Sementes de Esperança Março de 2018

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Sementes de

Março 2018

Esperança Folha de Oração em Comunhão com a Igreja que Sofre


Intenção de Oração do Santo Padre UNIVERSAL

Formação para o discernimento espiritual Para que toda a Igreja reconheça a urgência da formação para o discernimento espiritual, a nível pessoal e comunitário.

8 de Março SÃO JOÃO DE DEUS – religioso, fundador, +1550 “Se consideramos atentamente a misericórdia de Deus, nunca deixaremos de fazer o bem de que formos capazes: com efeito, se damos aos pobres por amor de Deus aquilo que Ele próprio nos dá, Ele promete-nos o cêntuplo na felicidade eterna. Feliz pagamento, ditoso lucro! Quem não dará a este bendito mercador tudo o que possui, se Ele procura o nosso interesse e, com os braços abertos, insistentemente pede que nos convertamos a Ele, que choremos os nossos pecados e tenhamos caridade para com as nossas almas e para com o próximo? Porque assim como o fogo apaga a água, assim a caridade apaga o pecado.” A oração é um dos pilares fundamentais da nossa missão. Sem a força que nos vem de Deus, não seríamos capazes de ajudar os Cristãos que sofrem por causa da sua fé. Para ajudar estes Cristãos perseguidos e necessitados criámos uma grande corrente de oração e distribuímos gratuitamente esta Folha de Oração, precisamente porque queremos que este movimento de oração seja cada vez maior. Por favor, ajude-nos a divulgá-la na sua paróquia, nos grupos de oração, pelos amigos e vizinhos. Não deite fora esta Folha de Oração. Depois de a ler, partilhe-a com alguém ou coloque-a na sua paróquia.

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Reflectir INTENÇÃO NACIONAL

Para que este tempo da Quaresma seja verdadeiramente tempo de conversão e os Cristãos descubram como Deus é Alguém e não uma ideia abstracta sem relação com a vida!

O combate final No debate contemporâneo em torno das questões da vida – o aborto, o divórcio e a eutanásia – fala-se muito na liberdade e na dignidade do homem, mas pouco nos princípios fundamentais da ética e, mesmo entre os Cristãos, refere-se muito pouco a vontade de Deus a respeito do homem e do mundo. Parece que Deus só serve para “perdoar”! Mas perdoar o quê, se mesmo a noção de “pecado” se tornou hoje tão problemática? É conveniente a este propósito registar uma observação dos antigos: no pecado é preciso considerar não apenas a fraqueza ou a fragilidade humana, mas também a malícia, que é a intenção propositada de fazer o mal. Quando trata do pecado, S. Tomás de Aquino [1225-1274] dedica-lhe um espaço muito significativo. Isto vale para as questões morais em geral e para as relativas ao sexto e ao nono mandamento, que tratam dos actos ligados à sexualidade, em particular. Hoje diz-se que a Igreja tem muita dificuldade em lidar com a sexualidade. Mesmo que seja verdade,

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gostava de perguntar se haverá alguém que não tenha dificuldade neste campo? Ou temos a ilusão que, porque há tanta explicação biológica e fisiológica acerca da sexualidade e o sistema reprodutivo humano, deixou de haver dificuldades e perplexidades neste campo? A não ser que se tenha perdido todo o sentido do pudor, como é o caso infelizmente na nossa sociedade altamente erotizada. Mas também aqui importa recordar a sabedoria dos antigos. O filósofo pré-socrática Heráclito [535-475 a.C.] já afirmava que “a muita informação não é sinónimo de sabedoria”. E mais recentemente o Papa Bento XVI dizia em SPE SALVI (30.11.2007) que se enganam aqueles que pensam que a salvação vem pela ciência: “Não é a ciência que redime o homem. O homem é redimido pelo amor” (SPE SALVI, 26). A sexualidade pode ser, mas não é necessariamente linguagem de amor. Só se for vivida castamente, pois a castidade é delicadeza do coração que quer o bem ao outro por aquilo que ele é e

