Aires Mateus

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ENTREVISTA José mateus

PRESIDENTE DA TRIENAL DE ARQUITECTURA DE LISBOA

NUNO COIMBRA

LISBOA A CIDADE DA ARQUITECTURA


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GRADUALMENTE, LISBOA ESTÁ A VENCER O DESAFIO QUE SOUBE ASSUMIR DE SE TORNAR UMA CIDADE LÍDER NA REFLEXÃO ARQUITECTÓNICA MUNDIAL. E, A ESSE NÍVEL, É UM ÓPTIMO EXEMPLO PARA GOVERNANTES DO PAÍS QUE NÃO O SOUBERAM FAZER À ESCALA NACIONAL, AFIRMA O PRESIDENTE DA TRIENAL DE ARQUITECTURA DE LISBOA, JOSÉ MATEUS

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Qual o balanço que faz do trabalho realizado pela Trienal desde 2007? O balanço é óptimo. A Trienal nasceu como conceito no início de 2006, em 2007 fizemos o nosso primeiro grande evento “Vazios Urbanos”, em 2010 “Falemos de Casas” e inaugurámos “Close Closer” em Setembro. Neste trajecto, a Trienal constituiu-se como Associação Privada sem fins lucrativos, com o envolvimento de inúmeras personalidades e entidades altamente credíveis, tanto na vida da Associação como na programação. Não podia deixar de assinalar a instalação da Trienal em 2012 no Palácio Sinel de Cordes, cedido pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), com a qual estamos a preparar a constituição ali de um cluster criativo centrado na arquitectura. Em breve será instalado no Palácio um grupo de parceiros, que constituirá uma comunidade de reflexão que vai abranger

mentar o apoio à Trienal, nomeadamente a Fundação EDP, a CML, o Millennium BCP e a Caixa Geral de Depósitos. No contexto de crise que arrasou inúmeras empresas que nos costumavam apoiar, estas parcerias foram decisivas para a viabilização da Trienal.

arquitectura, design, fotografia, modelação digital, edições, curadoria, etc. Aos poucos começámos a nossa programação entre grandes eventos, naquilo que chamamos de “Intervalo”, nomeadamente através das conferências “Distância Crítica”, do “Lisboa Open House”, da “Visitting School” da “Architectura Association”, e muitas outras iniciativas de grande importância. Neste espaço de tempo, a Trienal tornou-se bastante reconhecida em Portugal, mas também a nível internacional. Desde o início conseguimos uma atenção fortíssima do público como dos media. Um aspecto também fundamental foi a permanente demonstração de confiança dos nossos parceiros estratégicos que têm vindo a au-

torial, a par de uma organização extremamente bem- sucedida de concursos. O Concurso “A House in Luanda, Pátio and Pavillion” foi o concurso internacional mais participado de sempre no nosso país, com 600 concorrentes dos cinco continentes. Outro aspecto importantíssimo foi o facto de termos passado de 50 mil participantes, entre visitantes e projectistas, para 150 mil em 2010. A partir de 2010 começámos com a programação do “Intervalo”, obedecendo a uma exigência de grande qualidade amplamente reconhecida, sejam as grandes conferências em que tivemos prémios “Pritzker” como “Kasuyo Sejima” e “Herzog & De Meuron”, com a Aula Magna completamente lotada, seja por exemplo no “Lisboa Open House”, que se tornou um caso de sucesso entre a população de Lisboa.

O que foi mudando entre cada edição? O modelo de gestão, a estrutura do evento Trienal e a actividade entre eventos. Porque queremos aperfeiçoar o nosso projecto, porque queremos reflectir sobre a realidade que nos envolve, mas também porque queremos manter a nossa independência e surgir com lógicas que escapam ao previsível e ao status quo. Da 1.ª para a 2.ª edição a estrutura do evento pouco mudou, tendo-se sobretudo abandonado a ideia pouco interessante de exposições nacionais. Conseguimos elevar bastante a consistência cura-

