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N.º 231 Novembro 2011 Mensal 2,00 €
TempoLivre www.inatel.pt
Viagens Fim-de-Ano
Veneza e outros destinos Entrevista Bernardo Sá Nogueira Portfólio Mauritânia Memória Maria Dulce
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Sumário
Na capa
Foto: Catarina Serra Lopes
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CARTAS E COLUNA DO PROVEDOR
VIAGENS FIM-DE-ANO
Veneza de oiro e púrpura Mais um ano se aproxima do fim. O programa das Viagens Inatel para Dezembro inclui passeatas, visitas a mercados de Natal e festejos de passagem de ano em várias cidades. Como Veneza, urbe que se inventou com heranças do Levante e se revela fruto de mestiçagens culturais e civilizacionais.
EDITORIAL
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NOTÍCIAS
CONCURSO DE FOTOGRAFIA
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45 50 52 54 79 80 82
DESPORTO INATEL
António Silva, o mais antigo associado da Inatel a participar em provas desportivas PORTEFÓLIO
Mauritânia MEMÓRIA
Maria Dulce OLHO VIVO
16 ENTREVISTA
Bernardo Sá Nogueira Docente de História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Bernardo Sá Nogueira fala à "TL" do papel de D. Dinis na consolidação e desenvolvimento do Estado português.
30 TERTÚLIAS INATEL
A CASA NA ÁRVORE O TEMPO E AS PALAVRAS
Carlos Mendes iniciou em Outubro um programa de tertúlias de âmbito cultural nos CCD's da Grande Lisboa.
Maria Alice Vila Fabião
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OS CONTOS
ARTESÃOS
DO ZAMBUJAL
No Bairro da Bica Avô e neto na arte da madeira
CRÓNICA
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Alice Vieira
"TURISMO PARA TODOS"
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BOA VIDA CLUBE TEMPO LIVRE
Passatempos, Novos livros e Cartaz
Alberca Situada na província de Salamanca, Alberca é uma das mais belas povoações de Espanha e integra o programa "Turismo para Todos" da Inatel.
Revista Mensal e-mail: tl@inatel.pt | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Vítor Ramalho Vice-Presidente: Carlos Mamede Vogais: Cristina Baptista, José Moreira Marques e Rogério Fernandes Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Director: Vítor Ramalho Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho Colaboradores: António Costa Santos, António Sérgio Azenha, Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Lurdes Féria, Manuela Garcia, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria Mesquita, Pedro Barrocas, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, Vítor Ribeiro. Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Fernando Dacosta, Joaquim Letria, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Publicidade: Direcção de Marketing (DMRI) Telef. 210027189; Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA - Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Casal de Sta. Leopoldina, 2730-053 Barcarena, Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 144.354 exemplares
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Editorial
V í t o r Ra m a l h o
Razões de esperança
P
ortugal e os Portugueses têm todas as razões para terem esperança no futuro, apesar das duras consequências da crise. Não se trata apenas de sermos a Nação mais velha da Europa, com uma identidade singular; de termos a sexta língua mais falada do mundo e a terceira do ocidente; e de a diáspora lusitana ter uma presença bem significativa neste mundo, cada vez mais um só e global. Como prova a nossa História, saberemos mais uma vez, como sucedeu noutras épocas de crise, superar as dificuldades. Justifica-se, neste quadro, a excelente entrevista do Prof. Bernardo Sá Nogueira que, nesta edição da "TL", nos fala de um dos portugueses mais ilustres, com uma importância marcante na construção dos alicerces do Estado e na projecção de Portugal no mundo. Refiro-me a D. Dinis, nascido há 750 anos, que nos deixou um legado invulgar e exemplar, e que importa termos presente, aqui e agora, cientes da dramática carência de valores e princípios que afecta as sociedades contemporâneas. Nada melhor, também por isso, esta evocação de um dos nossos maiores. A esperança é aliás a nota prevalecente deste número da "Tempo Livre". Quer no exemplo do associado António Silva que, aos 90 anos, persiste em participar em provas de atletismo promovidas pela nossa Fundação, quer no testemunho de compatriotas nossos, emigrados há longos anos e que, em mais uma iniciativa patrocinada pela Inatel, integrada no "Portugal no Coração", nos demonstram que apesar da sorte não lhes ter sorrido, mantêm uma relação indestrutível com Portugal, acreditando sempre no futuro. Ainda nesta edição, há que destacar a referência ao protocolo estabelecido com o Museu do Relógio de Serpa que passará a ter uma representação na Agência Inatel de Évora, no Palácio do Barrocal. O facto do Museu prever 25.000 visitantes por ano,
podendo a prazo ultrapassar os 100.000 é outra importante mais valia para a Fundação e para o futuro. São registos destes, de olhos postos no futuro, que fundamentam apostas inovadoras da Inatel, também referidas na "TL". As tertúlias musicais com CCD'S da área da Grande Lisboa, ou a iniciativa que se realizou na unidade da Foz do Arelho entre os dias 13 e 16 de Outubro sobre o Património Cultural Imaterial, são apostas que, mergulhando nas raízes culturais, nos incentivam na busca de novos desafios e na renovação da esperança. Desafios que também podemos encontrar nos destinos turísticos propostos para o fim de ano ou no inovador programa "Turismo para Todos".
Os últimos costumam ser e são os primeiros. Daí uma especial referência às dezenas de trabalhadores da Direcção Administrativa e Financeira que, no dia 14 de Outubro, promoveram uma acção de formação no Teatro da Trindade. Desta importante iniciativa se fala nesta edição, como poderia falar dos trabalhadores de qualquer outra direcção. É que sem o profissionalismo de todos seria impossível à Inatel recriar a esperança, como é sua obrigação fazê-lo, preenchendo com imaginação, programas para ocuparem os tempos livres de todos os beneficiários. Falar dos trabalhadores da Fundação Inatel é falar da instituição – prestigiada, credível e com futuro – onde trabalham, respeitando-se para serem respeitados, como o são. n NOV 2011 |
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Cartas A correspondência para estas secções deve ser enviada para a Redacção de “Tempo Livre”, Calçada de Sant’Ana, nº. 180, 1169-062 Lisboa, ou por e-mail: tl@inatel.pt
Férias online Sou sócia da Inatel e já com alguma idade. Porque não consegui reserva para o Turismo Sénior decidi ir com uma amiga, também viúva, até Albufeira. Fiz a reserva no site da Fundação e, embora tenha recebido confirmação, tive receio de que não funcionasse. Felizmente, quando chegamos, a reserva estava feita para a data marcada e, graças a Deus, pudemos ter agradáveis dias de repouso e sol num Hotel que está excelentemente conservado. Maria Ferreira, Gaia
Promoções Foi-me enviado um email em Setembro com uma promoção para Foz do Arelho, de Oferta de 1 (uma) noite por cada 4 (quatro), válida de Out. a Dez. Fiz uma reserva nos dias 27/09 ou 28/09, com confirmação no dia 30/09, para entrada no dia 02/10 e saída a 08/10. No dia da saída, quando efectuei o pagamen-
to, não reparei que não me foi efectuada a dedução correspondente à respectiva promoção e fiz o pagamento na totalidade. Requeri a devolução do excedente, mas foi-me dito que o Associado tem que solicitar ou referir a promoção na altura em que faz a reserva ou no momento da entrada. Se assim é, poderá considerar-se Publicidade Enganosa e isto é muito mau. Já estive noutras UH em que havia este beneficio (que eu desconhecia) e era feito o desconto na altura de fechar contas, sem eu ter que solicitar fosse o que fosse na altura da reserva ou da entrada. A minha queixa não respeita ao valor, até porque já está pago. Trata-se de uma questão de princípio. Eu não pedi nada. A Inatel é que ofereceu. Manuel Ribeiro Rebelo, por e-mail
50 anos na INATEL Completaram, este mês, 50 anos de ligação à Fundação Inatel os associados: Eurico Augusto Fonseca, Ilídio Brito Costa e Jaime Valentim, de Lisboa.
Coluna do Provedor "SE A ESPERANÇA é a última coisa a morrer, mal vão
pesadas/ Ó Cheiros de devoção e de proveito/ Perdoa-
aqueles que dão ouvidos aos arautos da desgraça, aos
lhes Senhor/ Porque eles sabem o que fazem". E, corres-
velhos do Restelo, aos que parecem acordar diariamen-
pondendo a gentileza do nosso associado, citei-lhe um
te com fortes dores nos seus maus fígados!" - dizia-me,
texto, a crise, segundo Einstein: "Não pretendemos que
há oito dias, um velho associado, recordando o que
as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise
escrevi, nesta "Coluna", em Janeiro de 2005:
é a melhor bênção que pode ocorrer com as pessoas e
Kalidás Barreto
"Com efeito ter esperança não é coisa de lunáticos,
países porque a crise traz progressos. A criatividade
mas de pessoas que acreditam num mundo melhor.
nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É
provedor@inatel.pt
Certo que a análise do que se passa ao nosso redor e no
na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e
mundo faz criar um sentimento de pessimismo, uma
as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si
sensação de opressão e de impotência que urge comba-
mesmo sem ficar "superado".
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ter. A liberalização da economia e o fruto do lado mau
Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, vio-
da globalização, o desemprego, a pobreza, a injustiça,
lenta seu próprio talento e respeita mais aos problemas
fazem-nos parecer que o mundo não tem solução nos
do que às soluções. A verdadeira crise, é a crise da
caminhos do equilíbrio e da paz social e política. E cita-
incompetência. O inconveniente das pessoas e dos paí-
va ainda (de uma Coluna anterior - Dezembro 2004,
ses é a esperança de encontrar as saídas e soluções
parte dum belo poema de Sophia Mello Breyner): "O
fáceis. Sem crise não há desafios, sem desafios a vida, é
dinheiro cheira a pobre e cheira à roupa do seu
uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito.
corpo/Aquela roupa que depois da chuva secou sobre o
É na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de
corpo/ Porque não tinham outra/Ganharás o pão com o
crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o con-
suor do teu rosto / Assim nos foi imposto / E não: / " Com
formismo. Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos
o suor dos outros ganharás o pão"/ Ó vendilhões do
de uma vez com a única crise ameaçadora que é tragé-
tempo/ Ó construtores/ Das grandes estátuas balofas e
dia de não querer lutar para superá-la." n
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Notícias
Encontro na Foz do Arelho
A importância social e económica do Património Cultural Imaterial l "A revitalização do património cultural imaterial poderá constituir um instrumento a favor do desenvolvimento social e económico das pessoas ou das entidades envolvidas nas diversas actividades, nomeadamente ao nível do saber fazer", concluiu o Encontro sobre Património Cultural Imaterial, uma iniciativa conjunta da Fundação Inatel e da Comissão Nacional da Unesco que teve lugar em Outubro último na Foz do Arelho. Noutra conclusão dos três dias de debate e reflexão sobre o património cultural imaterial, na unidade hoteleira da Fundação, é assinalada a importância do recurso às novas tecnologias da informação, como "processo de divulgação dos distintos projectos em curso (…) cada vez mais adequado para a partilha dos conhecimentos e para um desejado exercício de interdisciplinaridade, que muito contribuirá para uma
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maior salvaguarda e para uma mais conseguida revitalização das tradições culturais". Destacando o "elevado nível de todas as comunicações, quer as de natureza mais teórica, que permitiram apreender melhor o conceito de Património Cultural Imaterial, quer as de carácter descritivo", o documento final regista importância da acção desenvolvida neste campo pela Fundação Inatel e por outras entidades, salientando a sensibilização dos jovens através das escolas, meio fundamental sublinha-se - para "assegurar a sobrevivência dessas manifestações e a sua salvaguarda, admitindo-se que só assim se logrará atingir a desejada revitalização".
Comunicações Subordinado ao tema "Tradições Que Vivem", o Encontro incluiu quatro painéis de comunicações e debate.
No primeiro painel, "As Instituições e a Convenção para a Salvaguarda do PCI", moderado pelo Embaixador Fernando Andersen Guimarães, intervieram Paulo Ferreira da Costa (Instituto dos Museus e da Conservação, Departamento de Património Imaterial); Lourenço de Almeida (Centro Nacional de Cultura); Jorge Bruno (Direcção Regional de Cultura dos Açores) e Cristina Paula Baptista, administradora da Inatel. Num segundo painel, sob o tema "Projectos Tradições Orais", moderado por Salwa El Shawan Castelo-Branco (Instituto de Etnomusicologia), apresentaram comunicações: Mário Correia (Centro de Música Tradicional "Sons da Terra"/Sendim); José Barbieri (Projecto "MEMORIAMEDIA e Museu de Património Imaterial"); e Isabel Gouveia (Núcleo Museológico de Machico). No painel "Artesanato e o Saber
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Fazer", moderado por Antónia Pedroso de Lima (CRIA - Centro em Rede de Investigação em Antropologia) registaram-se as intervenções de José Luís Almeida Silva e Vera Fortes ("Projecto Rotas de Cerâmica"); Paula Isaías "Lenços dos Namorados"; e de João Victal ("Festa dos Tabuleiros"). Moderado por Catarina Vaz Pinto, vereadora de Cultura da Câmara de Lisboa, o painel "Passado no Presente" teve comunicações de João Freitas Rosinha ("Festas do Povo de Campo Maior"; Jorge Queiroz (Tavira), falou da Candidatura Portuguesa da Dieta Mediterrânica a Património Imaterial da Humanidade; Antonieta Costa abordou o "Papel das Mitologias Agrárias numa Relação Harmónica com a Terra"; e João Botelho (Viana do Castelo) falou da importância dos Núcleos Museológicos. Finalmente, o 5º Painel "Papers", moderado por Cristina Paula Baptista (Inatel), teve as comunicações: Centro da Unesco "A Casa da Terra" - O que ainda não atingimos, de Ana Paula Assunção; "Vovóteca - Pontes Imateriais no Tempo, de Vitória Triães (Famalicão); e os "Sons de uma Tradição - Romeiros de S. Miguel", de Montse Ciges López, (Universidade dos Açores). Foram ainda apresentados vários Estudos de Caso, como "Bonecos de Santo Aleixo" - Títeres Tradicionais do Alentejo, por Ana Meira e Vítor Zambujo (CENDREV) e Candidatura do Fado à Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, por Sara Pereira, do Museu do Fado. Actuações dos grupos musicais"4uatro ao Sul" e "Toques do Caramulo", a exibição do filme "Sinfonia Imaterial", de Tiago Pereira, e uma visita ao Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha e Fábrica/Olarias, completaram o programa do encontro.
Museu do Relógio no Palácio do Barrocal l Quase a comemorar quatro décadas de existência, o Museu do Relógio, uma invulgar e meritória criação de António Tavares d´Almeida, iniciada em Serpa, em 1972, vai ter em Évora, no Palácio do Barrocal, no centro histórico de Évora, um novo espaço disponível para o grande público. Isto graças ao protocolo celebrado mo passado dia 17 de Outubro com a Fundação Inatel que cederá ao MR duas salas localizadas no rés-do-chão do palácio, onde será exposto uma mínimo de 300 peças do espólio de mais de 2500 exemplares existentes no Museu de Serpa. No espaço cedido do palácio - sede da agência da Inatel Évora - poderá, ainda, funcionar uma oficina de restauro de relógios antigos. No decorrer a assinatura do protocolo, o presidente da Inatel sublinhou a importância para a Fundação de uma parceria com uma entidade, cujo acervo é internacionalmente reconhecido, inserindo-a, por outro lado, no programa de requalificação das agências e unidades hoteleiras da Inatel. Vítor Ramalho lembrou, na oportunidade, a instalação em curso, no Palácio do Barrocal, do arquivo central da Fundação, com o apoio da
Direcção-Geral dos Arquivos Nacionais e da universidade de Évora. Eugénio Tavares d'Almeida, filho do director e fundador do museu, agradeceu a disponibilidade e apoio da Inatel, assinalando o interesse mútuo de uma parceria de grande significado cultural e turístico para a cidade e para a divulgação das duas entidades. Licenciado em Gestão Turística e Hoteleira, o herdeiro de António Tavares d'Almeida trocou o seu trabalho num dos grandes hotéis do Dubai para dirigir e dinamizar o crescimento do Museu que, após existência atribulada e sem apoios oficiais, se tornou auto-sustentável (200 mil visitantes, desde 1995, em Serpa) e mantém, a par do FundadorDirector, quatro Mestres-Relojoeiros restauradores, duas guias, um gestor conservador e uma auxiliar de limpeza. De registar na cerimónia do protocolo - assinado por Vítor Ramalho e Cristina Baptista, pela Inatel, e por António Tavares d'Almeida - a presença do presidente do Montepio, Tomás Correia, e de Rodrigues Esteves, da Liberty Seguros, entidades que têm apoiado o Museu do Relógio.
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Notícias
Arquivos das Associações Culturais l Na sequência do protocolo celebrado entre a Fundação Inatel e a Direcção-Geral de Arquivos encontra-se em fase de preparação uma acção de formação dirigida às associações culturais filiadas na Inatel com o objectivo de envolver, sensibilizar e mobilizar todos os elementos pertencentes a ranchos folclóricos, grupos etnográficos, bandas filarmónicas, coros amadores e grupos de teatro para a importância da preservação, valorização e sistematização dos seus arquivos. Esta formação será uma oportunidade única para beneficiarmos do
conhecimento e experiência técnica da Direcção Geral de Arquivos sobre as condições para uma correcta e adequada instalação da documentação de arquivo de cada associação, como sejam, registos documentais, fotográficos, sonoros, videográficos de valor cultural, histórico e etnográfico incalculável. Esta acção de formação terá lugar na Associação PRÓ-MEMÓRIA Associação Cultural e Etnológica de A-dos-Cunhados, no fim-de-semana de 19 e 20 de Novembro. Para mais informações por favor contactar: Direcção de Cultura | cultura@inatel.pt | 210 027 150.
Prémio internacional para “Conversa Amiga” l
A linha telefónica de apoio,
"Conversa Amiga", criada pela Inatel em 2009, obteve o ACE Awards 2011 - Cidadãos Activos na Europa, na categoria de organizações corporativas, atribuído pela CSV - Community Service Volunteers, do Reino Unido. Esta distinção que premeia projectos pioneiros na acção de voluntariado e cidadania activa dos 47 Estados Membros do Concelho da Europa, reconhece o papel da Fundação Inatel no combate à solidão e exclusão social e promoção da qualidade de vida das comunidades, bem com reconhece a intervenção social e comunitária
Prémios Literários Estoril Sol
do grupo de Voluntários, os "cidadãos activos", que diariamente asseguram este precioso serviço e
Em cerimónia solene, o Auditório do Casino Estoril acolheu a entrega dos Prémios Literários Fernando l
Namora e Revelação Agustina BessaLuís, referentes a 2010. Foram distinguidos, respectivamente, Luisa Costa Gomes e Paulo Bugalho pelos seus romances "Ilusão (ou o que quiserem)" e "A Cabeça de Séneca". O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, presidiu à cerimónia, congratulando-se pela decisão da Estoril-Sol em manter a atribuição dos prémios literários.
Prémio Carlos Porto/Festival de Almada l
Tiago Bartolomeu Costa,
anualmente, a melhor reportagem
jornalista e crítico de teatro
publicada na imprensa sobre este
e dança do jornal Público, recebeu o
Festival. Ao agradecer o prémio, Tiago
Prémio Internacional de Jornalismo
Bartolomeu Costa salientou que "o
Carlos Porto 2011, após a estreia no
nome de Carlos Porto, mais do que
Teatro Municipal de Almada da peça
um nome, é um mestre, um gestor
"Não se brinca com o amor", pelos
hábil da ideia e da palavra, que
Artistas Unidos. O Prémio
sempre nos guiou, a nós que
Internacional de Jornalismo Carlos
escolhemos, todos os dias, fazer dos
Porto/Festival de Almada distingue,
nossos dias, dias de escrita."
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que, em 2011, até Agosto último, registou 2.380 chamadas. Recorde-se que a linha de apoio 808 237 327 (número azul) e 210 027 159 (número azul para rede fixa) funciona todos os dias das 15h às 22h e tem um custo reduzido por minuto de 0,026 euros com excepção de fins-de-semana e restantes dias após as 21h, que tem custo económico de 0,008 euros.