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Reflectir não por aquilo que ele pode dar. Para isso é necessário que a sexualidade seja curada na sua raiz, para que possa estar ao serviço do amor oblativo, que é esse querer bem ao outro por aquilo que ele é e não por aquilo que ele me pode dar. Mas já Aristóteles [384-322 a. C.] reconhecia que são poucos os homens que vivem este ideal de perfeição da amizade. Parafraseando a resposta de S. Pedro a Jesus (cf. Mt 19,10) poderíamos dizer: se esta é a exigência do amor, então talvez seja melhor não amar, não gostar de ninguém, não casar!...

de perto e de longe, são cada vez mais intensos os ataques ao matrimónio e à família, nas suas propriedades essenciais de unidade (um homem e uma mulher) e indissolubilidade (uma união para sempre, até que a morte os separe), união que entre cristãos, e dentro das condições estabelecidas pela Igreja, é sacramento, isto é, sinal de Cristo e da Igreja. Parece que estamos nos tempos deste combate final e parece também que, nesta batalha, Satanás está a ganhar terreno, que já tem a vitória garantida. Mas, perante o susto do Cardeal, a Irmã Lúcia continuava: “Mas não tenha medo, não se assuste, senhor Cardeal, porque Nossa Senhora já esmagou a cabeça da serpente!” Podemos dizer, citando o Apocalipse, que a besta agita ferozmente a cauda e provoca grandes devastações no céu e na terra, porque sabe “que tem pouco tempo” (Ap 12,12); os seus dias estão contados. Em Fátima, Nossa Senhora prometeu aos Pastorinhos: “Mas no fim o meu Imaculado Coração triunfará”.

Mas a resposta de Jesus continua a ser a mesma: o que é impossível ao homem, é possível a Deus (cf. Mt 19,26). Mas é possível porque o Deus bíblico, cujo rosto paterno Jesus nos revela, nos precede no caminho da vida: Ele vai à frente, abrindo caminhos por onde é possível passar. Jesus diz: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Sem Mim não podeis fazer nada (cf. Jo 15,5); mas com Ele podemos escalar montanhas, subir o caminho ingreme e pedregoso da santidade, passar pela porta estrei- Peçamos a Nossa Senhora a sua protecta, seguir com Ele que nos precede no ção e que não desista de nós, e que, juncaminho da cruz. to do seu Filho e com Ele, nestes tempos controversos de hospital de campanha Numa carta ao Cardeal Caffarra [1938- em que a Igreja se encontra, apresse o 2017], a Irmã Lúcia [1907-2005] dizia-lhe tempo da sua vitória. que o combate final entre Nossa Senhora e Satanás seria sobre o matrimónio e família. Parece que estas palavras se Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, scj estão a cumprir, pois de toda a parte, Assistente Espiritual da Fundação AIS 4

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Superfície 1.104.300 Km2

• Arábia Saudita

População 96,5 milhões de habitantes Religiões

Golfo Pérsico

• Egipto

• Emirados Árabes

Mar Vermelho

• Omã

• Eritreia

• Iémen

• Sudão

Cristãos: 62,8 % Católicos: 0,8% Protestantes: 19% Ortodoxos: 43%

• Etiópia

Muçulmanos: 34,6 % Outras: 2,6% Língua oficial Amárico

• Rep. Dem. Congo • Uganda

ETIÓPIA

• Somália • Quénia

Oceano Índico

• Tanzânia

ADIS ABEBA, UM OÁSIS? A Igreja Etíope faz face a numerosos desafios: empobrecimento das periferias das grandes cidades, seca, migração a partir das zonas rurais ou dos países vizinhos como a Eritreia ou o Sudão. Um país com milhares de rostos, da capital africana moderna aos altos planaltos luxuriantes, passando pela terra vermelho sangue e pelas margens do Nilo Azul… A 200 km da fronteira sudanesa, um veículo avança por um caminho de terra em direcção à cidade de Gublack. Cinco jovens, na Etiópia no âmbito da Missão organizada pela Fundação AIS, preparam-se para se encontrar com a tribo Gumuz. Estes caminhos desabitados do noroeste da Etiópia são principalmente ocupados por estes Folha de Oração em Comunhão com a Igreja que Sofre

marginais, escravos durante séculos e hoje afastados da civilização. Eles vivem ali, ao lado dos Missionários Combonianos que os acompanham diariamente, uma congregação fundada no séc. XIX por um padre italiano que quis criar, à semelhança das Missões Estrangeiras de Paris, uma nova ordem missionária em África. 5


Etiópia A modernização do centro das cidades expulsa os mais pobres para as periferias. Uma modernização de fachada que esconde bem as misérias.

