Fundação CEPEMA ano III - Nº 3 - Abril 2009
SAFs NO SERTÃO CENTRAL DO CEARÁ:
A Vida que se renova na Caatinga EMBRAPA CAPRINOS BANCO DO BRASIL E FUNDAÇÃO CEPEMA: Assessoria e Crédito estimulam a implantação dos SAFs em Quixadá
Sistema Agrossilvopastoril: 11 anos de um experimento que vem dando certo
Quixadá: Coordenadoria d d Especial de Políticas para as Mulheres: Passo Importante na Defesa dos Direitos da Mulher
À Sombra de um Cajueiro entrevista com Adalberto Alencar, coordenador pedagógico da Fundação Cepema
Índice Ponto de Vista - “As mulheres face às contradições do mundo atual” ... 4
EMBRAPA - Sistema Agrossilvopastoril: 11 anos de um experimento que vem dando certo ... 5
Roçados Agroecológicos onde o Algodão é a Flor mais bela ... 8
Instituto Carnaúba - SAFs na Caatinga do Vale do Acaraú ... 10
COORDENADORIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES: Passo Importante na Defesa dos Direitos da Mulher ... 23
Pra falar com a gente Escritório de Fortaleza Rua Crateús, 1250 Parquelância Fortaleza - Ceará Cep. 60.455-780 (85) 3223-8005 cepema@attglobal.net www.fundacaocepema.org.br
Pólo do Sertão Central Rua Rodrigues Júnior, 1042 Centro Quixadá - Ceará Cep. 63.900-000 cepema@attglobal.net
Pólo do Maciço de Baturité CE 065 s/n - Galpão do Lameirão Distrito de Lameirão Mulungu - Ceará Cep. 62.764-000 cepema@attglobal.net
Pólo da Serra de Ibiapaba Rua Lamartine Nogueira, 393 Centro Viçosa do Ceará - Ceará Cep. 62.300-000 cepema@attglobal.net
Capa SAFS NO SERTÃO CENTRAL DO CEARÁ: A Vida que se renova na Caatinga ... 13
BANCO DO BRASIL E FUNDAÇÃO CEPEMA: Assessoria e Crédito estimulam a implantação dos SAFs em Quixadá ... 26
Encontro Estadual de Quixadá reforça a implantação de SAFs no Sertão Central ... 28
À Sombra de um Cajueiro - entrevista com Adalberto Alencar, diretor pedagógico da Fundação Cepema ... 29
FUNDAÇÃO CEPEMA 19 anos de história
Sobral, janeiro de 1990. Nasce o Centro de Educação Popular em Defesa do Meio Ambiente, Cepema, com apoio da organização não-governamental sueca, Framtidsjorden (Terra do Futuro). Dois anos depois, o Centro transforma-se na Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente. Inicia, assim, o caminho em direção da segurança alimentar e da educação
Editorial Agrofloresta no semi-árido é possível. É isso que viemos mostrar nesta edição. São experiências de agricultores do Sertão Central do Ceará e pesquisas de instituições renomadas, Danillo Galvão no SAF de José Maria, Sítio Tópi em Viçosa do como a Embrapa, Ceará, Serra da Ibiapaba. comprovando que os sistemas agroflorestais, os SAFs, são viáveis em qualquer ecossistema. Tudo isso por conta da grande capacidade que o manejo agroflorestal tem de se adaptar às diversidades de clima, solo, fauna e flora. Mais do que possível, os SAFs se tornam uma das maneiras mais eficientes de combinar geração de renda e preservação ambiental. Sendo, hoje, uma estratégia, com resultados concretos, que busca um desenvolvimento sustentável para a agricultura, especialmente para a agricultura familiar. Ainda mais em épocas de aquecimento global e degradação do meio ambiente. Neste clima, trazemos também uma discussão sobre as ações que o Governo Federal, em parceria com a sociedade civil, vem planejando para enfrentar as mudanças climáticas que atingem toda a economia do País. Por fim, nossa revista traz ainda a experiência pioneira de Quixadá com a criação da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres e o artigo de Letícia Peixoto para estimular reflexões sobre os desafios enfrentados por quem defende a igualdade entre mulheres e homens. Então, agora é só folhear as próximas páginas e conferir o que reservamos para você!
em agricultura orgânica. Reuniões, cursos, conversas informais com agricultores e agricultoras começam a despertar uma consciência ecológica em mulheres e homens do campo. A semente para o desenvolvimento sustentável está, então, lançada. Com ações que vão de programas de rádio – como o “Natureza de Todos Nós”, produzido entre 1990 e 2000 – a cursos de formação, como os de agente de agricultura ecológica, Adae, realizados sistematicamente há 16 anos, a
Fundação Cepema firma sua atuação em prol do fortalecimento da agricultura familiar. Dezenove anos passados, a Fundação Cepema assume o desafio do desenvolvimento sustentável, através da agrofloresta e educação ambiental. Expande suas ações pelo interior cearense – Maciço de Baturité, Serra da Meruoca, Serra da Ibiapaba e Sertão Central – e em Fortaleza, trabalhando diretamente com agricultores e agricultoras e com a juventude do campo e da cidade.
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Ponto de Vista
As mulheres face às contradições do mundo atual Nas últimas décadas, as experiências democráticas no Brasil têm revelado suas potencialidades, através do redimensionamento da esfera pública, da ampliação de processos participativos e da emergência dos movimentos político-culturais, como movimento de mulheres, negros(as), homossexuais, ecológico, dentre outros. Essas vivências, porém, entrecruzam-se com um contexto de extrema desigualdade que assola a sociedade.
Não obstante, os avanços que essas transformações têm causado na vida das mulheres e na sociedade, persistem-se práticas e representações pautadas nas relações desiguais entre os sexos, haja vista o padrão hegemônico e androcêntrico de cultura que garante privilégio aos homens.
Em relação às mulheres, verificase que sua história tem sido marcada por transformações no tocante às relações de poder e à posição que estas vêm ocupando na sociedade. Percebe-se o aumento dos seus níveis de escolaridade e de sua participação no mercado de trabalho, além do avanço das ações políticas das mulheres nos espaços públicos. Mudanças significativas também têm sido visíveis no interior das famílias, através dos novos arranjos familiares, da redefinição da divisão sexual do trabalho e da tomada de decisões pelos seus membros.
integral, centros de convivência para idosos – contribuem, sobretudo junto às mulheres mais pobres, para dar continuidade a situações de subordinação e exploração das mulheres face ao trabalho.
A inserção das mulheres no mercado de trabalho ocorre em condições desiguais de tratamento, tempo, mobilidade e recursos em relação aos homens. As mulheres encontramAlém das causas econômicas, as se em empregos mais precarizados, desigualdades sociais traduzidas pela geralmente informais ou em tempo pobreza latente carregam consigo parcial e seu trabalho profissional é outras características. A reprodução sempre visto como complementar às da pobreza brasileira tem sexo, cor, suas “responsabilidades” domésticas. idade, dentre outras peculiaridades. O “destino histórico” das muSer pobre, ser mulher, ser negro(a), lheres, consideradas como as prinser idoso(a) ou criança, morar na pe- cipais responsáveis pelo trabalho riferia ou no meio rural não é apenas doméstico e familiar, aliado à baixa um detalhe, mas algo que é estrutural provisão de serviços socioassistenciais no contexto em que se vive. – como creches, escolas em tempo
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No âmbito das políticas públicas, a família tem sido o foco prioritário na operacionalização destas, como uma estratégia de fortalecimento da cidadania das populações em situação de vulnerabilidade social. Sabe-se que a construção da autonomia do público beneficiário não pode estar dissociada de sua unidade de referência familiar. Entretanto,
faz-se necessário atentar para que esse discurso não reforce a transferência de responsabilidades do Estado no âmbito das políticas públicas, em nome da lógica do protagonismo familiar, nesse caso, com sérias conseqüências para a vida das mulheres, já que elas são as principais responsáveis pela gestão cotidiana das necessidades da família. Desse modo, percebe-se que o momento atual é pleno de contradições e desafios. É importante a valorização de experiências que favoreçam o desenvolvimento das mulheres como sujeitos de direitos, sob novas bases econômicas. Esse desafio, embora protagonizado pelas mulheres, pertence a todos que lutam por uma sociedade mais justa.
Socorro Letícia Fernandes Peixoto Assistente Social, mestranda em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e participante da Marcha Mundial das Mulheres.
Embrapa Caprinos
SISTEMA AGROSSILVOPASTORIL: 11 ANOS DE UM EXPERIMENTO QUE VEM DANDO CERTO Foto: Eduardo Magalhães
por Klycia Fontenele
Quem pelo Ceará andou atento às Q adaptáveis ao clima semi-árido, ttecnologias ecnool ouviu falar da experiência ppossivelmente, ossiiv ccom om m ssistema de produção agrossilvopastoril, há 11 anos pela Embrapa ddesenvolvida esen n Caprinos C aprri de Sobral. E, certamente, Ambrósio Araújo Filho não é um JJoão oão A nome n om me desconhecido. Em 2008, eu tive a de entrevistá-lo. Mais do que ooportunidade porrt uuma ma entrevista, uma aula de conhecimento e aamor mo pelo sertão. Um presente que, nas ppróximas róóxim páginas, eu divido com você. O agrônomo Dr. João Ambrósio Araújo Filho.
“Eu gosto do semi-árido como semi-árido. Você pode até trabalhar com irrigação, se você tem várzeas. Mas, no semi-árido, tem que trabalhar como semi-árido. Tem que explorar suas potencialidades que são enormes, principalmente, quando se olha para um patrimônio fantástico chamado caatinga.”. Foi com essas palavras que o agrônomo, João Ambrósio Araújo Filho, despediu-se de mim depois de quase duas horas de entrevista. E, serão com as mesmas palavras que começarei minha narrativa. Elas retratam bem o sentimento de quem procura conviver em harmonia com o Semi-Árido Brasileiro, respeitando suas peculiaridades.
1998. João Ambrósio lidera, através do Centro Nacional de Pesquisa de Caprinos (unidade da Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, localizada em Sobral, cidade ao norte do Ceará), o primeiro experimento com sistema de produção agrossilvopastoril da Instituição. Mas, os primeiros passos para essa experiência vinham desde 1968 quando Ambrósio trabalhava na Universidade Federal do Ceará, UFC. “Os primeiros testes de pastoril foram feitos na UFC. Mas, os nossos experimentos eram em Quixadá, Tauá, Irauçuba; muito distantes e isso dificultava o acesso. Um dos motivos de eu vir para Sobral foi para es-
tar mais em contato com o campo.”, relembra. Foram o conhecimento construído ao longo de décadas de estudo manipulando a vegetação da caatinga e os bons resultados, produtivos e ecológicos, obtidos por essa manipulação, como também, a observação da realidade das famílias sertanejas, cuja maioria habita pequenas propriedades rurais, que deram o aval para se apostar no sistema agrossilvopastoril como a forma de manejo mais apropriada ao semi-árido e iniciar o experimento. “A maioria das propriedades do semi-árido é pequena, mas tem agricultura, floresta, de onde se tira a lenha, e pecuária.”, 5
explica Ambrósio. “O projeto visou às propriedades com menos de dois hectares.”, completa. Apesar de ser normal encontrar, nesses minifúndios, sistemas de produção que aglutinam agricultura, pecuária e floresta, na maior parte, esses subsistemas não estão integrados. “Eles são estanques dentro da propriedade comum no semi-árido. Não há intercomunicação entre eles. Além disso, as tecnologias utilizadas são extrativistas e, na maioria das vezes, predatórias.”, diz Ambrósio. Foi nesse contexto, que o grupo da Embrapa iniciou uma unidade demonstrativa com oito hectares, divididos em três parcelas. Uma de 20%, destinada à agricultura, outra com 60% para a pecuária e uma última com 20% que seria a chamada reserva legal onde a mata estaria preservada. Um dos objetivos principais era a fixação da agricultura no terreno, ou seja, o produtor escolheria um pedaço do terreno para a produção e todo ano ele produziria naquele pedaço, sem ter mais necessidade de desmatar ou queimar. “A nossa agricultura é migratória. Além disso, há os desmatamentos e as queimadas repetitivas que trazem a degradação da nossa vegetação e a desertificação para a paisagem do semi-árido. Então, para se entrar num processo de recuperação de áreas degradadas, como é a proposta dos sistemas agrossilvopastoris, também conheci-
dos como sistemas agroflorestais, isso tem que parar. E para parar, eu tenho que fixar a agricultura.”, explica Ambrósio. Outro grande propósito do experimento era trabalhar com o manejo da vegetação da caatinga para fins pastoris. “A gente tentou desenvolver tecnologias de baixo impacto que preservassem as principais características da biodiversidade da caatinga, mas que incrementasse, concomitantemente, o aumento da produção de forragem.”, conta Ambrósio. As técnicas desenvolvidas e, hoje, disseminadas foram: raleamento, rebaixamento e enriquecimento (ver quadro). Todas as três dentro da perspectiva de preservação ambiental. Ainda sob a lógica do pensamento agroflorestal, o grupo nunca utilizou qualquer espécie de adubo químico no sistema. “No primeiro ano, em 1998, a produção de grãos foi, mais ou menos, 870 kg por hectare. Em 2007, quer dizer, nove anos depois, sem nunca ter entrado adubo químico ou qualquer inseticida e trabalhando numa mesma área com 1,6 hectares, a produção ficou em 2.350 kg de grãos por hectare.”, comemora Ambrósio. “Em 2008, eu acho que a safra superou 2007. A produção está chegando a um ponto de equilíbrio muito bom.”, conclui. Outra demonstração de equilíbrio é a ausência de pragas, apesar de,
nos últimos quatro anos, não ter sido usado nenhum tipo de defensivo agrícola, nem mesmo os naturais. “Nós nunca usamos inseticida comercial. Nós usávamos o nim que a Embrapa já tinha quando implantamos o sistema. Às vezes, a gente consorciava com angico, mas nos quatro últimos anos não foi mais preciso usar inseticida.”, relata Ambrósio. Para ele, a explicação se dá por o nim ser uma planta que favorece o aumento da população de insetos predadores (insetos que comem insetos) e pelo fato de as árvores, sobretudo a mata ciliar, estarem presentes no sistema e assim trazerem aves comedoras de insetos, como os anuns. Ao longo desses onze anos, mais de quatro mil pessoas, entre agricultores, pesquisadores e curiosos, visitaram a unidade demonstrativa com o sistema agrossilvopastorial. A pesquisa de manejo na caatinga se tornou uma vitrine da Embrapa. Porém, mais do que buscar reconhecimento, abrir as portas para quem deseja conhecer a experiência é uma forma de disseminar essa prática que já se mostrou eficiente no semi-árido e, assim, ganhar mais apoiadores e adeptos. “Este é um trabalho que precisa de continuidade, que é muito difícil e requer muita colaboração.”, alerta Ambrósio, atualmente, aposentado pela Embrapa, mas na ativa, como professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú, Uva.