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“O Melhor de La Féria”
"A Força da Cor"
l No Salão Preto e Prata do Casino do Estoril prossegue o musical "O Melhor de La Féria", que recupera registos inesquecíveis de grandes espectáculos, como "Passa por Mim no Rossio", "Amália", "My Fair Lady", "Música no Coração", "Jesus Cristo Superstar", "Gaiola das Loucas", entre outros grandes sucessos. Este regresso de Filipe La Féria ao palco do Casino Estoril vai, ainda, mais longe antecipando, alguns dos futuros projectos que espera levar a cena, como "Hello Dolly" ou "Evita". Com um elenco muito alargado, estão, ainda, em evidência numerosos actores, cantores, acrobatas e um corpo de bailarinos, sob a orientação da coreógrafa Inna Lisnyak, o espectáculo conta, também, com o contributo de um
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Está patente, até Janeiro
próximo, no Museu do Combatente e Forte do Bom Sucesso (junto à Torre de Belém), a exposição "A Força da Cor", da pintora luso-angolana Armanda Alves. Incansável na procura de técnicas para exprimir a sua obra, a pintora realiza uma
experiente conjunto de músicos sob a direcção do Maestro Mário Rui. O musical está em exibição de QuartaFeira a Sábado, no Salão Preto e Prata, com jantar a partir das 20 horas, seguindo-se o espectáculo às 21 e 30. Aos Sábados e Domingos, o Casino Estoril sugere, ainda, matinées, a partir das 17 horas. Preços: 1º Balcão - 30€, Plateia 25€, 2º Balcão - 20€, 3º Balcão 15€, 4º Balcão - 10€. O jantar e espectáculo custam 60 €.
constante descoberta do mundo que a rodeia através das mais interessantes e originais técnicas de utilização de utensílios e ferramentas de pintura. Entre as quais, a pintura de telas apenas com os dedos e ausência de pincel. Desde 2008, após a sua primeira exposição em Luanda, Armanda Alves passou a integrar o projecto ArtÁfrica desenvolvido pela Fundação Calouste Gulbenkian e posteriormente associou-se ao Círculo Cultural Artur Bual.
Relações Luso-Tailandesas As relações históricas entre Portugal e a Tailândia estão em destaque no Museu do Oriente, até 13 de Novembro, com a exposição "A glória do passado da Tailândia e os 500 anos de relações Luso-Tailandesas". Em colaboração com a Embaixada do Reino da Tailândia esta mostra comemorativa dos 500 anos de l
relações diplomáticas entre os dois países apresenta a civilização tailandesa desde a pré-história até à actualidade através de testemunhos de sabedoria e identidade da população tailandesa bem como, réplicas de testemunhos arqueológicos das relações entre Portugal e a Tailândia encontradas neste país.
Concurso INATEL/Teatro l
O júri do Concurso INATEL/
Teatro Novos Textos 2011 composto por: Augusto Portela, Luís Mourão e Margarida Fonseca Santos, atribuiu, por unanimidade, o Grande Prémio ao original "Riscos no pó da estrada junto ao embondeiro",
100 Anos de Turismo em Portugal
de João Carlos Santos Lopes. O Prémio Miguel Rovisco coube a "Sala de Espera", de Mário Abel
Está patente, até Janeiro, na Biblioteca Nacional, uma mostra intitulada "Viagens pela escrita: 100 Anos de Turismo em Portugal". A exposição, de entrada livre, é promovida pela Comissão Nacional do Centenário do Turismo em l
Portugal, e inclui guias, roteiros, monografias, ensaios, teses, dicionários, revistas e literatura de viagens, tipologias complementadas pelos cartazes, bilhetes-postais e mapas são alguns dos objectos em exposição.
Lopes da Costa. O Júri, que avaliou 35 textos originais, atribuiu ainda duas menções honrosas a"BWB ", de Manuel Pereira da Costa, e a "Quando a Noite Cai", de Andreia Gabilondo (pseudónimo). NOV 2011 |
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Notícias
Inatel/Formação DAF
Comunicar, participar, flexibilizar "O Futuro interessa-me, pois é o lugar onde vou passar o resto da minha vida", foi com estas palavras de Woody Allen que Lúcio Lampreia, da Unexpected Desining People, deu início ao workshop que reuniu cerca de sete dezenas de trabalhadores das áreas Administrativa e Financeira (DAF) da Fundação INATEL, no Teatro da Trindade em Outubro último. Uma formação preparada pelas chefias da DAF, elas próprias, alvo de acção idêntica no ano transacto. Com o apoio da Unexpected Desining People e recurso a técnicas, como brainstorming e inversão, os formandos foram convidados a entrar num ambiente descontraído e livre de preconceitos para dar asas à imaginação e deixar a criatividade fluir. Para tal muito contribuiu a constituição aleatória de grupos que, mesmo em áreas distintas das suas, puderam apresentar ideias e sugestões permitindo uma melhor adequação das propostas apresentadas pelas chefias da DAF, intituladas "Portal do Colaborador", Desmaterialização" e "Controlo Orçamental". "Foi um dia intenso e bem passado", afirmou Leonor Reis, envolvida no projecto do Portal e cujas sugestões foram consideradas uma mais valia. Também Manuel Fonseca, que acompanhou o projecto "Desmaterialização", consciente do valor do seu trabalho quando o projecto arrancar na área da informática, assinalou, com agrado, "a importância da comunicação e da participação de técnicos na concepção de projectos que eles próprios irão implementar num futuro próximo". Já na área do "Controlo Orçamental", o mote é flexibilizar, desmaterializar e reforçar a comunicação entre l
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trabalhadores e, através de chaves de acesso, dar permissões aos utilizadores para de forma transparente e eficiente acederem a todos os processos, evitando desperdícios de tempo e recursos. "É importante conhecer e valorizar o contributo de quem não tem cargo de chefia mas que diariamente exerce funções e conhece a realidade da instituição", recorda António Passarinho, Director da DAF para quem esta formação é, ainda, um reforço e incentivo à boa comunicação entre trabalhadores da área que dirige. Satisfeito com os contributos apresentados e consciente da importância da formação numa área de suporte às actividades da Fundação, Rogério Fernandes, Administrador com o pelouro da DAF, adiantou que, desta formação, resultou "uma excelente base de trabalho" para os projectos que irão ser implementados já em 2012. "Queríamos proporcionar uma
formação diferente que permitisse uma maior interacção das equipas e por isso ousámos inverter a tendência que o chefe pensa e as equipas apenas executam", sublinhou este responsável, manifestando a sua confiança "nas pessoas e nas equipas independentemente da sua tecnicidade. "Só ouvindo as pessoas percebemos as suas dificuldades, pois os grandes obreiros da Inatel são os seus trabalhadores". Também o moderador do Workshop, Lúcio Lampreia, registou com agrado a participação das pessoas que desconhecendo até ao último momento o objectivo da iniciativa, nela se envolveram intensamente. "O tempo em que as empresas tinham Administradores ou directores distantes dos trabalhadores que, apenas, executavam tarefas parece ter chegado ao fim, pois é necessário adoptar outro modelo de gestão que envolva todas as partes", acrescentou. Presente no encerramento dos trabalhos, o Presidente da Inatel, Vítor Ramalho, agradeceu a disponibilidade e contributo de todos os participantes, realçando a necessidade do empenhamento solidário dos trabalhadores na conjuntura difícil que o país atravessa, convicto de que a Fundação será capaz de superar todos os desafios.
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Novas distinções para Inatel em segurança e higiene alimentar
“Longe é um bom lugar” l Em "Longe é um Bom Lugar (o resto são histórias)", de Mário Zambujal (Clube do Autor), já nos escaparates, o autor de "Crónica dos Bons Malandros", Zambujal volta a cativar os leitores pelo ritmo vivo da prosa em que avultam as surpresas, o humor e a reflexão acerca de comportamentos e situações. Apresentado, em Outubro, na livraria Bertrand do Chiado (Lisboa), pelo realizador e argumentista Jorge Paixão
l
A LusoCristal Consulting,
consultoria especializada em Sistemas de Gestão de Segurança Alimentar, atribuiu, em Outubro, a distinção
da Costa, o novo título de Mário Zambujal inclui ainda a generalidade dos originais publicados na "Tempo Livre".
"ForeSee Silver Certificate of Good Food Hygiene Standards" às unidades hoteleiras da Inatel de São Pedro do Sul, Manteigas, Linhares, Piódão, Castelo de Vigo e Gavião, pelos bons níveis
Associação Portugal-Mongólia
de controlo em Higiene e Segurança Alimentar obtidos e
Estabelecer relações de amizade e cooperação entre os dois países é o objectivo central da criação da Associação de Amizade PortugalMongólia, sublinhou José Serrão, Cônsul Honorário da Mongólia em Lisboa, na apresentação pública da associação, realizada no Palácio Galveias. O ex-embaixador português na República da China, José Serrão lembrou que, se no passado, Portugal foi pioneiro em conseguir unir a Europa e a Ásia por via marítima, a Mongólia distinguiu-se na história mundial, nomeadamente contribuindo para a unificação da China que o l
mantidos através da aplicação de um programa de HACCP. A mesma distinção, recorde-se, tinha sido já atribuída às unidades de Vila Ruiva e Luso.
mundo hoje conhece. A Presidente da Associação, Javhlan Byamba, salientou a importância do estreitamento das relações culturais e económicas entre os dois países, através de exposições, concertos de música tradicional e encontros entre pequenas e médias empresas de ambos os países.
A equipa INATEL São Pedro do Sul com João Serrano, Fernando Marques e David Bungard
Portugal no Coração l
Oriundos, na sua maioria, do Brasil, Venezuela, Argentina e
África do Sul, os 21 portugueses que em Outubro passado revisitaram o país natal no âmbito do programa "Portugal no Coração" participaram num almoço-convívio na Inatel Caparica a que assistiu o presidente da Fundação, Vítor Ramalho. Na qualidade de anfitrião, o responsável da Inatel deu as boas vindas aos veteranos compatriotas, enaltecendo a importância da diáspora lusitana na afirmação de Portugal no mundo. O programa é uma iniciativa da Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portugueses, com apoio do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, da TAP e da Fundação Inatel. NOV 2011 |
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Fotografia
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Regulamento 1. Concurso Nacional de Fotografia da revista Tempo Livre. Periodicidade mensal. Podem participar todos os associados da Fundação Inatel, excluindo os seus funcionários e colaboradores da revista Tempo Livre. 2. Enviar as fotos para: Revista Tempo Livre - Concurso de Fotografia, Calçada de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa. 3. A data limite para a recepção dos trabalhos é o dia 10 de cada mês. 4. O tema é livre e cada concorrente pode enviar, mensalmente, um máximo de 3 fotografias de formato mínimo de 10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em papel, cor ou preto e branco.
Menções honrosas [ a ] Maria Silva, Cacém Sócio n.º 493267 [ b ] Fausto Lima, Oeiras Sócio n.º 198088 [ c ] Elisabete Teixeira, Amarante Sócio n.º 343708
[a]
5. Não são aceites diapositivos e as fotos concorrentes não serão devolvidas. 6. O concurso é limitado aos associados da Inatel. Todas as fotos devem ser assinaladas no verso com o nome do autor, morada, telefone e número de associado da Inatel.
[ 1 ] Jorge Cid, Corroios Sócio n.º 310651 [ 2 ] Sérgio Guerra, S. João do Estoril Sócio n.º 204212 [ 3 ] Maria Borges, Braga Sócio n.º 307865
[b]
7. A «TL» publicará, em cada mês, as seis melhores fotos (três premiadas e três menções honrosas), seleccionadas entre as enviadas no prazo previsto. 8. Não serão seleccionadas, no mesmo ano, as fotos de um concorrente premiado nesse ano 9. Prémios: cada uma das três fotos seleccionadas terá como prémio duas noites para duas pessoas numa das unidades hoteleiras da Inatel, durante a época baixa, em regime APA (alojamento e pequeno almoço). O prémio tem a validade de um ano. O premiado(a) deve contactar a redacção da «TL». 10. Grande Prémio Anual: uma viagem a escolher na Brochura Inatel Turismo Social até ao montante de 1750 Euros. A este prémio, a publicar na «TL» de Setembro de 2012, concorrem todas as fotos premiadas e publicadas nos meses em que decorre o concurso.
[c]
11. O júri será composto por dois responsáveis da revista T. Livre e por um fotógrafo de reconhecido prestígio.
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Entrevista
Bernardo Sá Nogueira “D. Dinis estabilizou Portugal…” Nascido em Outubro de 1261, há precisamente 750 anos, D. Dinis foi um dos raros monarcas que fizeram história na sociedade portuguesa. Rei poeta, Rei lavrador, Rei diplomata, Rei centralizador, ou Rei estabilizador como o prefere definir nesta entrevista o Prof. Bernardo Sá Nogueira - historiador e especialista da época de D. Dinis - o longo mandato, de 46 anos, do neto de Afonso X, o Sábio, é bom exemplo de sábia governação em tempos de crise. Há historiadores que consideram ter sido D. Dinis um monarca fundador de Portugal… Eu costumo dizer que, quando falamos do reinado de D. Dinis, temos de olhar para o tempo de duração do seu reinado. Nos primeiros três séculos da nossa história, há três reis marcantes: D. Afonso Henriques, D. Dinis e D. João I, os chamados monarcas de longa duração, com reinados muito, muito longos. D.Dinis foi rei durante quase meio século… A seguir a D. Afonso Henriques, foi quem teve o reinado mais longo. Ora, conhecendo nós a problemática, o contexto da época, sabemos que o rei não manda, o rei é o centro do equilíbrio…Os 46 anos de reinado de D. Dinis trouxeram, sobretudo, uma grande estabilidade do poder. Olhamos para a Europa da época… tantos reis que morreram de morte oportuna. Veja-se a vizinha Castela. Nessa época, os reinados foram muito curtos, num ciclo que continuou até ao Reis Católicos. Em Portugal, num território mais pequeno, mais organizado, a coroa é praticamente omnipresente e a longa governação deste rei consumou o processo de construção do Estado, iniciado com D. Afonso. 16
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Com Afonso III as fronteiras ficaram quase definidas o que facilitou esse processo.. Sim, desde D. Afonso III com a conquista do Algarve. Mas é, em 1297, já com D. Dinis e o Tratado de Alcanizes, que as linhas de fronteira com Leão e Castela se definem, com grandes vantagens para Portugal. Costuma-se dizer que foram nessa altura povoadas as terras de Ribacoa, o que não é verdade. As terras de Ribacoa tinham sido povoadas no séc. XII por portugueses, simplesmente devido às vicissitudes políticas acabaram por ser integradas no reino de Leão no tempo do genro de D. Afonso Henriques, D. Fernando II, após a derrota de Badajoz. Essas terras eram portuguesas desde o século XII e voltaram para Portugal em 1297. O que explica essa ideia de um rei fundador, com papel fulcral no plano diplomático… Nós tendemos a pôr o discurso na pessoa do rei como se ele fosse protagonista de tudo, mas não era assim. Na parte diplomática sim, porque a esfera diplomática era mesmo uma área de competência política do rei. Quando se diz D. Dinis fez isto, fez aquilo, estamos a falar de um rei verdadeiramente diplomático que, no entanto, foi
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Entrevista
muito afectado por várias conjunturas. E com um final de vida bastante difícil, confrontado com a rebelião do filho herdeiro, Afonso IV. Teve, ainda, até 1299 um irmão também rebelde - uma figura a que raramente se refere - o Infante D. Afonso. Só em 1299, com o fim do senhorio de Portalegre, Castelo de Vide e Arronches, consegue acalmar esse irmão que, entre 1281 e 1299, esteve do outro lado da fronteira a defender os interesses da coroa de Leão. Mas teve uma importante acção pacificadora nas relações com Castela e Leão… De facto, e ainda no plano diplomático, D. Dinis tem, em 1304, um papel muito importante como juiz - árbitro no conflito de fronteiras entre os reinos de Leão e Castela. Na verdade, Portugal só se torna mesmo independente de Castela com D. Dinis. Nesse Tratado de Águeda, o rei de Castela tratou D. Dinis como parceiro e, em pleno direito do tratado, o liberta de todos os compromissos Na verdade, de vassalagem que o uniam a Portugal só se torna Castela. Porque existiam esses independente de compromissos. Essa libertação do rei de Castela, que era seu genro, Castela com D. foi o grande sucesso que D. Dinis Dinis. conseguiu, tirando partido da instabilidade em Castela, casando, por exemplo, os seus dois filhos, D. Constança e D. Afonso, com os filhos do rei de Castela, Sancho IV e D. Maria de Molina. Como interpreta as frequentes deslocações de D. Dinis pelo reino? Os itinerários de D. Dinis foram estabelecidos num contributo do Centro de História da Universidade de Lisboa - agora Centro Histórico da Faculdade de Letras - sob a direcção do prof. Luís Rau e publicados, nos anos 60 na revista "Do Tempo e da História". Eles mostram onde o rei esteve ao longo da sua governação. Nessa época, podemos ver que já limitava os seus movimentos à zona de Vale do Tejo e Alentejo. As idas ao Norte eram raras. Tinha aí os seus representantes, os bispos de Braga e do Porto que governavam em nome do rei. Mas é nessa época que avança um importante programa de desenvolvimento económico, como a construção naval… Sim, tudo isso está, há muito, consagrado na
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bibliografia, sobretudo nos incentivos do seu reinado ao povoamento, ao desenvolvimento económico, ao plantio de florestas, em parte para a obtenção de madeira. As florestas da zona de Lisboa foram desmatadíssimas devido à construção naval. O problema da madeira na zona de Lisboa, já era estrutural e complicado, mas a construção naval renova-se a partir de D. Dinis, sobretudo com a vinda de um grande capitão mediterrânico, o genovês Manuel Pessanha, nomeado almirante do reino e cujos descendentes conservaram o título até meados do séc. XV. Esse incremento da construção naval e a presença e influência dos Pessanhas pesarm na futura Expansão portuguesa… Os genoveses eram a força militar mais operacional do Mediterrâneo e sabiam mover-se no Atlântico. Havia genoveses que eram, também, almirantes de Castela. Eles controlavam, em rivalidade com Veneza, a região ocidental do Mediterrâneo. Controlavam o mar e as rotas e protegiam o comércio, evidentemente. Mas já havia marinha de guerra, antes da vinda dos Pessanha. Sobretudo a família Cogominho, do almirante Nuno Fernandes Cogominho, uma brilhante figura. D. Dinis teve mais filhos bastardos que legítimos. Fruto dessas itinerâncias? Nós pensamos, pelas informações que temos, que os filhos bastardos conhecidos nas crónicas eram fruto dos amores dos reis e dos seus devaneios. É muito pouco provável que assim fosse. Para uma família, ter um filho do rei no seu seio era uma coisa muito vantajosa. Era uma tradição que remonta ao séc. XII, a de filhos do rei fora do casamento. Inclusive, com o consentimento da rainha. No caso de D. Dinis, a rainha, como representante que é dos interesses de um país estrangeiro - D. Isabel é irmã do rei de Aragão - o que queria era ver os interesses dos seus descendentes preservados. E que os interesses da sua família de origem e os obtidos em Portugal não fossem beliscados por essas alianças temporárias. É assim que devemos ver as bastardias régias, como alianças temporais secundárias feitas pelo rei na corte. D. Dinis teve, provavelmente, mais filhos do que os conhecidos - dois legítimos e nove bastardos, mas ficaram para a história apenas os que tiveram influência política.
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E que foram protegidos ou privilegiados por D. Dinis… Sobretudo Afonso Sanches e D. Pedro, conde de Barcelos…Normalmente não ficavam com descendência, isso também fazia parte do acordo. Rica vida enquanto bastardos mas, no geral, sem continuidade na descendência. Dos bastardos de D. Dinis, há um, julga-se que Fernão Afonso, morto por D. Afonso IV por ter hostilizado os cónegos de Braga. Ainda no reinado de D. Dinis, Afonso Sanches casou-se em Castela com a Casa de Albuquerque e foi grande benfeitor do Convento de Santa Clara, em Vila do Conde, que ele fundou com doações gigantescas. Era um grande proprietário em Castela e Leão. E não teve problemas de maior, apesar de bastardo. Mas as crónicas empolam muito a má relação entre Afonso VI e este irmão. Após a morte de D. Dinis não foi com Afonso Sanches que Afonso IV teve problemas, mas sim com Fernão Afonso que acabou por ser executado. A criação da Ordem de Cristo foi igualmente precursora no que toca à Expansão... É uma das iniciativas mais importantes do reinado de D. Dinis, mas transcende largamente os desígnios deste monarca. D. Dinis, no fundo, fez o melhor que lhe foi possível face a circunstâncias externas que o ultrapassavam. Foi o caso da extinção da Ordem dos Templários, que rei Filipe IV de França, considerava ter demasiado poder. O fim dos Templários foi decisivo para o crescimento da Ordem de Cristo. O livro que publiquei sobre as lezírias de D. Dinis tem toda a documentação relativa aos Templários. D. Dinis inventa uns processos judiciais na Corte e diz que todos os castelos e territórios dos Templários passam para bens de pleno direito de el-rei de Portugal, transferindo-os, depois, para Ordem de Cristo. De que o Infante D. Henrique será, mais tarde, administrador, com evidentes benefícios para o arranque da Expansão marítima… Ao contribuir para a estabilização de Roma e para o fim do Cisma de Avinhão, em 1417, D. João I obteve, em troca, as administrações dos mestrados das ordens, cabendo a D. Henrique, a Ordem de Cristo, a mais abastada, e que lhe dará um grande protagonismo. Que importância atribui às inquirições ordenadas por D. Dinis na consolidação do poder central?