Para eles é um lugar de primeira evangelização, pois antes da sua chegada estas pessoas, de tradição animista, nunca tinham ouvido falar de Cristo: “Após séculos de opressão, eles não se desenvolveram”, explica Gabriel, um dos jovens da Missão da Fundação AIS. “A tribo Gumuz tem, hoje em dia, um estilo de vida muito primitivo, vivendo da caça e de uma agricultura simples, habitando em palhotas.” Pouco depois da sua chegada, os jovens foram ao encontro dos habitantes, que regressavam dos campos, constatando a sua fidelidade à sua formação semanal, apesar da fadiga do dia: “A noite começa sempre com um louvor cantado a plenos pulmões, acompanhado por um djembe (tambor africano). Estamos impressionados. As mulheres levantaram-se às 5h30 e não se deitarão antes da meia-noite…”

facetas. A principal preocupação da Arquidiocese de Adis Abeba, desde 2016, continua a ser a reabilitação da população empobrecida e afectada pela seca (caixa de leitura p.10), nas periferias da cidade. “Cerca de 70% da população etíope tem menos de 30 anos”, explicam na arquidiocese. “Sessenta por cento desta faixa etária tem entre 10 e 30 anos. É exactamente a categoria com probabilidades de emigrar. Anualmente, milhares de jovens entram no mercado de trabalho e muitos vêm de regiões rurais onde eles não conseguem arranjar emprego. Isto leva-os a deixar as suas casas e migrar para as cidades.”

UMA MODERNIZAÇÃO DE FACHADA

Uma tendência agravada por múltiEsta tribo das terras altas do plos factores, a começar pela moderNordeste é uma realidade marginal nização dos centros das cidades da Etiópia, que tem muitas outras que expulsa os mais pobres para as 6

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Etiópia “A tribo Gumuz tem um estilo de vida muito primitivo, vive da caça e de uma agricultura simples.”

periferias: “Esta população encontra-se a mais de duas horas do seu trabalho, com meios de transporte lotados e insuficientes”, explica um dos jovens vindo de Gumuz para ajudar as Missionários da Caridade na capital. “É uma fonte crescente de desigualdade, imediatamente perceptível quando percorremos as ruas. Temos alternadamente grandes edifícios e depois casas de chapas metálicas e imensas descargas a céu aberto…” Uma modernização de fachada que esconde bem as misérias. Outro factor que agravou o êxodo rural foi o fenómeno meteorológico El Niño, que resultou na Etiópia numa seca mais grave do que a de 1984. “Em certas regiões, explicam na arquidiocese de Adis Abeba, o gado morreu e os agricultores já não podem comprar sementes para semear. Acabam por perder a esperança e escolhem vir para a cidade. Mais de doze milhões de pessoas estão sem Folha de Oração em Comunhão com a Igreja que Sofre

comida.” Entretanto, a cidade tem dificuldade em acolher cerca de seis milhões de habitantes. Os habitantes das periferias da capital, aqueles que deixaram os campos ou aqueles que tiveram de sair do centro por se tornar muito caro, necessitam de apoio psicológico, social e espiritual. É por isso que a Igreja quer falar com eles, sobretudo pensando nos perigos que a rua representa para essas pessoas: “Alguns, vulneráveis às influências exteriores, podem arriscar as suas vidas emigrando para países onde ficam à mercê dos traficantes. Outros expõem-se à vida dura da rua. Outros ainda, particularmente as raparigas, arriscam-se a ser apanhadas nas redes de prostituição. Associar-se a grupos armados é uma outra opção na qual podem cair…” Face a isto, a Igreja Etíope lembrou-se da preocupação do Papa pelos pobres e os marginalizados, e recusa que as paróquias das classes sociais média 7


