquer programa seu.” Respondi: Mas não devemos ter verba para lhe pagar… Sorriu: “Eu venho sempre e depois mande flores à minha mulher, Judite.” A tia Judite tem estado sempre ao lado de Carlos do Carmo desde 1964. No camarim, acerta-lhe o nó da gravata, assenta-lhe um cabelo desalinhado, faz-lhe uma carícia e murmura um voto de muita sorte para o palco que o espera. No dia 9 de Novembro, num Coliseu a rebentar de corações a vibrar, o Carlos do Carmo, octogenário no dia 21 de Dezembro, disse adeus aos palcos. Esteve épico porque sempre quis sair pela porta grande. Carlos do Carmo veio para o fado e… ficará. [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]



12 TL NOV-DEZ 2019

Entrevista Edmundo Martinho

“Sinto que fiz parte de uma grande mudança” Edmundo Emílio Mão de Ferro Martinho, 64 anos, alentejano, e com o “gosto pessoal” para o social. Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) há dois anos

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ntrou na faculdade no curso que era maioritariamente de mulheres, Assistente Social, e durante 20 anos desviou-se da vocação. Foi em 1996 que o ministro do Trabalho, na altura, Eduardo Ferro Rodrigues, o desafiou a voltar às origens e redescobrir o lugar de onde nunca deveria de ter saído: a economia social. Admite que gostava de se ter dedicado mais ao voluntariado e que a ambição enquanto provedor da SCML passa pela modernização. Enquanto Edmundo, que não lhe falte a energia para fazer e ver acontecer e para garantir que perde mais tempo no terreno do que a dar entrevistas. “Eu sou rápido, vai ver”. E foi mesmo. Sabe o que dizer e como o dizer, e tem orgulho em Portugal e no que se faz por cá. Fala o homem que já viveu em Genebra, e que é atualmente presidente do Grupo de Trabalho sobre Envelhecimento da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE). Como é que chega à Segurança Social? Fiz um percurso em empresas privadas durante grande parte do meu tempo, em 1996 estava numa fase de acalmia profissional e fui convidado pelo ministro do Trabalho, da altura, Ferro Rodrigues, para me associar ao processo de lançamento do rendimento mínimo garantido. E foi assim. Nunca mais parei. E porquê a escolha do lado social. Por que não enveredar por outra área? Há um gosto pessoal pelo social, aliás, a minha formação de base é nessa área,

apesar de durante muito tempo não ter praticado, era um “social não praticante”. Mas esse lado esteve sempre cá, e na altura conjugou-se o meu gosto pessoal e os meus interesses com a oportunidade, e foi isso que aconteceu em 1996 quando fiz parte da equipa que lançou o rendimento mínimo em Portugal. Deram um passo importante que marcou e ainda marca a sociedade atual. Sem dúvida alguma e sinto que fiz parte de uma grande mudança. Independentemente do impacto que tem na vida das pessoas beneficiárias, obrigou a que todos os serviços, em particular na Segurança Social, a reinventaremse na forma de abordar este tipo de problemas. Na altura foi a primeira vez que aconteceu uma prestação social que tinha, obrigatoriamente, a si associado, um programa de inserção para cada uma das pessoas e isso obrigou a que o modo como se trabalhava, sofresse uma grande reconversão, o que foi extraordinário. O impacto que teve, e que se vai sentindo ao longo dos anos, obviamente, acabou por ser um impacto muito grande porque mudou o centro referencial de intervenção dos técnicos da Segurança Social, mudou para algo que se centra nas pessoas e nos percursos da vida das pessoas e isso foi muito transformador. Em 2019 temos notícias de que há mais de 2 milhões de portugueses em risco de pobreza. Muitos deles idosos e a viver com 250 euros. Mesmo com rendimentos, e apoios, vamos ter sempre pobres? Com os mais velhos, os reformados, não há razão para isto acontecer porque

temos hoje, em Portugal, uma prestação que se chama complemento solidário para idosos, e que adota como referencial de pobreza o valor estipulado na Europa, o valor do limiar da pobreza, o que significa dizer que teoricamente nenhum idoso deveria ter um rendimento inferior a esse limiar. Mas se não souberem, se não requererem, não vão usufruir do mesmo. E não requerem por vergonha? Não sei se é vergonha, se tem que ver com o modelo administrativo que pode levantar alguma dificuldade às pessoas, mas esse também é o dever dos serviços, o facilitar, estimular as pessoas a requererem os direitos que têm, porque nós temos condições, apesar de tudo, para não ter idosos em Portugal em risco de pobreza. Como é que é a SCML contribui para diminuir essa pobreza? O trabalho que esta Santa Casa faz tem impacto em Lisboa. Mas aqui tentamos dirigirmo-nos não à pobreza que é vista como ausência ou diminuição de rendimento, embora façamos algum apoio irregular – não é uma prestação mensal – mas o nosso trabalho existe e atinge sobretudo as outras áreas de privação que não apenas a pobreza material ou financeira. Por exemplo, lançamos uma iniciativa que é um centro de medicina dentária completamente gratuita até aos 18 anos, com 10 consultórios em permanência e que atualmente faz 700 a 800 consultas por semana. O que queremos é ajudar a diminuir o impacto em algumas áreas de privação na sociedade. Outra iniciativa

“Temos coisas extraordinárias que vamos fazendo em Portugal, mas depois não temos a capacidade de dar a visibilidade que mereceriam”