Com D. Dinis conclui-se o processo das Inquirições Régias, iniciado em 1220 por Afonso II, e continuado com as Inquirições Gerais de 1258 de Afonso III, pai de D. Dinis. As Novas Inquirições Gerais de D. Dinis (1288/1307) significaram uma maior estabilidade e força legal da Coroa. D. Afonso IV sobe ao trono, em 1325, e a sua primeira medida é requerer a todos os detentores de direitos senhoriais, o envio das provas escritas desses direitos… O processo das Inquirições Gerais termina em rigor com o processo de Chamamento de 1325, mas a grande viragem e reforço do poder régio ocorre no reinado de D. Dinis. D. Dinis terá ainda um papel central nas áreas cultural e educativa… A universidade foi criada em Lisboa entre 12881290, no seu reinado, com o protagonismo muito forte de D. Domingos Anes Jardo, uma destacada figura da Igreja. Foi chanceler de D. Dinis, bispo No tempo de D. de Lisboa e bispo de Évora, e, Dinis, as lezírias através da anexação dos rendiforam vitais para o mentos de uma série de Igrejas, financiou a instalação da univerabastecimento de sidade. Embora não seja totalLisboa…. mente correcto falar-se de universidade de Lisboa, mas sim de uma universidade em Lisboa e uma universidade em Coimbra entre 1288 e 1537. Em 1537 sim, foi fundada a universidade em Coimbra. Até lá, a universidade portuguesa terá a sua sede, ora em Coimbra, ora em Lisboa. E como Rei poeta? É bom lembrar que a avó materna de D. Dinis, a Infanta de Castela D. Urraca, filha de Afonso VIII de Castela era descendente de Guilherme IX da Aquitânia, o primeiro trovador. Nas cortes peninsulares estas genealogias tinham peso e influência…A corte portuguesa teve um centro de trovadores importante no reinado de D. Afonso III que viveu muitos anos em França na corte de Alphonse de Poitiers. A tia Branca, rainha de França, era irmã da mãe. D. Dinis sentiu, certamente, a influência desse centro na corte do pai. E há que lembrar o seu avô, D.Afonso, o Sábio, um dos grandes trovadores e poetas da língua galaico-portuguesa, que D. Dinis terá visto como modelo a seguir, mas que abandonou, no plano
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Entrevista
político, quando apostou no duplo casamento dos seus filhos com os filhos do rei de Castela. Afonso X morreu em 1284, exilado em Sevilha, tendo a seu lado a mãe de D. Dinis, D. Beatriz. Outros valores se levantaram… Rei poeta, mas condicionado pelo realismo político… D. Dinis tinha uma Corte dinâmica, culta e poderosa. Uma Corte de legistas e homens de acção, muito engenhosa no reforço do poder régio, mesmo ao arrepio da lei, de que é exemplo a questão das lezírias, um problema complicadíssimo. No final do processo, todas as lezírias do Tejo ficaram sob a tutela do rei. Lezírias que ainda hoje pertencem ao Estado… É uma continuidade na história portuguesa a tutela do Estado nas lezírias. É um fenómeno muito interessante. No tempo de D. Dinis, as lezírias foram vitais para o abastecimento de Lisboa. O rei vivia praQuem está na ticamente entre Santarém e História Lisboa, era ali que a corte estava e Contemporânea e a corte tinha de ser abastecida. A está ao mesmo tempo cidade e capital tinha de ser abastecida, não podia faltar pão em na política activa, Lisboa. Nos centros políticos não está a escrever aquilo podia faltar pão, era a base… E que realmente era assim que se garantia a seguacredita ter rança política dos regimes. acontecido…? O que o motivou para o estudo de D. Dinis? Quando fiz a minha tese de mestrado estudei um notário. Fiz uma tese de mestrado em História da Escrita e História Diplomática que é a análise crítica deste tipo de documentos jurídicos. O notário de Lisboa que estudei trabalhou muito para o vice-chanceler de D. Dinis. Não investiguei propriamente a figura do rei, mas descobri muito informação sobre o seu reinado. A investigação posterior foi sobre o padroado régio, sobre as igrejas, cujos párocos o rei tinha o direito de nomear, desde os tempos da Reconquista. Fiz, depois, um artigo sobre o senhorio do filho de D. Dinis, o infante D. Afonso, conde de Portalegre, Castelo de Vide e Arronches. Na tese de doutoramento recuei para os anos de 1210 a 1269, e adquiri uma visão mais pormenorizada do período que antecedeu o reinado de D. Dinis. Quando se recua no tempo, fica-se conhecer melhor o período posterior. Interesso-me bastante pela
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história burocrática, pelos os processos de controlo de poder através da escrita. Pode, então dizer-se, grosso modo, que a centralização do poder e a protecção do Estado tem raízes antigas na nossa história? Uma das interpretações de primazia e da capacidade de Portugal para obter um protagonismo tão cedo nos Descobrimentos foi o ter um Estado centralizado e bem organizado a partir do centro, o que não acontecia em Castela, onde o poder esteve bem mais fragmentado até à coroação dos Reis Católicos. Como estudioso de D. Dinis concorda com o cognome de o Rei Lavrador? É conhecido como rei Lavrador porque há na chancelaria dele um grande número de contratos de aforamento. E isso é a prova evidente de que o património régio está posto a render e a ser posto ao serviço do desenvolvimento agrícola. Há provas também do investimento no plantio florestal. E nestas coisas nunca não há fumo sem fogo. Este cognome não foi posto na época. Quase todos os cognomes reais são posteriores, à excepção de D. João I que era, já no seu tempo, o de Boa Memória. Mais do que o Lavrador, D. Dinis foi, em minha opinião, o Rei Estabilizador. E isso deve-se, em boa medida, à Concordata de 1289. A Coroa portuguesa mantinha, desde Afonso II, forte conflito com Roma. E o pode real, dependia muito, na época, da 'benção' papal. O casamento de D. Dinis com uma princesa do Reino de Aragão - de óptimas relações com o Vaticano - facilitou a assinatura da Concordata, onde tiveram grande destaque os futuros bispos de Lisboa e Braga. E a figura da 'Rainha Santa'? Teve uma vida longa e uma agenda política própria, designadamente a fortíssima ligação aos franciscanos observantes que, graças a D. Isabel, se tornam mais influentes. É com D. Isabel já rainha que o franciscano D. Frei Telo se torna arcebispo de Braga. Há ainda a protecção dada às Clarissas de Coimbra que cresceram muito no reinado de D. Dinis… Como explica a ligação do rei D. Dinis ao Mosteiro de Odivelas. Questão de amores? Não se sabe. É um tema, a todos os títulos, singular, porque o Panteão criado pelo seu avô estava em Alcobaça. E o facto de D. Dinis ter escolhido em Odivelas, é no mínimo interpretável como um afastamento em relação a Alcobaça. Porque
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aqui estavam sepultados seu pai, D. Afonso III, e o avô D. Afonso II. Ele mantém-se sepultado na Ordem de Cister, mas num mosteiro seu. Já o filho marca um afastamento definitivo e faz-se sepultar na Sé de Lisboa. E o seu neto D. Pedro opta por Alcobaça, mas como protesto contra o pai. É interessante a escolha dos reis do local de sepultura. D. Fernando escolheu os franciscanos. Não é fácil escrever com rigor sobre a época que tem investigado. O meu trabalho interpretativo é sobretudo um trabalho de edição das fontes. Pegar nas fontes, editá-las, transcrevê-las e depois comentá-las. Porque as opiniões actuais são tão mais importantes quanto mais próximas se situam em relação às fontes. Doutro modo, aquilo que se escreve sobre um assunto…se for muito afastado em relação às fontes de informação originais é uma opinião que vale o que vale… Essa figura de estabilizador que observou em D. Dinis dava jeito, agora, em Portugal … Pessoalmente, a história interessa-me também como a minha posição no tempo, mas acho que a
extrapolação das interpretações relativas ao passado para enquadrá-las no presente é no mínimo aquilo que eu não quero nem devo fazer. Não foi para isso que eu vim para História (risos). Há outros que conseguem ser assessores do Primeiro-Ministro e historiadores. Eu não consigo. Quem é historiador, é historiador. Compaginar a História com actividade política pode ser legítimo, mas são actividades que devem, creio, ser exercidas em tempos separados. Tenho, pelo menos, a vantagem de estar lá longe, na Idade Média. Quem está na História Contemporânea e está ao mesmo tempo na política activa, está a escrever aquilo que realmente acredita ter acontecido ou, antes, aquilo que gostava que tivesse acontecido para credibilizar os seus pontos de vista actuais? É muito complicado, correndo o risco de desvalorizar o seu crédito individual e descredibilizar a profissão. Tem de haver uma fronteira, muita cautela e bomsenso em relação ao trabalho do historiador. n Eugénio Alves/Manuela Garcia (texto) José Frade (fotos) NOV 2011 |
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Fim-de-Ano
Veneza de oiro e púrpura
Mais um ano se aproxima do fim. O programa das Viagens Inatel para Dezembro inclui passeatas, visitas a mercados de Natal e festejos de passagem de ano em várias cidades. Como Veneza, urbe que se inventou com heranças do Levante e se revela fruto de mestiçagens culturais e civilizacionais.
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Fim-de-Ano
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uantas coisas estranhas trouxe Marco Polo lá das bandas do Catai! Desde então o gentio europeu não pôde ser o mesmo. E assim como se fez portador de lá para cá, o viajante veneziano levou consigo os alforges cheios. "Recém-chegado e ignorando completamente as línguas do Levante, Marco Polo não podia exprimir-se de outro modo que não fosse retirando objectos das suas mala...", escreveu Italo Calvino nas suas "Cidades invisíveis". Desse modo se forjaram mestiçagens culturais e encruzilhadas civilizacionais: todas as culturas trazem no ventre, afinal, o que elas de outras colheram ou o que outras nelas semearam. O gentio europeu nunca mais pôde ser o mesmo. Com Marco Polo, com os mercadores de Veneza e tantos outros viajantes anónimos que trouxeram do Japão, da China, da Índia, do 24
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Sudeste Asiático, do mundo árabe, do Médio Oriente e da Grécia, mercadorias, valores, ideias, artes e artifícios. Sem esses fluxos e as janelas venezianas abertas de par em par a nascente, nem a Europa nem o seu gentio seriam o que são. A bela cidade do Veneto é um paradigma desses movimentos cruzados. Veneza - cidade impura como tantas outras -, aberta ao mar e ao Oriente, para a herança da Grécia mais tardia, a do helenismo, é produto dessas inúmeras contaminações que são a outra face, nem sempre reconhecida, das identidades urbanas e nacionais. No livro de Calvino, Marco Polo falava de cidades nas suas conversas com o Kan. Mas uma cidade ausentava-se das narrativas do viajante. "Falta uma de que nunca falas", diz o Kan. Polo respondeu, relata Calvino: "Sempre que descrevo uma cidade digo qualquer coisa de Veneza". Uma cidade pode viver, assim, imperceptível nas malhas de outras, até que o discurso a nomeie.
Veneza, a urbe sem par, não seria descritível se fosse filha da irredutibilidade. Nenhuma linguagem a poderia citar, para que outros - o estrangeiro, o distante Kan - a pudessem compreender. Por isso, Calvino - como Marco Polo - deu outros nomes a Veneza, ou a encontrou - como nós, viajantes, o podemos fazer - noutras cidades visíveis, tacteáveis: "Em Esmeraldina, cidade aquática, sobrepõem-se e cruzam-se um reticulado de canais e um reticulado de ruas. Para ir de um sítio a outro há sempre a opção entre o percurso terrestre e o de barco: e como a linha mais curta entre dois pontos em Esmeraldina não é a recta mas sim um ziguezague que se ramifica em tortuosas variantes, as ruas que se abrem a cada transeunte não são apenas duas mas muitas...".
Veneza, um milagre de arte O mapa de Veneza: uma mancha de telhados flutuantes e, logo, uma grande serpente de água a NOV 2011 |
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Fim-de-Ano
Onde acolher o Ano Novo Veneza e mais: a lista de saídas de fim
animação para todos os paladares,
para temperar o inverno, têm a opção
de ano das Viagens Inatel mostra
tudo isso em cidades que se tornaram
mediterrânica e insular de Palma de
largueza geográfica e diversidade de
referências inevitáveis para os
Maiorca para acolher a chegada do
contextos, mesmo se o pretexto é
viajantes, contemporâneos ou de
ano novo.
sempre a tradicional celebração da
outras, sortidas, épocas: Paris, Roma,
Informação mais pormenorizada sobre
passagem do ano. Seja qual for a
Sevilha (com uma extensão a
todos os programas, que incluem
opção, os destinos disponíveis nos
Córdova), Praga, Nova Iorque e
visitas guiadas em alguns casos, pode
programas de Dezembro oferecem
Istambul. Os amantes dos espaços
ser consultada na edição deste mês
abundância de atracções de carácter
naturais, e ao mesmo tempo
da revista Tempo Livre, bem como no
cultural, variedade urbanística e
desejosos de temperaturas amenas
site da Fundação Inatel.n
Paris
Córdoba
deslizar desde a Ferrovia até ao Canal de São Marcos. Descemos o Canal Grande, com olhares bifurcados de sáurio, quase inúteis para o recenseamento da miríade de índices de uma história aberta ao mundo. Mas eles lá estão, nas fachadas dos palácios, nas cúpulas das igrejas, nas pontes, nas colunas, nas esculturas, esses sinais de uma história de intermediação cultural entre o Oriente e o Ocidente, quando o Estado veneziano estendeu o seu poder até aos litorais grego e da Ásia Menor. A influência bizantina, por via da herança do oriente grego, convive com expressões estéticas do gótico, da renascença e do barroco. Na navegação ao longo do Canal Grande, os palazzi - à volta de duas centenas - dão a face numa coreografia de arquitectura plural que emerge das águas: o gótico veneziano do palácio de Santa Maria degli Scazi, com as suas colunatas e arcos a toda a largura da fachada, o quatrocentista Ca d'Oro, com reminiscências de uma decoração 26
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Sevilha
policroma e luminosa, o Palazzo Grimani di San Luca, de fachada clássica, inspiração romana e colunas corintianas, o Fondaco dei Tedeschi, morada de mercadores alemães de raiz medieval e restaurada em fina flor renascentista, o Grassi, famoso pelas incumbências artísticas que a Bienal, e não só, lhe outorgam. Ao longo do percurso vão assomando cúpulas de igrejas, até à magnífica Santa Maria de la Salute, na ponta da Giudecca, à vista da igreja de San Giorgio Maggiore, obra-prima de Palladio, na ilhota que flutua diante do canal de San Marco. Durante a navegação tentamos descortinar, aqui e ali, sobrevivências cénicas do velho Canaletto. Pontes, becos, cais e, também, ilhas menos visitadas, como Burano, com as suas casinhas sarapintadas e simples de pescadores, ou mais concorridas, como Murano, para rever a antiga arte de soprar o vidro: pretextos e fontes de histórias e lendas. Diz-se naquelas bandas: "Se non è vero...". Se não é verdade, será pelo menos um
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Mercados de Natal e uma viagem à Terra Santa Os Mercados de Natal, uma velha tradição no continente europeu, estão representados nos programas da Fundação Inatel com viagens a lugares emblemáticos destas iniciativas: Berlim, Salzburgo, Munique e Alsácia. Artesanato, decorações de Natal e gastronomia da época caracterizam este tipo de mercados, que animam as ruas durante quase todo o mês de Dezembro. Berlim é famosa pela mais de meia centena de mercados, onde reinam o pão de gengibre, as salsichas e o Glühwein, vinho quente com cravo e
Estrasburgo
canela. Iguarias semelhantes se encontram também em Munique, onde a tradição dos mercados recua até ao século XIV. Em Salzburgo, além das guloseimas da época, e do vinho quente com canela, destacamse os brinquedos de madeira e a joalharia. Na Alsácia, há mercados por toda a parte - Obernai, Mulhouse, Colmar, Riquewihr e Estrasburgo são alguns dos mais importantes. Os mercados da capital alsaciana remontam ao século XVI e repartem-se por vários pontos da cidade, como as praças
Belém
Jerusalém
da Catedral, de Austerlitz e de Gutenberg. Além dos mercados, e como também acontece noutras cidades, há animação de rua e espectáculos. Uma alternativa a estes programas natalícios na Europa é a clássica jornada à Terra Santa. O percurso proposto pelas Viagens Inatel inclui visitas aos principais locais da região ligados ao Cristianismo Belém, Jerusalém, Nazaré, Jericó e rio Jordão -, além de uma passagem pela capital israelita.
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Jericó
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Fim-de-Ano
facto colorido pelos fantásticos pincéis do real. O resto é, ainda, tanto, que se desiste da evocação (por pecado que haja em fingir esquecer o Palácio dos Doges, a Basílica e a Praça de San Marco, o Campanile e a Virgem com o Menino, de Tintoretto) e talvez seja melhor deixar que a descoberta fique a cargo dos pés do andarilho: que Veneza, sendo cidade de se navegar, é também cidade de se andarilhar. Que o diga Joseph Brodsky - e di-lo no seu pessoalíssimo relato "Marca de Água", onde elogia andanças entre nevoeiros invernais - e quiçá o inverno, tempo da acqua alta e de fantasmagóricas névoas entranhadas nos canais e nas ruelas, seja a melhor época para visitar a cidade, encurtadas as hipóteses de se tropeçar nas multidões de turistas globais que atravancam os verões venezianos. Seria improvável outro desenlace nessa conjuntura de factores geográficos, políticos e culturais que gerou o esplendor veneziano? Mas nas 28
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matérias humanas o imprevisível não joga sempre um papel insuspeito? O nosso Jaime Cortesão, que andou também por aquelas paragens - e sobre essas viagens escreveu um livrinho intitulado "Itália Azul", com várias páginas dedicadas a uma "Veneza d'oiro e púrpura" - lembrouse de abençoar os bárbaros Lombardos que acossaram e empurraram os Venetos para o beco sem saída da laguna: "Louvados vós também, oh! Bárbaros sagrados, Alarico, Radagasio e Átila! Louvada a vossa fúria assoladora, para sempre!" E a pergunta final repõe, justamente, a dúvida eterna sobre as coisas que são segredo do devir e imperscrutáveis pela pobre ciência dos humanos: "Quem vos diria, ao galopar a Europa, que, ao cego impulso da vossa lança, surgiria das águas da laguna, tintas do ocaso e do sangue da turba perseguida, pelo poder do génio e da desgraça, este milagre de arte halucinante"? n Humberto Lopes (texto e fotos)
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Tertúlias CCD's/Inatel
A música é como as cerejas Ninguém esquece quando começa uma paixão. Mesmo quando estamos a falar de música. Num serão de Outubro, Carlos Mendes e o maestro Jorge Salgueiro foram à Lourinhã procurar saber o que é isso do despertar para a música. A resposta não poderia ter sido melhor. Houve casa cheia e ninguém arredou pé até a banda passar.
O
s 14 anos da adolescência ainda não tinham provocado grandes estragos. Considerava-se "uma pessoa normal" e o gosto pela música já nessa altura o levava a integrar a Banda de Palmela. E foi num ensaio que, afirma, "fui tocado por uma música e aí tudo ficou decidido. A loucura foi tal que nos dias a seguir comecei logo a escrever música; não sabia o nome de todos os instrumentos, e fui investigar". Desde então e até hoje o maestro Jorge Salgueiro já compôs mais de 180 obras: música para bandas, para o grupo de teatro O Bando, música para crianças e óperas com oito feitas e uma a ser ultimada. "Sou capaz de trabalhar meses e meses das 8 horas da manhã até à meia-noite sem parar; isto é paixão e quando somos tocados por ela não há nada a fazer, a vida torna-se diferente", confessa perante uma plateia rendida.