Etiópia

“Peçamos ao Senhor que faça jorrar as fontes de água viva na terra da Etiópia…”

e alta fiquem passivas. “Esta situação é um desafio sério. Há um pouco de presença católica nestas zonas…” Os Católicos representam menos de 1% da população, face aos Ortodoxos, que mantêm uma ligação privilegiada com o Governo, aos Protestantes que têm os seus meios próprios para se instalarem nas periferias e aos Muçulmanos que beneficiam do apoio de organizações estrangeiras. Porém, os Católicos asseguram actualmente cerca de 90% das obras sociais do país. “Hoje, explica o Pe. Athanase, do convento SaintJean de Adis Abeba, a Igreja Católica é uma pequena minoria na Etiópia: 850 mil fiéis para 35 milhões de ortodoxos. Ela sofreu, como todas as confissões religiosas, com a perseguição marxista na época da ditadura do DERG (Comité de Coordenação das Forças Armadas, Polícia e Exército Territorial), mas a sua situação melhorou. Apesar do seu pequeno número 8

de fiéis, a Igreja Católica está presente em todas as frentes da vida do povo Etíope.” Quer seja para escavar um poço profundo ou para instalar a distribuição de água para centenas de aldeias, no domínio da promoção das mulheres, do ensino superior, da educação…

A ETIÓPIA NECESSITA DE APOIO PASTORAL

Além das obras sociais da Igreja Etíope, outra aposta é a da evangelização, apesar de atrofiada pelos anos de ditadura comunista que amordaçou os Católicos. Na cidade, procura-se encontrar meios de estar presente nas periferias e nas zonas rurais, para conseguir reunir com os fiéis dispersos nas montanhas e nas aldeias, os padres têm que às vezes deslocar-se a pé. Assim, a Diocese de Adigrat cobre 132.000 km2 e não dispõe mais de 50 padres. O Pe. Thrulberhe, da Diocese de Adigrat, Sementes de Esperança | Março 2018


Meditação Etiópia

“Apesar do reduzido número de fiéis, a Igreja está presente em todas as frentes.” (Pe. Athanase)

confiada à Fundação AIS há alguns anos: “a Igreja Etíope precisa de apoio pastoral. Se nós não educarmos, se nós não formarmos as pessoas humanas, construir com pedras não servirá de nada. O que é preciso construir são as pessoas. Isso deve começar na mais tenra idade.” A Igreja Etíope tem dificuldade em financiar as vocações, sem contar que isso não é natural, para certas famílias, verem um dos seus consagrar-se a Deus, particularmente face à longa tradição ortodoxa que marca o Cristianismo na Etiópia. O Arcebispo Musie Ghebregiorghis, Diocese de Embeder, confia que, apesar das boas relações de fachada, “o diálogo ecuménico é ainda um sonho para nós. No dia-a-dia temos excelentes relações. Mas oficialmente ainda temos um caminho a percorrer. Temos necessidade de uma conversão radical.” Contudo, o bispo Folha de Oração em Comunhão com a Igreja que Sofre

congratula-se com a tradição etíope – os Cristãos celebram no rito romano e etíope (muito próximo do rito ortodoxo etíope) – rica de uma longa história cristã. O Arcebispo Musie estima que ela remonta ao “ano 37, quando Filipe baptizou o eunuco da rainha de Candace da Etiópia.” Apesar dos refugiados do Sudão ou da Eriteia, que se juntam à população necessitada das periferias, além dos habitantes das regiões rurais sem trabalho e outros marginalizados da capital, apesar de todos estes desafios para a Igreja Etíope, duas coisas marcam os jovens levando-os à descoberta: a beleza do país e a alegria dos habitantes. “Descobrimos os Etíopes lavrando com a ajuda de bois e arados de madeira. As mulheres fazendo a colheita com foices e as crianças correndo atrás do carro. E apesar 9


Etiópia

“Aquilo que é preciso construir são as pessoas.” (Pe. Thrulberhe)

da rusticidade do seu habitat, este povo parece-nos alegre e caloroso.” Reinhard Salzmann, um alemão que participou num programa de ajuda no norte, descreveu: “Se sairmos à rua com uma garrafa de água, uma criança virá junto de nós a pedir-nos para beber”. Apesar da sede, a criança não deixou de sorrir. “O ano passado o Arcebispo Tesfaselassi Medhin, Diocese de Adigrat, enviou-me uma mensagem por altura dos atentados na Alemanha, para informar que rezava por nós. No entanto, há tantos problemas no seu país! É maravilhoso, a Igreja é una, e os Africanos rezam por nós.” Oração Para que a seca que afecta a terra da Etiópia não atinja as almas nem o espírito do seu povo, nós Te pedimos Senhor! 10

