Caderno flow

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Sumário 12

Por uma vida mais doce

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Projeto Love it Forward

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O modelo sustentável das ecovilas

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12 passos para começar uma horta comunitária

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Ervas Medicinais: colheita e secagem

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Viaje Conosco: 7 dias de bike pelo Vale Europeu

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Festivais multiculturais

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O Bonito do Caminho: de Florianópolis ao Uruguai

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Twin Oaks: uma comunidade que compartilha simplesmente tudo

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Por que se alimentar de forma diferente pode melhorar o mundo?

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Into the Wild

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Experiência

Pelos seus olhos eu vejo

Habilidade

02 Conforto

Viver junto


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Tema:

Inspiração Autor: Dib Curi Fotografia:

Bancos digitais

O bonito do caminho: de Florianópolis ao Uruguai O casal Karina e Ismael e sua mascote Estopa pedalaram de Floripa até o Uruguai, uma aventura com o nome de ‘O Bonito do Caminho’.

Era o jeito. Quando o casal de catarinenses Ismael Godoy e Karina Ferreira, ambos 23 anos, decidiram que queriam fazer uma viagem para o Uruguai imediatamente tiveram uma certeza: eles iriam de bicicleta. O principal motivo? Grana. Nem um dos dois tinha a quantia necessária para comprar passagens de avião, alugar um carro, ir de ônibus ou qualquer outro método de transporte tradicional. Os dois se conheceram enquanto estudavam na UFSC em 2013, ele estava terminando o curso de Design e ela estava cursando Ciências Sociais. Hoje ele trabalha em uma distribuidora de livros em espanhol e ela é fotógrafa freelance. A bicicleta já era o meio de transporte “oficial” do casal dentro da cidade há algum tempo, eles perceberam que, por estarem acostumados a pedalar todo dia, fazer distâncias mais longas não seria um grande problema. Então pronto: com duas bicicletas cheias de bagagem e ainda a carrocinha para levar junto a “cachorra da família” Estopa, eles partiram de Florianópolis no dia 17 de janeiro de 2015 sem uma rota muito definida, mas com a certeza de que o pedalar iria apontar as direções e apresentar as surpresas do caminho. Para incrementar ainda mais o desafio, eles resolveram transformar toda essa experiência em um projeto audiovisual chamado O Bonito do Caminho, um canal no youtube


Inspiração

em que o casal ia contando com vídeos como estava sendo a viagem aventurosa. Nos 35 dias até chegar em Montevideo foram 1500 km percorridos: 1000 km pedalando, 200 km de ônibus e 300 km na boleia do caminhão do seu Ari, que ofereceu uma carona depois de conhecer o casal em uma das curvas da estrada. “Acho que talvez um grande trunfo de viajar de bicicleta é a receptividade que o pessoal tem contigo. Eles vem você ali com aquela bicicleta toda cheia dos apetrechos e vem puxa papo. E ai a gente tinha a Estopa ainda. O pessoal vinha ‘ah, vocês estão viajando de bicicleta e… o quê? E essa cachorra?’, ficavam assustados e aí é sempre um ponta pé inicial pra talvez conseguir alguma ajuda. O pessoal te convida pra tomar banho na casa deles, te dá um café, é muito bom.” Essa receptividade das pessoas era também um termômetro pra saber quanto tempo eles iam ficar em cada lugar. Teve uma cidade em que eles chegaram a ficar três dias acampados no quintal da casa de uma família que os acolheu. Toda ajuda era bem-vinda na hora de economizar dinheiro, acampando em espaços naturais públicos que encontravam pelo caminho ou negociando preços melhores em campings privados. Deu certo: no total eles gastaram apenas mil reais cada um, isso contando com os 400 reais da passagem de ônibus de volta de Montevideo até Florianópolis. Ismael conta que diferente do que a maioria das pessoas pensam, a parte mais difícil da viagem não foi o desgaste físico ou carregar a Estopa junto pra lá e pra cá. Aliás, a Karina ressalta o quanto a cachorrinha foi importante nos momentos difíceis: “Nós

Karina e Ismael acompanhados de suas cachorrinahs Estopa e Caxopa.

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“Surgiu pautada em um punhado de insatisfações sobre a forma que vivemos, sobre a rotina desgastante em que nos arrastamos ...”