Fotos: Arquivo Dr. João Ambrósio
Experimento de recuperação de áreas degradadas pelo sobrepastejo em Irauçuba
Situação encontrada: área em processo de desertificação.
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Mesma área após dois anos de trabalho.
Técnicas de Manejo Agroflorestal Testadas pela Embrapa Caprinos em seu sistema de produção agrossilvopastorial, essas técnicas têm em comum o princípio da manutenção de árvores nas áreas de pastejo. As árvores são mantidas, não só pela questão ambiental, mas também para contribuir na circulação de nutrientes e na adição de matéria orgânica ao solo. Outro aspecto importante são as sombras que trazem um conforto para o animal, especialmente nos períodos mais quentes do dia. Raleamento Usada em áreas de capoeira com sucessão secundária, principalmente em áreas entre o estágio arbustivo e o arbóreo, a técnica consiste em fazer um controle seletivo dos arbustos para incrementar o crescimento das árvores. São preservadas cerca de 400 árvores por hectare, com objetivos de adição de matéria orgânica, circulação de nutrientes, proteção do solo e controle de enxurradas. Toda a mata ciliar, ao longo da margem de drenagem, deve ser preservada. O raleamento visa ainda à incrementação da produção do estágio herbáceo. Metade dessa produção é utilizada com os rebanhos e a outra metade é mantida na área. Esse tipo de manejo da caatinga é bom para a criação de ovinos e bovinos, pois esses animais têm a sua dieta fortemente baseada em plantas herbáceas.
Rebaixamento Visa principalmente à criação de caprinos, uma vez que a dieta desses animais é baseada em arbustos e folha de árvores. A técnica consiste em rebaixar a copa das árvores e arbustos forrageiros para que eles fiquem ao alcance do animal. Uma etapa importante desse sistema é que, a partir do fim do primeiro ano, é feito um corte seletivo da plantação, fazendo uma volta por árvore para que ela possa se regenerar. Mas, ao mesmo tempo, mantendo uma massa de forragem na sua base. Assim, ela vai servir como forrageira já em curto e médio prazos e, no futuro, para extração de madeira. Além disso, a área fica ideal para apicultura porque as árvores rebaixadas vão crescer e florar normalmente.
Enriquecimento Técnica que ajuda no desenvolvimento da ovinocaprinocultura, é feita com a introdução de forrageiras nativas de grande produtividade ou exóticas adaptadas. É importante frisar que o objetivo do método não é substituir o extrato herbáceo nativo, mas enriquecê-los com novas espécies.
Contato Embrapa Caprinos e Ovinos Estrada Sobral - Groaíras, Km 04 Caixa Postal D-10 Cep. 62.011-970 Sobral-Ceará Fone: (88) 3677-7000 Fax: (88) 3677-7055 E-mail: sac@cnpc.embrapa.br www.cnpc.embrapa.br
Os Programas da Fundação Cepema são financiados por: Governo Federal - Ministério do Meio Ambiente/ Fundo Nacional do Meio Ambiente/ PDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Educação, Ministério da Cultura e Terra do Futuro/UBV - Suécia.
Fundação CEPEMA Danillo Galvão - Presidente Henrique César Paiva Barroso - VicePresidente Heleni Lima da Rocha - Dir. Adm. Financeiro Patrimonial Adalberto Alencar - Coordenador Pedagógico e-mail: cepema@attglobal.net www.fundacaocepema.org.br
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Esplar
ROÇADOS AGROECOLÓGICOS ONDE O ALGODÃO É A FLOR MAIS BELA Foto: Eduardo Magalhães
Com assessoria técnica da organização não-governamental, Esplar, pequenos agricultores e agricultoras do Sertão Central apostam no algodão consorciado e implantam roçados agroecológicos.
(Da esquerda p/ a direita) Maria Eliane Lobo Ramos - Choró, Domingos de Souza Forte - Canindé e Maria de Fátima Silva dos Santos - Choró.
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gosto de 2002. Um grupo de doze pequenos agricultores vai de Choró a Tauá para conhecer experiências de roças agroecológicas onde o algodão era plantado juntamente com outras culturas, como o feijão e o gergelim. Uma novidade para o grupo. De volta para casa, quatro roças coletivas são montadas no assentamento São João da Conquista e na comunidade da Caiçarinha.
por causa do seu quintal, da sua roça.”, explica Eliane. Dessa época até hoje, a prática agroecológica, baseada principalmente no algodão consorciado, vem ganhando adeptos e adeptas na região de Choró.
Ganhando adesões e gerando renda. “Nós temos uma atividade de sequeiro, então, quando tem estiagem, a produção fica difícil, mas quando o inverno é equilibrado, a gente tira. Como são várias culturas junto dá uma No ano seguinte, o grupo começa a organizar visitas diversidade também.”, diz Eliane, lembrando ainda que, de outros agricultores da região para conhecer as roças em 2008, 16 pessoas produziram algodão agroecológico. agroecológicas. “Era uma coisa muito nova e ninguém Acompanhando de perto essa mudança – lenta, mas acreditava.”, relembra Maria Eliane Lobo Ramos, atual presidenta do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhado- consistente – que faz agricultores e agricultoras trocarem a ras Rurais de Choró (STTR-Choró) e a única mulher agricultura convencional pelo manejo agroecológico está que viajou para Tauá. As visitas de intercâmbio tinham o o trabalho do Centro de Assessoria e Pesquisa, o Esplar. objetivo de atrair novos agricultores para a prática agro- “A gente tem o apoio do Esplar no acompanhamento técnico porque a gente precisa fazer toda uma formação ecológica. para que os trabalhadores e as trabalhadoras entendam Já em 2004, Eliane e mais três agricultoras resolvem essa questão da agroecologia.”, diz Eliane. montar seus roçados agroecológicos. “A gente come“O trabalho do Esplar tem dado um respaldo muito çou a ver que era preciso garantir a entrada das mulheres no consórcio agroecológico. Até porque são as grande pra gente, porque consegue fazer com que a genmulheres as maiores responsáveis pela biodiversidade, te tenha uma visão mais ampla. O acompanhamento do 8
Foto: Eduardo Magalhães
Esplar não é só de assessoria técnica. Tem um trabalho de gênero, de agroecologia, de segurança alimentar...”. Completa Eliane que considera valiosa a vinda do Esplar para Choró não só pelo trabalho que a ONG desenvolve, mas também pelo respeito que tiveram com a organização dos trabalhadores rurais. “Eles chegaram, através do Sindicato. Eles vêem o Sindicato como parceiro porque somos a organização dos trabalhadores e das trabalhadoras.”, finaliza.
nesse tipo de manejo, criando os quintais agroecológicos. Mas, no Pitombeira, alguns agricultores inovam e levam o algodão agroecológico para dentro de sistemas agroflorestais (SAFs), já implantados no assentamento com a assessoria técnica da Fundação Cepema. “Para plantar algodão, nós tivemos um apoio do Esplar que tem uma parceria com o Sindicato [STTR de Canindé]. Eles acompanharam essa questão do algodão agroecológico aqui. Eu já tinha o trabalho com agrofloresta, então, tive a idéia de fazer algodão agroecológico tudo junto no SAF.”, diz Domingos de Sousa Forte, suplente da Secretaria de Política Agrícola do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras - STTR de Canindé, que começou esse plantio no ano passado.
Apesar do pouco tempo trabalhando com algodão em SAF, Seu Domingos dá mostras de que sabe o que está fazendo. “O bicudo não deixa de existir, só que a gente faz o controle e dificulta a vinda Algodão plantado dentro do sistema agroflorestal de Domingos, assentamento Pitombeira - Canindé. dele. A gente tem observado De comunidade em comunidade, a idéia do algodão que se a gente plantar nas primeiras chuvas do algodão, agroecológico se estende para outras culturas, como fei- o bicudo só chega em abril e quando chega, o algodão jão, milho, gergelim, mamona, girassol... Todas cultiva- está seguro. Aí, ele só vai comer algumas folhazinhas de das em consórcio. É essa prática que chega ao assenta- planta de galho. Isso é fascinante porque o bicudo chega, mento Feijão, comunidade Croatá. Com um grupo de mas a gente já está com a produção de uns 80% seguro.”, mulheres à frente, a comunidade Croatá mais do que diz ele. diversificar sua produção agrícola, tornando-a mais susÉ assim – misturando técnicas de manejos agroecolótentável, inicia um trabalho que tem também o objetivo gicos e agroflorestais; organizando grupos para produzir, de discutir as relações entre mulheres e homens. mas que também refletem sobre questões sociais – que “Nós se reúne só e tem também reuniões com a Adria- agricultoras e agricultores vão construindo seu conhecina do Esplar. Depois que a gente chega de uma viagem mento e inovando em suas práticas agrícolas. pra intercâmbio, por exemplo, a gente se reúne pra passar o que viu.”, diz dona Maria de Fátima Silva dos Santos, do grupo de mulheres de Croatá, explicando a dinâmica Contato: Esplar - Centro de Pesquisa e Assessoria do grupo feminino. “Quando a gente quer uma coisa, a Rua Princesa Isabel, 1968 - Centro gente vai conversando pra saber como vai fazer.”, comFortaleza-Ceará Tel.: (85) 3252.2410 pleta. Fax: (85) 3221.1324 Na comunidade de uma cidade vizinha, precisaE-mail: esplar@esplar.org.br mente no assentamento Pitombeira a 52 Km de CaSite: www.esplar.org.br nindé, a experiência se repete. Agricultores conhecem as roças com o algodão consorciado e passam a investir 9
Instituto Carnaúba
SAFs NA CAATINGA DO VALE DO ACARAÚ Foto: Arquivo Instituto Carnaúba
“Rio, Educação, Floresta e Desenvolvimento to Sustentável”. É esse o nome do projeto que o Instituto Carnaúba, em parceria com o FNMA/MMA (Fundo Nacional do Meio Ambiente, do Ministério do Meio Ambiente), vem desenvolvendo para implantar 240 unidades de sistemas agroflorestais, os SAFs, SAFs na Caatinga.
Visita de campo - Curso do Instituto Carnaúba.