AS FONTES DE ÁGUA VIVA PARA A ETIÓPIA “A seca volta a atingir a Etiópia e todo o Corno de África pelo segundo ano consecutivo”, escrevem os Irmãos de São João em Adis Abeba. “Ela faz-nos sentir quanto a falta de água é um grande desafio para os anos vindouros”, continuam, antes de citar o Papa Francisco na Laudato Si: “Uma grande falta de água provocará um aumento do custo dos alimentos, assim como do custo de diferentes produtos que dependem da sua utilização. Alguns estudos alertaram para a possibilidade da escassez aguda de água dentro de algumas décadas, se não agirmos urgentemente. Os impactos sobre o desenvolvimento poderão afectar milhares de milhões de pessoas e é previsível que o controlo da água pelas grandes empresas internacionais venha a ser uma das principais causas de conflitos deste século.” É por isso que os Irmãos concluem: “Então, peçamos ao Senhor que faça jorrar fontes de água viva sobre esta terra da Etiópia…” Sementes de Esperança | Março 2018


Oração

ORAÇÃO A SÃO JOSÉ Ó glorioso S. José, Pai e protector das Virgens, guarda fiel a quem Deus confiou Jesus, a própria inocência, e Maria Virgem das Virgens! Em nome de Jesus e de Maria, este duplo tesouro que vos foi tão caro, vos suplico que me conserveis livre de toda a impureza, para que com alma pura e com corpo casto, sirva sempre, fielmente, a Jesus e a Maria. Ámen. Folha de Oração em Comunhão com a Igreja que Sofre

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Meditação

QUE SENTIDO TEM A PÁSCOA? 1. Quinta-feira Santa Todas as vidas cabem na imagem quotidiana do pão que se parte e reparte. As vidas são coisas semeadas, crescidas, maturadas, ceifadas, trituradas, amassadas: são como pão. Não apenas degustamos e consumimos o mundo: dentro de nós vamos percebendo que o tempo também nos consome, nos gasta, nos devora. Somos uma massa que se quebra, uma espessura que diminui. A questão é saber com que sentido e intensidade vivemos este tráfico inevitável. Todos nos gastamos, certo. Mas em que comércios? Todos sentimos que a vida se parte. Mas como tornar esse facto trágico numa afirmação fecunda e plena da própria vida? Por isso espantam as palavras de Jesus. Ele pegou no pão e disse: “Tomem e comam, pois 12

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Meditação este pão é o meu corpo entregue por vós”. A Eucaristia, por vezes repetida como mero culto ou rotineiro signo de pertença sociológica, é, na verdade, o lugar vital da decisão sobre o que fazer da vida. Todas as vidas são pão, mas nem todas são Eucaristia, isto é, oferta radical de si, entrega, doação, serviço. Todas as vidas chegam ao fim, mas nem todas vão até ao fim no parto dessa utopia (humana e divina) que trazem inscrita. É destas coisas que a Quinta-feira Santa fala.

2. Sábado Santo O sábado santo não é apenas um dia imenso: é um dia que nos imensa. Aparentemente representa uma espécie de intervalo entre as palavras finais de Jesus pronunciadas na sexta-feira santa, “tudo está consumado”, e a Insurreição da vida que, na manhã da Páscoa, ele mesmo protagoniza. O sábado tem assim um silêncio que não se sabe bem se é ainda o da pedra colocada sobre o túmulo, ou se é já aquele misterioso silêncio que prepara “o grande levantamento” que a ressurreição significa. Este “intervalo”, esta terra de ninguém, este tempo amassado entre derrotas e esperança, entre provação e júbilo é o da nossa vida. O silêncio do sábado santo é o nosso silêncio que Jesus abraça. O silêncio dos impasses, das travessias, dos sofrimentos, das íntimas transformações. Jesus abraça o silêncio desta sôfrega indefinição que somos entre já e ainda não.

