António de almeida

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diário as beiras | 04-01-2014

entrevista

“O mecenato é uma cultura que não

A Fundação EDP tornou possível a criação do Centro Nacional de Tumores Oculares no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Em entrevista ao DIÁRIO AS BEIRAS A criação de um Centro de Tumores Oculares em Coimbra é um desejo antigo. Como aparece a Fundação EDP neste processo? A Fundação EDP escolheu um conjunto de quatro hospitais públicos para estabelecer protocolos e concretizar projetos de grande alcance social. O papel assumido pelos hospitais da Universidade de Coimbra – que há muito ultrapassou as fronteiras do Centro e do próprio país – justificaram a escolha e o investimento que vai ser feito. A saúde é, então, uma área prioritária para a fundação? A área da saúde está incluída num projeto mais vasto de voluntariado. E foi no âmbito deste projeto que integra a ação “Parte de nós saúde” que desenvolvemos esta resposta bastante alargada de apoio às áreas oncológicas dos hospitais e onde se integra o protocolo assinado com o CHUC. Temos depois um outro programa que tem a ver com “Saúde criança” e através do qual iniciámos, a 1 de junho, o apoio a um projeto de que Margarida Pinto Correia foi líder enquanto esteve na Fundação Gil. Um projeto que nos permite retirar as crianças dos hospitais e garantir-lhe uma certa qualidade no apoio social em casa. Este é o esqueleto da nossa ação social. Porquê a escolha da área da oncologia? A oncologia foi um mistério para o homem no passado pois não se sabia muito bem que doença era. É um problema de angústia hoje porque já se sabe muito sobre o cancro e cria uma grande angústia nas pessoas. Mas vai ser um problema dramático no futuro porque com o envelhecimento da população, vamos ter cada vez mais casos de cancro. Espera-se que dentro de um prazo não muito longo, em cada dois homens um terá cancro e em cada três mulheres, uma terá cancro. Mas sobretudo, não tanto pela parte física, mas pela parte emocional que

gera quer no doente, quer nas famílias, nós privilegiámos este ano a oncologia. É evidente que a oncologia tem aqui um cunho muito pessoal pois eu próprio sou um doente oncológico. No entanto, para o ano, seguramente, que iremos escolher um outro ramo da saúde. E as crianças, porquê? A preocupação com as crianças vêm desde o início. Nós – as pessoas de idade, que temos a vida vivida – merecemos atenção por aquilo que fizemos durante a vida. Mas as crianças são o futuro de um país. Se a sociedade como um todo, e não me canso de referir que aquilo que a Fundação EDP faz é um bocadinho daquilo que a sociedade precisa, não tiver cuidados para ter crianças saudáveis, seguramente que vamos ter um futuro doente. Por isso nos preocupamos e assumimos esta tarefa como uma missão. E preocupam-se em encontrar parceiros? Sem dúvida que só com parceiros se podem concretizar os projetos. Este ano, por exemplo, desenvolvemos um programa muito mais alargado do que nos anos anteriores. Definimos hospitais públicos, e por várias razões, como os alvos privilegiados. Por um lado, pela situação de crise que o país atravessa, por outro lado, porque a maior parte da população mais carecida tem que recorrer aos hospitais públicos. Se déssemos apoio a um hospital privado arranjávamos uma grande guerra com os outros. O bom senso da idade e da experiência levou-nos a escolher os hospitais públicos. A intervenção da fundação vê-se ao nível das instituições ou também inclui projetos individuais? Os projetos individuais estão completamente fora da nossa cultura. Nós não decidimos casos pessoais ou pontuais. Selecionamos instituições, neste caso públicas, com exceção para a Fun-

António de Almeida desafia as escolas, as famílias e as empresas a formarem cidadãos capazes de ajudar as obras que fazem a diferença na sociedade po

dação Gil, que foi escolhida segundo determinados critérios. Não nos caberá a nós julgar se decidimos bem ou mal. Mas relativamente a cada instituição, fazemos um estudo profundo da valia social, dos meios que precisam e duma garantia de que o dinheiro que vamos gastar vai mesmo ser utilizado e mantido. Seria um disparate completo metermos um milhão de euros nestes quatro hospitais e virmos aos Hospitais da Universidade de Coimbra daqui a três ou quatro meses, e o equipamento não funcionar. Fazemos um protocolo, que define os direitos e as obrigações das partes envolvidas. Nós temos como obrigação comprar e doar. E no momento em que assinamos o protocolo em Coimbra, por exemplo,