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Depois que viramos um casal e passamos a conviver juntos, percebemos o quanto nossas necessidades são pequenas, o que nos faz ver o quão pouco precisamos para estarmos em paz e felizes. E isso basta para dar o primeiro passo.

podíamos estar cansados e acabados, mas ela sempre vinha toda animada energizar a gente!”. Como não havia nenhuma pressa eles pedalavam apenas até o seu limite físico e paravam para comer e descansar sempre que estavam desgastados, numa média de 20 km por dia. Problema mesmo foi encontrar banho depois de passar a fronteira do Uruguai. “No Brasil, por causa dos postos de gasolina, com os caminhoneiros a gente conseguia um banho sempre. Mas lá no Uruguai não tem chuveiro em postos de gasolina. Pra conseguir banho lá foi mais sofrido, a gente teve que entrar em camping, pagar por chuveiro.” Além disso, o preço das coisas no Uruguai também assustou bastante. Eles contam que pra fazer uma refeição básica eles gastavam até o triplo do que eles gastariam no Brasil. Chegar em casa foi reconfortante depois de algumas aventuras e alguns perrengues. Foi ter uma cama fofinha para dormir, filmes pra assistir e chá quentinho em menos de 2 minutos no micro-ondas. Pena que essa sensação durou um dia, e já estávamos os dois lá, saracoteando e planejando sobre a próxima viagem. Deve-se pensar muitas e muitas vezes antes de “mochilar” pela primeira vez, porque além dos danos irreparáveis que essa experiência pode trazer pra sua forma de enxergar o mundo e suas enriquecedoras diferenças culturais, ela está no topo da lista de coisas que mais viciam, e o maior perigo que pode proporcionar é deixar de ser uma atividade de lazer e se tornar um estilo de vida. Esperamos que esse conselho seja verdadeiramente útil, pois para nós foi: hoje somos duas pessoas com abstinência, esperando pelo último mês do ano, para enfim começarmos a maior aventura das nossas vidas! E a Estopae (agora também a Caxopa), aguarda o próximo passeio abanando o rabo alegr euforicamente. A seguir, confira na próxima página uma entrevista que a Revista Alter fez com a dupla.


Acima, Estop,a bela e formosa, no engate da bicicleta de Ismael.

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A simplicidade do povo, as paisagens e o cheiro de mato foram como um tapinha nas costas, que diz: é desse jeito que devemos viver, conhecendo as pessoas, provando novas sensações, andando por outras estradas, e não parados no mesmo lugar.

1) Quando e como vocês decidiram viajar de bicicleta? O que faziam antes? Meus pais decidiram que iríamos vender tudo o que tínhamos e usar essa grana pra viajar de bici depois que eles voltaram de um mochilão pela Chapada dos Veadeiros, isso nas férias de julho de 2014. Eu fiquei braba quando eles foram sem mim nessa, e então quando eles chegaram em casa do mochilão e me contaram da ideia, fui logo dizendo: -Tudo bem! Mas chega de andar de bici na cestinha, eu vou querer um carrinho só pra mim, ô quiridus! E fizeram o tal do carrinho mesmo! Antes da viagem a mamãe estudava Ciências Sociais e o papai Design, e eu não estudava nada. 2) Como foi a preparação de todo o equipamento usado para a viagem? Meus pais economizam em tudo, até no peso dos apetrechos, impressionante! Pra decidir qual equipamento comprar, eles usaram muito o site do André e da Ana (www.pedarilhos. com), o papai disse que é o melhor site sobre cicloviagem em português. Fora isso, eles mesmos construíram algumas gambiarras e sempre que dava, compravam o equipamento usado ao invés de um novo. 3) Como foi o primeiro passo para essa vida? Onde foram? Quais foram os desafios encontrados? A primeira pedalada que fizemos os três juntos, foi pra Guarda do Embaú-SC. Eles me levaram numa caixa de frutas em cima da garupa e eu não gostei não, enjoei e vomitei toda a ração do almoço. Mas depois passou e deu pra curtir a praia numa boa. Nessa viagem já deu pra ver que precisávamos de uma barraca maior e de um fogareiro pra cozinharmos nossa própria comida. O mais difícil, até pra mim, que sou uma cachorra e nem tenho muitos compromissos, é se desapegar das coisas e dos confortos que a gente tem morando


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numa casinha na cidade. Mas depois acostuma, e é até melhor! Sempre íamos e íamos e não precisávamos voltar nunca, todo dia é um lugar novo, é bom demais!

4) Por onde vocês já passaram? Conhecemos boa parte do litoral catarinense e outro tanto do Rio Grande do Sul, no Uruguai pedalamos também pelo litoral até chegarmos a Montevideo. 5) Como é a vida de vocês hoje? Hoje estamos de volta na cidade e eu estou meio deprê. Durante a viagem parecia que eu realmente estava viva, cada dia num lugar novo, correndo pelo mato e assustando as vaquinhas! Agora passo o dia dentro de casa com umas saídas a pé até a pracinha e ás vezes uma volta de bike, mas na cestinha.