TL nov-dez 2019 13 vando campos

tem que ver com a empregabilidade de pessoas com deficiência, que é hoje um dos problemas com que nos debatemos. Há muito poucas pessoas com deficiência a trabalhar, no sentido de ser um trabalho com progressão de carreira, que não seja um trabalho precário. É ainda visto, como emprego assistencial e nós temos que mudar esse modelo. Lançaram também o programa “Lisboa, Cidade de Todas as Idades”, é a resposta a uma sociedade envelhecida? É mais do que isso. Hoje em dia não há nenhum setor da sociedade que não seja impactado pela longevidade, até mesmo o lazer, por exemplo, onde a Inatel tem um grande papel – por isso, é obrigatório que as cidades se preparem ou se adaptem a isso e que as próprias instituições, como a Santa Casa da Misericórdia, se adaptem a estas novas realidades. É preciso mudar os métodos de trabalho. Temos que ser mais pró-ativos e estar à frente desses acontecimentos. Esse programa, “Lisboa, Cidade de Todas as Idades”, quer alcançar isso mesmo. Por exemplo, o projeto “Radar” que tem voluntários responsáveis pelo levantamento de todas as pessoas que vivem sozinhas em Lisboa, e que procura, não só, descobrir as necessidades e fragilidades das mesmas, mas também as suas expectativas, o que é que ainda querem fazer. Até agora foram identificadas 30 mil pessoas. Este programa é o exemplo de como as instituições mudam os seus métodos de trabalho para responderem a novas necessidades da sociedade. Portugal está preparado para esta

sociedade mais velha? Ninguém está preparado para isto. Não estamos preparados no sentido em que não acompanhamos este processo de aceleração, e porque continuamos a trabalhar como há vinte ou quarenta anos. E é isso que temos que fazer, é dar esse passo transformador no modo como trabalhamos para assegurar a estabilidade financeira e a estabilidade social das comunidades para que se permita acolher toda a gente, independentemente das suas necessidades, num lugar comum. Esse é o desafio do nosso país e de muitos outros, e qual é maior desafio para o provedor da SCML? Não lhe chamo desafio, mas sim aquilo que me mobiliza mais é assegurar que a instituição se modernize, que seja capaz de responder aos desafios que vai encontrando pela frente; e modernizar significa evoluir nas tecnologias, na organização, no planeamento, na capacidade de prever e aí temos dado passos significativos nesse sentido. Modernização essa que é igualmente notória na Fundação Inatel ao aprofundar aquilo que são as suas áreas de tradição e estas organizações têm essa obrigação, fazer o que sabem fazer bem e aquilo que fazem bem, aprofundar ainda mais. E por falar em fazer bem, ainda continuamos a insistir com o “Lá fora é que se faz bem”, “Lá fora é que é bom”? Não. Temos é alguma dificuldade em fazer passar a nossa imagem. Temos coisas extraordinárias que vamos fazendo em Portugal, mas depois não temos a capacidade de dar a visibilidade que mereceriam. Mas ao mesmo tempo

“Quero mesmo ser parte deste processo de transformação da organização, e desta se adaptar às exigências e expectativas das pessoas”

aprende-se imenso com outros países, até mesmo os que têm uma realidade completamente diferente da nossa, mas que servem de inspiração para nós, assim como nós somos inspiração e modelo para outros. O senhor provedor é “nacional” e é inspiração para muitos ao ser galardoado com o Prémio Economia Social da Gala Reconhecer da Fundação Inatel. Estava à espera? Acho que foi simpatia da Fundação Inatel. É sempre difícil de perceber onde é que está o limiar do mérito, mas admito que, como estou nisto há muitos anos, tenho dedicado uma parte da minha vida e da minha energia a estas áreas, e como tinham de arranjar alguém, calhou-me a mim (risos). Mas entendo isto como, por um lado, o reconhecimento da importância da economia social, e por outro, o facto de estar na SCML porque é uma casa com grande peso social. Tudo se conjugou para isso, mas haveriam mais pessoas, mais merecedoras do prémio do que eu. Mas fico satisfeito e gostamos sempre destes momentos para afagar o ego. O que é que ainda quer fazer enquanto provedor? Quero mesmo ser parte deste processo de transformação da organização e desta se adaptar às exigências e expectativas das pessoas. Essa é a minha maior ambição como provedor, modernizar a instituição. E enquanto Edmundo? Enquanto poder cá andar, quero ter energia e força suficiente para continuar a fazer aquilo em que acredito.

Maria João Costa


14 TL NOV-DEZ 2019

ciclo mundos Entrevista

Leyla McCalla O BAIÃO DA PENHA DE FRANÇA Largou o violoncelo e pegou no banjo e na guitarra eléctrica. Ao Ciclo Mundos, Leyla McCalla, trouxe o manifesto económico, político e social “Capitalist Blues”. Terceiro álbum no qual questiona se vive de facto numa sociedade democrática, dentro de um sistema que não pode controlar

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asceu em Nova Iorque e reside actualmente em Nova Orleães. Durante a infância e a adolescência, passou longas temporadas de verão no Haiti, na casa dos avós, e chegou a viver dois anos no Gana. Verdadeira filha da “crioulização” (processo que a “nossa” lisboeta de sangue cabo-verdiano Carmen Souza tão bem desmonta em “Creology”), Leyla McCalla serve-nos no seu terceiro álbum, “Capitalist Blues” (2019), um faustoso e diversificado banquete de música mestiça contemporânea e ancestral, de raiz afro-americana e francófona: jazz e festividades mardi gras de Nova Orleães, oldtime, calypso, zydeco, cajun, blues, r&b, soul, noise rock, mizik rasin, konpa e até mesmo o nordestino baião. Assim que subiu ao palco do Teatro da Trindade Inatel, Leyla McCalla cantou em português, francês e crioulo do Haiti o “Baião da Penha” do pernambucano Luiz Gonzaga que conheceu na versão de Caetano Veloso em “Circulado” (1991). “Os meus pais são fãs do Caetano Veloso. É por isso que estou tão familiarizada com a música brasileira”, refere McCalla. “Quando estava na Universidade estudei português porque queria ir ao Brasil estudar a música local. Nunca cheguei a ir, mas estou agora em Portugal. Consigo perceber algumas frases e fiquei abismada com as semelhanças que encontrei entre o Brasil e o Haiti. As inúmeras favelas, a extrema pobreza. No caso do ‘Baião da Penha’, traduzi-o para inglês e a letra mexeu comigo. Pensei que era uma canção muito bonita, descobri que foi o Luiz Gonzaga que a escreveu. E então voltei a traduzi-la para crioulo. Penso que, na América Latina, há uma imensa história comum derivada do colonialismo, que ambos os povos partilham. Tinha essa necessidade de ouvir como soaria esta canção em