Trienal estende-se pela cidade Comparativamente com a anterior Trienal, esta edição traz obviamente novidades, muito em particular uma forma diferente de expor arquitectura e uma nova geografia, assim como intervenções em espaços novos. “Contamos também com o maior número de sempre de projectos associados, que erguem pela cidade uma intensa rede de eventos que estará omnipresente ao longo dos três meses”, salienta José Mateus, acrescentando: “Nunca a Trienal se estendeu tanto pela cidade. Lisboa será inequivocamente, no final de 2013, a ´Cidade da Arquitectura´. Será também a Trienal mais internacional, estando prevista a presença no nosso país de inúmeros arquitectos, críticos, curadores e jornalistas das instituições e publicações mais respeitadas a nível mundial”. Do universo de pessoas que se desloca a Lisboa para a Trienal, a organização conta com a presença de representantes de publicações prestigiadas como o “Financial Times”, “The Sunday Times”, “Le Monde”, “The Guardian”, “The Daily Telegraph”, “New Scientist”, “Icon”, “Wallpaper”, “Blueprint”, “Domus”, “ABC”, “A10” e “Design Boom”. “Trabalharemos na programação com parceiros estrangeiros de referência, dos quais não vou fazer destaques porque são todos igualmente prestigiantes para nós. Aliás, tal como os representantes das publicações”, frisou o presidente da Trienal.


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“Em Lisboa, o reconhecimento da importância estratégica da arquitectura é hoje muito consciente”

Quais são os principais públicos? Têm-se mantido constantes? Como será possível captar novos públicos? Em 2010 o ISCTE fez um estudo sobre o público da Trienal, do qual concluímos que foi predominantemente composto por jovens portugueses abaixo dos 35 anos de idade,

maioritariamente do sexo feminino e residentes na Área Metropolitana de Lisboa. Intuitivamente, parece-me semelhante ao que se passou em 2007. Em 2013 gostaríamos de alargar os 35 por cento de visitantes exteriores à Área Metropolitana de Lisboa e os 12 por cento de estrangeiros. Em

Arquitectura portuguesa: o retrato da evolução Na opinião de José Mateus, a arquitectura portuguesa tem evoluído simultaneamente muito mal e muito bem. Depois de um boom incompreensível de cursos, com a consequente formação de um número excessivo de arquitectos, chegou-se ao que era previsível: desemprego muito elevado, remunerações baixas e tensões no seio da classe. “Chegada a crise a Portugal, o desemprego disparou com o fecho de inúmeras empresas. E, aqueles poucos que ainda trabalham como arquitectos são muito mal remunerados, normalmente por valores mais baixos que, por exemplo, os auferidos por uma empregada de limpeza doméstica”, disse. Mas é um facto que a boa formação ministrada em algumas escolas, associada ao ambiente de grande concorrência, tem gerado uma grande quantidade de arquitectos competentes. Em síntese, apesar de existir competência, erros crassos sucessivos, facilmente enumeráveis, afundaram a arquitectura portuguesa: excesso de cursos, inexistência de tabelas de honorários, legislação e regulamentos na construção próprios de países ricos, tempos incomensuráveis para licenciar obras e fecho de obras, burocracias intermináveis. É este o retrato.

termos de formação, registou-se que 66 por cento tinham formação superior, sendo 38 por cento arquitectos. Se juntarmos a esta percentagem os estudantes de Arquitectura, vemos que ainda é importante aumentar a proporção de visitantes exteriores à arquitectura. A abordagem curatorial do “Close Closer”, muito orientada para interpretações do espaço fora do âmbito restrito da produção dos arquitectos, bem como a organização de debates em espaços públicos abertos, abordando problemas comuns, são aspectos que ajudam a captar novos públicos. É, aliás, o título do ciclo de debates. Temos, por exemplo, exposições que podem ser vividas por quem quiser – pode-se jantar ou participar em debates. Temos exposições surpreendentes e questionadoras relativamente às quais o facto de se ser arquitecto é irrelevante para a sua atractividade, e uma estratégia de comunicação bastante intensa. Acreditamos que podemos chegar a um universo de pessoas mais diferenciado. Acreditamos ainda que a Trienal será mais debatida fora de Portugal, como aliás já começa a ser, o que confirma o acerto da nossa estratégia de internacionalização.