Oito municípios do Vale do Acaraú no Norte do Ceará – Alcântaras, Sobral, Santana do Acaraú, Meruoca, Massapê, Forquilha, Groaíras e Cariré – foram as regiões do bioma escolhidas. Aqueles menos avisados podem achar uma aberração a idéia de implantar sistemas agroflorestais em plena caatinga. Mas, quem conhece o funcionamento de um sistema agroflorestal diz sem titubear que os SAFs são a melhor forma de manejo para o semi-árido brasileiro. A grande vantagem dos SAFs é que eles podem ser utilizados para diferentes fins, adaptando-se facilmente às diversas condições das propriedades rurais, de acordo com o potencial da área de produção. “Não há um jeito só de se fazer um SAF, pode-se implantar vários modelos. Cada pessoa faz o desenho que responda às suas necessidades. Caso o produtor tenha criação animal na propriedade, por exemplo, implanta-se um SAF que atenda também à necessidade de alimentação animal e assim por diante.”, explica Francisco Osvaldo Aguiar, historiador, técnico em agroecologia e diretor financeiro do Instituto de Ecologia Social Carnaúba. 10
Os sistemas agroflorestais são importantes também porque eles seguram a água por mais tempo na terra, formam cobertura vegetal, colaboram com o sequestro de carbono e contribuem para a diversidade de vegetal, da micro-vida no ambiente e da fauna nativa. Ações fundamentais para a melhoria da vida, especialmente em regiões como o semi-árido cujas precipitações de chuva são inconstantes e a degradação da natureza, através de práticas predatórias como queimadas, desmatamento e uso de agrotóxicos, já causaram muitos danos. Mas, para colocar em prática a proposta do projeto, era preciso antes de tudo convencer pequenos produtores e produtoras da região a apostar nesse tipo de agricultura que se diferencia das práticas agrícolas que desmatam e utilizam fogo e que são mais comumente usadas. A estratégia, então, adotada foram seminários sobre desenvolvimento sustentável da caatinga, realizados em cada um
dos municípios. “Nós íamos sensibilizando os agricultores e, ao mesmo tempo, já identificando quem estaria aberto para participar das atividades do projeto.”, explica Osvaldo. Para sedimentar as idéias trabalhadas nos seminários, o passo seguinte foi a realização de cursos de 100 h/a, realizados três dias por semana. “O curso era a porta de entrada do produtor para participar do projeto. A partir dali, íamos ganhando as pessoas para participarem das atividades.”, conta Osvaldo. Os cursos foram realizados de janeiro a junho de 2008. “De lá pra cá, realizamos visitas técnicas e estamos preparando as áreas para a próxima quadra invernosa.”, diz Osvaldo, falando sobre a continuidade do projeto. De acordo com Osvaldo, antes de abordar o agricultor é preciso entender o jeito que ele intervém em sua área de produção. “É necessário compreender o porquê de cada atitude e ação feita pelo agricultor que logo de primeira mão não aceita fazer agricultura sem usar o fogo.”. Osvaldo fala do primeiro embate que acontece quando os SAFs são apresentados. Apesar de compreender que os SAFs possibilitam a produção de alimentos, garantindo
a segurança alimentar da família e a alimentação para os animais, e colaboraram com a nutrição do solo, a equipe técnica do Instituto Carnaúba procura se desarmar dos argumentos na hora de conversar com os agricultores, optando por outras formas de convencimento. “As trocas de experiências entre agricultores têm sido um instrumento muito eficaz utilizado por nós.”, diz Osvaldo. “Agricultor falando para agricultor. Jovens conversando com jovens à luz das experiências em curso. Visitas de campo e realização de mutirões para plantios e manejos florestais. É a ação concreta junto com o discurso.”, conclui Osvaldo. Pelo visto, a estratégia de convencimento, adotada pelo Instituto Carnaúba, está dando certo. Atualmente, são 150 produtores e produtoras envolvidos com o projeto Rio, Educação, Floresta e Desenvolvimento Sustentável. Desse número, 75 já estão com os sistemas agroflorestais em andamento e doze agricultores esperam a aprovação dos seus projetos do Pronaf Florestal (uma das linhas de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). “Nós tivemos 85% de presença nos cursos.”, comemora Osvaldo.
Famílias comercializando produtos para merenda nas escolas e restaurante popular, através do mercado institucional com prefeituras da região e com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento); Famílias beneficiando seus produtos e agregando valor aos mesmos, aumentando a renda familiar; Melhoria na qualidade da alimentação das famílias; Melhoria na organização comunitária, com agricultores se organizando na construção de Bancos de Sementes Nativas; Consciência ambiental, levando as pessoas a se preocuparem com o destino dos resíduos sólidos que produzem; Conquista de direitos; Conhecimento das técnicas trabalhadas nas áreas com sistemas agroflorestais.
Fotos: Arquivo Instituto Carnaúba
PRINCIPAIS RESULTADOS OBTIDOS PELOS PROJETOS DO INSTITUTO DE ECOLOGIA SOCIAL CARNAÚBA
Instituto Carnaúba - Aula de Campo.
Turma de manejo agroflorestal - Instituto Carnaúba.
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Foto: Arquivo Instituto Carnaúba
UMA ORGANIZAÇÃO COM O NOME DA ÁRVORE DA VIDA Conhecida como árvore da vida, a carnaúba inspirou o nome do Instituto de Ecologia Social Carnaúba. Mas, foram homens, mulheres, jovens, agricultores familiares (com ou sem terra), assentados de reforma agrária, extrativistas da própria carnaúba e famílias urbanas a razão para o instituto completar, em 2009, oito anos de existência. O ano era 2001 e a organização civil, Instituto Carnaúba, surgiu com a idéia central de revitalizar a cultura da carnaúba na região Norte do Ceará onde é profunda a degradação ambiental, conseqüência do modelo agrícola desenvolvido nos últimos 50 anos. Da preocupação inicial, outros desafios foram incorporados pelas doze pessoas que formam o Instituto cuja missão é “construir uma sociedade sustentável e solidária, baseada na agroecologia, na sócio-economia solidária, na cidadania e na auto-gestão dos povos”. Presente em oito municípios da região do Vale do Acaraú, o Instituto Carnaúba apostou nos sistemas agroflorestais como a proposta mais concreta para se fazer a transição agroecológica no âmbito da agricultura familiar. Assim, a organização mantém como linhas de atuação o desenvolvimento da agroecologia; a revitalização da cultura da carnaúba; a defesa da Francisco Osvaldo Aguiar, diretor financeiro do Área de Proteção Ambiental da Meruoca; a revitalização do Rio Acaraú; e Instituto Carnaúba. a implantação de um modelo sustentável para o bioma caatinga. Atualmente, o Instituto executa o Projeto de Agroecologia Urbana, com 80 famílias de cinco bairros em Sobral, numa parceria com a Misereor (entidade alemã) e o Projeto de Incubação da Agência de Comercialização dos Produtos da Agricultura Familiar do Território de Sobral, em parceria com Ministério do Desenvolvimento Agrário, MDA, além do Projeto Rio, Educação, Floresta e Desenvolvimento Sustentável, em parceria com FNMA/MMA. Foto: Arquivo Instituto Carnaúba
DIREÇÃO DO INSTITUTO DE ECOLOGIA SOCIAL CARNAÚBA Expedito José de Paula Torres (presidente) Francisco Osvaldo Aguiar (diretor financeiro) Amaury Gomes da Silva (diretor técnico)
Contato: Instituto de Ecologia Social Carnaúba Rua: Maestro José Pedro, 76 Bloco 2 Sala 12 - Centro Sobral - Ceará. Cep. 62.011-260 (88) 3611-8124 E-mail. carnauba@carnauba.org Área de preservação da carnaúba - Ceará.
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Sertão Central
Foto: Eduardo Magalhães
SAFS NO SERTÃO CENTRAL DO CEARÁ: A Vida que se renova na Caatinga
Começam a bbrotar rotar as pri primeiras imeiras i mud mudas das no SSAF AF d dee F Francisco rancisco i A Arnaldo, rnald ldo comunid comunidade idade d C Correntes orrentes em C Canindé-Ceará. aniindé dé Cearáá
Combater a cultura do fogo e do desmatamento. Mudar a forma do plantio, trocando a monocultura pela diversidade de culturas. Substituir os agrotóxicos químicos por defensivos agrícolas naturais, feitos, inclusive, pelos próprios agricultores e agricultoras. Permitir que plantas nativas cresçam no mesmo espaço que as culturas, tradicionalmente, relacionadas à agricultura. Usar como adubo o bagaço que resulta das podas das próprias plantas. Tornar a área viável economicamente. Transformar uma capoeira em Sistema Agroflorestal (SAF). E fazer tudo isso em pleno Sertão Central do Ceará, terra de clima semi-árido onde predomina a vegetação da caatinga. É este o cotidiano de várias famílias do sertão cearense que estão deixando a agricultura convencional para apostar no manejo agroflorestal. Uma prova de amor e inteligência. Amor por si, pelos seus e pela natureza já tão degradada. Inteligência por perceber que os SAFs – e sua
capacidade de adaptação às condições de cada região – permitem que se construa realmente um desenvolvimento social e ecologicamente sustentável. Nas próximas páginas, seguem relatos de como os SAFs estão transformando a vida de pessoas simples do Sertão Central. São mulheres e homens, jovens e adultos que apostam no semi-árido como o lugar pra se viver bem e respeitam a vida que brota e renasce todo dia na caatinga. 13
Os Exemplos de Canindé
Foto: Eduardo Magalhães
“Eu quero fechar isso tudo aqui pra virar uma mata. Essas bichinhas aí nunca foram aguadas e estão bem vivinhas.” Francisco Eudes dos Santos fala, apontando para uma parte do terreno onde começou seu sistema agroflorestal. Na área de 1,5 hectares cedida pelo pai que tem o título de assentado, avistamos pequenos pés de sabiá, canafístula, urucum, goiaba e pés de banana-maçã que se misturam à macaxeira, ao feijão guandu e a outras culturas recémplantadas, mas que já povoam e enriquecem o solo com matéria orgânica.
Francisco Eudes na sua área de SAF, assentamento Pitombeira em Canindé-Ceará.
Foto: Eduardo Magalhães
Desde 2002 – quando voltou a morar no Assentamento Pitombeira, a 52 Km de Canindé no Norte do Ceará – Francisco aposta na agricultura como fonte de vida e geração de renda. “Sempre trabalhei com agricultura, mas fui embora pra São Paulo, passei 12 anos lá e voltei.”, diz ele. Há pouco mais de um ano, porém, a aposta na agricultura veio com um diferencial: o manejo agroflorestal. “Nessa área, a gente não queima mais não,
Horta de Francisco Eudes, assentamento Pitombeira, Canindé-Ceará.
faz tempo que não é queimado. Parei de queimar porque não tem futuro, a terra fica muito fraca.”, completa Francisco. Além de não queimar, Francisco explica outra diferença entre o tipo de manejo que adotou e a agricultura convencional. “Sei que a gente tem que plantar tudo 14
junto, as plantas nativas e as da agricultura.”, diz já mostrando os primeiros resultados. “A terra aqui é boa. Nessa areazinha, deu 10 sacas de milho e a horta eu tiro para o consumo da família, mas às vezes vendo bastante coentro.”, relata. Dentro do SAF, a horta de Francisco é um caso curioso de contar. Um exemplo de maneiras criativas que o pequeno agricultor encontra para plantar sem agredir a natureza. “Fiz uma parte da horta trepada para as formigas não comerem. Se elas subirem, a gente enrola um algodão aqui e elas se engancham e voltam.”, mostra Francisco, apontando as hortaliças suspensas. “Coloquei também uma tela nos pimentões por causa dos passarinhos.”, completa, lembrando também que não usa veneno na horta. “Eu uso ‘o agrotóxico’ feito do nim, não uso veneno não. A gente pisa a folha no pilão, tira o sumo, côa, bota água e pulveriza.”, ensina. Várias árvores também cercam os fundos do terreno de Francisco que, segundo ele, são da mata ciliar do rio que corta o assentamento. E mesmo sem saber o nome do rio que “só conhece como rio da Pitombeira”, sabe que é preciso cuidar dele. “Ninguém aqui pode derrubar as matas do rio não. É tudo preservado.”, fala se referindo a uma decisão tomada pela Associação Comunitária dos Assentados do Assentamento Pitombeira. Por trás dessa decisão coletiva, há também o trabalho lento e persistente de Domingos de Sousa Forte, suplente da Secretaria de Política Agrícola do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - STTR de Canindé. “A gente acha que o caminho é não desmatar, então, a gente precisa muito educar o agricultor, mostrar pra ele.”.