crioulo.” E porquê em crioulo? Por ser uma língua de resistência? Sim. É uma língua de resistência. Hoje em dia não tanto. Penso que as revoluções dos escravos não teriam sido possíveis sem um meio de comunicação comum entre todos estes diferentes grupos étnicos, de diferentes “backgrounds” que sentiam que tinham um assunto para resolver, fossem franceses ou africanos. O crioulo foi a língua que deu origem ao país que é hoje o Haiti. Do segundo álbum “A Day for the Hunter, A Day for the Prey” (2016) para o terceiro “The Capitalist Blues” (2019), que veio apresentar ao Ciclo Mundos, houve uma alteração significativa no formato da sua banda. Está a tocar muito mais banjo e guitarra eléctrica e muito menos violoncelo. Deixou de ter uma violinista. Tem agora um baterista e um baixista. O que é que mudou na sua forma de compor? O que muda são os elementos à minha volta. Sempre toquei violoncelo, banjo e também toco guitarra eléctrica há algum tempo. São ferramentas que uso há muito tempo para criar música, para escrever canções. Nunca tinha tocado com um baterista e com um percussionista. Havia muitos elementos que, ao ouvi-los, me inspiravam para criar música e que não ouvia na que havia feito antes. Particularmente, música haitiana konpa (compas) dos anos 60 e 70 onde a guitarra eléctrica substitui o banjo. Absorvi muito esses discos de Coupé Cloué com muitas partes de guitarra. Fiquei entusiasmada com a possibilidade de desenvolver este tipo de sonoridade e não com a vontade de tornar a minha música mais eléctrica. Queria que a minha música fosse o espelho das minhas influências crioulas. Tenho um potencial maior para fazer mais ruído mas, para mim, o que

é importante é levar o ouvinte a viajar numa jornada sonora. Não me sinto comprometida com uma única forma de a apresentar. Nunca. Isto é o agora. Na escrita de uma canção, o assunto que aborda, seja a guerra na Síria, o capitalismo selvagem, ou as carências no sistema de saúde e de segurança social dos Estados Unidos, determina a sua abordagem sonora? “Aleppo” pede uma sonoridade mais noise rock? De uma certa maneira. Os assuntos abordados numa canção conduzem o processo de sentir a que é que a canção precisa de soar. O álbum “Capitalist Blues” é extremamente diversificado. Cada canção tem um ambiente musical distinto... Lembro-me da primeira vez que trabalhei com um produtor musical em que ele me perguntou muito abertamente: queres fazer um disco para a tua banda ou queres fazer um álbum para cada canção? Quero fazer um álbum para cada canção. Tem um potencial maior. Pensei que este era o melhor caminho para fazer o disco. Este é um álbum que gira à volta da canção “Capitalist Blues” gravado em Nova Orleães com uma sonoridade jazzística local muito acentuada, com festividades mardi gras, sobretudo em “Settle Down”. Tema que fecha o disco e onde surgem uns convidados muito especiais do Haiti: Lakou Mizik. “Capitalist Blues” é o ‘chapéu’ que alberga todas as canções do disco. É a razão de ter feito este disco e naquilo que estava a pensar quando as gravei. O que significa viver numa sociedade capitalista que adquire capital, bens, que se endivida, que usufrui do direito de votar em democracia, que se questiona se vivemos realmente numa democracia. Só porque temos eleições, nem tudo acontece democraticamente. Muito do poder nos Estados Unidos está


TL nov-dez 2019 15 Fotos: beatriz lorena

concentrado nas grandes corporações, nos lobbistas e não nas pessoas, nem nos serviços sociais. Há um enorme défice de igualdade. Olhamos para o Haiti e vemos um país extremamente pobre. Mas não é assim tão pobre, tão desigual. Temos o mesmo nos Estados Unidos a um nível macro-económico. Obviamente, temos uma classe média mais rica. Sabe, a eleição de Trump provocou uma série de questões de como a sociedade se encontra estruturada. Para as pessoas da minha geração, a eleição do Trump foi uma surpresa, mas não deveríamos estar surpreendidos porque o Reagan já tinha sido eleito antes. Só que ainda não tínhamos nascido quando isso aconteceu (risos). É neste contexto que, em “Heavy As Lead”, este disco aborda outros assuntos delicados como as fragilidades dos sistemas de saúde pública que teve de

“Este disco reflecte sobre quais realmente são os nossos valores. Muita gente na igreja católica não acredita no direito de escolha das mulheres. Mas se a vida é tão sagrada, porque é que toda a gente não pode ter um seguro de saúde?”

superar para tratar a sua filha que havia sido diagnosticada com elevados níveis de chumbo no sangue. Este disco reflecte sobre quais realmente são os nossos valores. Muita gente na igreja católica não acredita no direito de escolha das mulheres. Mas se a vida é tão sagrada, porque é que toda a gente não pode ter um seguro de saúde? Porque é que não protegemos a vida das pessoas que nos rodeiam? Porque não temos um acordo sólido sobre direitos humanos nos Estados Unidos? Temos de comprar tudo. O acesso à escola, à segurança social, aos seguros de saúde. Pouco tempo depois de lançar “Capitalist Blues”, foi editado o projecto “Songs of Our Native Daughter” desenhado por Rhiannon Guiddens, com quem tocou nos Carolina Chocolate Drops, no qual quatro tocadoras de banjo afroamericanas abordam questões históricas que influenciaram a identidade das mulheres negras nos Estados Unidos, como a escravatura, o racismo e o sexismo. Para além de si e de Rhiannon, participam neste projecto Allison Russell dos Birds Of Chicago e Amythyst Kiah. Consegue encontrar uma relação entre ambos os discos? Relativamente às mulheres negras, não lhes deram o devido crédito no papel que desempenharam nas mudanças sociais que foram ocorrendo nos Estados Unidos. Mulheres em geral, mulheres negras em particular. Este disco passou por um processo muito diferente de criação. Ouvi várias vezes as canções que queria gravar, pensei nelas durante algum tempo. O estilo de produção, o trabalho que os produtores tiveram, foi completamente diferente. Uma mulher negra com um banjo em 2019 é uma forte imagem que não tínhamos visto muito no passado, mas vamos vendo cada vez mais nos dias de hoje. Acho que o racismo nos Estados Unidos contribuiu para este contexto monolítico. Mas este não é um diálogo monolítico, é um diálogo de diversidade e estou muito grata por ter participado nele.