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Mas as cerca de três centenas de pessoas que encheram o auditório da Associação Musical e Artística Lourinhanense (AMAL) - um CCD associado à Inatel, não foram ali unicamente para ouvir falar de música. Tertúlia que se preze abre a conversa a todos e foi a isso que se assistiu. Desde jovens instrumentistas que falaram do gosto pela música e da importância de se começar a aprendizagem o mais cedo possível, a outros que manifestaram o oposto, que não há limite de idade para aprender música; houve ainda relatos de percursos discretos e felizes por coros e grupos musicais; uma professora chegou mesmo a sugerir um aumento do número de horas de educação musical nas escolas. Já o maestro da AMAL, João Menezes dos Santos, sublinhou que o ensino da música "ainda não está totalmente democratizado". E deu como exemplo a Lourinhã, onde não há uma escola de
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Cabeça
Diga 133 Em palco, nem sempre chegam à
de identidade leva mais uma
ano foram pela segunda vez a
meia centena. Grupo amador
dezena. E não falha um ensaio. Às
França e na Alemanha também já
constituído em 1878, a agora
Terças e Sextas à noite, é vê-lo
bisaram em presenças - sempre
Associação Musical e Artística
afinar os instrumentos, ajeitar as
convidados pelas comunidades
Lourinhanense está habituada a
pautas e dar início a mais um
portuguesas desses países.
perder alguns elementos nesta
ensaio. Em simultâneo, e durante a
Numa associação como a AMAL,
altura do ano: uns entram para a
tarde, em horário escolar a sede da
constituída por amadores, revela o
universidade, outros seguem para
associação tem a funcionar uma
presidente Fernando Gonçalves, o
os conservatórios em cidades
escola de música frequentada por
importante é manter o grupo coeso
vizinhas. A maior parte dos
cerca de três dezenas de crianças.
e gerir os fundos para poder ter um
instrumentistas anda na casa dos
Ali, dois professores ensinam
maestro profissional a dirigir os
20 anos, mas o mais novo tem
solfejo e iniciação ao instrumento.
ensaios. Com muita dedicação,
apenas 11. Quem ganha em
Como prémio, há as saídas para
esta, confessa, é a receita para
longevidade é o senhor Mário Costa,
concertos um pouco por todo o país
manter a banda sempre a tocar. E
na banda há 65 anos e no Bilhete
e por vezes vão ao estrangeiro. Este
esta já o faz há 133 anos.
música com protocolo com o Conservatório. E aproveita para manifestar um desejo: que o poder central criasse condições de acesso à aprendizagem da música em todos os concelhos do país. Ainda assim, Jorge Salgueiro não afina pelo mesmo diapasão. O compositor e maestro lembra que seja por acção dos conservatórios e escolas associadas, seja por causa de CCDs como esta associação musical da Lourinhã, actualmente "Há mais músicos, porque há mais conservatórios, mais emprego na música". No palco, ora a provocar a plateia, ora a moderar o debate, Carlos Mendes também não se furtou às perguntas do público. E desvenda ter despertado muito cedo para a música. Ou não fosse a mãe professora de piano e o pai, embora médico, cantava fados de Coimbra. Mais novo de três irmãos, tinha como passatempo favorito "pôr os discos a tocar e eu a cantar". Os boleros era o que na altura mais o arrebatava - e canta ali um dos seus favoritos, para surpresa da plateia. E depois, conta, "tive a sorte de ter esses amigos - pais que me acompanharam". O resto da história já todos conhecem, a música portuguesa não ficou como dantes. Carlos Mendes ainda cantou alguns dos temas 32
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mais conhecidos da sua já longa carreira musical. O remate não poderia ter sido mais adequado: um concerto da Banda da Associação Musical e Artística local. No palco a maioria eram jovens músicos, com um desempenho exemplar e o público respondeu à altura: não arredou pé. E depois do cair do pano, o agora também responsável pela dinamização dos Centros de Cultura e Desporto (CCD) da Inatel - que com a câmara local e a AMAL promoveu esta iniciativa - revelou satisfação e não escondia estar "estupefacto com a adesão do público, o que só mostra que as pessoas querem participar e estão interessadas em falar de cultura". Palavra puxa palavra é o nome deste ciclo que está a passar pelos CCDs do distrito de Lisboa embora Carlos Mendes gostasse de o alargar a outras regiões. O método é simples: convida-se o público a participar em tertúlias sobre temas ligados à cultura popular portuguesa. E Novembro já tem duas marcas na agenda: a 12, na Sociedade Recreativa e Musical de Vila Franca do Rosário vai falar-se do "Despertar para a Música" e a 18 na Sociedade Musical Cantarinhas de Barro, em Sobreiro, junto a Mafra, o mote é "Portugal e a Cultura Popular". n Manuela Garcia
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Inatel Desporto
António Silva, 90 anos O corredor de fundo A chegar à casa dos 90, em meados de Dezembro próximo, António Silva ainda é atleta para pegar no saco de desporto e ir correr ao Estádio 1º de Maio. Em competição, nunca desistiu ou foi o último. É provavelmente o mais antigo associado da Inatel a participar em provas desportivas.
O
aspecto franzino, a farta cabeleira e os cabelos brancos que agora começam a assomar-lhe nas têmporas não lhe denunciam a idade. O ombro direito um pouco mais descaído é o resultado de 48 anos de trabalho passados à secretária da extinta Parisson, a trabalhar em contabilidade industrial. Mas o que sempre o animou foi a prática desportiva. Hoje treina a um ritmo mais brando. A solo ou com algum dos colegas que o acompanham nas corridas de veteranos, é vê-lo impecavelmente equipado a fazer dez vezes os 400 metros no Estádio 1º de Maio. Umas vezes mais, outras vezes menos. "Depende da disposição e da hora", afirma. Em tempos ainda sonhou vestir a camisola do Benfica e, durante dois anos seguidos, com 18-19 anos, participou nos torneios de captação de atletas que aconteciam aos domingos, no Campo No quarteto de atletas, companheiros de há muitos anos, com Fernando Luís, Adriano Gomes e José Bom. A soma das idades dos quatro perfaz os 300 anos
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Grande. Provas impiedosas para quem trabalhava de manhã à noite. E nunca esteve entre os escolhidos. "Nas famílias modestas o trabalhar e o treinar era muito difícil: o trabalho era intenso e não me sobrava tempo para os treinos. Era quase o ano todo a trabalhar das 9 às 8 da noite e depois de jantar ainda voltava ao trabalho até à meianoite". Com isto, foi durante muitos anos mais dirigente desportivo que atleta. Na empresa onde trabalhava, chegou a criar um Centro de Alegria no Trabalho (da FNAT) e de quando em vez era vêlo participar em torneios e campeonatos distritais e nacionais. Não admira que a sala de sua casa, em que nos recebe, num segundo andar ali para os lados do Alto de S. João, seja pequena para acolher tanta medalha e tanto troféu. Um imenso orgulho lhe percorre o olhar: "Em todas as provas em que participei, nunca desisti ou fui o último". Também na vida nunca baixou os braços. Quando encerrou a Parisson, em 1985, apesar de reformado, bateu a todas as portas à procura de emprego, queria fazer qualquer coisa, menos estar em casa. E conseguiu um lugar na EPUL, como topógrafo. "Não sabia quase nada daquilo, agarrei-me aos livros e fartei-me de estudar". E recorda-se com alegria de ir ao volante do jipe, para o Parque das Nações, fazer trabalhos de topografia "quando aquilo era terra de ninguém, embora as fundações já estivessem a ser feitas". E sem estar à espera, começavam aqui os melhores anos em termos desportivos, seja com a camisola do clube desportivo da EPUL, seja com a do Clube de Veteranos do Atletismo - que ajudou a fundar e chegou dirigir, entre 1986-88. Não
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Inatel Desporto A última prova em que participou foi o Campeonato Nacional de Pista - Inatel, que ocorreu no Luso em Junho último. Participou na Estafeta Histórica de 4x100 metros
lhe escapavam as provas de estrada; só meiasmaratonas foram 36, "de Valença até Vila Real de Santo António e Sagres", sempre animado em participar e em dar o melhor. E chegou mesmo a campeão distrital, regional e nacional em vários escalões etários. Para participar em provas no estrangeiro, sempre integrado num grupo de atletas, era necessário arranjar tempo e angariar dinheiro. E no Verão de 1992 rumou à Noruega onde se estreou no Campeonato da Europa de Veteranos de Atletismo. E o périplo continuou nos anos seguintes pelo Japão, Grécia, Estados Unidos, Suécia, África do Sul, Itália, Alemanha, Porto Rico e Dinamarca, em 2004. E a maior alegria desportiva aconteceu na Alemanha, ao ganhar a medalha de bronze, conseguida nos 5 mil metros. "Ganhar é muito melhor do que perder", afiança enquanto nos mostra essa medalha e os outros troféus, herança de tantas outras corridas. Nestas
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viagens, à parte desportiva aliava-se o circuito cultural, "em que a minha esposa me acompanhava; e o que mais nos marcou foi a visita às Cataratas do Niagara". A última prova em que participou foi o Campeonato Nacional de Pista - Inatel, que ocorreu no Luso em Junho último. Participou na Estafeta Histórica de 4x100 metros. O quarteto de atletas que também são companheiros de há muitos anos, era ainda composto por Fernando Luís, Adriano Gomes e José Bom. E o curioso, mais do que o tempo conseguido (1 hora 57 minutos e 22 segundos), é que a soma das idades dos quatro atletas perfaz os 300 anos. Agora viúvo, não tem tido "nem disponibilidade financeira, nem vontade de ir correr lá fora". Participa em menos provas. Mas continua a consumir revistas de atletismo. E quando pela manhã vai correr ao Estádio 1º de Maio alegra-se por constatar que há "cada vez mais senhoras, e também alguns homens, logo pela manhã, a andar ou a correr, como nunca se viu". A ele a prática desportiva ao longo dos anos não lhe tem dado apenas alegrias, mas também saúde. "Quando sou visto por um médico tenho de o prevenir: olhe que pratico desporto". De amiúde, os companheiros ligam-lhe a desafiá-lo para ir correr e o equipamento está sempre pronto, assevera. E vai buscar-nos o saco de desporto que abre e nos mostra, com uma organização exemplar: "Aqui está o equipamento completo, mais o boné, que pode estar sol; o shampoo, o álcool canforado, dois pentes, pomada para massajar o joelho…" E remata: "Estou sempre preparado!". n Manuela Garcia (texto) José Frade (fotos)
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Artesãos
No Bairro da Bica Avô e neto na arte da madeira É uma oficina que esconde preciosidades de marcenaria. Fica na Rua Fernandes Tomás, em Lisboa, ao Alto de S. Catarina, mas não é a ver navios que ganham a vida estes dois artistas, sim a fazer todo o tipo de móveis de estilo com entalhes. ntalhe que é, diga-se, a arte dentro da arte: a minúcia do escultor encastrada na arte do marceneiro! Dois artistas num só! E dois homens – avô e neto – ambos marceneiros e entalhadores, que juntos valem por quatro mestres que são! O primeiro é o mestre David Gomes de 79 anos, nascido em Valagotes, freguesia de Forninhos, concelho de Aguiar, Beira Alta - fala em verso e filosofa ainda melhor sobre a vida, com chispas de ironia no fundo da verdade e com o coração nas mãos. Mãos donde saíram muita obra de arte em madeira mas que parecem não ter segurado muito o dinheiro, ou não terá sido esse o seu móbil na vida pois agora se lamenta de pouco ter. “Comecei – conta - com o meu tio lá na terra, com quem fazia carrinhos, espadanas, gamelas, cangas, fui sempre marceneiro. Vim para Lisboa aos 11 anos, a trabalhar na Rua da Vinha ao Bairro Alto: os primeiros 15 dias como aprendiz, ganhava 9$00 e depois passei logo a ajudante de marceneiro a ganhar 16$90!». Donde o nome da oficina - Casa das Espadanas, com boa obra feita, como uma excepcional escrivaninha: «É de homem e tem uma série de gavetas e gavetinhas mas também forros e fundos falsos, segredos! Fiz muitos móveis com segredos, esconderijos, onde se podem guardar objectos preciosos. O pior é quando o cliente se esquece do segredo, lá tenho de ir de novo descobrir, ensinar-lhe, fazer um croquis! Até casas com segredo fiz, para pessoas medrosas. São tudo inspiração minha. De noite
E
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acordo a pensar nas peças e começo a idealizar as peças de manhã é só passar para o papel e fazer».
“O meu nome não acaba…” De facto são peças belíssimas. «Quando me estabeleci, depois de sair da tropa, tinha 23 anos e os meus clientes 40 anos em média ou mais, claro que hoje já morreram todos só me restam dois ou três». Apesar da idade avançada, David Gomes parece um homem forte: rijo como beirão, realizado como artista, feliz como homem que se fez por si, satisfeito por ter continuador na sua arte! O neto, de 29 anos, que o segue na arte e já mostra perfeição na obra que faz, tem o mesmo nome e apelido - David Miguel Gomes e só a idade os distingue, pois são a mesma empresa e têm a mesma arte nas mãos: o neto, com mais aptidão para os projectos rigorosos, o avô com mais vocação para ir pela sua imaginação. Fala o avô: «O meu neto quando saía da escola, ficava aqui comigo na oficina. Foi um aprendiz exemplar. Eu dava-lhe coisas pequenas para ele fazer, um banco, por exemplo, e sempre foi aprendendo por ele. Quando eu era aprendiz, os oficiais e mestres davam-nos ordens com malícia para nós “espertarmos”, tipo: “Vai buscar uma pedra para afiar a cabeça do martelo” ou “Vai buscar um bocado de luz à farmácia”! Claro que estes disparates tinham um sentido, o de o rapaz aprender a defender-se, não ir em todas as conversas!». O David neto acrescenta: «As melhores obras que já fiz foram cómodas em estilo D.José, uma
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garrafeira desenhada por um cliente engenheiro, que na primeira encomenda exigiu um contrato assinado e um desenho dele: cumpri tão bem que ficou cliente, continua a dar-me os seus desenhos de móveis para fazer mas já não é preciso contrato pois viu que eu sigo à risca os seus projectos. Herdei o gosto que se tem de ter para aprender, gosto de trabalhar as madeiras mais nobres – mognos, vinhático, cetim, pau-santo, pau-rosa que são as mais agradáveis de trabalhar, mas com a crise, temos de deitar mão a tudo! O meu avô só se dedicava a restauros ou a fazer cópias de móveis antigos. Um dia apostou com um cliente que nos deu seis cadeiras para restaurarmos, elas não estavam em mau estado, só precisavam duma limpeza e encomendou mais seis iguais para fazermos. Se ele descobrisse quais eram as novas e quais as velhas, o meu avô pagava um almoço, se não, pagava o cliente e assim foi: o meu avô ganhou a aposta pois estavam tão bem as novas que não se distinguiam das velhas!».
«Depois do incêndio da Igreja de S.Domingos – lembra David Gomes avô - comprei peças queimadas, em boa madeira de vinhático e pau-santo e restaurei as que pude, noutras fiz sacrários, cruzes, que tiveram muito sucesso. E também restaurei um coche antigo». Muitos desses restauros aparecem na Feira de Antiguidades pois têm muitos clientes antiquários. Quando se pergunta ao jovem David Gomes que só trabalhou neste ofício se não teme a diminuição da procura, dado o modernismo nos móveis, diz que não há que temer: «Vai haver sempre procura, ou no restauro ou no fabrico, pois a concorrência com qualidade é pouca e trabalho sempre há. Gosto de ser marceneiro pois é fazer trabalhos diferentes, criativos, todos os dias». E quando se pergunta ao David Gomes avô o que é ter um continuador, responde: «Estou feliz por ter o meu neto nesta actividade porque sei que o meu nome não acaba comigo!». n Guilherme Pereira (texto e fotos) NOV 2011 |
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Turismo para Todos
Alberca A aldeia mais bonita de Espanha Situada na província de Salamanca, num planalto a mil metros acima do nível do mar, Alberca é considerada uma das mais belas povoações de Espanha e destino obrigatório para viajantes quer da península ibérica quer de outros países europeus. 40
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V
estígios encontrados nas grutas Cabras Pintas, próximas da povoação, sugerem importantes influências francesas por obra e graça do repovoamento promovido no século XII por Afonso VI, Rei de Castela e Leão, avô do nosso primeiro rei. Quatro das cinco sucessivas esposas do poderoso monarca de Leão e Castela eram oriundas de França e o próprio pai de Afonso Henriques, o Conde borgonhês D. Henrique, casou com D. Teresa, filha de Afonso VI. Daí que muitos dos nomes dos principais lugares da região tenham origem francófona, como a Serra de Francia e o próprio rio Francia. Os vastos e belíssimos bosques, de carva-
lhos, castanheiros, nogueiras, pinheiros e amendoeiras, constituem um dos maiores atractivos da região de Alberca. A povoação, de cerca de um milhar de habitantes, com as suas estreitas e tranquilas ruas, praças e seculares casas de granito, foi declarada em 1940 Património Histórico -Artístico de Espanha. Feitas de granito, pedra e vigas de madeira, as casas de origem medieval têm no máximo três pisos. O piso inferior servia, tradicionalmente, para guardar os animais. No primeiro piso ficava a cozinha e no segundo, os quartos. O sótão servia para a cura de carne, queijo e enchidos. Muita das casas mantêm as antigas varandas, repletas de vasos com flores
No sentido dos ponteiros do relógio: comemoração do Diadel-Pendon, pormenor nocturno da Plaza Mayor, Ermida de San Blas e Parque Natural de Las Batuecas. Na página anterior, Plaza Mayor
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Turismo para Todos
Turismo para Todos Programa de férias de 6 dias/5 noites,
que apreciam arte, boa gastronomia,
TURISMO PARA TODOS
em regime de pensão completa,
passeios culturais e animação.
Portugal
destinado a todos os clientes
Tendo em atenção a sazonalidade
(Vários destinos)
(beneficiário e não beneficiário). Em
turística, desenvolveram-se programas
Preço por pessoa em duplo: 267 euros
Portugal o alojamento é exclusivamente
de preço baixo na época de menos
Preço por pessoa em single: 374 euros
nas unidades INATEL, em Espanha são
procura, sem perder no entanto a
hotéis seleccionados de 4*, com quem
qualidade que o turismo INATEL
Espanha
a Fundação INATEL estabeleceu
apresenta, dada a sua experiência como
(Isla Canela e Alberca)
protocolos de cooperação, no domínio
um dos "tour operador" mais antigos de
Preço por pessoa em duplo: 295 euros
do turismo social, acessível a todos os
Portugal.
Preço por pessoa em single: 395 euros
Spa do Hotel Termal Villas Abadia dos Templários
A festa mais importante de Alberca é a Virgem de Agosto, celebrada a 15 desse mês. Os seus habitantes festejam a Assunção de Maria disfarçados de anjos e demónios, com trajes dourados e prateados, conferindo uma imagem invulgar de cor e alegria à celebração da Virgem. A Semana Santa é igualmente festejada de forma original, destacando-se o Dia da Bebida ou a Segunda-Feira de Águas, promovida pela autarquia, que convida os habitantes a preparar as respectivas bebidas.
Programa Inatel No itinerário proposto no circuito "Turismo para Todos" da Inatel, o primeiro dia em Alberca é dedicada a uma visita demorada à 42
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povoação "cheia de surpresas, sendo a principal, a beleza da sua arquitectura tradicional, baseada na pedra e madeira" e que lembra a "paisagem alsaciana, alemã ou suíça." O programa inclui uma visita Ciudad Rodrigo e um passeio na Serra de Francia, onde existe um mosteiro beneditino, e San Martin del Castañar, junto do rio Francia, e que assenta sobre povoações remotas, desde a época romana. Inevitável é, também o passeio a Salamanca, velha cidade universitária que tem o melhor conjunto espanhol de arquitectura renascentista e plateresca (século XVI). Destaque, ainda, para o passeio a Béjar, no sopé da serra do mesmo nome, cidade têxtil, famosa pelo vestuário em pele, e a visita ao belíssimo Parque Natural de las Batuecas, cenário do filme de Luis Buñuel "Terra sem Pão". Neste mesmo Parque fica o confortável Hotel Termal Villas Abadia dos Templários, de estilo medieval, rodeado por antigos castanheiros e com vistas magníficas sobre a paisagem rural. Com duas piscinas, interior e exterior, sauna e banhos turcos, o hotel escolhido para o programa Inatel dispõe de restaurante, bar, recepção disponível 24 horas, jardim, terraço, quartos para não fumadores, quartos/comodidades para pessoas com mobilidade condicionada, elevador, cofre, aquecimento, ar condicionado. O preço por pessoa, desde 295 €, inclui circuito em autocarro de turismo e pensão completa. n DS
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Portfólio
Mauritânia O País dos Homens das Túnicas ENTRE NOUABIDOU e Nouakchott, as duas mais importantes cidades da Mauritânia, estendese um deserto e uma costa por onde se aventuraram inúmeros portugueses em busca do tão apetecido e mistificado ouro, como nos descreve Zurara e demais cronistas dessa época de partidas e descobertas imortalizada em topónimos como Cabo Cansado, Baia de Cintra, Porto Rico, Cabo Barbas e Baía de São Cipriano, assim como na existência dos Teize Gua, suposta tribo de luso descendentes que habita o belo planalto de Adrar. Apesar da abundância de peixe, as autoridades mauritanas não reivindicam o direito de explo-
ração exclusiva das suas águas territoriais, permitindo que todos nelas pesquem a troco do pagamento de licenças. Este é um país fortemente marcado pelo sistema de castas. Há quem nasça senhor – os bidan – e há quem nasça servo – os haratin. E dessa herdada condição não há escapatória. Comprar e vender é a grande paixão de uns e outros, gente de túnica azul, a fazer lembrar centuriões romanos. E mesmo que sejam milionários que os há aqui também -, não dispensam a tenda e os rebanhos de camelos e ovelhas abrigados num qualquer oásis do mais inóspito dos desertos. n Joaquim Magalhães de Castro (texto e fotos)
Portf贸lio
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Este é um país fortemente marcado pelo sistema de castas. Há quem nasça senhor – os bidan – e há quem nasça servo – os haratin
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Memória
Maria Dulce, “menina de ouro” Começou no cinema, aos 13 anos, mas foi no teatro que a ”menina de ouro” preenheu os melhores anos de uma longa carreira actriz Maria Dulce, 73 anos, morreu hoje de manhã na sua casa em Bucelas", foi esta a notícia do jornal Público do dia 24 de Agosto de 2010. Maria Dulce na verdade foi encontrada morta em casa, onde vivia sozinha. Estava a ensaiar a peça "Sabina Freire", de Manuel Teixeira Gomes, encenada por Celso Cleto. Na altura, Felipe La Féria, com a frontalidade que se lhe conhece, afirmou: "Se Maria Dulce fosse inglesa era uma "dame". Aqui, morreu pobremente…". Alguns anos antes, ainda seria a "menina de ouro" que ficou famosa quando, aos 15 anos, interpretou "Maria" no filme de Lopes Ribeiro, "Frei Luís de Sousa". Chamava-se Maria Dulce Andrade Ferreira Alves e nasceu em Lisboa, a 11 de Outubro de 1936. Frequentava o Conservatório quando a foram buscar para ser a Maria, filha infeliz de Madalena de Vilhena, interpretada pela actriz Maria Sampaio. Ao lado de grandes figuras da época (João Villaret, Raul de Carvalho, Sales Ribeiro, Barreto Poeira e outros). Considerada, ao tempo, pela crítica em geral, a grande revelação do filme, Maria Dulce estava lançada, como a sua carreira no cinema português e espanhol amplamente veio a confirmar. Na verdade, falar de Maria Dulce é falar de "Frei Luís de Sousa", filme que marcou para sempre a artista. Em Setembro de 1950, quando o filme estre-
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A primeira fotografia artística de Maria Dulce no ano em que interpretou a Maria de “Frei Luís de Sousa
Nos anos 50, foi uma grande vedeta do cinema espanhol
ou no São Jorge, os aplausos para a jovem Maria Dulce eram ao nível de "grande revelação", "caso de invulgaridade artística de que há muito o cinema precisava", "o público exige um filme só para Maria Dulce", "podia a sua carreira ficar por aqui, que o nome da pequena Maria Dulce não esqueceria mais". Aliás, o filme e o realizador António Lopes Ribeiro foram recebidos com aplausos gerais. Nesse tempo, um jornalista e crítico muito conceituado, Francisco Mata, escrevia no seu jornal, "O Século": "a Lisboa Filme, ao decidir dar ao público um espectáculo sem fados, esperas de touros, piqueniques ou meninas "possidónias" soletrando coisinhas insípidas, forneceu uma prova de coragem e de bom gosto, que aplaudimos sem reservas."