Fotos: Eduardo Magalhães
m mingos optar pelos SAFs que já desenvolve há qquatro anos. “O que eu faço no assentamento é mostrar que naquelas áreas que o pessoal p plantaram tanto e dizem que não dá mais, que eestá cansada, eu começo a preservar, levar estr trumo... Com pouco, a área está produzindo n novamente.”. Completa, mostrando que mais do que palavras e discursos, a mão na massa, d oou melhor, na terra, é o caminho certo para d divulgar o manejo agroflorestal. Em quatro anos trabalhando com agrofloresta e sem queimar, Domingos já ganhou aaliados. “Algumas famílias já percebem que qquando não queimam dá melhor do que qquando queima.”, diz. “Toda hora que eu enccontro com os agricultores, eu estou falando, oorientando. Eles têm aquelas dúvidas, mas eu eestou fazendo no meu assentamento para eles vver, acreditarem e começarem a fazer tamSAF de Domingos Forte, assentamento Pitombeira em Canindé-Ceará. bbém.”, ele fala com a certeza de que esse trabalho deve ser cotidiano. “Quase todas as famílias aqui É assim que Domingos resume seu trabalho dentro do Pitombeira onde mora desde quando o assentamento foi têm o conhecimento. Tem umas que não fazem, mas tem criado em 1993. “Antes não tinha uma árvore na beira do muitas que estão fazendo. Eu acredito que, no futuro, rio e hoje a gente não deixa cortar um pau. Aí, o rio não todas vão aderir esse tipo de trabalho.”, conclui. “Sobre a agrofloresta, a gente aprendeu mais técnicas ampliou mais, porque ele estava enlarguecendo, pegando as terras da gente. Hoje, ele está se comportando na área e está aperfeiçoando o trabalho com a ajuda da Fundação dele.”, diz. Além da preocupação com o rio, Domingos Cepema.”, diz Domingos. “Mas, a gente já tinha esse trafez também uma campanha para que cada família plan- balho de preservar a natureza, de não queimar, de preservar as beiras dos rios, dos aç açudes, limtasse 15 mudas de árvores res em frente a ambiente.”, diz ele par o meio ambiente suas casas e, hoje, a maior ior parte que trabalhava algumas do assentamento é arboriboritécnicas aagrofloreszada. mesmo sem tais, me Ele se lembra, saber. “Agroainda, da mata natiflor oresta é um va localizada na área no nome asserrana do assentasim novo... si mento que, segundo A gente ele, nunca foi queichamava mada, brocada ou desd de outro á, matada e dos animais, lá, no nome, de preservados. “Nós temos os o quintais proquin porco catitu [porco-do-mato], o-mato], dutivos dutivos, como os veado, tamanduá, tatu,, jacu [tipo procurei fazer que eu pro de ave galinácea]... Todas as essas caças nós no quintal da m minha casa, va. A gente pensa temos na área de reserva. Plantação consorciada de algodão em um dos SAFs l d várias á i plantas, plantando no futuro e se preocupa com a extinção de Domingos Forte, assentamento Pitombeira. trabalhando sem agrotóxidesses animais. Esse trabalho de preservação, de arborização faz a gente encontrar até pássaros que co...”, relembra. Casado com quatro filhos, Domingos tem três antes não tinha e que agora estão aqui, como o sabiá-daáreas, cada uma com meio hectare, onde implanta seus praia que apareceu.”, ensina. Com essa consciência ecológica, não foi difícil para Do- SAFs. A escolha por áreas pequenas se deve à característica 15
produzir bem a cultura tem que ser pura está ultrapassada. “A gente mostra que as culturas consorciadas dão. Ou dá uma coisa ou outra. Isso é o que a gente observou e vem mostrando.”, diz Domingos que, em 2008, vendeu cerca de 600 kg de mamona e mais 4 mil kg de jerimum, além de milho e feijão. “A gente teve uma boa produção, numa área de um hectare. Se a gente faz as contas da produção que a gente tem dentro dela, a gente já fez mais de 2.500 reais numa área só de 1 hectare.”, completa.
Fotos: Eduardo Magalhães
do assentamento que tem 2.806 hectares – onde vivem atualmente 29 famílias – sendo 95% formado por serra, restando uma parte muito pequena para o plantio. Nas áreas, ele planta coco, ata, siriguela, mamão, leucena, nim, urucum, algodão, mamona, milho, feijão, gergelim, sorgo... “A gente faz uma salada, mistura tudo e ver que tudo que a gente planta dá.”, explica. As experiências, tanto de Domingos como de Francisco, demonstram que aquela idéia de que para
SAF de Francisco Eudes (foto 1) e SAF de Domingos Forte (foto 2), assentamento Pitombeira em Canindé-Ceará.
O Exemplo Continua em Casa
Foto: Eduardo Magalhães g
“Eu já nasci nesse meio rural e já me habituei à natureza. Tanto que quando eu passo minhas férias na rua, eu fico quase doente, com falta de ar. Eu não consigo ficar muito tempo na cidade. Eu gosto de estar no campo por causa do meio ambiente, do ar puro. É inexplicável o que eu sinto.”. É assim que Domilson de Sousa Forte resume seu convívio com a natureza. Este amor, Domilson herdou
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dos pais Domingos e Zena Cleide de Sousa Forte. É no dia-a-dia que o rapaz de 18 anos prova que ama mesmo a natureza. Ele é quem cuida das áreas, com SAFs, implantadas pelo pai no Assentamento Pitombeira em Canindé. Na lida que começa às cinco da manhã, Domilson faz de tudo um pouco. “A cada dia eu planejo um trabalho diferente. Coloco os animais na capoeira, ajeito uma cerca, cuido da plantação. Cada dia, aparece um serviço diferente. E eu vou procurando uma coisa e outra até completar o meio dia, porque de tarde eu estudo.”, conta. Em 2008, ele terminou o ensino fundamental numa escola pública localizada cerca de 23 km do assentamento. “Eu não gostava de estudar, queria era ser vaqueiro. Eu dizia que vaqueiro não precisava estudar. Mas, eu vi que estava errado. Agora, estou recuperando o tempo, né? Porque nunca é tarde.” O gosto pelos estudos faz Domilson sonhar mais alto. “Penso em terminar o segundo grau, entrar numa faculdade. Tenho vontade de me formar em Agronomia. Mas, tenho que estudar bastante. Vamos ver... Um dia de cada vez eu vou vivendo.”, conclui. Nessa conciliação entre agricultura e estudo, Domilson acabou semeando entre os colegas de escola sua preocupação com o meio ambiente. “Eu levei uns cartazes sobre coleta de lixo e preguei na escola para incentivar os alunos. E sobre a questão do desmatamento na beira do rio, eu sempre falo pra não cortar. Meus amigos ficam mangando, mas é problema deles. Eu tô fazendo a minha parte. Lá pra frente, eles vão ficar prejudicados porque eles não sabem o que estão perdendo e quando perceberem pode ser tarde.”, alerta, fazendo a gente lembrar de seu pai que trabalha, orientando os agricultores da região.
Foto: Eduardo Magalhães
SAF de Francisco Arnaldo (em destaque), Comunidade Correntes em Canindé - Ceará.
degradada e sem reservatório de água, o desafio para recuperar a terra é grande, mas tudo indica que o caminho escolhido foi o mais acertado. “Eu percebo uma mudança na terra onde já tem plantado cajueiro, siriguela, sabiá, palma e capim.”. E de fato, as primeiras folhas verdes começam a contrastar com a paisagem amarronzada do local. “Eu espero que o terreno todo enverdeça e eu sei que cultivando a área vai dar certo.”, diz Arnaldo. A esperança de Arnaldo, hoje, é compartilhada pelos pais que no começo eram contra. “Meu pai não queria de jeito nenhum, dizia que não dava certo. Mas, ele está começando a ver que dá certo e já me ajuda muito. Agora, a mãe e o pai são de acordo.”, lembra Arnaldo. Essa resistência, especialmente dos agricultores mais velhos, é uma das dificuldades en-
Foto: Eduardo Magalhães
Próximo ao Assentamento Pitombeira, na comunidade Correntes (a 43 km de Canindé) mora Francisco Arnaldo Sousa Pinto que, aos 28 anos, resolveu apostar nos sistemas agroflorestais, os SAFs. “Eu já tive vontade de ganhar o mundo, mas não deu certo. Aí eu resolvi ficar e cuidar daqui.”, conta Arnaldo que acessou o Pronaf Florestal no final de 2007. “Os meninos que trabalham com esse projeto estiveram lá em casa e me influenciaram. Que era bom fazer a agrofloresta, tomar de conta da terra que está muito desmatada. Aí eu entrei e estou achando bom.”. Arnaldo se refere à equipe técnica da Fundação Cepema que desenvolve um trabalho de assessoria a sistemas agroflorestais, acompanhando 11 propriedades entre comunidades rurais e assentamentos da região de Canindé e mais duas comunidades em Irauçuba, cidade vizinha. Já o Pronaf Florestal é uma linha de crédito especial do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf ), do Governo Federal. Atendendo de forma diferenciada os mini e pequenos produtores rurais, esse financiamento é voltado para projetos de silvicultura, sistemas agroflorestais e exploração extrativista sustentável. “A gente procurou a área mais escassa pra deixar ela um pouco mais verde e plantar tudo.”, diz Arnaldo que reservou 2.5 hectares para o SAF. Por ser uma área bastante
Wellington Uchoa, Adae da Fundação Cepema.
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frentadas pelo Cepema na divulgação da agrofloresta. “Muitas pessoas trabalhavam na monocultura e pra mudar para esse sistema foi um pouco difícil, mas muitos já estão bem adaptados. Além disso, o Pronaf Florestal incentivou bastante.”, diz Antônio Wellington Uchoa Sousa, Agente de Agricultura Ecológica (Adae do Cepema) que trabalha na região. Outro fator de resistência aos SAFs é a criação de animais, em especial, de gado. “Tem gente que tem criação de gado e não quer reservar áreas para agrofloresta porque querem colocar os animais. Mas, a gente chega, conversa, fala pra separar uma área só de meio hectare...”, explica Wellington. Mas, para Arnaldo, que foi chamado até de doido por apostar nos SAFs, esse trabalho é importante “porque não é só pra pessoa, é também pra terra.”. Ele já faz planos para ampliar a experiência. “Tem uma outra área que dá pra plantar horta e se der certo eu vou fazer uma outra área.”, diz. Aos poucos – com exemplos práticos, apoiados por assessorias técnicas e financiamentos públicos – a prática agroflorestal ganha espaço entre os
pequenos produtores da região de Canindé. Na comunidade Correntes, por exemplo, mais três famílias acessaram o Pronaf Florestal, através do Banco do Nordeste. “Eu acho que agrofloresta é
o novo caminho para mudar, tanto pra natureza, como para a segurança alimentar do agricultor.”, diz Wellington que, aos 24 anos, além de Adae é filho de pequenos agricultores da região.
Pai de Francisco Arnaldo no SAF do filho, comunidade Correntes, Canindé-Ceará.
O Pronaf Florestal é um crédito especial, destinado ao financiamento de projetos de silvicultura, sistemas agroflorestais e exploração extrativista sustentável para pequenos produtores rurais. Com 4% de juros ao ano e bônus de adimplência de 25% na taxa de juros, o Pronaf Florestal tem prazo de pagamento que pode chegar a 12 anos, com até 8 anos de carência.
Os Exemplos das Mulheres
Mariinha, Conceição, Aparecida, Terezinha, Keliane e Zilmar. Seis mulheres e um sonho: tirar da terra seu sustento, através de uma agricultura que não maltrate o meio ambiente. Seis mulheres e um desafio: implantar um sistema agroflorestal em plena caatinga. Sonho e desafio assumidos, o primeiro passo foi escolher o terreno: um hectare da área coletiva do Assentamento Oiticica Dois onde moram, a 42 km de Canindé. Maria Conceição do Nascimento, assentamento Oiticica Dois, Canindé-Ceará.
No final de 2007, o hectare foi cercado com ajuda dos maridos e de um advogado do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - STTR de
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Canindé que doou oito rolos de arame farpado. “Vamos plantar cajueiro, sabiá, pau-branco, urucum, siriguela, goiabeira e outras plantas. Conseguiremos as mu-
das e sementes na própria comunidade.”, diz Maria de Fátima Uchoa Sousa. Mariinha, como é conhecida, mora há 45 anos na região é viúva e mãe de três filhos.