as verbas deixam de pertencer ao nosso ativo e passam para o ativo do hospital que assume o compromisso de treinar os médicos e enfermeiros para o funcionamento do novo centro, mas sobretudo, manter o equipamento. A fundação vai fiscalizar o cumprimento do protocolo? Vamos estar atentos. Até final de 2015, de três em três meses, temos o direito de pedir relatórios e dinspecionar. Neste caso, se as coisas não correrem bem, as sanções serão sobretudo ao nível da imagem das instituições. Se por eventualidade, o CHUC desse cabo do equipamento dentro de pouco tempo, faríamos uma campanha de imagem que levaria a que a administração ficasse numa situação

complicada. Quem diz o CHUC, diz os hospitais e instituições com quem estabelecemos protocolos. Mas é claro que esta é uma hipótese que nunca irá acontecer. A Fundação EDP foi criada há uma dezena de anos. Com que objetivos? A Fundação EDP nasceu em 2004 de uma obrigação natural daquela que é hoje a maior empresa portuguesa. E, sendo hoje uma empresa multinacional que cobre a totalidade do território nacional, não podia ficar alheia à criação de uma instituição sem fins lucrativos para obras quer no âmbito social, quer no âmbito cultural e ambiental. Estas são hoje preocupações das grandes empresas em todo o mundo. E as grandes empresas portuguesas também

procuram ter uma ação ativa e relevante nestes novos tempos. E como se concilia a preocupação social, neste caso de mecenato também, com as preocupações de lucro de um grande grupo empresarial? Por isso é que as instituições são separadas. A EDP tem um conselho de administração cujos objetivos tem a ver com o lucro, a valorização das ações, a qualidade do serviço, a criação de um clima junto dos seus colaboradores, de uma satisfação de todos os stakholders. Depois criou uma fundação em que o objetivo não é o lucro, portanto, a nossa medida de eficiência é analisada por medidas de outro tipo, quer na área social, quer cultural. Todos os anos nos são facultados meios, quer pelos


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existe em Portugal”

Centro Nacional de Tumores Oculares prepara mais três intervenções

S, o presidente da fundação, reconhece a excelência da medicina de Coimbra e dos seus profissionais DB-Carlos Jorge Monteiro

discurso direto R As regras do Governo não mexem com a Fundação EDP. Podem não gostar de nós, mas o que fazemos é tudo transparente

R Este Centro Nacional de Tumores Oculares vai contribuir para manter Coimbra no topo da inovação em medicina R Não tenho visitado a minha terra, mas reconheço que tenho que lá ir urgentemente. Até porque estou a pensar que gostaria de ficar lá a repousar e a olhar para a Serra da Estrela RÉ claro que tentarei levar o telemóvel comigo pois não sei o que é que a ciência nos pode reservar para o futuro

ortuguesa

acionistas da EDP, quer pela própria empresa, para concretizar os nossos objetivos. Qual é o orçamento anual da Fundação EDP? Temos cerca de 14 milhões de euros por ano e compete à administração da fundação definir prioridades, projetos e responder pelo bom resultado. Um resultado, não por lucros, mas pela repercussão social e cultural. E quais são as áreas prioritárias, para além da saúde que já referiu? A área social é a que utiliza mais meios. Temos, ainda, as áreas cultural e de ambiente e uma outra situação interna a que temos que dedicar muita atenção e recursos. A fundação está instalada no Museu da Eletricidade, uma antiga central termoelétrica

alemã, construída há muitas décadas e, colocada junto do Tejo. Como o comboio da Linha de Cascais passa continuamente do outro lado, gera fenómenos de trepidação que tem grande influência nos custos de manutenção do espaço. Um facto que absorve uma significativa parte do nosso orçamento. Mudar de instalações não é uma solução? Bom... na verdade, este é um dilema para nós. Porque, ou deitamos o museu abaixo, ou o mantemos em funcionamento. E é verdade que o museu é um grande consumidor dos meios que temos disponíveis. Mas não temos alternativa pois não se pode deitar abaixo uma peça de importância mundial. Durante a segunda Guerra

Mundial, grande parte destas centrais foram bombardeadas o que faz com haja pouquíssimas peças como esta no mundo. É, por isso, um valor que deve ser preservado. Que projetos desenvolvem no âmbito da área social?. Na área social temos o projeto “EDP solidária” a que afetamos por um ano, um milhão e quinhentos mil euros. A nossa grande ação social tem a ver com a afetação desse dinheiro a várias organizações espalhadas pelo país. É de sublinhar que a fundação tem uma grande preocupação em cobrir o país, incluindo as regiões da Madeira e dos Açores, através de um critério seletivo de projetos. E procuramos ser tão perfeitos quanto possível nessa seleção. As regras criadas pelo Governo para as fundações poderão pôr o mecenato em crise? Na Fundação EDP seguramente que não. Somos uma fundação que não recebe um cêntimo do Governo. Somos uma fundação que é totalmente financiada por meios privados. Dedicamos o nosso dinheiro todo para obras que podem ser auditadas e vistas. As pessoas podem gostar mais ou gostar menos, mas tudo é transparente. Quando saiu a lei, nós respondemos aos quesitos todos e vivemos completamente tranquilos. Posso dizer publicamente que em nenhum minuto me passou pela cabeça que a nova lei nos pudesse prejudicar. Como vê o mecenato em Portugal? Mal. O mecenato é uma cultura e esta não se faz nem por lei, nem pela força. O mecenato é uma educação permanente que tem que ser feita nas escolas, nas famílias, nas empresas. As pessoas têm que ter o gosto de ajudar as obras que podem beneficiar o seu semelhante. Não temos essa cultura? Portugal tem essa cultura. As misericórdias são um