Luís Rei [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]


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VIAGEns FESTA NA RIVIERA FRANCESA Carnaval de Nice e Festival do Limão para viver três dias de alegria DR

CARNAVAL DE NICE E FESTIVAL DOS LIMÕES EM MENTON

Data: 21 a 24 de fevereiro Partida: Lisboa Informações: Tel. 211 155 779 turismo@inatel.pt | www.inatel.pt

N

a famosa Riviera francesa a sofisticação e a beleza natural conjugam-se na perfeição. Nice, no coração da Côte d’Azur (Costa Azul), tem muito para maravilhar. As praias, a colina do Castelo, o Teatro Nacional, a Ópera, o Bairro Antigo, com palácios, ruas e fachadas coloridas. No centro da cidade, o Museu de Arte Moderna e Arte Contemporânea, um impressionante edifício neoclássico, o Museu Henri Matisse, criado pelo próprio em 1952, o Museu Marc Chagall, que teve o envolvimento do artista, e ainda, o Palácio Lascaris, do século XVIII, atual museu de instrumentos musicais, com uma das mais importantes coleções de França. A tarde de sábado será animada com a Batalha de Flores. O escritor francês Alphonse Karr, apaixonado pela botânica e tendo vivido em Nice, esteve na origem da primeira batalha, em 1876. O desfile de carros floridos, cuja decoração contém milhares de pétalas coladas na véspera, é pontuado por inúmeras flores que são lançadas ao público.

À noite, a praça Masséna e as ruas do centro de Nice enchem-se de diversão com o desfile dos carros iluminados, grupos musicais e muita animação. O tema do corso do Carnaval de Nice, célebre

desde o século XIX, será o “Rei da Moda”. Domingo é dia de Festival do Limão, em Menton, com carros alegóricos decorados de citrinos. Em 1929, um hotel teve a ideia de organizar uma exposição

CARNAVAL EM VALE DE ÍLHAVO Os Cardadores saem à rua para cumprir uma antiga tradição, com muito divertimento

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ela manhã passeamos pela vila termal do Luso. Vamos à Mata Nacional do Bussaco, plantada pela Ordem dos Carmelitas Descalços, no primeiro quarto do século XVII, constituída por cerca de 250 espécies de árvores e arbustos, com exemplares extraordinários. Avistamos o Palace Hotel do Bussaco, mandado construir pelo rei D. Carlos I, entre 1888 e 1907, como pavilhão real de caça. Este palácio, hoje um lendário hotel, é um belo exemplo da tendência arquitetónica daquela época, conhecida por “Romantismo castelar”. Em Vale de Ílhavo vamos conhecer os Cardadores, grupos exclusivamente masculinos. A preparação destes mascarados é feita cerca de um mês antes, através de um sigiloso processo, que inclui a execução das máscaras e a aprendizagem dos rituais a ter durante os festejos. Esta tradição cumpre-se no domingo gordo e na terça-feira de Carnaval, dias em que os Cardadores correm e saltam para “cardar”, sobretudo, as mulheres. É uma antiga brincadeira que lembra a carda da lã.

de flores e frutas cítricas nos jardins, o sucesso foi tal que no ano seguinte a festa saiu para a rua. E continua até hoje, com o desfile de Frutas Douradas e Exposição de Citrinos.

CARNAVAL EM VALE ÍLHAVO

Data: 24 a 26 de fevereiro Partidas: Faro, Beja, Évora, Setúbal, Lisboa Informações: Tel. 211 155 779 turismo@inatel.pt | www.inatel.pt

© nuno feliz


AF_Galp+Inatel_Dezembro_259x393,7mm_V3_OL.pdf 1 23/10/2019 16:18:51

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OUVIR

O cinema que aí vem

Celebrar a entrada de 2020 com bons concertos

Há filmes para todos os gostos e idades. Logo, não há desculpas para não se sair do conforto do sofá Technoboss, de João Nicolau | Portugal, 2019. Com: Luísa Cruz, Miguel Lobo Antunes, Américo Silva. • Um sénior, à beira da reforma, experimenta o doce sabor da liberdade ao volante, cantarolando os males da vida moderna e reencontrando a paixão e o amor. Fabulosa é a interpretação de Miguel Lobo Antunes. Grande Prémio do Júri no Festival de Cinema de Sevilha. Comportem-se como adultos, de CostaGavras | França/Grécia, 2019. Com: Christos Loulis, Alexandros Bourdoumis, Ulrich Tukur. • Depois de “O Capital” (2012) – abordagem pura e dura do mundo financeiro – o celebrizado cineasta do thriller político revisita a crise grega, reconstituindo (a partir das memórias políticas de Yanes Varoufakis) o árduo trabalho negocial do ex-ministro das finanças helénico com o Eurogrupo. Tristeza e Alegria na Vida das Girafas, de Tiago Guedes | Portugal, 2019. Com: Gonçalo Waddington, Miguel Guilherme, Maria Abreu. • Uma fábula – uma rapariguinha em deambulação por Lisboa em busca da superação da dor pela trágica e irreparável perda da mãe – que traz à memória, “Extremamente alto, incrivelmente perto” (2012), de Stephen Daldry, outro olhar sobre as dores de crescimento. Passámos Por Cá, de Ken Loach | Reino Unido/França/Bélgica, 2019. Com: Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Rhys Stone. • Da uberização desenfreada do mercado de trabalho e da desumanização da sociedade trata “Sorry We Missed You” (título original), último filme do autor de “Eu, Daniel Blake”, sobre uma família sacrificada aos excessos do modelo ultraliberal. Celle que vous croyez, de Safy Nebbou | França, 2019. Com: Juliette Binoche, Nicole Garcia, François Civil. • O tema dos perigos da realidade virtual – uma mulher de cinquenta anos que finge ser uma jovem nas redes sociais – suas implicações psicológicas e fictícias, abordado num thriller interessante que tem Juliette Binoche. Graças a Deus, de François Ozon | França/Bélgica, 2019. Com: Melvil Poupaud, Denis Ménochet, Swann Arlaud.