Foto: Arquivo Cepema
Sindicalizada desde 2002, Mariinha é a Secretaria Geral do STTR de Canindé e sócia da Associação dos Produtores de Oiticica Dois que conta, hoje, com 30 mulheres associadas.
a gente achou por bem fazer o grupo. A mulher é muito discriminada, então, a gente precisou se organizar pra ter mais valor dentro da própria sociedade.”, completa Maria Conceição do Nascimento, que mora no assentamento desde 1990. Ela é outra integrante do grupo, além de também ser sócia da Associação e sindicalizada. “Vamos usar o sistema agroflorestal. Foi exclusivamente pra isso v que a gente cercou o terreno, porque o desmatamento é Maria M i de d Fátima Fá i Uchoa U h Sousa. S Mariinha, M ii h assentamento Oiticica Oi i i Dois. D i muito grande. E o Segundo ela, o grupo surgiu a partir que está trazendo o desmatamento? Só de reuniões com a Fundação Cepema. sofrimento para as próprias famílias. “Por causa das reuniões da Fundação, Então, o nosso plano é fazer o refloreseu mesma tive a idéia e convidei as de- tamento da terra.”, explica. mais companheiras para fazer parte do “Vamos trabalhar com agroflogrupo. Algumas tiveram um pouco de resta para melhorar o ambiente e a seresistência, mas, quando elas viram a gurança alimentar.”, reforça Mariinha. realidade e o beneficio que tinha, logo Na organização do trabalho para o aceitaram.”, relembra. plantio e cuidado com a área, o grupo “Foi mesmo com as reuniões que planeja fazer um revezamento entre as
mulheres. Mas, ajuda é sempre bem vinda. “Estamos contando com assessoria técnica do Cepema que repassa pra gente novas técnicas de manejo.”, diz Mariinha. Já Conceição se anima com o apoio recebido dos maridos e filhos dessas mulheres. “Eu acho ótimo eles ajudarem porque a gente vive de precisar um dos outros. A gente que é casado, o marido precisa da esposa e a esposa do marido. Quando eles precisarem nas áreas deles, a gente tamo com eles, quando a gente precisar, eles estão com nós.”, conclui. O entusiasmo do grupo é grande e elas pensam, ainda, em acionar o Pronaf. “Eu estou animada porque toda a vida eu fui de comunidade, fui de trabalhar na agricultura. Eu adoro e, pra mim, esse é o último caminho. A gente pede para não colocar veneno, pra não fazer queimadas, mas tem gente que acha que mata não vale nada. Eles não sabem a complicação que vai trazer aquele ato para nós, a devastação da terra.”, diz Conceição. “Eu acho que esse plano vai ser muito bom. Talvez, chame atenção de algumas pessoas pra não desmatar do jeito que estão fazendo.”, finaliza com a certeza de que mais do que palavras é necessário agir.
Zena: amor pelos estudos e pela terra Zena Cleide de Sousa Forte é a atual presidenta da Associação Comunitária dos Assentados do Assentamento Pitombeira onde mora há 18 anos. “Aqui, é a primeira vez que uma mulher é presidenta, mas eu não acho que seja um bicho de 7 cabeças porque já existem várias presidentas de associação. Nas reuniões, os homens me respeitam até porque eu fui eleita por eles porque as mulheres quase não freqüentam. Elas se acomodam muito.”, lamenta Zena cuja associação só possui três mulheres. Casada há 20 anos, ela é mãe de quatro filhos para quem deixa como legado o amor que dedica aos estudos e à terra. “Meu filho mais velho é quem cuida dos animais, da roça. Ele estuda de tarde e trabalha p pela manhã. Os outros três gostam da agricultura também, inclusive esse que tem 9 anos não gosta da cidade. O eta. negócio dele é o interior.”, conta. “Eu gosto do interior onde nasci e me criei.”, completa. Por morar no interior, a dificuldade em estudar era grande, mesmo assim, Zena venceu esses obstáculos. “Aqui, não existia o ensino completo e eu fiz só até a quarta série. Mas, eu sempre tive vocação de estudar, queria terminar, só não tinha como... Daí, surgiu umaa oporomecei tunidade de eu trabalhar como professora porque tinha carência no assentamento. Comecei ldade a trabalhar e continuei a estudar.”, lembra Zena que hoje cursa o sexto período da faculdade de Biologia na Universidade Estadual Vale do Acaraú, campus de Canindé. O trabalho como professora ela reveza com o de agricultora. “A gente sobrevive uma parte da agricultura e uma parte do emprego da cidade, um ajuda o outro. Só a agricultura ura go até dá, mas a gente passa necessidade, quer comprar e ter outras coisas, por isso o emprego é bom, é mais uma forma de angariar recursos pra dentro de casa.”, conclui.
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Maria de Fátima Silva dos Santos.
Fátima fala, sorrindo dos resultados positivos alcançados com defensivos naturais, feitos com plantas que tira do próprio SAF, como o nim. A área é cercada para evitar que as criações de dona Fátima – ela cria galinha, pato, peru, porco, ovelha e gado – e as de outras famílias assentadas pisoteiem as mudas pequenas. O cuidado com a natureza é recompensado pela diversidade de culturas se desenvolvendo. São cajueiros, pés de sabiá, manga, banana, goiaba, mamão, além de pimentão, cebola, alface, couve-flor, tomate, sorgo, milho, feijão guandu, feijão-de-porco, feijão brabo, entre outras. Da fartura produzida, a família consome especialmente frutas e verduras que também são vendidas, mas numa quantidade menor. É
também de lá que vem o alimento das criações. “Crio tudo próximo, as galinhas até entram no quintal com os pintos. Aí, todo dia, eu tiro o que eles comer daí.”, conta ela. E enquanto espera a aprovação do Pronaf Florestal (que solicitou com a ajuda do Cepema para ampliar sua área), dona Fátima fala de outros planos que tem junto ao grupo de mulheres do assentamento, do qual faz parte. “A gente vai fazer um projeto pra vender a produção pra Conab Companhia Nacional de Abastecimento] que é pras merendas das escolas daqui. Vamos fazer uma reunião com o prefeito novo de Choró pra ele entrar com a merenda só do que a gente não produzir.”, explica. Animada com as perspectivas de crescimento, dona Fátima não se envergonha e deixa um recado para todas as agricultoras. “Eu dizia para elas lutarem. Fazer que nem eu: ter coragem, não desanimar que a gente tem força. Porque é ter fé, trabalhar que a gente vai pra frente.”, ensina.
Fotos do SAF de Dona Fátima, assentamento Feijão - Comunidade Croatá, Choró-Ceará.
Fotos: Eduardo Magalhães
“Eu tinha 30 anos que ensinava, mas tive um derrame e não pude mais trabalhar na escola. Eu gosto desse meu novo trabalho porque eu me perco ali, quando vejo já é meio dia. Eu acho bom demais.”. É assim que Maria de Fátima Silva dos Santos – moradora do assentamento Feijão, comunidade Croatá, a 23 km de Choró, cidade vizinha a Canindé – conta como trocou a sala de aula por um SAF, implantado, há dois anos, em meio hectare do assentamento onde mora, com o marido e os filhos, desde 1996. Para iniciar sua experiência, dona Fátima contou com assessorias técnicas para a transição da agricultura convencional à prática agroflorestal. “Antes só tinha milho e feijão, eu fazia queimada, mas depois veio as mudas e eu plantei. Hoje, a gente vai só cuidando dos canteiros e deixando as plantas.”, diz dona Fátima se referindo às orientações sobre manejo agroflorestal que recebe da Fundação Cepema e sobre técnicas agroecológicas que aprendeu com o Esplar, organização não-governamental de Fortaleza. “Eu tenho uma cartilhinha que os meninos do Cepema me deram ensinando como eu faço pra não usar agrotóxico. E dá certo. Os manémagro estavam acabando com os pés de goiaba. E aquelas moscas brancas?! Mas, eu pulverizo e acaba logo. Só não acaba com as formiguinhas mordedoras, mas essas não fazem mal não, só mordem a gente.”. Dona
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Os Exemplos de Quixadá
Ainda sob o sol do Sertão Central cearense, mais precisamente no assentamento Sergipe Paraná, a 12 km de Quixadá, outras famílias também apostam nos Sistemas Agroflorestais (SAFs) como a alternativa mais viável para quem lida com agricultura familiar.
Foto: Eduardo Magalhães
Antônio Marcos, presidente da associação comunitária do assentamento.
De quatorze famílias assentadas, seis já iniciaram a implantação de SAFs após acionarem o Pronaf Florestal e mais quatro famílias estão elaborando seus projetos. “Tinha assentado que dizia: ‘o Marcos está ficando doido de plantar pau.’. Mas, eles viram que está dando certo. No início, eram seis, agora, vamos partir pros dez. Pode ser que chegue até os 14.”, diz Antônio Marcos Silva de Oliveira, presidente da associação comunitária do assentamento.
Foi uma coisa simples, em poucos dias, já estava pronto.” conta Marcos que acessou o Pronaf Florestal em 2007. “Eu tinha acionado o Pronaf pra criação de gado em 2004 e vou começar a pagar agora. Mas, pra mim, o melhor Pronaf foi esse da agrofloresta porque são oito anos de carência, mais doze anos pagando e os juros são mais baixos.”, explica ele alguns dos motivos que o fizeram optar por essa linha de crédito.
O bagaço, que antes era queimado, agora vira adubo.
Área onde o SAF está sendo implantado, assentamento Sergipe Paraná.
Foi a pouco mais de um ano que as famílias do Ser“Não é complicado acessar o Pronaf, mas precisa do gipe Paraná começaram acessar o Pronaf Florestal, orienprojeto, dos documentos da pessoa e os da associação. tadas pela Fundação Cepema que iniciou um trabalho de assessoria técnica no assentamento há dois anos. “Eles vão na área mais nós, mostrando como é que faz o raleamento na mata, como é que planta as coisas miúdas. Toda semana estão aqui.”, explica Marcos o trabalho com o Cepema. “Já estamos usando os recursos, aplicando nas áreas. Eu comecei cercando, fazendo as podas nas árvores. É uma excelente idéia esse Pronaf porque serve também para recuperar o solo.”, completa.
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Mas, para esse sonho virar realidade, muito precisa ser feito, especialmente nas áreas onde os SAFs não estão implantados, porque a prática com queimadas e agrotóxicos não foi totalmente encerrada. “A gente usa os venenos que compra na cidade, mas é coisa pouca. A gente não usa muito porque traz problema pro solo e a maioria dos agricultores daqui já
Açude e área devastada pela queimada, assentamento Sergipe Paraná em Quixadá.
usa o nim. Ainda tem queimada, mas também é coisa pouca.”, diz Marcos. Para o assentamento Sergipe Paraná, fica, então, a esperança de que, da mesma forma que aumentou o número de famílias trabalhando com o manejo agroflorestal, outras mudanças venham.
Manoel dos Anjos: cuidado com a terra que é sua “Foi bom demais virar assentado porque trabalhei 15 anos com patrão e nunca tive nada na vida e agora tenho muita coisa porque tenho minha terra, tenho os meus bichinhos”. É assim que Manoel Pinheiro dos Anjos – assentado na mesma fazenda onde morava (Fazenda Areias, hoje, conhecida por assentamento Sergipe Paraná) – resume sua satisfação pela imissão de posse recebida há sete anos. Casado há 38 anos com Dona Maria dos Anjos, Seu Manoel tem sete filhos e três trabalham com ele na criação de gado, ovelha, galinha e no plantio de milho, feijão e sorgo. Os filhos também ajudam no SAF que Seu Manoel implantou em um hectare de sua terra, após acessar o Pronaf Florestal. “Essa forma do Pronaf é diferente, não queima. Eu acho que assim dá certo. É melhor porque a gente queimando acaba com a floresta e a terra vai ficando fraca.”, diz. Perguntado sobre como os vizinhos viram seu novo investimento, Seu Manoel é rápido na resposta. “Rapaz, eu que fiz não estranhei não, mas teve gente encostado que não gostou não, que disse que era muito difícil que era coisa que não dava não. E eu disse que eu enfrentei e vou enfrentar e, se Deus quiser, com meus filhos, eu vou fazer.”, diz. “Eu estou vivendo, trabalhando como eu posso. Não tenho nada, mas tenho muita coisa.”, finaliza.
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Foto: Eduardo Magalhães
“Nós vamos plantar também a ata e o cajueiro que servem pro consumo da família. Com quatro, cinco anos, vai começar a aparecer mesmo o rendimento dessa terra porque hoje já tem muito sabiá novo, marmeleiro, pau-branco...”. É o que espera Marcos. “Eu acredito que vai aparecer uma coisa linda aqui. Muito verde e, através do verde, a árvore chama os pássaros e a natureza que vive sumindo por causa das queimadas. A gente espera uma coisa assim pra alegrar.”, sonha ele.
Fotos: Eduardo Magalhães
Com 586 hectares, o assentamento tem um açude, áreas de produção coletiva e uma média de 26 hectares para produção individual. Cada família que está investindo nos SAFs separou, a princípio, um hectare de sua área e juntas estão construindo um viveiro de mudas na área coletiva com capacidade para até 10 mil mudas. “Nós iniciamos o viveiro que é pra plantar nesse ano. É muda de paubranco, sabiá, cajueiro, juazeiro, joão-mole... Um viveiro coletivo pra ficar pros dez.”, diz Marcos já contando com as quatro famílias que também acessarão o Pronaf Florestal.
