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Matéria Principal: O maior desafi o do Banco de Alimentos nos seus 20 anos
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O maior desafio do Banco de Alimentos nos seus 20 anos
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A partir de uma grande mobilização solidária envolvendo voluntários, empresas, veículos de comunicação e a sociedade como um todo, a Rede de Bancos de Alimentos fez chegar ajuda a milhares de pessoas na pandemia.
Oano de 2020 marcou exatos 20 anos desde a fundação do primeiro Banco de Alimentos do Brasil, o Banco de Porto Alegre. E quis a história que este também fosse o ano mais desa ador para a instituição e para todos os outros 22 Bancos pertencentes à Rede de Bancos de Alimentos no Estado. Em março, a pandemia surgia acelerada no Brasil, paralisando as atividades não essenciais e colocando as pessoas em absoluto compasso de incerteza e perplexidade. Este fato inédito nos últimos cem anos do planeta impôs a necessidade urgente da reação de todos, e, sobretudo, demandou mudanças nas formas de se pensar e agir. Não foi diferente com a Rede de Bancos de Alimentos do RS. A instituição, que não apenas implementou adaptações para continuar atendendo com força de presença à medida que o momento ia gradualmente se agravando, se viu diante da consciência de seu papel claro de serviço essencial voltado à população que mais necessita de atendimento. “O Banco de Alimentos foi criado para atender permanentemente, e nesses 20 anos não paramos nunca. Mesmo na pandemia, não faltamos para quem precisa de nós”, diz Paulo Renê Bernhard, presidente da Rede de Bancos de Alimentos do RS, destacando a vocação social e histórica da instituição. A pandemia do coronavírus ainda surgiu em meio a outra pandemia em crescimento nos países mais pobres: a da fome. Conforme a ONU, em 2021 o mundo viverá a sua maior crise humanitária desde a Segunda Guerra, com 235 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade. No Brasil, cerca de 10 milhões de pessoas já estão sem acesso à alimentação básica, de acordo com divulgação do IBGE feita em setembro/2020. Portanto, o desa o é gigante. E mesmo acostumado a operar em situações difíceis como secas, enchentes, tempestades que assolam deixando a descoberto comunidades inteiras, Paulo Renê a rma que este é, certamente, o maior chamamento do Banco de Alimentos em duas décadas: “Estivemos e ainda estamos diante de um adversário invisível e a situação pandêmica se prolongou demais. Temos que lidar não apenas com a fome, mas com a questão econômica que também atinge as famílias e agrava o problema como um todo”, re ete.
Estrutura, gestão e confi ança a serviço do enorme desafi o Três pontos foram diferenciais e continuam sendo fundamen-
tais para que o Banco de Alimentos possa atuar ao longo da pandemia: a estrutura da instituição preparada para atender; a sua metodologia inovadora que, além de arregimentar, organiza e aproveita tudo a partir de uma gestão de qualidade; e a con ança da sociedade no trabalho do Banco. “A história do Banco sempre esteve alicerçada no combate ao desperdício. Na pandemia, essa estrutura serviu para atuarmos fortemente no auxílio à sociedade”, pondera Paulo Renê. O presidente se refere não apenas à estrutura física da entidade, que comporta depósitos, equipamentos, câmaras frias, empilhadeiras, etc, mas também ao corpo de pessoal, aos voluntários, à logística pro ssional, aos processos de segurança alimentar e à capacidade de arregimentação envolvendo clubes de serviço e comunidades; todos esses elementos necessários para materializar o trabalho com consistência e excelência. “Conseguimos reagir bem ao enfrentamento. Captamos e distribuímos de forma adequada”, ele complementa. Toda essa expertise teve o reconhecimento das pessoas, que depositaram nos Bancos de Alimentos a con ança de que suas doações chegariam a quem mais precisa. Uma responsabilidade que sempre demanda pro ssionalismo, prontidão, espírito solidário e método.
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Adaptações necessárias e precisão de informações Como todas as pessoas, empresas e instituições, os Bancos de Alimentos tiveram que fazer muitas adaptações para operar na pandemia, e que seguem ativas em alguma medida. “Tivemos que nos reorganizar, criando novos protocolos. Ninguém deixou de trabalhar e se disponibilizaram de forma muito corajosa para trabalharmos como serviço essencial”, lembra Paulo Renê. Primeiro, a instituição se submeteu aos protocolos o ciais. A nutricionista-chefe do Banco de Porto Alegre, Adriana Lockmann, criou o processo de gerenciamento de todo o trabalho, que incluiu os procedimentos de controle necessários para a entrada nas instalações, como medição de temperatura rigorosa, higienização dos ambientes e das toneladas de alimentos estocados ou que chegavam ao depósito, além de boas práticas de higienização dos produtos perecíveis como hortifrutigranjeiros (que dentro da cadeia de desperdício são o maior percentual), e do controle preciso da entrada e saída de cada alimento doado para a posterior
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prestação de contas. “Triplicamos os cuidados e não tivemos nenhum registro de Covid-19 na nossa equipe. Para essa operação, manteve-se o mesmo grupo de trabalho xo do Banco, pois não tínhamos condição de expandir a equipe de pro ssionais. Portanto, a exigência se tornou maior para nós. Mas conseguimos”, destaca Bernhard. Outro ponto de fundamental importância que contribuiu para o enfrentamento bem-sucedido da operação do Banco de Alimentos de Porto Alegre ao longo da crise diz respeito à sua metodologia de trabalho. A entidade dispõe de um cadastro completo, um mapa social constantemente atualizado das instituições que recebem as doações em cada bairro da cidade. “Na prática, isso impacta na qualidade de todo o processo, pois sabemos que estamos entregando corretamente conforme as necessidades dos beneficiários. Sabemos tudo sobre as instituições. Esta foi a primeira coisa que fizemos quando criamos o Banco da capital. A partir do cadastro, conseguimos dimensionar o tamanho do trabalho”, pondera o presidente.