exemplo histórico, fantástico de que a população portuguesa tem essa cultura e muitos cidadãos deixam de herança valores extraordinários para obras de natureza social. Onde falha o mecenato em Portugal é nas empresas e nas grandes fortunas. Vivi alguns anos em Londres e quando vamos a um museu apreciamos quadros caríssimos de grandes pintores que foram doados por cidadãos. Passamos por um jardim e está um banco que a viúva decidiu oferecer com o nome do falecido marido porque costumava passear por ali. Vamos à ópera, ao ballet, ao teatro, áreas alimentadas por pessoas. Em Portugal não há pedagogia em relação a isto. Mas a EDP, como a Gulbenkian, seguem este espírito. Mas não temos em Portugal uma pessoa como o senhor Calouste Gulbenkian ou como o próprio António Champallimaud que decidem doar 500 mil milhões para uma obra. Normalmente, o que vemos é uma guerra de como a fortuna vai ser repartida pelos filhos antes do pai ou da mãe morrerem. Isto precisa de educação. E ainda vamos a tempo? Sempre. A educação vai sempre a tempo. Ai do país e da sociedade que pare as grandes ações de educação se chegar à conclusão que não vale a pena. É natural de Celorico da Beira. A escolha do CHUC (também) se deve a esta proximidade? Sou natural de Celorico da Beira há muitos anos. Os meus pais dizem que eu nasci lá e eu acredito. Saí com dois anos para Moçambique. Cheguei a ser candidato à presidência da Assembleia Municipal com uma renhida luta com o distinto presidente do CHUC, que eu ganhei por unanimidade. Depois fui para Londres. Entretanto, fiquei doente e não tenho visitado Celorico da Beira. A proximidade do coração até pode ter influenciado, mas o projeto vale por si só. | Eduarda Macário

José Martins Nunes, António de Almeida e Fernando Leal da Costa

111 Três novos doentes estão já em preparação para serem tratados, neste início de ano novo, no Centro Nacional de Tumores Oculares, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). A primeira intervenção de braquiterapia ocular registou-se em finais de novembro, com sucesso, logo após a criação do centro, evitando a deslocação do doente ao estrangeiro, como sucedeu até agora. Os cerca de 45 a 50 portugueses que todos os anos se debatiam com este problema de visão eram tratados obrigatoriamente em centros estrangeiros, o que significava gastos para o país, mas também dificuldades para os doentes e suas famílias. “Os doentes tinham que ir para o estrangeiro porque Portugal não tinha capacidade de resposta que permitisse conservar a vista e a visão a estes cidadãos”, reconhece o presidente do conselho de administração do CHUC, adiantando que a criação deste centro em Coimbra, o único no país, permite poupar cerca de 1,7 milhões de euros por ano. Aplaudindo “a visão estratégica do ministro da Saúde” que em fevereiro do ano passado lançou o desafio ao CHUC para que avançasse com a criação deste centro, José Martins Nunes reconhece o empe-

nho do Serviço de Oftalmologia, liderado por Joaquim Murta, que abraçou desde logo o projeto e da Fundação EDP, na figura do seu presidente António de Almeida, que “nem vacilou quando lhe bateu à porta a pedir ajuda”. Seguem-se as crianças Mas os sonhos não se ficam por aqui. Conseguida a vertente para tratar os doentes adultos, segue-se a instalação da resposta para as crianças. Ainda que em menor número – cerca de 10 por ano – as crianças continuam a ser tratadas em centros estrangeiros. Mas a boa nova é que o CHUC já tem profissionais em formação nesses centros de referência para, em breve, as poder receber e tratar. Satisfeito com estes importantes passos na afirmação da medicina de Coimbra, José Martins Nunes reconhece que a criação deste equipamento afirma, acima de tudo, “a capacidade do CHUC em áreas altamente diferenciadas”. “Mas também é a afirmação do Serviço Nacional de Saúde que consegue criar centros de excelência no país, evitando o envio de doentes para o estrangeiro”, reforça, sublinhando que esta aposta do ministro da Saúde prova “um conhecimento do país, das suas necessidades e das suas capacidades”. | Eduarda Macário


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