Quixadá
A criação da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres de Quixadá era um desejo. Um anseio daquelas que fazem o movimento que discute política para mulheres no município. Instituída em junho de 2008, a Coordenadoria também fez parte de um processo de conquistas, iniciado em 2004 – a partir da mobilização do Sindicato Fachada da sede da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres. dos Servidores Públicos Municipais de Quixadá – e fortalecido pela criação do Conselho Municipal da Mulher (2005) e do Centro de Referência da Mulher (2007). Ligada diretamente ao Gabinete do Prefeito e com status de secretaria, a Coordenadoria tem a missão de fazer o diálogo entre a sociedade civil e o poder público. “Ela vai discutir políticas públicas para as mulheres. Vai propor, monitorar e avaliar as políticas que existem no município e que estejam ligadas às políticas para mulheres, sejam na área da saúde, educação, habitação, geração de emprego e renda ou desenvolvimento social.”, explica Sheila Maria Gonçalves da Silva, da Coordenadoria. Por fazer parte de uma política nova – em todo o Ceará só existem duas Coordenadorias, a de Quixadá e de Fortaleza – um dos primeiros desafios foi conquistar o reconhecimento tanto do poder público como da sociedade. O primeiro passo foi, então, visitar as comunidades para mostrar o que é a Coordenadoria e já contribuir na organização das mulheres. “A gente sabe que as mulheres ocupam espaço em vários segmentos da comunidade. Elas estão na associação, no sindicato, mas muitas vezes, não estão organizadas enquanto segmento de mulheres.”, analisa Sheila. Essas visitas já chamam atenção, especialmente dos homens que estranham. “Eles se perguntam o que essas mulheres estão discutindo, porque a gente fala efetivamente de políticas públicas para as mulheres. A gente respeita os companheiros, mas o nosso foco é a mulher.”, diz Sheila.
Também, entre as mulheres, há certo estranhamento, mas, a maioria se interessa. “Algumas mulheres aceitam de imediato e dizem que estava mais do que na hora de chegar uma ação dessas. Outras querem conversar com os companheiros pra saber se isso é legal ou não. Mas, no geral, está sendo positiva a nossa ida até as comunidades.”, relata Sheila. Nesse primeiro momento, as visitas estão concentradas na zona rural de Quixadá onde tanto a necessidade como a receptividade foram maiores. “A gente sentiu maior necessidade, além de a receptividade ser bem maior pela ausência de política. Além disso, na zona urbana, existem outros valores que precisam ser discutidos. A influência da mídia, por exemplo, é muito mais forte.”, explica Sheila. Mais do que apresentar a Coordenadoria, as conversas nas comunidades rurais são momentos para conhecer o que essas mulheres querem. “A gente vai sentindo também o desejo dessas mulheres, porque não adianta levar cursos ou outras ações e serviços se não for o que elas desejam. Conhecendo a realidade delas, a gente vê até onde pode chegar.”, diz Sheila. Outra discussão que a Coordenadoria traz junto às comunidades é sobre o enfrentamento à violência contra a mulher. “A violência se estende da zona urbana à zona rural.
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Foto: Eduardo Magalhães
COORDENADORIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES: Passo Importante na Defesa dos Direitos da Mulher
A violência doméstica não tem cor, não tem idade, não tem classe social. Ela está em todos os lugares e nós temos índices muito altos em Quixadá.”. Sheila explica os motivos que levaram a Coordenadoria a assumir essa bandeira de luta. Paralelo às discussões, a Coordenadoria vem elaborando projetos para captação de recursos. O primeiro apoio financeiro veio, através do Território de Cidadania do Sertão Central, para execução de um projeto que atende, exatamente, mulheres em situação de violência. “Em 2007, o Centro de Referência da Mulher atendeu 153 mulheres. Nós fizemos, então, um levantamento e vimos onde essas mulheres estão, quais as profissões, seus desejos... A partir daí, a gente elaborou um projeto que foi aprovado pelo Território de Cidadania.”, relembra Sheila. Com recursos na ordem de R$ 50 mil, o projeto vem atender 100 mulheres com o foco na qualificação profissional. “Uma das dificuldades que as mulheres apontam para sair da violência é a ausência da autonomia financeira. Então, se esse é um dos elementos dificultadores, então, a gente vai facilitar para que ela tenha qualificação profissional ou acesso ao crédito, usando, por exemplo, o Pronaf Mulher.”, explica Sheila. A partir dessa preocupação, a Coordenadoria – em parceria com a Secretaria Municipal de Agricultura e com outras entidades, como a Fundação Cepema – está levando
Foto: Eduardo Magalhães
a discussão sobre as relações de gênero associada ao processo de produção. “Apesar de a mulher estar na produção, gerando renda para a família, muitas vezes, ela não tem acesso ao recurso. Isso acontece porque ela não tem autonomia de fato e a sua renda vira um complemento à renda do companheiro.”, explica Sheila Maria Gonçalves da Silva. Sheila. “A idéia é que, a partir da discussão de como elas se organizam para questão produtiva, a gente possa discutir a autonomia da mulher para gerenciar seu próprio dinheiro.”, conclui Sheila. Por ter liberdade para dialogar com outras secretarias municipais e com setores organizados da sociedade civil, a Coordenadoria reforça a rede social criada pelo movimento de mulheres de Quixadá. “Hoje, nós constituímos uma rede. Nós tínhamos um serviço que é o Centro de Referência da Mulher, mas faltava quem discutisse a política, elaborasse políticas públicas para as mulheres. Aí, surgiu a Coordenaria que vem somando a essa rede.”, diz Sheila.
A CASA ABRIGO NO SERTÃO CENTRAL Prevista para começar a funcionar ainda no primeiro semestre de 2009, a Casa Abrigo Sertão Central para Mulheres em Situação de Risco de Morte vai atender os 21 municípios do território do Sertão Central do Ceará. A Casa é fruto das negociações dentro do Pacto de Enfrentamento à Violência que destinou R$ 4 milhões para ações de combate à violência no estado do Ceará. Localizada em endereço sigiloso, mas dentro da cidade de Quixadá, a Casa Abrigo terá seis dormitórios e cada família acolhida poderá ficar até 45 dias. Enquanto estiverem alojadas na Casa, as famílias terão acesso a atendimentos psicológico, psicossocial e jurídico e assistência médica. Durante esse período, a Rede Socioassistencial deve criar condições para que essa mulher possa voltar a ter uma vida normal. Outra preocupação da Casa é garantir, aos filhos que acompanham essa mãe vítima de violência, atividades pedagógicas próprias à sua idade. Daí, a Casa Abrigo oferecerá também acompanhamento com educadores sociais e pedagogos. “Será um serviço garantido e sigiloso, com vigilância 24 horas. O sigilo e a vigilância são importantes para garantir a segurança dessa mulher que sai do seu ambiente familiar de violência com risco de morte.”, explica Sheila Maria Gonçalves da Silva, da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para Mulheres de Quixadá.
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Apesar de ser uma ação fundamental para combater os casos extremos de violência, para Sheila, a prevenção ainda é o melhor caminho a seguir. “Nós precisamos é prevenir a violência. Para isso, nós temos parceiros como os Cras [Centro de Referência da Assistência Social], Creas [Centro de Referência Especializado da Assistência Social] e os Conselhos.”, diz ela. O serviço será co-financiado pelos 21 municípios. “A gente vai precisar discutir, com os novos prefeitos, como será esse gerenciamento, porque alguns serviços o município de Quixadá vai bancar, mas outros serão co-financiados.”, explica Sheila. Mesmo ainda ajustando as últimas peças para começar a funcionar, a Casa Abrigo Sertão Central para Mulheres em Situação de Risco de Morte já é uma conquista história para o povo cearense. Pois não existe nenhuma experiência desse tipo no interior do Ceará. Hoje, o Estado só conta com duas casas abrigo, localizadas na capital Fortaleza. A iniciativa merece, então, nosso respeito e apoio.
Parcerias
Foto: Eduardo Magalhães
Cepema e Coordenadoria de Mulheres: o início de uma parceria
Maria Erivânia Pereira Buriti.
A proximidade entre Sheila Maria Gonçalves da Silva, da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, de Quixadá, e a equipe técnica da Fundação Cepema já existe há um tempo. “Nós temos afinidades na visão política de querer transformar esse mundo numa sociedade mais justa. Foi isso que nos aproximou e nos aproxima sempre.”, diz Sheila. Então, quando o Cepema procurou a Coordenadoria para discutir a implantação de uma rede produtiva de mulheres na região de Quixadá, a recepção não poderia ser melhor. “Eu trabalho com as famílias e particularmente com as mulheres desde 2004, então, quando o Cepema nos procurou, a gente trocou algumas idéias.”, lembra Sheila. O que motivou essa parceria foi o projeto para formação de uma rede produtiva de mulheres no Ceará
que a Fundação Cepema começou a realizar em 2008. No Sertão Central, o projeto vai atender, até 2010, 20 mulheres de cada um dos cinco municípios do pólo de atuação do Cepema na região: Banabuiú, Quixadá Ibaretama, Choró e Canindé. “A idéia é capacitar mulheres em manejo agroflorestal e no beneficiamento de frutas. Serão em torno de 22 municípios atendidos no Ceará.”, diz Maria Erivânia Pereira Buriti, que trabalha no Cepema desde 2005. O projeto surgiu, a partir das demandas observadas pela Fundação em suas visitas de assessoria técnica. “O Cepema desenvolve projetos voltados para a zona rural, respeitando a composição da família e a gente viu que a mulher participa efetivamente da economia familiar. Então, surgiu a idéia de trabalhar especificamente com elas. Não que a gente vá separar a produção da família. A idéia é orientar a mulher para que ela melhore sua produção e desenvolva sua autonomia financeira.”, diz Erivânia. “A gente conhecia o trabalho da Sheila e resolvemos procurá-la porque ela já tinha experiência na forma de abordar as questões de gênero, além do compromisso de discutir e criar políticas públicas para as mulheres.”, lembra Erivânia o início da parceria. “Estamos discutindo como o Cepema pode ajudar a Coordenadoria e vice-versa.”, completa. Fundação CEPEMA
A ano I - Nº
Fundação CEPEM
Distribuição Gratuita Informações: Fundação Cepema
ano II - Nº 2 - Outubro
A conversa ainda está nos seus momentos iniciais, mas já desperta os ânimos. “Será um projeto pioneiro na questão da rede produtiva de mulheres. Eu acredito que ele é amplo porque, além da produção, o projeto trará outras discussões, como as de gênero.”, diz Sheila. Hoje, a maior parte do processo produtivo está nas mãos do homem. Trabalhar a organização de mulheres para a produção se tornou uma estratégia para combater as desigualdades entre o homem e a mulher. “Ao mesmo tempo em que preparamos as mulheres para uma rede produtiva, vamos tentar desaculturar as relações atuais de gênero.”, explica Sheila. A mudança na cultura que oprime a mulher tem, como aliada, a educação. “É preciso educar no que se refere às competências familiares. Porque quando as mulheres começam a produzir elas ganham uma tripla jornada de trabalho, pois o companheiro ainda acha que é só dela a responsabilidade com o cuidar da casa e dos filhos.”, diz Sheila. Essa foi a principal razão que fez o Cepema apostar na parceria com a Coordenadoria. Agora, é esperar para ver essas mulheres produzindo, ganhando e administrando seu próprio dinheiro. Mas, também, libertando-se da obrigação de carregar, sozinhas, o fardo das tarefas domésticas. Uma missão nada fácil, mas não impossível.