• O tema do abuso de menores tratado de modo delicado mas frontal, sem sensacionalismos panfletários de qualquer espécie. Grande Prémio do Júri do Festival de Berlim. Violeta, de Kantemir Balagov | Rússia, 2019. Com: Viktoria Miroshnichenko, Vasilisa Perelygina, Andrey Bykov. • No meio da destruição e caos da cidade de Leninegrado, no pós-guerra de 45, duas jovens mulheres reerguem as suas vidas com o olhar fixo na esperança. Prémio Melhor Realizador, Prémio FIPRESCI Festival de Cinema de Cannes. Made in Bangladesh, de Rubaiyat Hossain | França/Bangladesh/Dinamarca/ Portugal, 2019. Com: Rikita Nandini Shimu, Novera Rahman, Parvin Paru. • Face às duras condições de trabalho e exploração uma operária têxtil e mais outros colegas decidem, contra ventos e marés, criar um sindicato para garantir a defesa dos seus interesses. Devendra Banhart

A Ovelha Choné O Filme – A Quinta Contra-Ataca, de Richard Starzak | Reino Unido, 2019. Animação. • A nova aventura – intergaláctica! – plena de criatividade, inteligência e poder de sedução – da bonecada de plasticina saída do Studio Aardman promete deliciar, uma vez mais, os espectadores infantojuvenis. Cats, de Tom Hooper | Reino Unido/EUA, 2019. Com: Francesca Hayward, Jennifer Hudson, James Corden. • Adaptação à grande tela do mítico espectáculo musical “Cats” da Broadway que subiu à cena no New London Theatre em 1981 – onde permaneceu por 21 gloriosos anos – e foi visto por mais de 81 milhões de espectadores incluindo digressões a mais de cinquenta países. Star Wars: A Ascensão de Skywalker, de J. J. Abrams | EUA, 2019. Com: Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac. • Com o confronto final pela liberdade que opõe os sobreviventes da Resistência e a poderosa ‘Primeira Ordem’ darse-á por encerrada a saga Skywalker mas não, por certo, a de “Star Wars”, criada em 1977 por George Lucas sob forte inspiração (e influência) do filme clássico japonês, “The Hidden Fortress” (1958), do grande mestre Akira Kurosawa.

Joaquim Diabinho [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]

I

niciamos 2020 com os tradicionais Concertos de Ano Novo. Logo no dia 1 de janeiro, a Orquestra Metropolitana de Lisboa faz duas sessões do seu já habitual Concerto de Ano Novo da Metropolitana. O Grande Auditório do Centro Cultural de Belém recebe às 11h30 e às 17h, dirigida pelo maestro Sebastian Perlowski, polcas e valsas da família Strauss. Também no dia 10 de janeiro, no Teatro Tivoli BBVA teremos o espetáculo O Grande Concerto de Ano Novo, pela Strauss Festival Orchestra e o Strauss Festival Ballet Ensemble. Um espetáculo que se pautará por valsas, polcas e marchas de Johann Strauss. Os espectadores podem esperar muita magia com um guarda-roupa de luxo e coreografias exuberantes! Um entusiasmante concerto para dar as boas vindas a 2020. Para os fãs de bandas sonoras, teremos as melhores bandas sonoras de Hollywood com o espetáculo A Celebration of John Williams, no dia 9 de janeiro, no Teatro Tivoli BBVA pela Hollywood Symphony Orquestra. Melodias imortais do nosso imaginário como Tubarão, Star Wars, Indiana Jones, Parque Jurássico, E.T., O Patriota, O Resgate do Soldado Ryan, A lista de Schindler e Harry Potter compostas por este magnífico compositor. A 14 do mesmo mês, no mesmo Teatro damos destaque a uma Noite de Música Espanhola, com o Con-

certo de Aranjuez de Joaquín Rodrigo interpretado pelo guitarrista argentino Rolando Saad, que de uma forma brilhante transmite ao público a riqueza tímbrica e a beleza sonora da guitarra espanhola de concerto. Este concerto, marco da fusão da música popular com uma escrita mais erudita, terá ainda peças no seu programa como El Amor Brujo de Manuel de Falla, Carmen de Bizet, Introdução e Rondo Caprichoso de Saint-Saëns e Melodias Ciganas de Sarasate. Sem apresentações necessárias, a rainha da música Pop, Madonna tem já marcadas 8 datas para o Coliseu de Lisboa, a 12, 14, 16, 18, 19, 21, 22 e 23 de janeiro. O Hard Club no Porto, e no Capitólio em Lisboa recebem o Devendra Banhart a 15 e 16 e 17 de fevereiro, respetivamente. Devendra, de ascendência venezuelana vem trazer-nos o seu renovado Indie Folk com a apresentação do novo álbum intitulado Ma. Membro dos famosos Buena Vista Social Club, Eliades Ochoa, de 73 anos ou o Sr. Chan Chan, como é chamado em Cuba irá passar por Lisboa para um concerto inédito, a 24 de fevereiro no Teatro Tivoli BBVA. Acompanhado da sua guitarra, poderemos ouvir neste concerto a solo temas do repertório popular cubano – um concerto a não perder. O início de 2020 promete um ano cheio de excelentes concertos!