Maria Dulce à espanhola Sete anos viveu e trabalhou em Espanha a nossa
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pequena "Maria". Meia dúzia de filmes, a estreia no teatro, no conhecido "Maria Guerrero", correspondente de revistas portuguesas para onde entrevista outras vedetas, Maria Dulce volta a Portugal cinco anos depois para fazer teatro, muito teatro, alguma televisão (lembremos uma série, "O Carlos e a Lena", ao lado de Artur Semedo). Passa pela revista, pelo palco do Teatro Nacional, viaja aos Estados Unidos onde trabalha bastante para os emigrantes portugueses e, já depois da Revolução dos Cravos, junta-se a José Viana e Rogério Paulo na Cooperativa de Teatro Popular, instalada na Incrível Almadense. Durante algum tempo afasta-se do teatro para, no Maxime, fazer recitais de poesia, que retomaria mais tarde num bar de sua propriedade e do marido, o actor António Machado. Aqui, no "Camarim" Maria Dulce faz o que realmente mais lhe agrada: dizer poesia. Aceita depois um papel na telenovela "Chuva na Areia", volta ao teatro, dirigida por Luzia Maria Martins e a morte apanha-a quando ensaiava "Sabina Freire".
Ao lado de Alves Barbosa Volto atrás para destacar um filme que, não sendo uma obra-prima, foi um êxito popular porque junta-
Com o ciclista Alves Barbosa e Armando Cortez no filme “o Homem do Dia” filme de Henrique de Campos
va dois nomes que o público admirava: Maria Dulce e Alves Barbosa, o ciclista mais famoso da época. Alguns jornais e revistas (ainda não existiam as cor de rosa…) fizeram constar um romance entre a actriz e o desportista e, conta quem sabe, o parzinho não se fez rogado e alimentou o boato, tornando "O Homem do Dia", realizado por Henrique Campos, um dos filmes mais vistos da época de cinquenta. A história de amor entre Clara (Maria Dulce) e Tó (Alves Barbosa) agradou ao povo mas não à crítica que perguntava pelo conteúdo, pela emoção poética…Mal sabia o crítico que Maria Dulce, trinta anos mais tarde, havia de procurar na poesia o alimento para a alma…
Uma actriz independente
Cinema, teatro, televisão, sessões de poesia, tudo fez parte da vida da actriz
Maria Dulce, embora ligada a várias companhias, recusou enquanto pôde sujeitar-se à engrenagem dos produtores e senhores dos teatros e daí a itinerância frequente da revista para o chamado teatro sério, dos palcos para os estúdios de cinema e de televisão, ora no Parque Mayer ora no Teatro Vasco Santana, agora no Nacional mais tarde no Capitólio. E tão depressa fazia um "boulevard" como a "Ratoeira" de Agatha Christie. Quando se juntou a José Viana e Rogério Paulo na Incrível Almadense, a actriz dizia-se feliz porque estava finalmente, entre os seus, a fazer o teatro popular, divertido mas esclarecedor, que sempre defendera e raramente pudera fazer. Durou pouco a experiência. A morte apanhou-a em pleno trabalho. Sozinha, em casa. Como La Féria disse, se ela fosse inglesa seria uma "dame". Sendo portuguesa foi com certeza uma mulher. Uma mulher independente. n Maria João Duarte NOV 2011 |
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Olho Vivo
O tamanho importa Os peixes mais pequenos recuperam melhor que os grandes, quando são pescados e devolvidos à agua, segundo cientistas do Illinois. Os níveis de potássio no sangue só são repostos uma hora mais tarde nos peixes maiores. Estes resultados vêm contrariar a ideia que os especialistas tinham de que o peixe graúdo resiste mais ao stress.
Bocejar arrefece os miolos A ciência ainda não conseguiu explicar de uma vez por todas a função do bocejo, considerado uma manifestação de cansaço ou sono. Uma nova teoria afirma que bocejar arrefece o cérebro e por isso bocejamos mais no tempo frio, para apanhar ar menos quente que o nosso sangue. Cientistas das universidades de Princeton e Arizona estudaram 240 bocejadores e concluíram que a corrente de ar que fazemos entrar no corpo com um bocejo é o vector de um processo termoregulador muito importante. A temperatura do cérebro de ratinhos foi medida antes e depois de um bom bocejo e o resultado confirma-se.
Asma e excesso de peso Os filhos de mães que eram obesas durante a gravidez têm mais probabilidade de sofrer de asma do que os de grávidas com peso regular, segundo um estudo da Universidade de Greenwich. O aumento de risco é elevado, 20 a 30 por cento. Os cientistas analisaram dados de sete mil adolescentes de 16 anos, nascidos na Finlândia.
Cocaína e glaucoma Sapos recolhem água Os sapos verdes australianos sobrevivem à seca estival, utilizando o mesmo truque que faz embaciar os óculos dos humanos no Inverno, segundo um artigo publicado na revista The American Naturalist. Durante a estação seca, os sapos saem à noite, quando faz frio, recolhendo em seguida às tocas. No regresso, a humidade condensa-se com o calor do ninho, é absorvida através da pele e os sapos mantêm-se assim hidratados. A investigação foi feita por zoólogos da universidade de Charles Darwin, intrigados com as excursões nocturnas dos anfíbios. 52
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O consumo de cocaína pode provocar glaucoma, segundo um estudo americano que analisou os casos de muitos milhares de veteranos de guerra. O glaucoma, que aparecia em média nos pacientes que não tinham história de consumos aos 74 anos, surgia vinte anos mais cedo nos que declaravam ter consumido regularmente cocaína. O glaucoma é a segunda principal causa de cegueira nos Estados Unidos.
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A n t ó n i o C o s t a S a n t o s ( t ex t o s ) A n d r é L e t r i a ( i l u s t r a ç õ e s )
Vamos hibernar?
Falar como um morcego Os morcegos produzem até 190 sons por segundo e esse zumbido é a última coisa que ouvem os insectos, antes de serem comidos. Isto já se sabia, mas os cientistas não percebiam bem como é que os mamíferos produziam esses sons. Agora, investigadores da Dinamarca perceberam que o truque está na velocidade dos músculos da garganta do morcego, que conseguem contrair-se 100 vezes mais depressa que os dos seres humanos e 20 vezes mais rápido que os mais velozes músculos humanos, os dos olhos.
Crânios devolvidos A Alemanha devolveu à Namíbia 20 crânios de homens, mulheres e crianças que as tropas imperiais levaram para estudos, no início do século XX. Os "espécimes" foram provavelmente vítimas do exército colonial e os seus crânios foram objecto de estudos e medidas destinados a provar a superioridade dos brancos.
Vírus gigante Investigadores franceses descobriram um vírus gigante que bate todos os recordes de complexidade e é o primeiro a ser encontrado no mar. O chamado Megavirus chilensis tem mais de mil genes e foi isolado junto à costa do Chile. É 15% maior que o seu primo Mimivirus, descoberto em terra em 2006.
Cientistas da universidade do Alasca conseguiram induzir o estado de hibernação em esquilos que normalmente não hibernam e crêem que as qualidades de protecção neuronal da hibernação podem ser aplicadas no futuro ao ser humano. Um animal em hibernação reduz os batimentos cardíacos e a temperatura corporal, sem sofrer danos no cérebro. Os esquilos foram acordados com cafeína.
Macacão com 20 milhões de anos Um crânio fóssil com 20 milhões de anos foi descoberto no Uganda. Pertence a um grande primata, parente longínquo dos actuais macacos e dos hominídeos. Os ossos do Ugandapithecus major foram descobertos em Julho nos flancos do vulcão Napak. Trata-se de um macho jovem (já tinha dentes mas estavam pouco gastos), de tamanho semelhante ao chimpanzé, mas com presas do tamanho das do gorila.
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A Casa na árvore Susana Neves
Nux Vox A nogueira ou a árvore dos mil e um cérebros Nas lendas do Tirol as costelas das feiticeiras são de nogueira ("Juglans Regia L.").
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uxuosa honra, dada a grande qualidade de uma madeira que, durante séculos, foi o "acaju da Europa", a preferida de todos os que com ela trabalhavam e um valor patrimonial que conferia "status". "É a mais bela madeira da Europa para fazer móveis, e é também a mais cara quando tem muitos veios; também as suas raízes são muito procuradas pelos marceneiros, ebanistas, armeiros, escultores, carpinteiros de carruagens, guitarreiros, amo-
ladores, fabricantes de medidas de madeira, encadernadores, marroquineiros, etc", lê-se no pequeno livro sobre a nogueira, "Le Noyer", Anne-Sophie Rondeau, Actes Sud, 1997. Estas costelas de nogueira faziam fortes as feiticeiras que, de acordo com as lendas, dançavam longas horas seguidas, nas celebrações do "Sabbath", realizado debaixo da copa destas árvores, originárias do Irão, da Pérsia e China, muito embora já existissem na Europa, em estado silvestre, pelo menos desde o Neolítico, 8000 anos A.C. A aparente imunidade das feiticeiras a uma prolongada exposição à juglone, substância alelopática que se desprende das folhas, do invólucro da casca da noz e das raízes das nogueiras (sobretudo, na "Juglans Nigra", de origem norte-americana), inibidora do crescimento de várias espécies de plantas, não parece ser partilhável com o comum dos mortais porque desde a Antiguidade até hoje persiste a recomendação de "não dormir à sombra de uma nogueira". Bem como, apesar das múltiplas utilizações medicinais, se aconselhava a ingestão moderadíssima de nozes. "Uma noz faz muito bem, Duas é demais, Três é fatal." (Garnerius, 1612).
“Mini-cérebro” Na realidade, o miolo da noz (do latim "nux"), muito parecido a um pequeno cérebro, é um "cocktail" bioquímico e nutritivo precioso. Além de ter as vitaminas E, B3, B5 e B6, tem sais minerais como o magnésio. E ainda a melotonina, a chamada hormona do sono. E ainda, a serotonina, um neurotransmissor que desempenha um papel importante no cérebro e no sistema nervoso central, hoje em dia muito estudada. Já anteriormente, o médico e alquimista suíço Paracelso (14931541), ensinando a "Teoria das Assinaturas", explicara que "o semelhante cura o semelhante", logo tendo a noz semelhança com a forma de um cérebro curaria o cérebro. Além da perfeita união das duas valvas da noz simbolizar, na nossa cultura, o matrimónio, a noz representa a máxima virtude porque a semente sendo também fruto comestível 54
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Fotos: Susana Neves
reuniria em si o princípio e o fim. Escreve Fílon de Alexandria, filósofo judeu do séc. I: "o início e o fim são um só, considerem a semente o início e o fruto o fim; do mesmo modo cada virtude é começo e fim: começo porque ela nasce do poder dela mesma, e fim porque a vida do homem para ela tende naturalmente". E sublinha que tal como é difícil aceder à semente, uma vez que é envolvido por uma casca dura e uma pele amarga, também "a alma que pratica a virtude tem de suportar o sofrimento e o trabalho".
“Quando nasce uma criança…” A nogueira é interpretada de forma ambivalente. Ora é aproximada à Virtude, que emana de Deus (o primeiro jardineiro e cultivador, segundo defendia o botânico alemão, H. Tragus, no séc. XVI), ora à feitiçaria. A ambivalência não pára: esta árvore, da família das "Juglandaceae", repele as abelhas mas também é símbolo da fertilidade, abundância e prosperidade. Por exemplo, no Irão, planta-se uma nogueira quando nasce uma criança para que fique assim garantida uma fonte de rendimento. Esta oscilação de significado parece derivar de uma longínqua mudança do referente mítico. A nogueira começou por estar associada a Caria,
deusa pré-helénica da adivinhação para mais tarde passar a ser identificada com Perséfone, deusa da morte, acabando por lhe ser atribuída a figura de Júpiter, deus supremo, e daí o seu nome científico Juglans = a glande de Júpiter + Regia =real. Em suma, a nogueira com a capacidade de eliminar os seus próprios rebentos, caso estejam demasiado próximos, detentora dessa "arma química" que é a juglone, carregada de "mini-cérebros" cujo óleo serviu também para iluminar, é uma árvore soberana, que indica o melhor caminho. Como diz o título "Nux Vox", a voz da noz sugere sempre o melhor, mesmo que o melhor seja um adeus, como acontece nas regiões remotas do Nepal quando a esposa insatisfeita em vez de uma carta de despedida envia uma noz. Diz o provérbio português: "Dá Deus nozes a quem não tem dentes". Saberia o escritor deste provérbio que há nozes cuja casca se divide em três partes? Essas são a lendária "noz mágica", o "deus ex machina dos contos" que, segundo Anne-Sophie Rondeau, faz surgir "montanhas e mares intransponíveis entre o herói e o mundo dos malvados". Portanto, caro leitor se encontrar uma "noz mágica" não a coma. n NOV 2011 |
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66 CONSUMO O Infarmed desaconselha o uso do cigarro electrónico, alegando que, tal como os cigarros convencionais, pode induzir dependência. Pág. 58 l LIVRO ABERTO Destaque para "S.O.S. Angola", da jovem jornalista Rita Garcia, que nos relata a odisseia de 200 mil portugueses, retornados de Angola entre Julho e Novembro de 1975. Pág. 60 l ARTES Merece uma visita a exposição "Pintura Interrogada", de Luís Gordillo, no Centro Cultural de Cascais. Pág. 62 l MÚSICAS Do Brasil e de França , duas novidades discográficas: "Sou Eu - Ao Vivo", de Diogo Nogueira e "Nothing but the Beat", de David Guetta. Pág. 64 l NO PALCO Em foco, "A Voz Humana", de Jean Cocteau, com Emília Silvestre, no TNSJ, no Porto, e "A Louca", história da raínha D. Maria I, com Maria do Céu Guerra ("A Barraca"). Pág. 66 l CINEMA EM CASA Quatro filmes de aventuras para boas sessões caseiras, com destaque para "Piratas das Caraíbas Por Estranhas Marés" e "As Viagens de Gulliver". Pág. 68 l GRANDE ECRÃ O actor e realizador George Clooney volta a brindar-nos com uma fábula sobre o lado obscuro da política e a sua relação perversa com os mass-media. Pág. 69 l TEMPO INFORMÁTICO O caminho a percorrer na área do digital é a liberdade total de movimentos, com o transporte, para qualquer lado, dos nossos dispositivos. Pág. 70 AO VOLANTE Já lançado entre nós, o novo Suzuki Swift Bi-Tone vem reforçar a imagem do modelo mais popular do construtor japonês em Portugal. Pág. 71 SAÚDE Em estudos realizados recentemente, nos EUA, verificou-se que "a diminuição bilateral da audição afecta um em cada três adultos com mais de 65 anos. Pág. 72 PALAVRAS DA LEI Um caso de regulação, por acordo, das responsabilidades parentais em matéria de pagamento da pensão de alimentos. Pág. 73 l
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Boavida|Consumo
Cigarro electrónico: bom, mau ou vilão? O Infarmed desaconselha o seu uso, alegando que, tal como os cigarros convencionais, pode induzir dependência. Há quem conteste e enalteça os seus benefícios. Mas as dúvidas não se ficam por aqui. Há muitas outras questões sem resposta e falta legislação clarificadora.
Carlos Barbosa de Oliveira
nda acesa polémica em volta dos cigarros electrónicos. As dúvidas são mais que muitas São um medicamentos? Um dispositivo médico? Um produto de consumo geral? Serão uma alternativa aos cigarros convencionais, ou aconselháveis para quem pretenda deixar de fumar? Uns dizem que são inócuos, outros que fazem mal à saúde. Outros ainda, que são um sucedâneo do tabaco e um auxiliar precioso para quem quer deixar de fumar. E há também quem defenda que incitam os jovens a fumar, devido aos sabores variados com que se apresentam nos escaparates No meio de tantas dúvidas, tentei encontrar respostas e, do que me foi possível apurar, fiquei a saber que o cigarro electrónico é, um pouco por todo o mundo, uma dor de cabeça para as autoridades de saúde, não havendo consenso sobre a legislação que lhe deve ser aplicada. E também não é um produto barato… Efeitos nocivos? A FDA (agência norte-americana do medicamento) analisou várias marcas destes cigarros e concluiu que contêm substâncias cancerígenas e tóxicas, o que a levou a acusar cinco fabricantes de "publicidade enganosa e praticas de fabrico desajustadas". Os fabricantes foram instados pela FDA a provar a segurança e eficácia dos cigarros electrónicos. A posição da Organização Mundial de Saúde (OMS) está em consonância com a FDA, mas esta organização foi mais longe e recomendou a proibição de incluir na publicidade mensagens que conotem os cigarros electrónicos com produtos aconselhados para deixar de fumar. Alega a OMS que, para serem equiparados a esses produtos, teriam de ser avalizados cientificamente e respeitar a legislação que rege os restantes produtos utilizados no tratamento antitabágico. A OMS alerta ainda que os cigarros electrónicos contêm aditivos químicos que podem ser muito tóxicos e que
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o facto de serem apresentados como um sistema de ajuda antitabágica sabota as estratégias adoptadas pela Organização na luta contra o tabaco. Outro argumento invocado por diversos especialistas no tratamento antitabágico é que estes cigarros assemelham-se aos cigarros tradicionais e suscitam os mesmos gestos praticados pelos fumadores, o que é contraproducente para quem pretende deixar de fumar. Os cigarros electrónicos também não são baratos (entre 40 e 60 €, de acordo com uma pesquisa que fiz na Internet) o que reforça a opinião dos mesmos especialistas, que defendem haver tratamentos mais baratos e mais eficazes para abandonar o vício do tabaco. Dúvidas Enquanto se discutem as implicações do cigarro electrónico na saúde dos consumidores, há cada vez mais adeptos deste produto. As vendas crescem a bom ritmo um pouco por todo o mundo, mas não no Brasil. A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proibiu o comércio e importação de cigarros electrónicos, alegando a inexistência de comprovação científica sobre a sua eficácia para fins terapêuticos. Já na Europa e nos Estados Unidos as recomendações da OMS e da FDA não impediram a sua comercialização. Uma das razões prende-se com as dúvidas que se levantam quanto ao enquadramento legal dos cigarros electrónicos. Em Portugal e no espaço europeu, os cigarros electrónicos e respectivas recargas não têm legislação específica, pelo que lhes é aplicável, no nosso país, um decreto-lei (69/2005) que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à segurança geral dos produtos. Este diploma estabelece um conjunto de obrigações gerais de segurança e de obrigações adicionais, aplicáveis aos operadores económicos, impondo que só podem ser colocados no mercado produtos seguros. Mas será o cigarro electrónico um produto seguro? Pelo menos algumas marcas, parece que não. É isso que se ANDRÉ LETRIA
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infere do facto de o RAPEX (Sistema Comunitário de Trocas de Informação sobre produtos perigosos que circulam no espaço comunitário) já ter feito notificações sobre diversas marcas consideradas susceptíveis de provocarem riscos graves ( saúde e choque eléctrico) para os consumidores. A autoridade nacional do medicamento (Infarmed) divulgou em Agosto uma circular onde procura esclarecer os consumidores acerca dos cigarros electrónicos, que divide entre medicamentos e dispositivos médicos, consoante a sua forma de apresentação, terem ou não nicotina no seu conteúdo e as indicações de uso. Depois de advertir os consumidores que "os fins médicos devem ser fundamentados com dados clínicos e científicos" e esses dados terem de ser submetidos às autoridades competentes para avaliação, o Infarmed esclarece que " até ao momento não tem qualquer autorização ou registo para este tipo de produtos nem como medicamento, nem como dispositivo médico". O Infarmed lembra ainda que, tal como acontece com os cigarros convencionais, o uso de cigarros electrónicos " pode induzir dependência, independentemente da quantidade de nicotina dispensada", pelo que desaconselha a sua utilização, por não ser possível assegurar a qualidade, segurança e eficácia destes produtos. Do lado dos consumidores, a consulta de alguns sites e de um forum sobre o cigarro electrónico permite concluir que uma das vantagens apontadas é o facto de poder ser utilizado em espaços para não fumadores. No entanto, o contacto directo com alguns utilizadores, permitiu perceber que a maioria desconhece as características específicas de cada marca, bem como os perigos que possam eventualmente estar associados à sua utilização. Já a Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo realça o facto de muitos destes cigarros estarem disponíveis com diferentes sabores adocicados, como chocolate, poder contribuir para que jovens e até crianças se iniciem no tabagismo. n NOV 2011 |
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Boavida|Livro Aberto
Grandes livros em tempo de crise Com o mundo em convulsão, vergado ao peso de inquietantes incertezas, renasce o interesse pela História e sobretudo pela História Contemporânea, em princípio capaz de ajudar a explicar a génese dos conflitos e equilíbrios de forças que hoje caracterizam o contexto internacional.