Estopa e Karina em Laguna, Santa Catarina


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6) Como se mantém financeiramente? Com o dinheiro que tínhamos conseguido da venda das coisas, até minha casinha foi parar no bazar! Meus pais também fazem plaquinhas pras bicicletas com mensagens de conscientização, e adesivos pra carros também, e vendem pelo Facebook, então a venda deles também ajudou com um dinheirinho! Hoje nos temos nosso site para vendas. 7) Qual foram os maiores desafios? Fisicamente, acho que pros meus pais foi quando eles tiveram que empurrar as bicis por 2km na praia com uma areia bem fofa daquelas que quando você pisa a pata afunda toda, enquanto isso eu tava de boa me esfregando nos peixinhos que ia encontrando pelo caminho. E quando chegamos no Uruguai tomamos um susto com o preço das coisas, a comida era cara e tivemos que nos virar pra se alimentar bem, sem gastar todo o dinheiro do cofrinho. Lá também não tem chuveiro nos postos de gasolina e era difícil achar lugar pra tomar banho (melhor pra mim!). 8) Qual foram as melhores surpresas da viagem até o Uruguai? Ver o sol se pondo dentro do mar, nem sabíamos que daria pra ver isso nessa viagem! Foi na cidade de Las Flores, no Uruguai. E a hospitalidade do povo de Tavares-RS, também nos marcou! Fomos muito bem recebidos pelas pessoas e pelos cachorros da cidadezinha, um dia vamos voltar lá. 9) Quais os conselhos dão para quem quer viajar de bicicleta? Que façam um planejamento, mas sem esquentar a cabeça com equipamentos e datas, a bicicleta vai proporcionar alguns pneus furados e mais outras tantas experiências que não tem como prever, mas isso é bão demais! E ah! Pesquisar o preço da comida antes de ir pra um país pode ser uma boa, né paizão?!


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“Chegar em casa foi reconfortante. Pena que essa sensação durou um dia, e já estávamos os dois lá, planejando sobre a próxima viagem.”


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Tema:

Horizontes Autor:

Mateus Costa Fotografia:

Aaron Cohen

Comunidade Twin Oaks Conheça o dia-a-dia da comunidade que compartilha simplesmente tudo

Levam um estilo de vida que chamam de ‘pobreza inteligente’

As comunidades sustentáveis vêm ganhado cada vez mais espaço no Brasil. Inspirada nas comunidades alternativas dos anos 60, as ecovilas, como são chamadas hoje, surgiram na Europa, mais precisamente na Escócia. De acordo com a GEN (Rede Global de Ecovilas), maior entidade do setor, existem mais de 15 mil ecovilas espalhadas pelo mundo que abrigam de 20 e 3 mil pessoas. São três as bases conceituais que sustentam a ideologia das ecovilas: a vida em harmonia com a natureza e suas leis; a convivência fraterna e solidária e um estado de consciência elevada. Twin Oaks é uma delas – uma comunidade na área rural da Virgínia (EUA) – é o lar de 93 adultos e 13 crianças que levam um estilo de vida que chamam de ‘pobreza inteligente’. No dia-a-dia, os moradores cultivam o alimento juntos e compartilham o carro que fica na sede da comunidade. Eles também vivem em casas que chegam a acomodar 22 pessoas, cuidam das crianças coletivamente, compartilham as vestimentas e praticam a poligamia. Todos os residentes ganham uma recompensa de U$103/semana, cumprindo uma jornada de 42h. As crianças frequentam uma escola que foi estabelecida na própria comunidade e são incentivadas a exercer tarefas coletivas desde pequenininhas. Não é per-


Horizontes

mitido ter bebês sem prévia decisão do grupo, pois a comunidade ‘não pode se responsabilizar pelas finanças da gestação’. A comunidade que foi formada à 48 anos atrás, segue um estilo de vida simples. Os residentes vivem em harmonia, apesar de serem considerados pobres por possuírem uma renda financeira baixa. O segredo é o compartilhamento de absolutamente tudo. Apesar das características incomuns, há uma lista de espera para pessoas que querem integrar a comunidade de Twin Oaks.Um experimento para inspirar, refletir, reproduzir ou simplesmente conhecer, Twin Oaks dá um fôlego ao estagnado paradigma contemporâneo.