Susana Cruz


de

Fred ebb e bob fosse Música John kander Encenação Diogo Infante Viagens a partir de vários pontos do país para um

espetáculo imperdível!

coprodução

teatro da trindade inatel e força de produção

ATÉ

Informações: 210 027 000

COPRODUÇÃO

PARCEIROS TEATRO DA TRINDADE INATEL

APOIOS

MEDIA PARTNERS

29 MAR M 12

2019

© Pedro Ferreira


20 TL NOV-DEZ 2019

4. Trail da Subida à Serra de São Macário o

Coluna DO provedor

No passado dia 10 de novembro, na cidade de São Pedro do Sul, realizou-se o 4.º Trail à Serra de São Macário. Uma organização da Fundação Inatel com os associados GTT.SPS – Grupo Todo Terreno de São Pedro do Sul. Manuel Camacho

provedor.inatel@inatel.pt

N C

om 400 inscritos, nas provas de Trail Longo, Trail Curto, Mini Trail e Caminhada, foram muitos os atletas, que dos vários pontos do país, se deslocaram para uma aventura pela serra, com chuva e frio, condições essas que, nestas provas, tornam a prova ainda mais desafiante. Dos 31 km, no Trail Longo, passando pelos 20 km, no Trail Curto, e o mini trail e caminhada de “apenas” 10 km, partir e chegar tinha como cenário a XXI Festa da Castanha e do Mel. Saíram com o estômago aconchegado de produtos de produção local – de fruta, a compostas, passando pelo mel, pelos bolos e doces de castanha, sem deixar escapar a jeropiga e os licores. Nas palavras do presidente da câmara municipal de São Pedro do Sul, Vítor Figueiredo, “isto é mais uma festa tradicional que vamos fazendo ao longo de todo o ano, e onde estamos a promover os nossos produtos endógenos, que é disto que pessoas de cá vivem e ao mesmo tempo dar cor a esta serra, com as centenas de atletas a subir a serra e a terminarem aqui, na Feira da Castanha e do Mel. Chegam gelados e arranhados, é verdadeiramente agreste, mas a verdade é que as pessoas gostam disto, o trail está na moda, está na vida dos cidadãos, e se as pessoas gostam nós estamos aqui para trabalhar para isso.” Antes da prova, o aquecimento teve direito ao acompanhamento das concertinas Vale do Bestança e a partida do Trail Longo teve como batida os Bombos e Tarolas de Negrelos, e assim que se ouviu o “agora” foram muitos os que partiram de mochila às costas com as provisões cer-

tas para as provas duras que tinham pela frente. Água, fruta, frutos secos e barras energéticas. A maior preocupação não era a chuva, a lama ou frio, era o nevoeiro que podia ser traiçoeiro, mas com a sinalização mais indicada e devidamente distribuída, a única coisa que podia falhar eram as pernas, o resto estava assegurado. Os GTT.SPS, envolvidos desde o primeiro momento no evento, estavam presentes na Feira, na meta das diferentes competições, não apenas para receberem os atletas, mas para “reforçar” a chegada com os alimentos necessários para reporem as calorias perdidas de forma imediata antes do banho merecido. “Gostamos mesmo disto, é amor à camisola. E as pessoas gostam muito destes eventos e gostam muito desta serra e nós tínhamos que estar cá, e não podemos parar de organizar com

a Fundação estes eventos”, diz um dos membros do GTT, associado Inatel, quando perguntávamos o que é que os move, o que faz com que continuem, todos os anos, a organizar eventos como este. O primeiro a chegar à meta foi o José Nunes, do concelho de Penalva do Castelo, Viseu, ele que percorreu 20 Km em 2 horas e 36 minutos. Já é atleta de trail desde 2013, mas foi a primeira vez que participou na subida à Serra de São Macário, e apesar do frio, valeu a pena, “a vista é lindíssima, estava a ficar nevoeiro, mas valeu a pena o esforço. O trail para mim é uma terapia, a serra significa paz, dá para limpar os problemas do trabalho, e fico sempre bem”. Isto porque o desporto, na medida certa e adaptado a cada um, nunca fez mal a ninguém. É remédio santo.

Maria João Costa

o dia 9 de novembro comemoraram-se 30 anos sobre a queda do Muro de Berlim. A recordação desse dia tão festejado pelos alemães de ambos os lados do muro, mas também por todo o mundo que, mais ou menos, de perto acompanhou a sua “história”, surgiu em todos os órgãos de comunicação. Durante as comemorações, nas televisões, nos jornais, nas rádios e nas redes sociais, não se cansaram de lembrar, das mais diversas formas, este acontecimento que acabou por ficar definitivamente ligado ao fim da famosa “Guerra Fria” entre a União Soviética e os Estados Unidos da América. No entanto, foram muitas as histórias de sangue, suor e lágrimas que ao longo dos 28 anos da sua existência fizeram do “muro” um ponto de passagem para a tristeza, a repressão, a dor e até mesmo o afastamento forçado de muitas famílias. De uma maneira geral o tempo atenua a mágoa, mas não apaga a História e neste caso, mais uma vez, acabámos por recordar inevitavelmente histórias que fazendo parte de um passado ainda muito recente acabaram por nos trazer à memória os factos e as circunstâncias que ditaram o curso dos acontecimentos. Ao longo do século XX foram muitos os momentos de alegria e euforia devidos ao fim de ditaduras, de guerras e de regimes desumanos. Mas a maior felicidade teria sido ter-se evitado os danos e o sofrimento causados. Quase sempre, a passagem destes regimes repressivos para regimes democráticos mais justos traz também muito sofrimento àqueles que lutam para o conseguir. Na nossa História mais recente, resta aos portugueses a consolação de que, apesar de termos sofrido 48 anos de ditadura, conseguimos fazer uma Revolução com cravos em vez de sangue. A verdade é que, apesar de toda a evolução tecnológica das últimas décadas, o ser humano ainda não descobriu a “fórmula” para evitar confrontos e construir a PAZ sem o sofrimento de alguns. Enquanto aguardamos, porque acredito na potencialidade do ser humano, desejo-vos um Bom Natal e um Ano 2020 feliz e solidário.