José Jorge Letria
sse interesse incide de forma muito visível sobre as duas guerras mundiais do século XX. Daí que o destaque inicial vá para "Operação Over LordO Dia D e a Batalha da Normandia 1944" (Casa das Letras), do historiador britânico Max Hastings, que traça um retrato poderoso daquela imensa operação militar aliada que permitiu mudar os destinos da guerra e do mundo, ainda a braços com o flagelo nazi. Um livro recheado de rigorosa informação histórica que se lê como se fosse um grande romance ou o guião de uma superprodução cinematográfica. A não perder. De outra guerra - a que Portugal manteve em África, em três frentes, durante 13 anos - e das suas consequências humanas, sociais e demográficas falam dos livros, merecedores ambos de realce pelo acervo de informação, pelo trabalho de investigação que os sustenta e pela forma como contribuem para o conhecimento de momentos que permanecem na nebulosa dos "ficheiros" incómodos. A saber: "S.O.S. Angola" (Oficina do Livro), da jovem jornalista Rita Garcia, que nos relata a forma como, entre Julho e Novembro de 1975, cerca de 200 mil portugueses regressaram de Angola, entretanto a caminho da independência, com o estatuto de "retornados das ex-colónias", integrandose num Portugal sem estruturas para os acolher mas que conseguiu integrá-los, apaziguá-los e inseri-los numa realidade que tornaram mais dinâmica e produtiva. Um excelente trabalho de investigação realizado por uma autora que nasceu já depois da histórica ponte área do retorno; e "Anjos de Guerra", da mesma editora e com autoria da jornalista Susana Torrão, que descreve a aventura ainda mal conhecida das enfermeiras pára-quedistas que participaram na Guerra Colonial, sendo pioneiras neste tipo de missão. Dois livros que revelam o crescente interesse que existe por épocas e factos marcantes da História recente de Portugal.
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OUTRO MODO de falar de Portugal é destacar factos, datas e nomes da sua História mais longínqua, o que acontece no excelente "Os Reis da Reconquista Portuguesa" (Texto), do historiador Stephen Lay, da Universidade de Oxford, que, ao longo de quase 550 páginas, analisa a forma como os 60
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reis portugueses empreenderam com êxito a campanha de reconquista de território aos mouros, ao mesmo tempo que montavam estruturas comerciais, sociais e políticas que viriam a moldar de forma determinante a realidade nacional nos séculos seguintes e a cimentar as nossas realidade e identidade. Uma obra de grande fôlego que interessa a estudiosos e a leigos que se interessam pela História de Portugal ao longo dos séculos em que definiu e consolidou nos seus aspectos estruturantes. NO DOMÍNIO da ficção narrativa, dois destaques para obras
com a chancela da D. Quixote que merecem a atenção dos leitores de romances de qualidade: "A Grande Casa", de Nicole Krauss, e "Goa ou o Guardião da Autora", de Richard Zimler, autor norte-americano que adquiriu também a nacionalidade portuguesa e que é autor de obras de referência como "O Último Cabalista de Lisboa", título de referência na área do romance histórico. Um destaque especial para "Cartas Vermelhas" (Oficina do Livro), de Ana Cristina Silva, romance poderoso sobre a relação amorosa da militante comunista Carolina Loff com um inspector da Pide, episódio único e polémico do período da resistência à ditadura que se tornou particularmente incómodo e difícil de explicar e enquadrar por parte da organização comunista na clandestinidade. Uma narrativa pujante e corajosa de uma autora que tem vindo a construir uma obra de grande vigor e consistência. Igualmente se realça a reedição pela Casa das Letras do clássico "O Terceiro Homem", de Graham Greene, que deu origem a um filme homónimo e também incluído na categoria dos grandes clássicos. Sobre ficção, neste caso de António Lobo Antunes, cada vez mais reconhecido e aplaudido como um dos grandes escritores mundiais vivos, é "António Lobo Antunes: A Arte do Romance" (Texto), com organização de Felipe Cammaert, que reúne um significativo conjunto de estudos sobre a obra do grande escritor português apresentados em 2009 numa iniciativa do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras de Lisboa. Uma obra que nos ajuda a conhecer melhor os mistérios, as luzes e as sombras da obra do escritor, sempre surpreendente e fascinante, em Portugal e no estrangeiro, com destaque para França.
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"Não Tenho Inimigos, Não Conheço o Ódio" (Casa das Letras), reúne textos teóricos e de análise política e social sobre a China actual da autoria do intelectual Liu Xiaobo, Prémio Nobel da Paz 2010, que nos coloca em presença de um grande pensador e de um intransigente defensor dos direitos humanos no imenso país onde o compromisso entre a ideologia comunista e o capitalismo selvagem só na aparência favorece a ideia de liberdade e de democracia. Um destaque particular para a reedição pela Caminho/Leya dos romances "Avieiros", "A Barca dos Sete Lemes"e "Fanga", de Alves Redol, no centenário do seu
nascimento. Tornar acessível ao público a sua obra é a melhor forma de homenagear o grande escritor neo-realista em tempo de centenário e de mostrar a forma sistemática, laboriosa e por vezes genial como retratou a realidade social e económica portuguesa durante a ditadura. Alves Redol morreu em 1969 com apenas 58 anos. Resta formular votos no sentido de que este projecto de reedição prossiga e que o mesmo aconteça com Manuel da Fonseca, outro autor do catálogo da Caminho, nascido também há um século, neorealista como Redol e, tal como ele, um escritor excepcional que merece sempre ser lido e relido. n
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Boavida|Artes
Luís Gordillo expõe em Portugal Até ao próximo dia 13 ainda é possível visitar no Centro Cultural de Cascais a exposição "Pintura Interrogada", do pintor andaluz Luís Gordillo, uma das mais relevantes figuras da arte abstracta em Espanha.
Rodrigues Vaz
pós apresentação recente no Palácio da Galeria em Tavira, numa parceria com a Galeria Fernando Santos (Porto), e pela primeira vez em Portugal, a exposição segue depois para o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança, onde permanecerá de Janeiro até Março de 2012. Nascido em Sevilha, em 1934, Luis Gordillo tornou-se uma referência artística na criação pictórica espanhola das últimas décadas. Tendo assimilado ao longo dos seus estudos de Belas Artes em Sevilha as novas linguagens criativas das últimas cinco décadas e posteriormente influenciado pelo Informalismo, pela Pop Art e pela Nova Figuração, Gordillo, conforme é salientado no excelente catálogo agora editado, configurou a sua estética de uma forma muito pessoal e invulgar, sempre acompanhado pela ambição de criar novos discursos baseados no seu interesse particular pela psicanálise, pela cinematografia e pela música.
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ALBERTO CARNEIRO NA CASA DA CERCA
Por sua vez, a Casa da Cerca, em Almada, apresenta, até 20 do corrente, uma mostra retrospectiva da obra do escultor Alberto Carneiro, intitulada "Elementos", integrando desenhos, fotografias e esculturas realizados entre 1965 e 2011, com forte relação com a temática da Natureza ou cujo produto final resulta na utilização de materiais provenientes desta, inserindo-se assim no programa comemorativo do 10.º aniversário de O Chão das Artes - Jardim Botânico, um dos espaços deste dinâmico Centro de Arte Contemporânea. A madeira e a pedra são os suportes privilegiados da sua obra, mas surgem também com frequência a terra e o bronze (sobretudo nas obras de escultura pública, o barro, o vidro (ou espelho), a fotografia a preto e branco, o desenho e elementos naturais e agrícolas. Como ele 62
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próprio acentua: "Se imagino sobre as revelações das matérias da terra, logo me habitam miríades de sensações, as que me antecederam no nascimento, as que vivi desde o primeiro gesto, as que reflecti sobre os sentidos da vida e da existência e que tornaram formas de escultura..." GRACINDA CANDEIAS E CLÁUDIA LIMA
Entretanto, a conhecida artista plástica angolana, Gracinda Candeias, mostra (até finais de Novembro) as suas últimas produções na Galeria Municipal de Barcelos, numa exposição intitulada "Mutabilis" que é
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de algum modo uma homenagem à grande barrista da região, Rosa Ramalho. Segundo o crítico José-Augusto França, "Gracinda Candeias conheceu (foi capaz de conhecer…) o discurso da água e da montanha, do "Chang" e do "Choi" e exprimeo na sua pintura quanto é possível a uma ocidental" Por último, é ainda de realçar a exposição "Jardins Suspensos", em que a Galeria CNAP, em Telheiras, Lisboa, apresenta, até ao final do mês, as últimas obras de Cláudia Lima, artista brasileira radicada há vários anos em Portugal. Buscando sempre uma unidade cromática que sacrifica ao formalismo primacial, e fugindo da estridência e da aventura da cor pela cor, pois prefere a do esquema - as suas obras abrem-se cada vez mais a um mundo estranho de imagens e ritmos, que nada deve a influências externas, nem a correntes nem a modas, antes a uma indefinível paixão, a um impulso lúdico muito semelhante ao que anima as obras das crianças, e portanto com o cunho de autenticidade criativa que as caracteriza. n
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Boavida|Músicas
Novas do samba e da house music Do Brasil e de França chegam-nos duas novidades discográficas: "Sou Eu - Ao Vivo", de Diogo Nogueira e "Nothing but the Beat", de David Guetta. Para os apreciadores de samba e de house music, respectivamente. Diogo fazem do tema "Homenagem ao Malandro", do álbum "Ópera do Malandro" (textos e músicas do próprio Chico Buarque, 1979), uma das obras-primas da Música Popular Brasileira do século XX. As intervenções de Ivan Lins e de Alcione enriquecem ainda mais este trabalho discográfico, cuja montagem sonora e alinhamento de temas fazem vibrar qualquer plateia. Diogo Nogueira encontra-se, definitivamente, na senda dos grandes protagonistas da Música Popular Brasileira. "Sou Eu - Ao Vivo" merece a nossa melhor atenção. O 5º ÁLBUM DE GUETTA
Vítor Ribeiro
ravado ao vivo no Rio de Janeiro, em Julho de 2010, "Sou Eu" integra 16 temas e contou com as participações de Chico Buarque, Ivan Lins, Alcione e Hamilton Holanda. A direcção musical coube a Alceu Maia. Filho de João Nogueira, lendário sambista já desaparecido, Diogo Nogueira, 30 anos, encontra-se na vanguarda dos jovens compositores e intérpretes audazes, empenhados na renovação daquela que é considerada, por excelência, a canção nacional brasileira. Sem cair na insensata tentação de renegar o passado, antes pelo contrário, Diogo Nogueira chamou à colação os históricos Chico Buarque de Holanda, Ivan Lins e Alcione, co-autores de momentos memoráveis no CD agora chegado até nós. Não se perca, por exemplo, a "revisitação" que Chico e
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"Nothing But The Beat" é o título genérico do 5º álbum de David Guetta, um duplo-CD onde se reúnem 22 temas. O primeiro CD tem como subtítulo Vocal Album e o segundo Electronic Album. Nascido em 1967, em Paris, Guetta, além de compositor e produtor musical, tem-se distinguido enquanto DJ, designadamente na área da house music. De resto, a prestigiada revista britânica DJ Magazine integrou, por diversas vezes, Guetta na lista dos melhores cinco DJ do mundo, a par de Tiesto e Armin Van Buuren. No mais recente álbum de que aqui damos notícia participam, entre outros, Sia Furler, Usher, Chris Brown & Lil Wayne, Jennifer Hudson e Jessie J. BRITNEY "FATAL" EM LISBOA
A cantora norte-americana Britney Spears efectua um espectáculo dia 9 de Novembro, no Pavilhão Atlântico, em Lisboa. A partir das 20h30. Abertura de portas às 19h00. Britney apresentará o mais recente álbum "Femme Fatale" (2011) e "revisitará" os principais êxitos da sua carreira. n
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Boavida|No Palco
Vozes humanas Uma mulher, um telefone, e um diálogo em forma de monólogo. Emília Silvestre veste a pele de quem está prestes a ser derrotada pelos factos da vida, na peça "A Voz Humana", baseada na obra de Jean Cocteau. Em cena a partir de 18 de Novembro e até 4 de Dezembro, no Teatro Nacional S. João, Porto.
Maria Mesquita
tempo parece parar quando se está a falar com alguém. Geralmente utilizam-se nos dias que correm métodos e meios mais fáceis de comunicação, com a ideia de não se perder tempo. Os telemóveis foram criados para conversações rápidas e mensagens curtas, e o telefone, para os longos minutos em "escutar" realmente o que os outros nos dizem, foi posto cada vez mais de parte. Nesta peça, contudo, é exactamente através de uma possível conversação telefónica, onde não ouvimos o interlocutor, e sim somente os tons de voz utilizados pela protagonista, única actriz em palco, que nos é revelado a trama e o desfecho. Ao fim de cinco anos, ela e o seu amante, colocam todas as cartas em cima da mesa, nas vésperas do casamento dele com outra mu-
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Maria do Céu Guerra em “A Louca” 66
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lher. Ao encenador, Carlos Pimenta, e a Emília Silvestre, cabe-lhes a complicada tarefa de demonstrar, no limite, as reacções humanas, o sentido das entoações de cada palavra, a partir de cada frase que será proferida pelo "lado de lá" da linha. O arrebatamento e o desencanto serão as principais chaves deste texto, e o monólogo simplesmente prosaico e, ao mesmo tempo, genial. FICHA TÉCNICA: De: Jean Cocteau; Tradução: Alexandra
Moreira da Silva; Concepção e encenação: Carlos Pimenta; Música original: Dead Combo; Interpretação: Emília Silvestre; Co-produção: Ensemble - Sociedade de Actores, São Luiz Teatro Municipal/Temps d'Images; Classificação etária: M/12 anos A LOUCA
A história de uma Rainha portuguesa, condenada ao infortúnio e à loucura quando se desfaz de tudo o que amava, embarcando rumo ao Brasil, de onde nunca voltaria a regressar, é contada por Maria do Céu Guerra, no Teatro A Barraca, em Lisboa. Papel soberbo para uma actriz soberba, num texto de um autor brasileiro, António Cunha. Afinal foi no Brasil onde, por precaução, a família real portuguesa se refugiou, quando das Invasões de Napoleão. A bordo no navio seguia a antiga Rainha D. Maria I, juntamente com o filho, príncipe herdeiro e agora Rei de Portugal, D. João, e D. Carlota Joaquina, a esposa. E é durante essa viagem que a História nos é contada na primeira pessoa. D. Maria desabafa com a sua eterna e fiel aia, Joaninha, as várias tragédias que passou na vida, das afrontas que teve de enfrentar enquanto primeira mulher regente do Reino de Portugal, de todas as suas iniciativas pelas Ciências e Artes, do temor a Deus após a fúria de um terramoto que devastou Lisboa, a subida ao poder do Marquês de Pombal, do amor que deixou para trás, e que nunca deveria ter sido posto de parte. É, no entanto, irónico que após o desembarque no Rio de Janeiro, e apesar da sua devoção e fé, D. Maria comece a apresentar sintomas de pouca lucidez, de certeza relacionados com o seu desgosto por ter abandonado a sua terra, e por nunca se ter habituado a um país que não era o seu. Suicida-se a 20 de Março de 1816, atirando-se ao
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mar nas margens do Atlântico, decidida e convencida de poder voltar para Portugal a nado... FICHA TÉCNICA:Texto: António Cunha; Encenação: Maria do
Céu Guerra; Elenco: Maria do Céu Guerra, Adérito Lopes; Direcção Plástica, Cenografia e Figurinos: José Costa Reis "QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF?"
Texto célebre de Edward Albee, "Quem tem medo de Virginia Woolf?", estará em cena a partir de 24 de Novembro, com a interpretação de Maria João Luís, no Teatro Nacional D. Maria II. Peça violenta, reproduzida sem conta nos palcos mundiais e levada ao cinema por uma imensa Elizabeth Taylor, retrata-nos a vida de um casal, George e Martha, durante um único serão na sua casa. Entre as manifestações de violência e agressões mútuas, descobrimos como o Inferno poderá ser algo conjugal, extremamente íntimo, entre duas pessoas que simplesmente, já não se conseguem entender… Entre acusações e manifestações de algum desprezo ou exaspero, o casal acaba por revelar a
uma audiência improvável, outro casal mais jovem, mas que também possui os seus próprios demónios, o lado selvagem e inconstante da vida a dois, dos tormentos e desventuras, da loucura da monotonia diária, da mentira, reservando para o último momento a mais mórbida das situações, num jogo impensável para saber quem é o mais forte dos dois lados da barricada. Martha, por fim, acaba por ceder e, numa analogia à história do Capuchinho Vermelho, onde a realidade não é forjada mas sim brutal, de uma vida sem ilusões, acaba por admitir ter medo desse "lobo", dessa "veracidade das coisas". Um texto comovente e constrangedor, que explora os sentimentos de angústia e insatisfação, é o que Edward Albee pretendeu criar, atingindo sem dúvida os seus objectivos. FICHA TÉCNICA: De: Edward Albee; Tradução: Ana Luísa
Guimarães e Miguel Granja Encenação: Ana Luísa Guimarães; Cenografia: F. Ribeiro; Figurinos: Isabel Branco Desenho de luz: Nuno Meira; Música e sonoplastia: Filipe Raposo; Com: Maria João Luís, Romeu Costa, Sandra Faleiro e Virgílio Castelo; Produção: TNDM II
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Boavida|Cinema em Casa
Aventuras Em tempo de desventuras, nada melhor que suavizar mágoas e temores com um bom filme de aventura. Razão bastante para esta selecção de quatro agradáveis histórias que graças ao cinema ganham dimensão mais atractiva no plano familiar. De "Piratas das Caraíbas Por Estranhas Marés" à divertida história de uma arara muito especial em "Rio", o leque proposto completa-se com as animadas "As Viagens de Gulliver" e "Crónicas de Nárnia: A Viagem do Caminheiro da Alvorada". Sérgio Alves PIRATAS DAS CARAÍBAS
pequeno acidente e a caixa
de um diário de Nova York.
Cambridge, em casa do chato
POR ESTRANHAS MARÉS
onde Blu segue cai na estrada.
Com receio da mudança, ele
do seu primo Eustace,
O pirata mais famoso do
Linda encontra-a e cria-a com
nunca fez outra coisa no jor-
enquanto os mais velhos
Mundo, Jack Sparrow, volta a
muito amor. Quinze anos
nal até ao dia em que decide
Susan e Peter estão a viver
encontrar uma mulher do seu
depois Blu vai regressar a sua
declarar-se a Darcy, editora de
nos EUA com os pais.
passado, e ele
terra natal e aí tudo poderá
Viagens, mas em vez de o
Quando o quadro de um
não sabe se
acontecer …Com a organiza-
fazer propõe-lhe escrever uma
barco a navegar no Mar de
ainda gosta dela
ção de eventos desportivos
coluna nesta secção. Aceite a
Nárnia inunda o seu quarto,
ou se está a ser
planetários e uma confortável
proposta, Gulliver parte para
Lucy, Edmund e Eustace são
vítima de um
situação económica, o Brasil
o Triângulo das Bermudas
transportados para o Oceano
enganoso plano
volta a estar em alta e o cine-
onde, após naufragar, acaba
de Nárnia e salvos pelo
na busca da
ma reflecte essa onda positi-
na ilha de Liliput onde é um
príncipe Caspian. Será o iní-
fonte da juventude. Quando
va. Assinada por Carlos
gigante no meio
cio duma aventura
ela o obriga a embarcar no
Saldanha, "Rio" é mais uma
de uma popu-
inesquecível a bordo do
"Queen Anne's Revenge" do
aposta ganha no cinema de
lação minúscu-
Caminheiro da Alvorada
célebre Barba Negra, Jack vai
animação com a odisseia de
la em conflito
durante a qual irão encontrar
enfrentar mais uma aventura
uma arara azul de regresso ao
permanente.