3. Manhã de Domingo É quase paradoxal o modo como os Evangelhos contam a Ressurreição. Desconcerta que não exista, nos discípulos, uma crença imediata, que não considerem as provas avançadas sem refutação ou não tomem os primeiros testemunhos por inabaláveis. A notícia da Ressurreição começa por ser vivida com suspeita, desconfiança, receio, distância. A frase de Tomé, “Se eu não o vir não acredito”, é, no fundo, a posição de todos. A notícia circulava em voz baixa, como uma insinuação que não era tomada muito a sério. Os dois discípulos de Emaús já a tinham ouvido, mas mesmo assim estavam dispostos a abandonar tudo. Contudo, o anúncio da Ressurreição vai crescendo. Mesmo não acreditando nas mulheres, Pedro e João correm ao sepulcro. E João vê o silêncio dos sinais e acredita. Os dois discípulos foragidos reconhecem Jesus numa hospedaria de estrada e regressam a Jerusalém. O próprio Ressuscitado vem ao encontro de Pedro e dos discípulos atravessando as portas que eles tinham fechado. E Jesus estende as mãos às dúvidas de Tomé. Pouco a pouco, é em torno àquilo que primeiro declararam impossível que eles se reúnem e vivem. Recordo-me do conselho despretensioso que um Padre do Deserto dava a quem o interrogava insistentemente sobre os mistérios de Deus: “Entra apenas. Permanece até ao fim. E sai mudado”. José Tolentino Mendonça, In Diário de Notícias (Madeira), 23.04.11 Folha de Oração em Comunhão com a Igreja que Sofre

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SÃO JOSÉ 19 de Março

Num mundo onde muitos fazem de tudo para crescer e aparecer a qualquer custo muitas, vezes utilizando o outro como escada para isso, raras são as pessoas que na vida fazem a opção pelas pequenas coisas. Num sistema de crenças e valores no qual, muitas vezes, o mais valorizado é o que mais aparece e o que mais ostenta uma posição de destaque, o universo da discrição e da simplicidade acaba ficando em segundo plano (para não dizer em último). Estamos, sem dúvida alguma, na era da imagem e no império da aparência, nos quais o que acaba por se destacar é a ilusão e não o ser na sua essência. Nesse complexo contexto, uma figura como a de São José manifesta-se como um concreto ícone de contradição, instaurando naquele que sensivelmente o contempla uma aguda crise de contestação dos seus valores. E isso é muito bom. Não somos árvores imóveis e passíveis, sendo que mesmo na natureza a vida é dinâmica diante da nossa realidade e das crenças que nos são impostas pela sociedade. Por isso, questionar tentando sinceramente compreender o melhor caminho é sempre uma atitude virtuosa, que rompe paradigmas e aponta um novo caminho. São José, com a sua justiça silenciosa e discreta, foi alguém que soube romper com os paradigmas (modelo que era seguido) da mentalidade da sua época, desafiando crenças já cristalizadas que semeavam o preconceito e a subtração do ser humano. Vivendo as pequenas coisas do seu quotidiano de carpinteiro, com a coragem de realizar escolhas virtuosas não vistas por ninguém, ele teve a ousadia de ser autêntico, de ser ele mesmo, sem copiar antigos modelos, seguindo a novidade da inspiração dada por Deus. Ao encontrar Maria, grávida, sem antes terem coabitado, sendo justo e não a querendo difamar, resolveu deixá-la secretamente (cf. Mt 1, 18-19), enquanto a lei vigente na sua época ordenava a lapidação (morte por pedradas) para as mulheres adúlteras. E ao ter sido avisado em sonho por um anjo, foi dócil ao que Deus lhe pedira assumindo Maria como esposa, juntamente com o que nela foi gerado (cf. Mt 1, 20). 14