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Comemorações dos 75 anos Inatel Leiria

A

Inatel Leiria está a comemorar 75 anos de existência e, para assinalar esta importante data, a Fundação Inatel tem organizado vários eventos para simbolizar estas comemorações. No dia 4 de novembro, no Palácio dos Ataídes, em Leiria, inaugurou-se a exposição do artista Rodrigo Baeta, com o tema 75 Anos Inatel Leiria. Integrada no ciclo de comemorações, a exposição apresenta trabalhos que individualmente marcaram momentos importantes no desenvolvimento da escultura comemorativa desta efeméride. No distrito de Leiria, a Fundação Inatel tem-se destacado através dos mais diversos e distintos serviços, sobretudo no incremento e dinamização de atividades culturais, desportivas, turísticas e sociais, destacando-se a defesa do associativismo e, pelo seu pioneirismo, a chama de atenção para o direito aos tempos livres dos cidadãos, sendo precursora no turismo social, partilhando novos conceitos de férias e de lazer. A Gala Reconhecer Inatel Leiria foi outro acontecimento que fez parte das comemorações dos 75 anos, que teve lugar no dia 17 de novembro, no Teatro Miguel Franco, em Leiria. Esta Gala deu destaque ao trabalho que foi desenvolvido no distrito de Leiria, no campo das políticas sociais. Num ambiente de celebração, reuniram-se os principais intervenientes em iniciativas promovidas

pela Inatel Leiria e por outras entidades que fazem parte do seu universo, bem como pessoas e organizações da administração Pública e da Sociedade Civil que assumiram um papel preponderante no

campo da cooperação e do desenvolvimento sustentável. Fernando Correia, conhecido jornalista, foi o mestre de cerimónias desta grande celebração, que contou com a presença

de Pedro Barroso, a comemorar cinquenta anos de carreira, do pianista, leiriense, João Costa Ferreira e, por surpresa, de António Manuel Ribeiro, vocalista dos UHF.

Algarve com apenas dois anos de idade e nunca mais lá voltou. Já não se lembra do cheiro, da temperatura nem sequer da paisagem. Garante que estar em Portugal é um sonho concretizado e não se poderia sentir mais feliz e agradecido. “Um novo sonho é voltar cá, novamente”, afirma Maria de Fátima, que tinha che-

gado de São Paulo, Brasil. Ao lado estava o senhor Aníbal que nos diz que está à espera de voltar a Pombal, a sua aldeia natal, para rever alguns amigos que ainda lá estão. Até dia 20 de novembro, este grupo de 14 participantes andaram por Portugal a reviver memórias e ganharam muitas histórias para depois contar. Mafalda Carvalho

Mafalda Carvalho

Portugal no Coração

A

primeira expressão deste parágrafo só poderia ser «sejam bem-vindos». O que será estar fora do nosso país, da nossa pátria, da nossa tradição por mais de vinte, trinta ou quarenta anos? O programa “Portugal no Coração” tem como objetivo proporcionar aos emigrantes portugueses a oportunidade de revisitar o país que deixaram noutros tempos. Criado em 1996 este é um programa turístico e cultural para todos os emigrantes portugueses com 65 ou mais anos de idade, residentes fora do território europeu e que não tenham visitado Portugal há pelo menos 20 anos. Foi no dia 9 de novembro que o grupo, oriundo de países como o Brasil, a Argentina, a Venezuela e a África do Sul, chegou ao aeroporto de Lisboa e se preparou para começar um programa de doze dias, pelo sul, centro e norte de Portugal. Esta iniciativa é promovida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, pela Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, pela Fundação Inatel e pela Tap Air Portugal, e proporciona ao grupo de emigrantes a oportunidade de, ao longo de treze dias, revisitar alguns dos locais e monumentos mais emblemáticos da nossa história e das nossas cidades, assim como partilhar e deliciar os sabores únicos da nossa gastronomia. Foi no dia da primeira visita, em Belém, que acompanhámos este grupo que trans-

bordava emoção, surpresa e felicidade. Uns nunca tinham visto a paisagem do rio Tejo, outros ainda nem acreditavam que estavam a pisar o solo português, mas uma coisa era unânime, a água que, volta e meia, invadia o olhar. O senhor Orlando, tinha voado de Buenos Aires, Argentina, e contou que saiu do


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Os contos do zambujal

EM DIRECTO E A CORES

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élio Bernardo entrou em casa curvado e de nariz torcido. Algum dissabor. Giovanela Branca, sua dilecta esposa, estranhou, tanto mais que o esperava contente pelo correr do dia. Ela sim, tinha pública razão para o receber de má catadura. Ele despiu o casaco, revirou os bolsos, despejou sobre o tampo da mesa a sacola que era hábito trazer ao ombro, mas desalentado deixou-se cair no sofá. Sem uma palavra. Foi Giovanela quem falou: — Estavas mais bem-disposto esta manhã. Diria mesmo que parecias feliz da vida, repousado numa esplanada a horas em que seria natural ocupares o teu lugar no emprego. Mas não. Recostavas-te ali, risonho, na ignorância – suponho que na ignorância – de seres observado por milhares de pessoas. Uma delas, eu. Ao princípio nem acreditava, mas depois tornou-se nítido, não havia confusão possível, estavas sentado um metro à rectaguarda do entrevistado, um senhor ambientalista que falava acerca dos perigos que corre o planeta, secas, dilúvios, tufões, a catástrofe climática que faz do mundo todo um lugar perigoso. Nem ouvi tudo, atenta que fiquei à imagem da segunda fila. Será possível? Será possível? O meu Célio Bernardo pespegado em frente de uma câmara de televisão? Sem intenção, poderás tu dizer. Calhou sentarem o ambientalista à tua frente, e vá de conversa, nem sabias – poderás tu dizer – que a tua imagem estava a ser captada pela câmara da tv. Célio Berardo remexeu-se, levantou o olhar para a mulher e disse: — Não era eu. Ela soltou um riso forçado e áspero, respondeu de pronto: — Não eras tu? Então eu não conheço o homem com quem casei há dezoito anos? Seria capaz de confundir esse queixo quadrado, o nariz redondo, as orelhas avantajadas como asas de pássaro? Além dos gestos: o cruzar e descruzar dos braços, o entrelaçar dos dedos, o modo como coças a nuca com a ponta da esferográfica. Célio, Célio, voltei com as imagens até ao começo, é bom que as televisões permitam agora rebobinar, e se alguma dúvida pudesse ter ficou desfeita. Podias, ao menos, ter a franqueza de confessar que sucumbiste ao impulso de faltar ao trabalho