Dragões, Anões e guerreiros
emocionante e cedo irá desco-
seu local de origem mas com
Inspirado na
temíveis até chegarem ao des-
brir o seu destino …
uma missão
obra homónima do grande
tino prometido.
Último capítulo das aventuras
difícil a
escritor irlandês Jonathan
Terceiro filme
dos Piratas das Caraíbas, este
cumprir: evi-
Swift (1667-1745), o filme
baseado na
grande sucesso do Verão pas-
tar a extinção
actualiza-a e constitui uma
obra de C.S.
sado tem em Johnny Depp e
da sua espé-
metáfora divertida sobre as
Lewis (1898-
Penélope Cruz os protago-
cie. Ritmo
relações humanas, com
1963), que teve
vivo, quali-
destaque para o seu intér-
nistas adequados.
a primeira
dade técnica irrepreensível e
prete, o consagrado Jack
adaptação ao cinema no final
Caribbean: On Stranger
banda sonora com samba e
Black.
dos anos no final dos anos 80,
Tides; REALIZAÇÃO: Rob
bossa nova, eis um filme
TÍTULO ORIGINAL:
Marshall; COM: Johnny Depp,
certo para um regresso à
Travels; REALIZAÇÃO: Rob
cionado para o público mais
Penelope Cruz, Geoffrey
"Cidade Maravilhosa".
Letterman; COM: Jack Black,
jovem, constituir uma óptima
Rush, Ian McShane; EUA,
TÍTULO ORIGINAL:
Emily Blunt, Jason Segel,
ocasião para juntar a família
136m, Cor, 2011; EDIÇÃO: Zon
REALIZADOR:
Amanda Peet; EUA, 85m, cor,
numa sessão caseira.
Lusomundo
VOZES:
2010; EDIÇÃO: Castello Lopes
TÍTULO ORIGINAL:
Multimedia
Chronicles of Narnia: The
TÍTULO ORIGINAL:
Pirates of the
Rio;
Carlos Saldanha;
Jesse Eisenberg,
Anne Hathaway,Wanda
Gulliver's
pode, apesar de estar direc-
The
RIO
Skykes, Rodrigo Santoro;
No Rio de Janeiro, uma arara
EUA, 96m, Cor, 2011; EDIÇÃO:
AS CRÓNICAS DE NÁRNIA:
REALIZAÇÃO:
azul, de nome Blu, é 'raptada'
Pris
A VIAGEM DO CAMINHEIRO
COM:
DA ALVORADA
Skandar Keynes, Bem
EUA. Ao passar por Moose
AS VIAGENS DE GULLIVER
Os nossos heróis estão de
Barnes, Will Poulter; EUA,
Lake, Minnesota, o veículo
Gulliver trabalha, há 10 anos,
volta para mais uma aventu-
113m, cor, 2010; EDIÇÃO:
que a transporta tem um
na secção de correspondência
ra: Lucy e Edmund estão em
Castello Lopes Multimédia
por traficantes de animais dos
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Voyage of the Dawn Trader; Michael Apted
Georgie Henley,
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Boavida|Grande Ecrã
Para além da moral e da ética Após o memorável "Boa noite, e boa sorte", ensaio de raro brilhantismo sobre a liberdade de informação, o actor e realizador George Clooney volta a brindar-nos com uma fábula sobre o lado obscuro da política e a sua relação perversa com os mass-media.
Joaquim Diabinho
endo uma reflexão sobre o carácter permissivo do sistema eleitoral norte-americano, "Nos Idos de Março" (tradução literal do inglês, cujo título nos remete para uma data do calendário romano que se tornou famosa por lembrar o assassinato de Júlio César, a 15 de Março, entendido como dia de bons augúrios) levanta a questão - moral, ética e política - que consiste em saber até que ponto está, de facto, um político disposto a ir (nas promessas, nas cedências, nos compromissos) na sua ambição para alcançar o poder. Baseado numa obra teatral de Beau Willimon (na realidade, colaborador na campanha à presidência do candidato Howard Dean, em 2004), o filme conta a história de um governador democrata que se lança em campanha -proclamando bem alto a sua honestidade e dignidade - às primárias presidenciais e do seu assessor de comunicação, um jovem idealista que vai confrontar-se com a intriga, o jogo baixo e a corrupção. Subtilmente, Clooney mostra estar ainda mais assertivo das relações reais no ter-
S
reno político ou não fosse ele também um militante empenhado do partido democrata, defensor de causas humanitárias e activista dos direitos cívicos. A ambiência de thriller que contamina a acção e dá azo a leituras bastante convencionais não prejudica em nada uma certa perspectiva ideológica mais desencantada (as expectativas com o Presidente Barack Obama?) e por vezes amarga: p.e., a alusão velada ao escândalo Lewinsky. Em suma: "Nos Idos de Março"constitui um depoimento assaz interessante e de grande acutilância que bem merece a atenção de um público vastíssimo. Brilhante e possuidor de bom gosto, George Clooney é, como se comprova, mais do que um profissional do entretenimento que sabe como gerar entusiasmo e, coisa já rara, fazê-lo com talento e coragem. n NOS IDOS DE MARÇO / THE IDES OF MARCH
de George Clooney (EUA, 2011 | 1h41) com Ryan Gosling, G. Clooney, Philip Seymour Hoffman, Marisa Tomei, etc. Estreia: 10 Novembro NOV 2011 |
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Boavida|Tempo Informático
Mobilidade em alta Ninguém tem dúvidas de que o caminho que vamos passar a percorrer na área do digital é a liberdade total de movimentos transportando connosco e para qualquer lado os nossos dispositivos
Gil Montalverne
ajuda@gil.com.pt
problema que até agora não estava resolvido diz respeito à fraca qualidade do áudio. Mas a nova coluna portátil e autónoma Bose SoundLink, com ligação Bluetooth, é a solução ideal para a reprodução de música a partir de dispositivos portáteis, desde portáteis, netbooks, tablets e smartphones. Esta ligação sem fios permite ouvir música em qualquer lugar com um pequeno dispositivo compacto de 5 cm de espessura e o mesmo tamanho de um livro de bolso. A capa protectora desdobra-se e tem dupla função como suporte que mantém o SoundLink em pé, numa posição de utilização ideal. O sistema de áudio liga e desliga, abrindo e fechando a capa. Som perfeito, de quatro altifalantes equipados com ímanes de neodímio para reprodução de frequências médias e agudas, com radiadores passivos em posições opostas para uma boa reprodução dos sons graves.
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QUANDO se usam os modernos tablets por muito tempo num sofá, 70
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na cama ou noutro lugar, o trabalho pode tornar-se desconfortável. O Targus Lap Lounge quase substitui uma secretária, oferecendo uma plataforma confortável para instalar o gadget. Moldando-se ao colo para total estabilidade na utilização do tablet, pode ser ajustado ao ângulo pretendido permitindo uma visualização em modo retrato ou landscape. Uma bolsa no interior permite arrumar acessórios como auscultadores, caneta e outros dispositivos. A propósito a Targus resolveu também criar um acessório para melhorar a utilização dos tablets : uma caneta Stylus para iPad 2 que permite escrever, desenhar e virar páginas com o máximo conforto e exactidão. A ponta de borracha disponibiliza uma escrita segura pois não risca nem mancha o ecrã. Sabemos como a utilização dos dedos se torna inconveniente, sujando o ecrã ou sendo cansativa para as articulações. Com esta caneta há maior comodidade e limpeza (PVP: 12,99 E). MAS FALAR de mobilidade é também conduzir na estrada com comodidade e segurança. Há muito que apareceram os GPS. Agora basta um receptor da Hama que funciona por USB, trabalhando em tempo real através da ligação a qualquer notebook, netbook ou computador do automóvel. Os serviços na Net, como o Google Maps ou o Bing Maps, são úteis mas não garantem navegação em tempo real. Este pequeno receptor de GPS avalia até 20 satélites em simultâneo, desbloqueando o potencial desse software e fornecendo-nos um completo sistema de navegação. A Hama garante que é compatível com a vasta maioria dos programas existentes e a ligação por USB permite que se ligue a qualquer computador portátil actualmente no mercado (Windows 2000/XP/Vista/W 7). Coloca-se no tablier do automóvel graças à sua base magnética com revestimento antiderrapante. Um indicador LED notifica para o estado do GPS. n
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Boavida|Ao volante
Novo Suzuki Swift Bi-Tone A Cimpomóvel acaba de lançar no mercado nacional o novo Suzuki Swift Bi-Tone, traduzido numa Edição Especial que se destina a reforçar a imagem do modelo mais popular do construtor japonês em Portugal.
Carlos Blanco
sta série especial caracteriza-se pela apresentação de uma pintura em dois tons, que confere ao Suzuki Swift uma imagem mais irreverente, desportiva e na moda, resultando num 'look' simultaneamente 'retro' e moderno", refere Ana Guerreiro, responsável de Vendas e Marketing da Cimpomóvel Veículos Ligeiros SA. Em suma, o novo Suzuki Swift Bi-Tone apresenta-se com uma secção superior pintada numa de três cores (Branco Cool, Preto Cosmic ou Vermelho Ablaze), abrangendo o tejadilho, o topo das portas, o 'spoiler' tra-
“
E
seiro e os retrovisores exteriores. Esta área diferenciadora é passível de ser conjugada com a palete de dez cores disponível para o modelo, consoante a preferência do cliente. A série especial Swift Bi-Tone apresenta-se ao cliente como sendo um opcional, tendo um PVP de 450 euros (valor recomendado; IVA 23% incluído), sendo a sua aplicação transversal a toda a gama Swift, independentemente da carroçaria (de 3 ou 5 portas) ou da mecânica (1.2 VVT a gasolina ou o recentemente introduzido motor 1.3 DDiS). Este opcional integra-se, também, com qualquer dos níveis de equipamento do modelo Swift. Preços desde 12.170 euros. n NOV 2011 |
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Boavida|Saúde
Tem dificuldade em me ouvir? Uma pergunta tão simples como esta pode ser o suficiente para detectar uma perda de audição num idoso, poupar tempo e outros custos ao doente e abreviar o caminho para a solução do problema.
M. Augusta Drago
medicofamília@clix.pt
m estudos realizados recentemente, nos EUA, verificou-se que "a diminuição bilateral da audição afecta um em cada três adultos com mais de 65 anos. É a terceira doença crónica mais frequente, atrás da artrose e da hipertensão arterial". A perda de audição relacionada com o envelhecimento resulta de alterações permanentes no ouvido interno e no nervo auditivo, as quais não são susceptíveis de tratamento médico ou cirúrgico. Nestes casos, a perda auditiva é definitiva e não afecta unicamente a capacidade de ouvir, mas também a percepção de sons específicos que dão sentido às conversas. A perda de audição é sempre vivida com muita angústia e, frequentemente, dissimulada pelo idoso. Quando ainda detentor das suas capacidades cognitivas, o idoso, arranja subterfúgios para disfarçar as conversas que não percebe. Ele sabe que a perda da acuidade dos sentidos é um sinal inexorável de envelhecimento e sente a conotação negativa dessa condição. Quando o idoso já não consegue disfarçar a surdez, agudizam-se os problemas latentes - como a tendência para o isolamento e para a depressão. O idoso isola-se, evita interagir socialmente com a família, com os colegas de
E
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trabalho e com os amigos. Dada a dificuldade de comunicação, enfrenta frequentemente a impaciência e a gritaria das pessoas que o rodeiam e o resultado deste conflito, que evolui em espiral, leva ao afastamento, à solidão e a uma enorme frustração. É urgente e muito fácil detectar a perda de audição num idoso. A família pode colaborar e estar atenta para determinados sinais: - Queixar-se de que falam entre dentes ou não perceber as pessoas quando não lhes vê o rosto. - Ter dificuldade em ouvir no cinema, no teatro ou, em casa, pedir para pôr o som da rádio ou da TV mais alto. - Ficar impaciente, irritável ou ausente em ambientes ruidosos, festas ou reuniões familiares. Se forem detectados estes sinais, o idoso deve consultar o seu médico assistente e, se este entender, fazer um exame à audição. Depois dos 50 anos, é aconselhável avaliar a audição de dois em dois anos. O audiologista, o técnico que fizer a avaliação auditiva, tem competência para ajudar a encontrar uma prótese auditiva que se adapte bem às particularidades de cada doente. Existem hoje aparelhos cada vez mais sofisticados que podem fazer a grande diferença na qualidade de vida dos mais idosos. n
ANDRÉ LETRIA
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Boavida|Palavras da Lei
Uso indevido de pensão de alimentos a menor ?
Fiz a regulação por acordo das responsabilidades parentais com a companheira do meu filho, onde se
fixou o pagamento da pensão de alimentos. Desde há dois meses, a minha companheira não tem usado o dinheiro que lhe deixo na conta para as necessidades do meu filho, usandoo para o inscrever em escolas que o meu filho não chegou sequer a apresentar os documentos de inscrição, e usando-o noutros gastos que não aqueles para a vida do meu filho. Pedilhe que me desse as justificações dos gastos, ao que ela se tem recusado a dar-mos. Que posso fazer? Sócio devidamente identificado – Lisboa
Pedro Baptista-Bastos
endo havido a fixação de pagamento de pensão de alimentos a filho menor, o progenitor que tem a guarda do menor é obrigada a usar as quantias que sejam pagas a esse título unicamente para a satisfação das necessidades e vida do filho. O modelo de exercício de poder paternal estabelecido entre nós pres-
T
supõe o exercício conjunto do poder paternal, isto é, em tudo o que diga respeito às decisões da vida dos filhos que abranjam, por exemplo, uma inscrição numa nova escola, não pode um dos progenitores efectuar seja que acto for, sem consultar previamente e ouvir a opinião do outro, sob pena de violar esse mesmo exercício conjunto do poder paternal, com repercussões danosas na vida do pai/mãe e, fundamentalmente, na vida do filho. Embora não esteja expressamente discriminado na lei, o modo de prestação de alimentos, como obrigação jurídica que é, pressupõe a obrigação de informação de como se gastou essa mesma prestação de alimentos, nos termos do artigo 573º do C. Civil, do progenitor que a recebe ao progenitor que a prestou, tendo o primeiro que apresentar facturas, recibos, etc., de tudo o que tenha gasto a favor do filho. Por outro lado, se quem paga a prestação de alimentos sabe e consegue provar que a mesma tem sido gasta sem ser em benefício do filho, deve requerer ao Tribunal de Família e Menores da sua área - ao caso, o Tribunal de Família e Menores de Lisboa - o incidente de incumprimento do poder paternal, nos termos do artigo 181º da Organização Tutelar de Menores, alegando o uso indevido das quantias pagas como alimentos a filho menor e não prestação de informações sobre as mesmas. O Tribunal pode efectuar vários actos, podendo mesmo alterar significativamente a prestação de alimentos, para que o seu filho menor fique salvaguardado. Este género de processos é rápido, tendo a mãe cinco dias para rebater o que apresentar ao Tribunal e, depois disso, marcar-se-á conferência de pais para que os mesmos se pronunciem sobre o que apresentaram e provaram. n NOV 2011 |
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ClubeTempoLivre > Passatempos 1
Palavras Cruzadas | por José Lattas HORIZONTAIS: 1-Carnaval; Batera. 2-Devanear; Benzera;
Víscera dupla. 3-Aspirar; Alindada. 4-Alento; Livro litúrgico, para a celebração da missa (pl.); Redução popular de senhor. 5Aconteces; Alívio; Estrôncio (s.q.). 6-Cinzas; Contudo; Pronome pessoal. 7-Acumulam; Couros. 8-Comilão; Acabamentos; Descoberta. 9-Coibira; Criminoso. 10-Metal precioso: Antecessores. 11-Mais; Igualdade em farmácia; Álea; Prefixo que se emprega em vez de in; Antiga nota musical. 12Elemento grego, com ideia de Terra ou solo; Aliciação; Governanta. 13-Adjectivo demonstrativo (fem); Cola; Mentiras.
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Coerências; Debaixo de; Redução de Leste. 3-Acarreta; Lugar onde se costuma estar; Artigo (pl.). 4-Preposição; Rio de Portugal. 5-Aplicam; Consolidaras. 6- Rei dos Persas; Único; Antiga cidade da Caldeia. 7-Estão em "voga"; Tio americano; Adversa; Abrigo. 8- Volubilidade; Eles. 9-Aqui; Lamentos; Basta!; Artigo (abrev.). 10-Lavrais; Transgride; Articulação. 11Abalas; Vulcão junto a Nápoles. 12-Alistamento; Soada. 13Arredores; Carta de jogar, com seis pintas; Contracção de preposição e artigo. 14-Alegrias; Expresso para Paris; Certa. 15Acorrenta; Artéria que nasce no ventrículo esquerdo, do coração (pl.).
11 12 13 SOLUÇÕES (horizontais): 1-ENTRUDO; CASCARA. 2-LER; SAGRARA; RIM. 3EXALAR; E; AIROSA. 4-VOZ; MISSAIS; SOR. 5-ÉS; C; OÁSIS; R; SR. 6-S; PÓS; MAS; VOS; A. 7-SOMAM; O; PELES. 8-BOI; REMATES; NUA. 9-OBSTARA; ACUSADO. 10-C; OURO; E; AVÓS; R. 11-AL; AA; ALA; IM; UT. 12-GEO; SUBORNO; AMA. 13-ESSA; RASTO; LOAS.
VERTICAIS: 1-Alces; Grande poeta, natural de Setúbal. 2-
Ginástica mental| por Jorge Barata dos Santos
N.º 31 Preencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado
N.º 31
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SOLUÇÕES
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ClubeTempoLivre > Novos livros
ÂNCORA EDITORA
em latim e foi absolvida,
Meticulosamente e na trilha
Ourense, Ravenna, Birgu e
tornando-se a primeira
das pistas Gabriel descobre
Sliven.
PANGEIA,
mulher monarca a governar
segredos mortais ligados à
Através de vivências e ritmos
Sala do Exame Privado e a
em nome próprio. Presidiu
pintura.
do quotidiano revela-se, na
Tacanhez de um Tempo!
durante mais de três
Jaime Alberto do Couto
décadas a uma das cortes
Ferreira Num ambiente dominado
mais prestigiadas e
senda de Michel Giacometti, uma esperança no reviver
BOOKSMILE
das tradições.
influentes, até ser
pela
assassinada. Um retrato
SCOTT PILGRIM: AGORA É A
O FALAR DE MARVÃO
linguagem
cativante da realeza na
SÉRIO
Pronúncia, Vocabulário,
coimbrã, a
época medieval.
Bryan Lee O'Malley Entre ridículas tentativas
Alcunhas, Ditados e
locais,
A SOMBRA DO TEU
para encontrar um emprego,
costumes e
SORRISO
Scott Pilgrim terá de
Teresa Simão Uma bibliografia sobre aos
descrição de
Provérbios Populares
estudos dialectológicos no
enfrentar
Coimbra são descortinadas
Mary Higgins Clark Em idade avançada,
problemas
distrito de
pelas ligações com a Igreja.
Olívia, débil e em idade
com várias
Portalegre
Uma obra de ficção e uma
avançada, guarda um
raparigas e
caracteriza os
episódios da Universidade de
interessante reflexão sobre
segredo de
com os ex-
principais
os diferentes conceitos de
família há
namorados
aspectos
tempo.
muito
maléficos de
fonético-
escondido,
Romana. Uma BD divertida
fonológicos, morfo-
D. AFONSO HENRIQUES:
sobre a sua
para maiores de 13 anos.
sintácticos e lexicais do
900 ANOS (1111-2011)
prima
concelho de Marvão.
Barroso da Fonte No âmbito dos 900 anos do
Catherine, a freira que vai ser
O DIÁRIO DE UM BANANA...
beatificada e que aos 12
E O FILME
nascimento de D. Afonso
anos deu à luz um rapaz que
Jeff Kinney
Henriques, a obra defende
EDITORA OBJECTIVA
entregou para adopção. A
Repleto de
SABER USAR A NOVA
Guimarães
imensa fortuna de Catherine
imagens e
ORTOGRAFIA
como berço
é cobiçada por familiares
com páginas
Edite Estrela, Mª Almira
do rei,
próximos, mas a herdeira
de diálogos
refutando
legítima é uma pediatra que
para
Soares e Mª José Leitão Um guia fundamental sobre
correntes e
desconhece os laços com a
preencher é
a nova ortografia que explica
teses que
avó. Poderá Olívia revelar o
uma excelente sugestão para
de forma clara e através de
atribuem nova naturalidade
segredo sem pôr em risco a
estimular a criatividade dos
exercícios de aplicação as
ao monarca.
sua vida?
adolescentes.
inúmeras alterações e regras
BERTRAND EDITORA
O CASO REMBRANDT
COLIBRI
A RAINHA DAS DUAS
Daniel Silva Um excêntrico comerciante
ORALIDADES AO
SICÍLIAS
de arte de Londres tem um
ENCONTRO DE GIACOMETTI
Nancy Goldstone A biografia de Joana I, rainha
problema que só Gabriel pode resolver.
Rui Arimateia (coord.) Uma partilha de saberes que
Em
une, numa viagem entre
ortográficas que irão ser
de Nápoles, que em 1348
76
TempoLivre
com 22 anos
Glastonbury
culturas, as
foi acusada
um restaurador
cidades de
de homicídio
de arte foi
Évora,
do primo e
brutalmente
Mértola,
marido.
assassinada e um quadro
Idanha-a-
Defendeu-se
misteriosamente roubado.