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Actualidade Enfim, José, na sua humildade e sem muitos holofotes, rompeu com um profundo paradigma enraizado na sua cultura há muito séculos, no qual a justiça se sobrepunha à misericórdia. Mas ele não é chamado o justo? Por que não agiu seguindo o padrão de justiça da sua época? Sim. Ele foi justo, mas o tamanho da sua justiça manifestou-se na intensidade da sua misericórdia, pois conseguiu ir além do julgamento, dando mais valor ao ser do que ao aparecer. Por ser fruto daquela época e cultura, ele poderia muito bem ter pensado: O que irão dizer de mim? Como me verão as pessoas quando descobrirem que não desposei a minha esposa? Mas ele foi além. Para ele o amor expressava-se no bem que luta para que o outro seja mais, para que este seja feliz, mesmo quando ninguém o vê nem percebe e mesmo correndo o risco de ser mal-interpretado. Quem ama não se importa com o que vão pensar ou falar, nem se torna vaquinha de presépio, escravizando-se por convenções culturais acerca do que deve ser feito. Quem ama sem desrespeitar o que existe de bom na tradição tem a coragem de superar o convencional para fazer o bem e promover a pessoa. José não buscou os elogios dos observantes da lei nem o prestígio de ser visto por todos como cumpridor da justiça; diferentemente, ele buscou antes e acima de tudo estar em paz com a sua consciência, buscando em tudo ouvir e obedecer a Deus. Ele, como muitos outros santos na nossa história, ensina-nos que não é preciso muito barulho e alarde para realizarmos grandes mudanças e intensas revoluções e que o amor/obediência e a humildade são armas poderosas, capazes de questionar conceitos vigentes em toda uma sociedade. Olhando para São José, percebo como antes já acreditava que é preciso não ter medo de romper com convenções sociais e agir de maneira nova; é claro, em tudo fazendo o bem e obedecendo a Deus. Com certeza, se o facto se tornasse público o pai adoptivo de Jesus receberia muitas críticas, como recebem os que ousam pensar de forma diferente: Por que vives, pensas, escreves e ages de forma diferente? Está errado, tem de ser como todos fazem…. Contemplando a justiça silenciosa e transformadora desse grande homem de Deus pergunto: Será que temos mesmo [de agir como todos]? O carpinteiro foi suficientemente santo para transcender aos olhares que o acusariam, fixando o olhar apenas onde o Amor tem a sua morada. Que o exemplo do grande e amado pai de nosso Salvador suscite em nós a coragem de sermos melhores, pois ele estava voltado em tudo para o Cristo sem se aprisionar a estruturas que escravizam o ser. In https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/sao-jose/

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Destaque

NOVO

A TUA DOR DÓI-ME A Compaixão Cristã “Conforme Ele próprio disse, se vivermos a compaixão, faremos, também nós, milagres. Sim, milagres. Talvez não visíveis de imediato. Talvez não entendidos como tal. Mas eu creio firmemente que, quando nos aproximamos de um ser humano em sofrimento para, desinteressadamente, o acolher e confortar, dão-se sempre milagres.” Esta obra trata o dom da compaixão, através de reflexões sobre as vidas de homens e mulheres que escolheram livremente seguir Jesus até às últimas consequências e que deixaram marcas indeléveis de compaixão. Foram vidas que tocaram e continuam a tocar a vida de muitos.

Cód. LI173

€ 5,00

Uma leitura para a Quaresma, tempo para converter e purificar o coração. Autora: Maria Tereza Maia Gonzalez

SEMENTES DE ESPERANÇA - Folha de Oração em Comunhão com a Igreja que Sofre PROPRIEDADE Fundação AIS DIRECTORA Catarina Martins de Bettencourt REDACÇÃO E EDIÇÃO Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, scj, Maria de Fátima Silva, Alexandra Ferreira FONTE L’Église dans le monde – AIS França FOTOS © AIS; © DR; Adoração do Cordeiro (Retábulo de Ghent), Jan van Eyck

CAPA PERIODICIDADE IMPRESSÃO PAGINAÇÃO DEPÓSITO LEGAL ISSN

Cordeiro Pascal 11 edições anuais Gráfica Artipol JSDesign 352561/12 2182-3928

Isento de registo na ERC ao abrigo do Dec. Reg. 8/99 de 9/6 art.º 12 n.º 1 A

Rua Professor Orlando Ribeiro, 5 D, 1600-796 LISBOA Tel 21 754 40 00 • Fax 21 754 40 01 • NIF 505 152 304 fundacao-ais@fundacao-ais.pt • www.fundacao-ais.pt


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