ID: 54064698
25-05-2014
Tiragem: 34299
Pág: 21
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 27,14 x 30,68 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
Um artista com vista para uma Lisboa feita de Palavras Eléctricas e retratos Dois projectos que são também convites do Artista na Cidade 2014, Tim Etchells, para ver e ouvir a capital. A partir de hoje, há sons na Internet. Até ao final do ano, há néons pela cidade NUNO FERREIRA SANTOS
Arte pública Patrícia Pinto da Silva As pessoas passam, com pressa, saindo ou entrando na estação do Rossio. Algumas olham, outras nem por isso. “Let’s pretend none of this ever happened” (“Vamos fingir que nada disto aconteceu”, em tradução livre), diz o néon de luz branca, colocado na fachada do Teatro D. Maria II, que pode significar mil e uma coisas, tudo ou nada, tomando a imaginação de quem o vê. São Palavras Eléctricas, que se vão juntar ao Som de Lisboa pelas mãos do Artista na Cidade 2014, Tim Etchells, que vê neles possibilidades de “falar no espaço público” e de “vaguear para além do teatro ou da galeria”. Etchells está feliz com a possibilidade de poder mostrar o seu trabalho em diversas vertentes — é dramaturgo, escritor, desenhador e traz a Lisboa uma série de seis néons que, espalhados pela capital, conversam, interrogam, inquietam. “Algumas palavras podem fazer o espaço parecer diferente”, diz o artista ao PÚBLICO, sobre as frases colocadas no Museu da Electricidade, na Culturgest, no British Council e nos teatros São Luiz, D. Maria II e Maria Matos. Assumidamente interessado na “forma como a linguagem é boa a criar imagens”, Tim Etchells acrescenta que são necessárias apenas algumas palavras “para começar algo” e que, “quanto mais ‘incompleto’ o texto, mais ele dispõe as nossas mentes a trabalhar para o completar”. Gosta de pensar que os néons “são contraditórios e que cada pessoa é arrastada [por eles] para a sua imaginação”. Thomas Walgrave, director do Festival Alkantara, diz ao PÚBLICO que estas “luzes”, ricas por incluírem “uma série de camadas”, criam momentos de intimidade em espaços públicos e são quase “um convite a um diálogo pessoal entre o espectador e a frase que lá está”, o que conduz àquilo que Etchells, em parte, pretende: “Explorar as formas como interagimos com a linguagem” e o seu efeito nas pessoas. Tim Etchells espera que as suas frases — três em português e três em inglês — “tenham alguma carga, ou
“Vamos fingir que nada disto aconteceu”, diz o néon de luz branca colocado na fachada do Teatro D. Maria II, um dos edifícios intervencionados
os parceiros do festival. “Marcam a presença de uma ausência, uma espécie de vazio dentro desta luz na escuridão.”
Descobrir Lisboa pelo som energia para que, com alguma força, falem no contexto”. No fundo, que façam jus à sua natureza néon e que sejam eléctricas. “Start a revolution” (“Começar uma revolução”) repetida oito vezes na fachada do São Luiz e “A noite é boa conselheira”, no Museu da Electricidade, junto de um dos principais eixos de passagem para quem trabalha ou vive em Lisboa, são exemplos disso. Os locais escolhidos para os néons são em parte estratégicos: estão onde estão não só para que sejam vistos pelo maior número de pessoas, mas também, num momento de risco do Alkantara, que pode ter nesta a sua última edição, para assinalar
Ainda que satisfeitos com a primeira edição do formato Artista na Cidade (que em 2012 convidou Anne Teresa de Keersmaeker), o Alkantara e os seus parceiros quiseram aumentar o diálogo entre a comunidade artística lisboeta e o artista convidado. Assim surge Pelo Som de Lisboa. O conceito? Quatro artistas escolhem um ponto de Lisboa para o retratar através da captação de som. Desse desafio resultam peças sonoras de durações entre cinco e dez minutos que no dia 24 ficarão alojadas online. “Gosto da ideia de o projecto existir de duas maneiras. Está lá enquanto áudio online no sentido
de que o podemos ouvir em qualquer lado. Mas também há o caso de cada um destes trabalhos ter sido concebido para ser ouvido num sítio específico em Lisboa”, diz Tim Etchells. Foram convidados o duo de dança Sofia Dias e Vítor Roriz, a coreógrafa Vera Mantero, a escritora Patrícia Portela e o DJ e membro dos Buraka Som Sistema Rui Pité, por serem artistas que “têm que sair do seu percurso habitual”, explica Thomas Walgrave. Cada peça abre depois portas para uma conversa entre Tim Etchells e estes artistas. “A ideia é a de fazer uma linha que vai desde o Bairro Alto até ao Cais do Sodré”, conceito que surgiu de imediato na mente de Rui Pité, que explica ao PÚBLICO o porquê da escolha de uma linha e não de um ponto: “Escolhi uma linha no espaço e uma linha no tempo” porque “as pessoas não ficam paradas
num sítio a noite inteira, não é?”. O gosto pela música “explícita daquilo que se está a sentir, principalmente quando é instrumental”, e as várias influências musicais que assume ter, são audíveis nos quase 11 minutos que produziu. Neles, Rui Pité abarca desde os “os fadistas que vão afinando as suas guitarras” até à “noite que fica caótica, da melhor maneira possível”. Considerará que a sua peça é uma vitória “se as pessoas conseguirem sentir que estão numa viagem, que não estão num ponto estático, que estão a andar e que as coisas estão a evoluir”. Este é um convite para que se procure nos sons a correspondência com as horas do dia, a intensidade da música ao fim da noite e com o barulho que, já de manhã, cede lugar ao chilrear dos pássaros. Texto editado por Joana Amaral Cardoso