Nova,
| NOV 2011
76e77_NL:sumario 154_novo.qxd 24-10-2011 15:55 Page 77
adoptadas por todos os
partilhados,
com uma
uma
organismos públicos em
tomam
criança de
importante
2012.
consciência
onze anos que
figura que
da dureza da
seguia no
deslumbrou
vida. Um
banco traseiro
Portugal e a
EDITORIAL PRESENÇA
romance intenso e
LIBERDADE Textos de vários autores, entre eles,
colorido que dá a conhecer a
Conseguirá Caffery encontrar
cultura iraniana.
a criança e evitar que o
séculos XVIII e XIX.
PERGAMINHO
assaltante volte à acção?
Yann Martel, Henning
Europa nos
e que continua desaparecida.
EUROPA AMÉRICA
SONHAR COM… O VERDADEIRO PODER DO
Mankell ou Paulo Coelho,
MERRICK
relatam
Anne Rice
VATICANO
Lauri Quinn Loewenberg Através dos sonhos a mente
Um romance
Jean-Michel Meurice Uma história secreta sobre o
oferece, em código, conselhos e
histórias inspirados na Declaração Universal dos
hipnótico que
Vaticano e a sua relação com
dilemas da vida.
Direitos Humanos que nos
vai juntar
o mundo. O
Aprenda a inter-
levam aos quatro cantos do
vampiros e
autor analisa
pretar os so-
mundo. Um livro que
bruxas para
a diplomacia
nhos através de
criar um
daquele
um guia que
assinala o meio século da Amnistia Internacional.
orientações para superar os
ambiente verdadeiramente
Estado e
arrepiante, onde dois
procura
cado de símbolos e imagens
responder a
mais recorrentes em sonhos.
revela o signifi-
O CANTO DO ANJO
seculares poderes ocultos se
História de um Castrato
juntam numa dança de
questões, entre outras, como
Richard Harvell Após falecimento do soprano
sedução, morte e
é que Pio XI e Pio XII
ARTE DO INCONFORMISMO
renascimento.
encaravam Hitler e Mussolini, com quem
Chris Guillebeau O livro oferece as ferramentas necessárias para alcançar
Lo Svizzero os documentos
EU SOU UMA CRIATURA
estabeleceram acordos? E
encontrados
EMOCIONAL
qual o papel de João Paulo II
uma satisfação
no seu espólio
A vida secreta de raparigas
na queda do Muro de
pessoal e
revelam a sua
por todo o mundo
Berlim?
profissional.
vida
Eve Ensler Um livro atrevido da autora
COMO CONSTRUIR MUROS
atribulada. Factos como a
Permite descobrir como
infância nos Alpes suíços ou
d'Os
DE PEDRA
a participação na ópera de
Monólogos da
No Jardim, Na Horta e na
as suas regras, através de
Viena em 1762 são
Vagina que
Quinta
formas criativas para viver
marcantes na vida do
aposta em
com espírito de aventura.
soprano, este último
histórias
John Vivian Explicações detalhadas
inspiradas em
sobre a melhor forma de
PAULUS EDITORA
coincidente com o clímax do enredo ficcional.
raparigas de todo o mundo
construir um muro de pedra
viver segundo
como incentivo ao sonho e
e como resolver problemas
A FAMÍLIA QUE REZA NO
TERRAÇOS DE TEERÃO
ao fim da violência contra as
relacionados com
DIA-A-DIA
Mahbod Seraji Em pleno regime de Xá Reza
mulheres.
inclinações, drenagem e
Um livro que
entulhos.
pretende
Pahlevi, em Teerão, dois
PERDIDA
adolescentes passam parte
OFICINA DO LIVRO
do verão a deambular pelos
Mo Hayder Mais um caso para o
terraços das casas da
inspector Jack Caffery
MARQUESA DE ALORNA
vizinhança e, entre
desvendar, pois uma vítima
confidências e sonhos
de car-jacking perde o carro
Maria João Lopo de Carvalho Um romance histórico sobre
promover a oração comunitária e entre os membros da família. Glória Lambelho NOV 2011 |
TempoLivre 77
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ClubeTempoLivre > Cartaz
José Souto
Buarque, no Auditório do
de Coimbra na Capela de
Conservatório de Música de
São Pedro em Arganil e Dixie
Coimbra; dia 12 às 21h30 -
Gringos - Jazz Band em Vila
Dixie Gringos - Jazz Band em
Nova de Cernache; dia 30 às
Miranda do Corvo e Canticus
21h30 - Recital de Harpa na
Camerae em Castanhede;
Biblioteca Joanina em
dia 17 às 21h30 - "Cordas da
Coimbra.
Orquestra Sinfónica do Porto" no Auditório do
VISEU
Conservatório de Música de
BRAGA
Coimbra; dia 18 às 21h30 -
S. Martinho: dia 11 às 10h -
Canticus Camerae no
Festa de São Martinho (inclui
Auditório Municipal César de
missa, almoço e animação)
Inglesa na Agência
Oliveira, em Oliveira do
no CCD de São Martinho de
Inatel.
Hospital; dia 24 às 21h30 -
Orgens em Viseu; dia 12 às
"Recital de Piano" Auditório
15h - Magusto e convívio de
do Conservatório de Música
São Martinho no CCD de
de Coimbra; dia 26 às 21h30
Tondelinha em Viseu; dia 13
Cursos: Pintura, Danças de Salão,
COIMBRA
Educação Musical, Piano, Viola, Violino, Bordados
Música:
- Cordis & Nuno Silva na
às 15h - Convívio, Magusto e
Regionais e Confecção,
dia 10 às 21h - "20fingers",
Biblioteca Joanina em
encontro de Tunas em S.
Informática e língua
concerto de Mozart a Chico
Coimbra, Choral Poliphónico
Martinho de Pindo.
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O Tempo e as palavras M a r i a A l i c e Vi l a Fa b i ã o
Quando a cortesia é ofensiva escrevo barco e uma quilha fende o vastíssimo mar / e as árvores crescem dos espaços enevoados / entre olhar e olhar movem-se / animais presos à terra com suas plumagens de ferro / e de orvalho de ouro quando a lua se eclipsa / comunicando-lhes o cio e a nómada alegria de viver // Al Berto, O pequeno demiurgo, in: Alguns Poemas da Rua do Forte, in: O Medo, Lisboa, 3ª edição
N
a imensidão do mar, um barco. Na infimidade do barco um homem. Só. À sua volta, apenas o coro dissonante das vagas e dos ventos. Dentro de si, apenas o silêncio. Mas o silêncio dentro do homem é um espaço imenso, redondo, prenhe, afinal, das palavras de que procura ausência: rating, euribor, austeridade, dívida, sacrifício… Nada sabe de semânticas. De sacrifícios, sabe. Todas as restantes palavras têm, actualmente, para o homem um significado único, mas plural: mãos vazias de trabalho, a mesa vazia do essencial para uma subsistência mesmo sem adjectivos, e que ele procura hoje, arriscando um resto de vida na infimidade de um barco jogado nas ondas de um mar levantado, de um mar bixigueiro – que só esse dá peixe para pôr na mesa, segundo me diz quem me aponta o barco na distância. Olho e recordo. Num recanto da memória é de novo tempo de riso e de abundância. Frente a frente, ele, jovem e bem-falante prestador de serviços, e nós, um pouco menos jovens, clientes uma-só-vez, em viagem pelo Norte. As primeiras palavras trocadas estabelecem de imediato a fronteira entre o mundo sociocultural do nosso interlocutor e o nosso. (A existência de uma sociedade implica a existência de uma língua, que, por sua vez, nos seus diversos aspectos, reflecte as estruturas da sociedade que a fala. Além disso, não é possível comunicação linguística sem interlocutores, que utilizam mútuas formas de tratamento que, entre outras funções, têm a seu cargo denotar a qualidade da relação existente entre o falante e o destinatário do discurso, relação a que os sociolinguistas R. Brown e A. Gilman chamariam uma relação de poder ou solidariedade. A notória complexidade do sistema de formas de tratamento em português reflectiria, por conseguinte, a forte hierarquização da sociedade portuguesa (segundo Lindley Cintra), e das "estruturas sociais arcaicas, de um sistema de relações humanas desactualizado e anacrónico na segunda metade do século XX", segundo Peter Fryer e Patrícia
McGowan Pinheiro, que, em 1961, se lamentam: "[…] em Portugal, uma pessoa está sujeita a ser interpelada de quatro, ou mesmo de cinco modos diferentes, e a cada um desses modos está associado um grau diverso de intimidade ou de respeito […]". Às formas de intimidade, logo, de igual para igual, corresponderia, modernamente, o tratamento pronominal tu e a correspondente forma verbal na segunda pessoa do singular; nas formas de tratamento de igual para igual (ou superior para inferior), sem intimidade, usar-se-ia o você pré-telenovela brasileira, com a forma verbal na terceira pessoa do singular, usada igualmente para acompanhar as formas de reverência ou de cortesia, o tratamento nominal, em que os pronomes são substituídos por nomes: o senhor Dr., a D. Maria, V. Ex.ª, o senhor/a, etc. ) Nenhuma intimidade nos liga ao nosso interlocutor, o que exclui o tuteamento. Educados no princípio de que tratar as pessoas por você é de mau gosto e de má educação, o meu marido usa, naturalmente, a forma de cortesia: - O senhor pode…? O sorriso que acompanha a falta de reciprocidade do (neste caso) devido tratamento de cortesia retira qualquer intencionalidade ideológica à resposta que, julgávamos, apenas revela ignorância das normas linguísticas. - Você pode deixar que eu trato. Tem por vezes a força de uma pedra, a palavra mal usada. Não foi, porém, aquele abominado você o que me fez dar neste texto um lugar, certamente desconfortável, ao nosso interlocutor de então. A estória completa-se: quando, mais tarde, o meu marido o interpela novamente com um cortês - Então o senhor já…?, obtém como resposta um quase desabrido: - Qual senhor? O nosso distanciante tratamento de cortesia era-lhe, afinal, tão penoso como o seu amigável você nos era a nós. Sobre o mar, só o coro dissonante das águas e dos ventos. O barco? Terei de escrevê-lo, para que exista. n NOV 2011 |
TempoLivre 79
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Os contos do
A foto da semana
N
unca alguém ouviu da boca do estimável repórter fotográfico Porfírio Braz a confissão da mágoa que o roía por dentro. A sua competência profissional era por todos reconhecida e, amiúde, recebia elogios e felicitações por foto da sua autoria que ilustravam as páginas da revista "Em Cima". E, no entanto, Porfírio vergava-se, semana após semana, a uma nova desilusão. Em três anos gastos ao serviço diligente da revista, nem uma vez vira um trabalho seu ser escolhido para a secção "A Foto da Semana". Ou elegiam imagens que chegavam de terras distantes, sobretudo de desgraças, como inundações, sismos, choques de comboios, náufragos, pancadaria nas ruas, ou a distinção contemplava o outro fotógrafo da casa, Artur Galante. Não faltava a Porfírio a honestidade suficiente para reconhecer os méritos do colega, astuto descobridor de situações insólitas, hábil na pesquisa de personagens invulgares, mão segura na nitidez e nos enquadramentos. Todavia, não escasseavam a Porfírio admiráveis fotografias de emoções, risos e dramas estampados em rostos que são vida na vida da cidade. Faltava-lhe, talvez, o encontro com o momento. É questão de sorte e Artur Galante parecia bafejado pela fortuna por se encontrar no sítio certo à hora certa. Foi assim que no seu primeiro dia de trabalho na "Em Cima" sacou "A Foto da Semana" com a imagem de um assalto por esticão - dois gatunecos de motoreta arrancando a mala do ombro de uma senhora gorda e ela em desequilíbrio. A partir daí, considera Porfírio, as fotografias do colega ganharam preferência. Bem se esforçava por encontrar, no grande palco da cidade, gente e situações à margem da banalidade. Andou por tascas fotografando castiços emborcando copo de três; captou imagens de velhos muito velhos acomodados na soleira das portas gozando o espectáculo dos transeuntes; voltou-se para o rio e surpreendeu pescadores no instante alegre em que o peixe vivo dançava aflições no 80
TempoLivre
| NOV 2011
anzol; num dia de temporal, com a chuva a cântaros e ventania brava, apresentou ao editor um baralho de fotos eloquentes, em que não faltaram guarda-chuvas virados e mulheres desprevenidas de agasalho a quem os vestidos encharcados se colavam ao corpo revelando as formas. A atenção que o editor, Dino Gualter, prestou a essas fotos acendeu uma luz no cérebro de Porfírio. Ele, o editor, pelava - se por figuras femininas, sobretudo as que juntavam beleza e provocação. Ainda na mais recente edição "Em Cima", Artur Galante ganhara o destaque com a foto de uma jovem turista de ínfimos calções, tendo em segundo, mas próximo plano, o anúncio em que outra mocetona propagandeava langeri. Em foto bem apanhada, as duas graciosas quase se confundiam sugerindo a turista em roupas íntimas e a publicitária saindo do cartaz em calções e sandálias. Numa outra e recente ocasião, Artur Galante palmara "A Foto da Semana" com o redondo rabo de uma mulher dobrada a apanhar alguma coisa do chão. A foto resumia-se a um aparatoso traseiro e á parede fronteira em que alguém escrevera em letras grandes e vermelhas: NÃO PRECISAMOS DE FUNDOS ESTRANGEIROS ABAIXO O FMI. Convicto das preferências do editor Porfírio desatou a fotografar beldades que se circulavam por ruas e avenidas, avançando para casalinhos abraçados e depositou esperanças maiores na foto de um par enganchado de boca na boca na escadaria da Sé. Mas não seduziu o editor. A grande ideia surgiu-lhe quando passou sobre um respiradouro do metro e sentiu a torrente de ar que vinha de baixo. É verdade que seria meio plágio da celebérrima cena de Marilyn Monroe, o vestido subiu-lhe pelo vento quase a desnudando. Mas poderia ser ali uma boa versão portuguesa e ficou, horas e horas, à espera de que uma belezona de saia ampla cometesse a imprudência de passar sobre a grade ventosa. Difícil. Várias e apreciáveis deram o passo mas sempre as de jeans e saias travadas. Não desistiu. ANDRÉ LETRIA
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Notou a aproximação da mulher perfeita, elegantíssima de vestido azul e largo na saia. Quase rezou para que ela seguisse no caminho conveniente e fixou a máquina no ponto exacto. Realmente aconteceu. O vento sacudiu a saia até à cintura da grácil transeunte revelando o esplendor de um cinta-ligas. No momento exacto carregou no botão e apressou-se a confirmar no visor. Então sentiu o regozijo do triunfo. Uma hora depois passara a imagem ao papel e foi colocá-la na frente do editor. - Aqui tem, disse. - Não duvido de que é "A Foto da Semana". Dino Gualter segurou a foto e ficou a olha-la um silencioso e demorado tempo. "Ficou extasiado", discorreu Porfírio. Até que o editor assentou vigoroso murro no tampo da secretária e berrou: - Mas o que é isto?! Uma provocação? Você atreveu-se a fotografar nesta figura a minha noiva, com quem vou casar daqui a um mês? O que eu devia fazer era despedi-lo já! Fulminado, sem palavras, Porfírio ia retirar a foto quando a sala da redacção se animou com a entrada de uma visitante. No rosto do editor desenhou-se um súbito sorriso enquanto se levantava da cadeira.
- Já, Anita? - interrogou. - Pensei que vinhas mais tarde. Foi então que o esmagado Porfírio olhou e viu a mulher do vestido azul que acabara de fotografar, na ilusão do êxito pleno. Ela aproximou-se do noivo, viu a foto, tomoua nas mãos, observou-a com o olhar espantado, murmurou: - Sou eu? Porfírio encolheu-se na expectativa de nova explosão de raiva, mais ainda quando a ouviu perguntar: - Quem foi? O editor limitou-se a apontar Porfírio com o dedo e ele desejou ter palavras para pedir desculpa, não podia imaginar de quem se tratava. Mas não conseguiu falar. Foi ela quem disse: - Parabéns! É a melhor foto que algum vez me fizeram, apanhou o meu melhor ângulo! - De imediato se virou para o noivo editor e dirigiu-lhe a pergunta que soou como ordem: - Vai ser a"A Foto da Semana", não vai, Dino? Dino retorceu-se passou as mãos pela cabeça, tirou e recolocou os óculos, por fim disse: - Evidentemente. n NOV 2011 |
TempoLivre 81
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Crónica
A l i c e Vi e i r a
O Corvo - em jeito de telegrama e não mais
V
enho ao Corvo em trabalho e aterro na ilha a saber só o que toda a gente sabe: é a mais pequena dos Açores. O Presidente da Câmara explica que não vou ficar na Residencial porque em Outubro está cheia, "e até 2015 está tudo reservado". O Corvo é o paraíso dos ornitólogos. Em Outubro eles vêm de todo o do mundo, para filmar as aves em trânsito, captarlhes o canto, tentar perceber as rotas que as trouxeram aqui. Largo a bagagem e dizem-me que é melhor ir já ver a cratera do vulcão, "porque a gente aqui não se pode fiar no tempo e, se houver nuvens, não se vê nada." Minutos depois, no alto da estrada, abre-se a nossos pés a cratera do antigo vulcão, um manto de turfa a rodeá-la, de um verde que faz doer os olhos. Dizem-me que estas turfeiras são as menos conhecidas da Europa, e eu acredito. Quem se arrisca a vir a este fim do mundo e, por precipícios e rochas negras de basalto, chegar até aqui? E há que contar com os imprevistos: às vezes os ventos do sul produzem nevoeiros cerrados, a cratera fica escondida e é difícil encontrar o caminho de volta. Felizmente que as poucas nuvens desta tarde permitem que pelos meus olhos entre este panorama esplendoroso. Barulho - apenas o do mar e do vento; presenças - apenas a das vacas. Olho lá para baixo: há duas lagoas na cratera e algumas minúsculas ilhas pelo meio delas. Diz a tradição que a configuração dessas ilhotas é a representação de todas as ilhas do arquipélago. A tradição lá sabe, embora à primeira vista me pareça um tanto exagerado. Regresso à vila. A única do Corvo. Não quero incomodar ninguém, por isso peço um táxi que, no dia seguinte, me leve a dar uma volta pela ilha. Sorriem, um sorriso igual a todos os que me dão à medida que vou fazendo perguntas para as quais a resposta é sempre a mesma: "não há." 82
TempoLivre
| NOV 2011
Táxis? Não há, nem qualquer transporte público. Jornais? Não há. Uma tabacaria? Não há. Uma loja qualquer? Não há. Mercado? Não há. Adormeço na angústia de ficar uma semana num local onde não há nada do que me faz falta. Mas curiosa de ver como existe ainda, à face da terra, uma sociedade onde o consumismo não entrou. Os dias seguintes se encarregam de me dar novas lições: de que se aprende rapidamente a relativizar, e que passamos muito bem sem aquilo que julgávamos indispensável; e de que estranhos são os caminhos do consumismo. A frase recorrente por aqui é "manda - se vir". Das Flores, pela lancha. Ou pela net. Ou por catálogo. Aqui nada falta - e a dependência da electricidade é total. Todas as casas têm televisão, net, arca frigorífica, e o mais que o progresso inventar. Tudo se vende, tudo se compra. Dizem-me logo que a Teresinha vende Bimby's - mesmo antes de eu saber quem é a Teresinha. Se uma família tem uma qualquer maquineta sofisticada - todas as outras compram igual. O médico da vila, com um olhar crítico, afirma que o Corvo já não é nada do que era há vinte anos. A vida comunitária acabou, os velhos já não se reúnem no Outeiro a resolver os problemas da terra, a televisão domina a vida das pessoas. Pergunto se não seria possível - nesta terra onde não há cinema, teatro, grupo de futebol, onde à tarde os jovens se limitam a beber cerveja no café dos bombeiros - organizar um grupo de leitura (aqui não há analfabetos, e existe uma biblioteca da Gulbenkian), ou de contadores de histórias. Que não: ninguém largaria a telenovela. Mas vamos esquecer tudo isto: no Corvo não há pobres, ninguém pede esmola, ninguém passa fome, todos têm um bocado de terra, uma vaca, um porco, e todo o peixe que o mar dá. Os cerca de 400 habitantes do Corvo têm, em abundância, o que falta a toda a gente: tempo. No Corvo - como me dizem por graça - "a gente levanta-se às 9 e 5, para entrar no trabalho às 9"… Percorro a ilha a pé todos os dias. Encho-me desta solidão e deste silêncio, dos fetos, do zimbro, dos juncos, do verde do mar e do negro das rochas, e sinto que o que a ilha nos dá é fazer-nos sentir que o fundamental é olharmos para dentro de nós, e que olhar para fora é aqui perfeitamente acessório. Como me dizia o bispo D. Manuel Martins, tentando justificar a pouca afluência nas missas no Corvo, " as pessoas estão tão dentro desta imensidão, desta lonjura, deste silêncio - para quê irem à Igreja procurar Deus formatado?" Realmente, para quê. n
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