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A inteligência e o engajamento logístico
É graças ao Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Estado do Rio Grande do Sul, o SETCERGS, e suas empresas associadas, que o gerenciamento das entregas de todos os produtos doados é feito. E durante o auge da pandemia, a logística pro ssional e solidária teve um peso enorme para garantir a e ciência do processo que andava em ritmo intenso. Mais de cem mil quilômetros foram rodados por uma frota aumentada para atender a demanda de Porto Alegre, com o engajamento triplicado das empresas transportadoras, incluindo seus motoristas de caminhão e outros funcionários que atuaram como voluntários em nome do bem comum.
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Voluntários fi zeram a diferença
E eles, os voluntários, vieram em massa. Toda a Rede de Bancos de Alimentos do RS contou – além de seus participantes sempre presentes nas ações tradicionais – com mais de 3 mil novos voluntários atuando. Sensíveis à necessidade, eles aderiram à causa dedicando tempo e esforço. Houve aporte de voluntários de Rotary, Lions, escoteiros, estudantes universitários, entre outras pessoas que se dedicaram à tarefa da montagem de cestas de alimentos e itens de higiene e limpeza, e da entrega nas institui-
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ções conveniadas. Além dos voluntários, o trabalho também teve o apoio do Exército e das polícias militar e civil que zeram o acompanhamento das frotas com doações em alguns locais das cidades atendidas. “Houve um envolvimento espetacular de voluntários. O Banco se tornou um grande articulador da sociedade para a causa da fome. Isso nos orgulha muito e me impressiona ver a quantidade de pessoas que movimentamos em prol da causa. Isto é a verdadeira disposição para a solidariedade”, comemora Paulo Renê.
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Tecnologia social – Doe Alimentos
Ao longo dos primeiros meses da pandemia, outro aspecto que contribuiu muito para o trabalho dos Bancos de Alimentos foi a tecnologia. Por meio dela, foi possível facilitar para a sociedade a realização de doações pelo site Doe Alimentos (leia matéria nesta edição) que são 100% destinadas à compra de alimentos, além de realizar lives e shows artísticos de arrecadação
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nas redes sociais, e possibilitar a continuidade dos projetos do Banco de Alimentos de promoção da saúde junto às entidades beneficiárias e seus usuários (veja matéria aqui na revista, na seção “Qualidade e Capacitação”). Neste sentindo, a tecnologia oportunizou o trabalho e envio de vídeos educativos a idosos, e a relação essencial de cooperação do Banco com as universidades garantiu todo o trabalho profissional em segurança alimentar com orientações aos usuários das entidades atendidas através de diversos materiais e conteúdos criados. As arrecadações e os impactos na sociedade
Todos esses movimentos de engajamento e trabalho comprometido geraram resultados fantásticos, ajudando milhares de pessoas em todo o Estado. Apenas pelo site Doe Alimentos, foram arrecadados R$ 1.660.033,37 em 2020, que foram compartilhados com a Rede. Empresas, pessoas físicas, artistas, grupos de comunicação, imprensa, todos se engajaram. E o atendimento realizado pelo Banco de Alimentos representou a sobrevivência e a saúde de muitas famílias, certamente contribuindo para diminuir os índices de desnutrição. “Mais de 70% das doações foram de alimentos, mas também conseguimos atender outras ne cessidades das pessoas, incluindo a destinação de mais de 40 mil máscaras e kits de higiene e limpeza, e mais de 12 mil cobertores, totalizando mais de 400 mil itens doados”, conta Paulo. Outro impacto importante do trabalho do Banco revelado na pandemia está se dando sobre o seu mapa social. Novas instituições que nunca procuraram a entidade passaram a fazer contato em busca de auxílio para necessidades emergenciais momentâneas, além de pessoas em situação de desemprego e também atuando em segmentos inativados, como cultura e produção musical e de eventos. Isso ainda fez com que o Banco incluísse outro formato em seu processo, doando também para as famílias das instituições bene ciadas.
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Aprendizados e os próximos desafi os
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O auge da pandemia foi amparado com a solidariedade em peso da sociedade. Mas a partir de outubro/2020, o Banco começou a ter uma demonstração do impacto sobre a econ omia com um esvaziamento de doações. Outro agravante foi o aumento do consumo de alimentos, gerando níveis de escassez e aumento de preços de produtos básicos, o que também recaiu sobre o volume de doações. “A tendência natural é termos um reordenamento da pandemia e uma situação social muito grave. Precisaremos enfrentar os problemas decorrentes da situação econômica. Assim, o nosso compromisso é mudar o foco e sermos ainda mais ativos e criativos. Temos também a plena consciência da importância de pessoas, entidades e empresas terem descoberto o Banco como uma referência no terceiro setor e como um el depositário para a gestão de doações. Novas instituições e organizações nos descobriram e se valeram do Banco para ajudar o público, e esta é uma grande responsabilidade. Gostaria de agradecer o engajamento de todos e dizer que o primeiro grande confronto vencemos, mas o desa o continua. E para isso contamos novamente com o carinho e o apoio de toda a sociedade”, convida o presidente da Rede de Bancos de Alimentos do RS.
Rede de Bancos de Alimentos do RS: A solidariedade traduzida em números
(Janeiro a dezembro/2020) Total de quilos de alimentos arrecadados: 3.876.415 Total de refeições: 11.629.245 Entidades benefi ciadas/mês: 968 Total de pessoas benefi ciadas: 1.033.710 Total de voluntários/mês: 3.151
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