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Trienal de Arquitectura 2013: programação diversificada Qual a programação prevista para esta edição da Trienal de Arquitectura? As exposições principais são “Future Perfect” (Museu da Electricidade), “The Institute Effect” (MUDE) e “The Real and Other Fictions” (Carpe Diem). Temos o ciclo de conferências “New Publics”, de entrada livre, que decorre em espaços públicos ao longo dos três meses de Trienal. Serão realizadas diversas montagens interdisciplinares que resultam do concurso “Crisis Buster”, sob a forma de pequenas ideias para a cidade de Lisboa em tempo de crise. Atribuímos prémios: “Carreira”, “Début” e “Universidades”, todos em parceria com a Fundação Millennium BCP, dando este último origem a uma instalação patente ao público no Palácio Sinel de Cordes. Temos ainda os habituais serviços educativos, cerca de cem projectos associados e publicações online. Trata-se de uma programação intensa, diversificada, que resulta de uma visão plural e muito orientada para fora dos limites estrictos da disciplina, proposta pela equipa liderada por Beatrice Galilee, a nossa curadora geral. Em termos de programa, quais são as iniciativas que destaca e porquê? Como temos, na generalidade, uma programação bastante estimulante e aberta a vários tipos de público, sobretudo se incluirmos os projectos associados, para mim é difícil destacar uma parte. No entanto, diria que “Future Perfect”, no Museu da Electricidade, é ponto de paragem obrigatória... como tudo o resto.

Arquitectura reforça cosmopolitismo de Lisboa Qual o significado para Lisboa decorrente da realização de um evento desta dimensão? Que Lisboa é uma cidade empreendedora, culturalmente avançada, onde a arquitectura assume um papel central na afirmação do

“Future Perfect” (Museu da Electricidade), “The Institute Effect” (MUDE) e “The Real and Other Fictions” (Carpe Diem) são os principais núcleos expositivos da Trienal

seu carácter cosmopolita. Gradualmente, Lisboa está a vencer o desafio que soube assumir de se tornar uma cidade líder na reflexão arquitectónica mundial. E, a esse nível, é um óptimo exemplo para governantes do país que não o souberam fazer à escala nacional. No que diz respeito à arquitectura, qual o posicionamento de Portugal, e de Lisboa em particular, no plano internacional? Portugal não tem qualquer posicionamento relativamente à arquitectura no plano internacional. Dada a enorme qualidade de muitos arquitectos portugueses, poderia haver uma assumpção nacional de que a arquitectura é um sector estratégico, que se mistura com a imagem do país, com benefício para a sua economia e imagem. Como fazem os países escandinavos, a Suíça, Itália e outros. Mas, infelizmente, os nossos políticos não passam da retórica ou das palavras de ocasião, particularmente quando um arquitecto ganha um prémio importante.

Já no caso de Lisboa, a realidade é muitíssimo diferente. Tem havido uma aposta muito forte e múltipla, que vai desde o planeamento e qualificação da cidade ao investimento nos eventos culturais, para que Lisboa seja uma cidade reconhecida internacionalmente pela qualidade da sua arquitectura, dos seus arquitectos e da sua produção cultural nessa área. Em Lisboa, o reconhecimento da importância estratégica da arquitectura é hoje muito consciente, tem correspondência nas políticas de gestão da Câmara que são assumidamente de médio e longo prazo. Ou seja, não se pensa que se investe hoje, há resultados imediatos e que já não é necessário fazer mais nada. É uma estratégia assumida pelo presidente António Costa que alguns vereadores põem em prática com grande convicção e entusiasmo. Por outro lado, nos últimos tempos diversos arquitectos lisboetas venceram prémios de grande relevância tanto em Portugal como no estrangeiro. Tendo em conta o facto de muitos dos mais importantes arquitectos portugueses abaixo dos 55 anos serem da


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tras formas de exercer a sua profissão, ou de tirar partido dos seus estudos. Que futuro está reservado aos profissionais da arquitectura em Portugal e qual a aceitação que encontram além-fronteiras? Neste momento em Portugal não há perspectivas de futuro. Não sabemos o que aí vem. Seja em Portugal ou no estrangeiro, a esmagadora maioria dos arquitectos acima dos 35 anos tem que mudar de profissão, pois não arranja trabalho. A nossa competência é reconhecida nos meios académicos e especializados fora de Portugal, mas, entre os investidores que contratam projectos no estrangeiro, a percentagem que reconhece isso é residual. Os mais jovens encontram menos dificuldades na colocação em empresas estrangeiras, sendo frequente a entrada em países de grande exigência como Inglaterra, Suíça, Holanda ou Japão. Mas, se falarmos de captação de projectos fora do país por empresas e arquitectos portugueses, a realidade já é desoladora. São muito raros aqueles que fazem projectos para fora do país. Isto deve-se, por um lado, à falta de investimento do Estado, mas também a estratégias pouco eficazes dos arquitectos.