2008
1 - Agosto 2007
A JUVENTUDE NHA: LAR DA RAI Apicultura e no Agrofloresta Sertão Central Cearense
por uma Frente Cearense Águas e ra de Nova Cultu sposição do Contra a Tran isco - entrevista Rio São Franc Said com Magnólia
QUE FLORECE NO CAMPO
SÍTIO BOM SERRA JARDIM NA A: DA IBIAPAB aea Dona Terezinh mãos dadas de reza natu r a vida para recupera
EMA Fundação CEP do Meio e Ministério Ambiente/PDA o para contribuindo o do desenvolviment rité Maciço de Batu e Maycon: Seu Gerardo (Serra da Lições de vida Meruoca)
PRONAF: CRÉDIT O AGRICULRUA FAMILIAEM PROL DA R entrevista com Porfírio Silva de Almeida do Banco do Nordeste
À Sombra de um Cajueiro entrevista com Adriana Carneir o de Castro, descendente dos Tremembés Viçosa do Ceará: Comercialização com toque feminin o
Escritório de Fortaleza Rua Crateús, 1250 Parquelância Fortaleza - Ceará Cep. 60.455-780 (85) 3223-8005 cepema@attglobal.net www.fundacaocepema.org.br
Graf: multiplicando saberes em defesa os da agrofloresta
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Parcerias
BANCO DO BRASIL E FUNDAÇÃO CEPEMA: Assessoria e Crédito estimulam a implantação dos SAFs em Quixadá
U
ma importante aliada na implantação de sistemas agroflorestais (SAFs) no Sertão Central cearense, especialmente na região de Quixadá, é a parceria entre a Fundação Cepema que investe no manejo agroflorestal e a agência do Banco do Brasil, localizada em Quixadá, mas que também atende os municípios de Choró e Ibaretama. Segundo Tarciso Balthazar de Oliveira Filho, gerente geral da agência do Banco do Brasil em Quixadá, essa parceria partiu do próprio banco. “Fizemos um convite à Fundação Cepema para eles fazerem parte do DRS do Banco do Brasil. Hoje, a Fundação é uma forte parceira e nós do Banco do Brasil passamos a enxergar a agrofloresta como uma estratégia muito similar às estratégias do DRS do banco.”, diz. Tarciso se refere à estratégia nacional de Desenvolvimento Regional Sustentável, desenvolvida por todas as agências do Banco do Brasil. “Nós estamos transformando a questão da agrofloresta numa estratégia do DRS da agência de Quixadá.”, completa. “A gente não enxerga mais o crédito como o único elemento de desenvolvimento. Tão importantes quanto o crédito é a capacitação, a organização do produtor, assessoria técnica, o
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auxílio na comercialização, a própria convivência com o semi-árido que é onde nós estamos e as boas práticas de gestão ambiental. O banco sai do seu papel de simples intermediador financeiro para ser um agente catalisador de parceiros para esse desenvolvimento.”, explica Tarciso. Além de articulador de parcerias, o banco entra com a intermediação financeira e o apoio, através do crédito. Já ao Cepema ficou a tarefa de orientar as atividades e aplicações bancárias dentro da visão agroflorestal e de ajudar na mobilização e capacitação dos produtores. Essa parceria começa a dar resultados. “Vamos financiar a produção da agricultura familiar, mas com a tendência voltada para a cultura agroecológica.”, diz Tarciso. Outro sinal de que o diálogo vem trazendo bons frutos é o surgimento de projetos para acessar o Pronaf Florestal, uma das linhas de crédito do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), do Governo Federal. “Em 2008, de forma pioneira, fizemos os primeiros projetos de Pronaf Florestal da cadeia do Ceará. Fizemos em torno de 220 mil reais em aplicação do Pronaf Florestal que dá mais ou menos 22 operações.”, comemora Tarciso. Para 2009, a agência trabalhará o Pronaf exclusivamente com
a estratégia de DRS. Significa dizer que se chegar um produtor e solicitar o Pronaf isoladamente, ele provavelmente não será atendido. “O Banco do Brasil procura as comunidades, mobiliza, organiza grupos, incentiva o DRS e só depois aplica o Pronaf. A gente não acredita mais em projetos pulverizados onde não se consegue mensurar o desenvolvimento, nem os resultados.”, diz Tarciso. Mas, investir em Pronaf com essa preocupação e ainda mais investir em Pronaf Florestal é uma estratégia recente no sertão cearense. “A gente falar do Pronaf Florestal numa região de serra é mais natural para se aceitar a idéia. Mas pensar o florestal em pleno semi-árido nordestino, no Sertão Central do Ceará, foi um desafio grande.”, lembra Tarciso. E foi na mudança dessa visão que o Cepema teve um papel fundamental. “Nós conversamos bastante e começamos a enxergar que é aqui o lugar onde é mais necessária a aplicação. A recuperação dessas áreas que estão degradadas e ao mesmo tempo gerar economia para os pequenos produtores.”, diz Tarciso. Nada melhor do que o diálogo para mudar uma visão, pois a estranheza que surge ao se imaginar um SAF no sertão vem principalmente da falta de informações do
que é um sistema agroflorestal. Pois no sertão, a implantação de SAF é tão ou mais necessária do que em outras regiões. Isso porque o manejo agroflorestal diversifica a renda do produtor, ao mesmo tempo em que recupera o meio ambiente. Dentro de um mesmo SAF, é possível trabalhar com plantas madeiráveis, frutífe-
ras, com o consórcio de oleaginosas, leguminosas e hortas. Pode-se trabalhar com apicultura, com a pecuária (a depender do tamanho da área de SAF). Além disso, com a recuperação do solo e o acúmulo de matéria orgânica, a irrigação vai deixando de ser necessária. “A agrofloresta, talvez, venha a ser o nosso melhor DRS,
porque ela não se prende a uma atividade produtiva só e sim na diversidade delas. A gente está apostando na agrofloresta, na recuperação do meio ambiente e espero que, num médio prazo, a gente tenha outra realidade social, ambiental e econômica.”, é o que espera Tarciso. É também o que todos nós esperamos.
Conversa Rápida
Cepema: O DRS tem preferência pela agricultura familiar? Tarciso: O DRS tanto acontece na zona rural como na urbana. No semi-árido, a grande vocação é o fortalecimento da zona rural, mas, pode acontecer na zona urbana, vai depender da agência. Em Quixadá, nós entendemos que a implantação do DRS é melhor na zona rural e o nosso carro-chefe é o Pronaf. Cepema: Como a agência dá conta de três municípios? Tarciso: As nossas pernas sempre são curtas e é por isso que a gente conta com os parceiros. Nossa articulação no Sertão Central já conta com mais de 30 parceiros. Quando se tem essa ambiência, essa confiança entre os parceiros, fica tudo mais possível de ser realizado. E acreditamos que essa articulação, à medida que for crescendo e dando bons resultados, vai atrair novos parceiros. Cepema: Há quanto tempo vocês trabalham com essa estratégia? Tarciso: Faz um ano. Nós tivemos alguns intervalos por conta da falta de sinergia, mas os conflitos gerados foram superados. Em dezembro, liberamos cerca de 300 unidades produtivas nas cadeias de apicultura, ovinocaprinocultura e galinha caipira que são da agricultura básica. Isso sem falar das agroflorestas.
Cepema: A falta de sinergia foi entre os parceiros? Como é essa relação? Tarciso: O conflito deve existir porque é no conflito que a gente cresce. Nós não aceitamos o conflito destrutivo, mas o construtivo a gente até incentiva. Temos o nosso grupo do território onde há agentes como a Fundação Cepema com uma visão agroecológica sentada com entidades de assistência técnica que têm uma visão de agricultura convencional. Mesmo assim, há o respeito, o entendimento e nesse entendimento a gente vai crescendo. Cepema: Você já percebe resultados nesse trabalho? Tarciso: O primeiro resultado é essa sinergia dos parceiros que está sendo criada, essa ambiência favorável pra favorecer o desenvolvimento. Aí, a gente já ver parceiros em nível de estado e da União enxergando essa sinergia que existe no território e se aproximando. Cepema: O gerente influencia na condução dessa estratégia? Tarciso: Não podemos tirar das pessoas o caráter, seu espírito empreendedor ou não. Mas, o DRS é uma estratégia do Banco do Brasil. Onde o banco está presente, acontecem iniciativas de DRS e nós temos bons exemplos em todo o Brasil.
O administrador de empresas, Tarciso de Oliveira, é gerente geral da agência do Banco do Brasil há um ano e meio. Cepema: O que é o DRS? Tarciso: O Desenvolvimento Regional Sustentável é a estratégia do Banco Brasil que promove o desenvolvimento nas comunidades onde ele atua. Cepema: O banco ir até a comunidade causa estranheza? Tarciso: Causa surpresa, porque muitos sequer tinham entrado numa agência bancária. Eles ficam surpresos de o gerente conversar e escutar a experiência de cada um deles pra saber o que seria melhor naquela região. Porque o banco vai lá, mas não leva uma solução pronta. A gente escuta o que seria melhor para promover o desenvolvimento em cada local.
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Pólo Sertão Central
Encontro Estadual de Quixadá reforça a implantação de SAFs no Sertão Central
Foto: Eduardo Magalhães.
Nos dias 19 e 20 de novembro, Quixadá sediou o Encontro Estadual de Troca de Experiências em Sistemas Agroflorestais que contou com a presença de 73 participantes. A idéia surgiu a partir do Projeto de Assistência Técnica e Extensão Florestal em Áreas de Assentamento no Sertão Central, desenvolvido pela Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente, Cepema. O público principal do encontro foram os agricultores da região que são acompanhados pela assessoria técnica do Cepema. Entre os presentes, agricultores e agricultoras de Canindé, Choró, Quixadá, Ibicuitinga, Ibaretama e Banabuiú. Além de lideranças sindicais desses municípios; de Adaes (Agentes de Agricultura Ecológica) e da equipe técnica do Cepema que atuam na Serra da Ibiapaba e no Pólo do Sertão Central. Estavam também presentes representantes de instituições parceiras como: Prefeitura Municipal de Quixadá, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Secretaria de Agricultura e Secretaria do Desenvolvimento Social; Banco do Brasil; Banco do Nordeste; Sebrae; Ematerce; Federação das Associações Comunitárias do Município de Quixadá e Faculdade Católica de Quixadá. Com o objetivo de promover o intercâmbio de experiências em sistemas agroflorestais desenvolvidas no semi-árido e, a partir daí, identificar as viabilidades econômicas e sociais de cada área, o encontro teve uma extensa programação. Na manhã do primeiro dia, foram realizadas abertura oficial com a Fundação Cepema e parceiros; debate sobre “Manejo de Caprinos Leiteiros: Técnicas de ManeFoto: Eduardo Magalhães. jo, Controle de DoGrupo temático de mulheres artesãs. enças, Higiene dos Animais Leiteiros e Bancos de Proteínas”, com o Professor Nunes; debate sobre “Sistemas Agroflorestais e Apicultura
Momento coletivo durante o I Encontro Estadual de Troca de Experiências em Sistemas Agroflorestais, Quixadá-Ceará.
- Manejo de Sistemas no Semi-Árido”, com o Adae Tadeu Barros. Já a tarde começou com uma palestra sobre “Desenvolvimento Regional Sustentável, Crédito e Pronaf ”, ministrada pelo gerente do Banco do Brasil Tarciso Balthazar. Continuando a discussão sobre desenvolvimento sustentável, o encontro teve seu ponto máximo com o debate entre os agricultores e agricultoras, estimulado pela troca de experiências em sistemas agroflorestais. As atividades no segundo dia foram abertas com apresentação e debate sobre o vídeo “Agrofloresta”. Logo em seguida, para realização dos grupos temáticos, os participantes foram divididos em: Produtores Pronafianos; Produtores de Algodão Orgânico; Jovens Agricultores Familiares e Mulheres Produtoras de Artesanato. O encontro foi encerrado após apresentação das propostas dos grupos e definição dos encaminhamentos. “Não foi tirada data para realização do II Encontro Estadual, mas se anseia que seja realizado ainda em 2009 para que se renove a troca de experiências e se perceba se houve mudanças.”, diz Maria Erivânia Pereira Buriti, técnica da Fundação Cepema. Mas, as trocas de experiências já deixaram frutos depois do primeiro encontro. Segundo Erivânia, o Cepema já articula uma oficina sobre sistemas agroflorestais para os profissionais da Ematerce da região, agendada para esse ano.
Principais deliberações do Encontro Estadual de Quixadá Ampliação do numero de agricultores em Pronaf Floresta, como forma de aumentar o número agricultores praticando agrofloresta Ampliação das áreas que possuem unidades de sistemas agroflorestais Criação da Cooperativa de Produção do Sertão Central para trabalhar com a produção das unidades de SAFs e com a produção de artesanato das mulheres
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ENTREVISTA
Foto: Arquivo Cepema.