eu compreenderia apesar de te censurar. Mas a tua imagem não era de alguém com peso na consciência, pelo contrário, a certo passo pareceu-me que deslocavas um pouco a cadeira para ficar bem de frente na televisão. Como única resposta, Giovanela só ouviu do marido três palavras: — Não era eu. Agastada, a mulher retomou o discurso: — E o boné, esse boné que te ofereci no Natal do ano passado, com as riscas azul claro e grená como desejavas ter, quantas vezes o colocas na cabeça para o tirares passados minutos? Gestos que te observei na tv, mas não era necessário, bastava-me ver a cara, a tua cara inconfundível, não deve encontrar-se nariz igual em toda a cidade. Tu não percebeste, Célio Bernardo, que estavas em frente de uma câmara, que, o mesmo é dizer, em frente do país todo, incluindo a tua surpreendida mulher? Com as palmas da mão suportando a cabeça e os cotovelos apoiados nas pernas, Célio disse, em voz baixa: — Não era eu. Nesse ponto, a irritação de Giovanela cresceu um pouco, gritou: — Caramba, é preciso desplante. Porque é que vais continuar a negar que às onze da manhã estavas refastelado numa esplanada da Baixa, contentinho da vida, sobretudo quando uma jovem bonitona se foi sentar à mesma mesa, ela pediu licença, foi o que entendi, e tu levantaste-te, todo mesuras, a segurar-lhe as costas da cadeira? Comigo não és tão atencioso, mas bem percebi como ficaste encantado com tão bela companhia. Era brasileira? Cal-

“Comigo não és tão atencioso, mas bem percebi como ficaste encantado com tão bela companhia. Era brasileira? Calculo, tu não dizes uma palavra em inglês, francês, mesmo italiano ou espanhol”

Mário Zambujal culo, tu não dizes uma palavra em inglês, francês, mesmo italiano ou espanhol e no entanto gesticulavas a falar, falavas muito e ela toda sorrisos. As mesmas três palavras saíram da boca semicerrada de Célio: — Não era eu. — Até a carteira! A carteira que te ofereci no dia do aniversário, amarela e preta, bem a vi quando te prontificaste a pagar a conta, a tua e a dela, olha que coincidência, nesse momento acabou a entrevista para a televisão, desligaram, deixei de te ver. — Não era eu. — E agora chegas a casa com cara de enterro, tão bem-disposto que estavas, principalmente com a brasileira – era brasileira, não? – que pode ter acontecido ao senhor meu esposo depois de uma manhã em directo e a cores? — Decididamente, Célio Bernardo poupava palavras: — Não era eu. Este foi o momento em que soou a campainha da porta e Giovanela foi abrir. Reconheceu a morena da televisão sentada na mesma mesa que Célio Bernardo. Ficou muda de surpresa, só ouviu: — O senhor Célio Bernardo de Assunção Silvestre reside aqui? — Conforme – disse Giovanela na defensiva. – Que lhe quer? — Ver ele – respondeu a visitante e a dona da casa sorriu por ver confirmado o palpite de que seria brasileira. E então, irónica, chamou com o sotaque da visitante: — Célio, amô, chega aqui meu bem. Aproximou-se o reclamado com os olhos arredondados pelo espanto. E a visitante esclareceu: — Sorte você ter na carteira informação da sua residência. Eu encontrei no chão e vim trazer. Gostei de conhecer você. Foi Giovanela quem agradeceu, Célio silencioso. Retirou-se a brasileira e, de novo a sós, ela tornou à carga: — E agora? Não é altura de me contares qual o motivo por que faltas ao emprego e me entras em casa pela televisão, em directo e a cores, com ar feliz, e chegas a casa com ar infeliz? E nem falaste com a menina com quem eras todo sorrisos de manhã? Caminhando em direção do quarto, Célio Bernardo cortou a conversa: — Não era eu.


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Passatempos Palavras cruzadas POR josé lattas 1

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11 HORIZONTAIS: 1-Samário (s.q.); Abrirais e fechais rapidamente, os olhos. 2-Divina; Ilha do Mar da Irlanda, pertença da Coroa Britânica, apesar de a jurisdição, não fazer parte do Reino Unido. 3-Acoitas; Mérito. 4-Contração de preposição e artigo (pl.); Borras. 5-Ósmio (s.q.); Concórdia; Compareça. 6-Pauta; Lamentação; Sigla de conhecido instituto de tecnologia de Massachusetts. 7-Sódio (s.q.); Gavinha; Lítio (s.q.). 8-Camareiro; Sapo do Amazonas. 9-Rebola; Atola. 10-Sufixo, com o significado de aumento, quantidade; O que se encarrega de editar, publicar ou fazer uma edição. 11-Arvorara; Certo.

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VERTICAIS: 1-Aquentara. 2-Mensalidade; Agrada; Cântico. 3-Solteirona (pop.); Levantar. 4-Cabelos; Sus. 5-Agastamentos; Para barlavento (naut.); Germânio (s.q.) (inv.). 6-Catedrais; Caritativo; Admiti. 7-Cálcio (s.q.); Espáduas; Nome de santa de origem italiana, que viveu entre os séculos XIV e XV, e faleceu em Cássia, em 22 de Maio de 1457 (inv.). 8-Dezena; Dinheiro. 9-Âmagos; Rotina. 10-Sigla do satélite europeu de meteorologia, associado com o número 24; Cachorro; Bárbaro. 11-Escusa.

9 Soluções:

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1-SM; PISCAIS. 2-ETÉREA; MAN. 3-ASILAS; DOTE. 4-M; AOS; PÈS; G. 5-OS; S; PAZ; VA. 6-ROL; AIS; MIT. 7-NA; ELO; P; LI. 8-A; AIO; ARU; V. 9-ROLA; ATASCA. 10-ADA; EDITOR. 11-ERIGIRA; UM.

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EGIPTO FARAÓNICO COM CRUZEIRO NO NILO

21 a 29 março de 2020 PARTIDA: Lisboa

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11/11/2019

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Delta, a sua marca a todas as horas.

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08:17 hora de acordar

14:28 hora de partilhar

16:37 hora de fazer acontecer

21:41 hora de sonhar

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Hora de agradecer

delta-cafes.com

Para acordar, antes de sair de casa, depois de chegar ao trabalho, a meio da reunião, ou ao fim do dia, há um café Delta para todas as horas. Aos que a todas as horas nos mostram paixão pelo que fazemos há 58 anos, é hora de agradecer: o nosso obrigado.


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