Desafios e estratégias: é fundamental desburocratizar

“Há na CML um novo mapa de Lisboa, elaborado a partir das inúmeras operações de planeamento em curso que, a serem concretizadas, vão ajustar profundamente a imagem, o ambiente e a consistência urbana da cidade.”

Área Metropolitana de Lisboa, estou absolutamente convicto de que isso vai tornar-se uma rotina nos próximos anos. Lisboa já é uma cidade da arquitectura e está a trabalhar consistentemente para que isso seja claramente reconhecido a nível mundial. Quais são, em seu entender, os monumentos mais emblemáticos de Lisboa, em termos de arquitectura? O conjunto monumental de Belém e o con-

junto desenhado após o terramoto de 1755 constituído pela Baixa e Terreiro do Paço. Quais são as novas tendências? No caso português, trabalhar com escassez de meios e colocar o principal foco na renovação urbana e na recuperação de edifícios, mais do que construir de novo. E, dado que, devido à estagnação da economia, quase não há encomenda de projectos, os arquitectos voltam-se para ou-

Quais são os desafios que perspectiva para Lisboa ao nível da arquitectura? O que se torna premente fazer? Há desafios ao nível do desenho físico da cidade e de questões administrativas estratégicas para a economia da cidade e do país. Destaco a reabilitação global, tal como vem acontecendo consistentemente, por exemplo, com a zona ribeirinha. Assinalo ainda o trabalho extraordinário que tem vindo a ser feito pela CML ao nível do planeamento urbano, de acordo com uma visão global e fundamentada da cidade, tendo sido este ano aprovado o novo PDM de Lisboa. Há na CML um novo mapa de Lisboa, elaborado a partir das inúmeras operações de planeamento em curso que, a serem concretizadas, vão ajustar profundamente a imagem, o ambiente e a consistência urbana da cidade. Nesta frente tem sido importante o bom entendimento da CML com a Estamo e com diversos promotores privados. E, evidentemente, tudo isto se deve em boa parte à elevada competência dos quadros da CML em funções.


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Em termos de processos de obras, o mais grave situa-se no tempo que demoram os licenciamentos, e, no caso das licenças de utilização, continua a verificar-se uma burocracia impensável no fecho das obras. Entre outras razões, resulta do facto de não haver entendimento entre as diversas entidades licenciadoras, nomeadamente a CML, a EPAL, a EDP e PT, que deviam acordar uma simplificação radical de procedimentos. Devia haver um balcão único que agilizasse tudo e uma lógica operativa mais expedita nas vistorias finais. Não havendo, os proprietários das obras vivem pesadelos indescritíveis para conseguir encerrar o processo e obter a licença de utilização. Conheço casos de processos que se arrastam um ou mais anos num contexto que desencoraja os investidores e arrasa a economia do sector de projectos e construção. E inibe ainda a qualificação patrimonial da cidade.

aí está uma pergunta para a qual não tenho resposta.

Como arquitecto, qual é a obra da sua eleição, quer a nível nacional quer internacional? Dada a grande quantidade de possibilidades,

Que projecto gostaria de concretizar? Tal como a generalidade dos arquitectos portugueses que ainda têm ateliê, gostaria de evitar o fecho da minha empresa, rea-

A capital portuguesa é uma cidade de contrastes Questionado sobre como classifica Lisboa em termos de arquitectura, José Mateus destaca que a capital portuguesa é uma cidade de contrastes, onde o valor do espaço e morfologia urbana é superior à qualidade dos edifícios que a formam. Infelizmente – diz –, “desde os anos 70 do século passado tem-se construído muito pouca arquitectura de qualidade”. A topografia ondulante, a proximidade face ao rio versus a situação de planalto a norte e a luz maravilhosa que a caracteriza, contribuem também para uma realidade física de grande beleza. “Nos últimos anos assiste-se a uma participação elevada de arquitectos competentes no planeamento da cidade e no desenho dos edifícios. Dentro de 10 a 15 anos a realidade vai demonstrar que se tratou de uma mudança importantíssima de paradigmas, para o bem da cidade”, conclui.

lidade que nunca pensei equacionar aos 50 anos de idade. E gostaria de inaugurar a Trienal 2016 no Palácio Sinel de Cordes completamente renovado, com todos os parceiros instalados, num espaço transbordante de actividade e que se torne uma referência cultural na cidade.


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JOSÉ MATEUS

PRESIDENTE DA TRIENAL DE ARQUITECTURA DE LISBOA

CIDADE LÍDER NA REFLEXÃO ARQUITECTÓNICA MUNDIAL


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