À SOMBRA DE UM CAJUEIRO
Em dezembro de 2008, o Governo Federal lançou o Plano Nacional sobre Mudanças do Clima que pretende incentivar o desenvolvimento de ações e criar condições internas para o enfrentamento das conseqüências das mudanças climáticas. O plano é resultado do trabalho de um Comitê Interministerial sobre Mudanças do Clima e do Grupo Executivo do Governo. Além do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima e da III Conferência Nacional do Meio Ambiente. A elaboração do plano contou também com a cooperação dos fóruns estaduais de mudanças climáticas e de organizações ambientais da sociedade civil brasileira. Para falar sobre essa iniciativa, conversamos com Adalberto de Alencar. Pedagogo e um dos fundadores da Fundação Cepema, Adalberto é, atualmente, Coordenador Pedagógico da Fundação da qual foi presidente por três mandatos. Na entrevista, ele também aborda a problemática da desertificação no Ceará. Contato: Fundação Cepema Rua Crateús, 1250 - Parquelândia Fortaleza - Ceará Cep. 60.455-780 Tel.: (85) 3223-8005 E-mail: cepema@attglobal.net Site: www.fundacaocepema.org.br
Cepema: Qual a importância de se lançar um “Plano Nacional sobre Mudança do Clima”? Adalberto: Quando se elabora um plano onde não se tinha nada, isso é positivo. O plano é um avanço na prática ambiental brasileira porque é importante ter metas claras na regulação do carbono. Ele traz a posição do Governo Brasileiro e deve ser ampliado pelos estados e municípios. Se ele vai para ação é uma outra pergunta. Mas, ele foi lançado agora e tem pontos bastante positivos e outros nem tanto... Vamos precisar ver a questão da execução dele e por isso é importante que os estados e os municípios também lancem os seus planos e que os movimentos sociais discutam mais para poderem intervir. Cepema: Que aspectos serão determinantes para o plano sair do papel? Adalberto: É preciso ter vontade política e orçamento para as ações se materializarem. Além do monitoramento da sociedade civil que deve participar também com idéias e experiências. Numa sociedade dividida em classes, tem que ter os diversos segmentos. Um plano como esse não pode ser eleitoral, tem que ser um projeto em longo prazo. Cepema: Em tempos de aquecimento global, o que significará a execução desse plano? Adalberto: Uma coisa importante é sair dessa ética purista que condena a degradação ambiental dentro de uma visão religiosa, de preservar a natureza apenas por amor, e trabalhar de forma mais concreta, com alternativas e ações reais, usando tecnologia e planejamentos estratégicos. Além disso, as conseqüências das mudanças climáticas não podem ser vistas só como uma questão ambiental
porque essas mudanças negativas vão prejudicar o desenvolvimento econômico como um todo. E, na lógica do capital, o preço maior será pago pelos pobres. Nós estamos no eixo central dessa questão por estarmos numa região semi-árida e próxima à linha do Equador. As áreas de desertificação, por exemplo, estão aumentando no Nordeste e no Ceará e se pegarmos os governos do FHC [Fernando Henrique Cardoso] e do Lula é praticamente zero as políticas de combate à desertificação.
“Quando se elabora um plano onde não se tinha nada, isso é positivo. O plano é um avanço na prática ambiental brasileira porque é importante ter metas claras na regulação do carbono.” Cepema: Mas, o Governo já criou o Programa Nacional de Combate à Desertificação... Adalberto: Criou, mas não deixou clara a responsabilidade dos gestores municipais. Nós temos um problema clássico no Brasil: elaboramos planos, mas não estipulamos metas e responsáveis, como também, orçamento para a execução. Não há um programa estratégico, embora já existam tecnologias pra isso. Não combater a desertificação, por exemplo, causa impactos negativos na economia local e na segurança alimentar. Afinal, fica difícil fazer agricultura
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no deserto... O que falta é uma política estatal. Não dá para combater a desertificação falando apenas que é antiético e que precisamos amar a natureza. Porque o meio ambiente e as condições climáticas agem e interferem diretamente no desenvolvimento da economia.
“Uma coisa importante é sair dessa ética purista que condena a degradação ambiental dentro de uma visão religiosa, de preservar a natureza apenas por amor.” Cepema: O Programa de combate à desertificação foi elaborado com a participação do poder público e sociedade civil. Isso é sinal de vontade política? Adalberto: O programa foi elaborado por técnicos da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, do Grupo de Trabalho Interministerial e contou com o apoio do IICA, da GTZ , de entidades da ASA e de outras organizações da sociedade civil. Essa participação de técnicos do governo e da sociedade foi importante para se ter um diagnóstico da realidade local, no que diz respeito à elaboração do PAN-Brasil. No entanto, com a saída da senadora Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente aconteceram algumas mudanças na gestão do Minc [Carlos Minc Baumfeld, atual Ministro do Meio Ambiente]. O Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, por exemplo, passou a ser executado pela Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA. Essas mudanças de gestores sempre trazem prejuízos ao desenvol-
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vimento das políticas governamentais. Mas, um ponto positivo foi a instituição, em julho de 2008, da Comissão Nacional de Combate à Desertificação que tem como finalidade principal deliberar sobre a implementação da Política Nacional de Combate à Desertificação, bem como, orientar, acompanhar e avaliar a implementação dos compromissos assumidos pelo Brasil junto à Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. Cepema: Quais os principais avanços que você listaria do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca ? Adalberto: Um dos avanços do PANBrasil foi o fato da população ser ouvida no processo de elaboração do programa. De certa forma, foi considerado todo o acúmulo de conhecimento dos atores locais. Eu considero como avanço esse processo de escutar os setores da representação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, das Igrejas, ONGs, dos governos estaduais e municipais, enfim, dos setores mais afetados pelo fenômeno da desertificação. Agora, esses mesmos setores devem ser ouvidos no momento de elaboração e execução das políticas de prevenção e combate aos efeitos da desertificação. Cepema: E onde o programa precisa avançar? Adalberto: O combate à desertificação deve ser um esforço coletivo de governo e sociedade civil. É preciso o envolvimento dos estados e municípios, e que esses tenham políticas públicas voltadas para a implantação de ações emergenciais e estruturantes contra os efeitos da seca, que têm relação com a estrutura fundiária, com o manejo inadequado de recursos florestais, as práticas agrícolas voltadas para o uso do desmatamento, da queimada e dos agroquímicos e com a falta de uma assistência técnica adequada. É necessário que cada município tenha seu Programa Municipal de Ação de Combate à Desertificação,
com orçamento definido e com metas claras, no sentido que se possa garantir resultados concretos. No Ceará, por exemplo, temos algumas ações, como o Projeto Mata Branca, desenvolvido pelo Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente que desenvolve atividades na Região dos Inhamuns, por apresentar áreas degradadas, com riscos de susceptibilidade para a desertificação. Esse projeto não atinge a região de Irauçuba e nem a Região do Jaguaribe, que são áreas bastante afetadas. Merecem destaques os projetos da Funceme [Fundação Cearense de Metereologia] no mapeamento das áreas susceptíveis ao processo de desertificação.
“Nós temos um problema clássico no Brasil: elaboramos planos, mas não estipulamos metas e responsáveis, como também, orçamento para a execução. Não há um programa estratégico, embora já existam tecnologias pra isso.” Cepema: Falando novamente do Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas. Nele, uma das ações-chave é o incentivo à recuperação de áreas degradadas. Isso não seria suficiente para combater a desertificação? Adalberto: Faz parte do PAN-Brasil a recuperação, preservação e conservação dos recursos naturais, aliado ao combate à pobreza e às desigualdades. Pelo menos é o que está dito no papel. Agora, é preciso avançar na promoção de mudanças no modelo de desenvolvimento nas áreas susceptíveis à desertificação, no que diz respeito à implantação da agroecologia ou agrofloresta
como alternativa à agricultura de alto impacto; recuperação de microbacias e redução dos efeitos da pecuária bovina... O Painel Inter-governamental para Mudanças Climáticas faz previsões nada animadoras sobre os impactos da variação do clima sobre a população, a economia e o meio ambiente do Nordeste. Segundo as previsões, o Nordeste deve se tornar mais árido. A Convenção sobre Mudança do Clima sugere que os governos adotem medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Ao participar dessa Convenção, o governo brasileiro se comprometeu a desenvolver e elaborar planos adequados e integrados para a gestão dos recursos hídricos e da agricultura, e para a proteção e recuperação de regiões, afetadas pela seca e desertificação. Como disse Roberto Lima [Coordenador Geral do Programa Nacional de Combate à Desertificação do MMA], é hora da gente começar a rediscutir o processo de produção e começar um trabalho de reeducação produtiva do Nordeste. O agricultor familiar terá um papel importante nisso, por isso, temos que pensar numa agricultura que valorize as especificidades regionais e que se preocupe com a questão ambiental.
“Temos que pensar numa agricultura que valorize as especificidades regionais e que se preocupe com a questão ambiental.” Cepema: E que outras ações podem ser feitas para combater o fenômeno da desertificação no Ceará? Adalberto: É necessário um diagnóstico detalhado para vermos a situação do Ceará. Hoje, já se sabe, por exemplo, que a temperatura no solo do Semi-Árido vem aumentando. Mas, é necessária uma pesquisa mostrando os
diversos cenários com os impactos que os problemas ambientais trazem para a economia, saúde, educação, infraestrutura, para o desenvolvimento como um todo. A preocupação com a biodiversidade não é só por se gostar de bichinhos, mas sim porque ela interfere em todos os setores, especialmente na atividade econômica. O setor imobiliário, por exemplo, vem construindo em áreas que daqui a 50 anos podem estar alagadas com o aumento do nível do mar. Cepema: Uma pesquisa como essa requer um grande investimento. Nós temos condições para tanto? Adalberto: Nós temos instrumentos, como orçamento participativo e conselhos formados pela sociedade civil e pelo poder público. As universidades teriam condições de fazer esse estudo, juntamente com outras instituições de pesquisa. Temos ao longo da história até os dias de hoje, pesquisadores importantes como Renato Braga, Dias da Rocha, Guimarães Duque, Pimenta Gomes, instituições como a Embrapa e a Universidade Federal do Ceará... O ideal seria criar um comitê estadual interdisciplinar com diversos setores da sociedade. Mas, não há disposição nem orçamento para isso. Cepema: Como você diz, é difícil desenvolver agricultura no deserto e os pobres seriam os mais atingidos com os impactos econômicos causados pela degradação ambiental. Como fica, então, a agricultura familiar? Adalberto: No que se refere à agricultura familiar, há pesquisas, conhecimentos científicos e tecnologias dentro de instituições, há as próprias experiências dos agricultores que trabalham com sistemas agroflorestais, por exemplo, que precisam ser disseminadas. O Ceará tem mais de 90% de semi-árido que não se adapta a uma agricultura irrigada. Então, é preciso investir em alternativas reais voltadas para a agricultura familiar. Mas, primeiro, precisamos de leis que definam o que é agricultura familiar. Nós precisávamos de uma es-
pécie de SUS [Sistema Único de Saúde] para regulamentar a agricultura familiar. Cepema: Como assim um SUS da Agricultura Familiar? Adalberto: A Agricultura Familiar do Ceará precisa dar um salto de qualidade no que diz respeito ao processo produtivo de milhares de famílias. Nesse sentido, um programa de orientação técnica, baseado na agrofloresta ou na agricultura ecológica, que respeite o meio ambiente, é fundamental para reverter o processo acelerado de desertificação. Já existem tecnologias apropriadas em centros de pesquisa como a Embrapa, assim como a experiência do Agente de Agricultura Ecológica – o Adae da Fundação Cepema – que permite que jovens da comunidade, devidamente capacitados, possam acompanhar a implantação de sistemas agroflorestais em áreas semi-áridas.
“É necessário que cada município tenha seu Programa Municipal de Ação de Combate à Desertificação, com orçamento definido e com metas claras, no sentido que se possa garantir resultados concretos.” Cepema: Nessa estratégia, qual o papel das organizações não-governamentais? Adalberto: As ONGS têm o papel de desenvolver projetos pilotos que sirvam de experiência e que tragam subsídios para a criação de políticas públicas. Afinal, precisamos chegar à situação onde o poder público assuma a agricultura familiar. Caso contrário será uma luta desigual e milhões estarão fora desse processo.
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Expediente é uma revista publicada pela Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente - Cepema
Entrevistas e reportagens: Klycia Fontenele (jornalista responsável - Reg. 1978-CE) Colaboração: Genario Azevedo Foto da capa: Eduardo Magalhães Fotografias: Eduardo Magalhães, arquivos do Instituto Carnaúba, João Ambrósio e Cepema. Projeto Gráfico e Diagramação: Adimilson de Andrade / Gilberlânio Rios. Edição e Impressão: Expressão Gráfica Ltda. Tiragem: 2.000 (papel reciclato). Fortaleza, ano3 nº 3 - abril de 2009.
FUNDAÇÃO CEPEMA Conselho Diretor Danillo Galvão Peixoto Filho Presidente Henrique César Paiva Barroso Vice-Presidente Maria Heleni Lima da Rocha Dir. Adm. Financeiro Patrimonial Adalberto Alencar Coordenador Pedagógico Colaboradoras e Colaboradores Antônio Eronilton Pereira Buriti Antônio Eurismar C. de Oliveira Antônio Marcos Oliveira da Silva Antônio Ferreira Oliveira Aurinete Santos de Oliveira Eduardo Lima Magalhães Francisca da Conceição de Sousa
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