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Tema:

Sustentabilidade Autor:

Jardim do Mundo Fotografia:

Lina Skukauske

Alimentação consciente Por que promover uma alimentação de qualidade é uma das formas de transformar a si mesmo e o mundo

Hortelão é o nome dado a pessoas que cultivam hortas

As jornalistas e pesquisadoras em agricultura e alimentação Tatiana Achcar e Cláudia Visoni são grandes entusiastas da saúde no campo, na cidade e na mesa. Para elas, promover uma alimentação de qualidade é uma das formas de transformar o mundo. Alimentação de qualidade, aqui, significa uma rede de produção do que vai pra mesa do consumidor feita com responsabilidade e saúde para a terra e para o homem. Tatiana já viveu experiências como voluntária em fazendas orgânicas dos EUA por meio do wwoofing, rede internacional que conecta pequenos produtores no mundo todo com pessoas interessadas em trabalhar voluntariamente pra aprender o manejo rural em pequena escala, de forma conectada com a natureza e com os ciclos naturais da terra. Cláudia mantém um blog no qual dá dicas para quem quer começar a repensar a sua relação com a comida. São textos sobre como fazer uma horta em casa/apartamento, alimentos orgânicos, notícias sobre o tema e dicas gerais sobre alimentação. Ambas estão entre as fundadoras do grupo Hortelões Urbanos. Hortelão é o nome dado a pessoas que cultivam hortas. A comunidade já conta com quase 40.000 pessoas conectadas pelo Facebook. Por lá, elas trocam informações, ideias e conhecimentos gerais so


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Há uma relação estreita entre a saúde do ser humano e a saúde do nosso planeta

bre agricultura urbana e marcam encontros como o “picnic” de trocas de mudas e sementes que aconteceu em abril no Parque da Luz, em São Paulo. “Foi um momento riquíssimo de trocas, gente chegando com mudas, sementes, comidinhas especiais. Tudo ali tinha uma história que as pessoas contavam com amor e um entusiasmo contagiante”, conta Tatiana. Qualquer um que faça parte da rede social pode se conectar e começar a entender e explorar mais o assunto. Em Abril, Cláudia e Tatiana ministraram a oficina “No campo, no quintal, no prato: a revolução dos alimentos para um mundo melhor”, que fez parte da programação de atividades da Hub Escola de Outono, do Hub São Paulo. Para elas, tudo começa com a convicção de que há uma relação estreita e fundamental entre a saúde do ser humano e a saúde do planeta. “Não há como dissociar uma coisa da outra”, dizem. Hoje, boa parte da alimentação brasileira é baseada em monoculturas, ou seja, extensas plantações mecanizadas que desmatam áreas naturais, empobrecem o solo e demandam adubos químicos, fertilizantes e agrotóxicos. “É o modelo do desmatamento. Estamos fabricando um deserto com a monocultura”. Por isso, nossa alimentação se resume basicamente a quatro grandes commodities, que são a base de praticamente todos os outros produtos que consumimos: soja, milho, trigo e arroz. “É um questionamento do modelo de produção e distribuição dos alimentos. No Brasil, essa discussão quase não existe ainda”. Na mesma medida em que somos uma potência do agronegócio mundial (condição exaltada em propagandas como a deste vídeo abaixo), os caminhos alternativos (alimentos saudáveis e livres de veneno) muitas vezes tornam-se mais difíceis de serem percebidos por grande parte da população. “Às vezes as pessoas até ficam bravas quando se inicia uma conversa sobre isso”, comenta Cláudia.


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Por que tanto veneno? Além de resignificar a relação com o alimento, a agricultura urbana e orgânica é uma forma de fugir do uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil. Segundo Tatiana, a primeira medida de mobilização necessária é impedir que o Brasil compre produtos que são proibidos no resto do mundo. Por conta de uma política dominada por grandes indústrias químicas, ainda comemos alimentos contaminados com venenos que foram banidos há anos em outros países. A Anvisa mostra que somos responsáveis por usar 19% dos defensivos agrícolas produzidos no mundo, na frente dos EUA, que consome 17%. Em 2011, o Brasil registrou 8 mil casos de intoxicação por agrotóxicos. Seis grandes empresas controlam mais de 70% do mercado de agrotóxicos no Brasil e tiveram uma renda líquida de R$15 bilhões em 2010. E mais impressionante ainda é que 84% dos agrotóxicos da América Latina são consumidos no Brasil, que é “muito permissivo” e “tem produtos que são proibidos na União Europeia e nos Estados Unidos há 20 anos”, comenta a pesquisadora. Larissa também explica porque o argumento de que esse sistema é necessário para alimentar toda a população mundial é “mentiroso”. Para ela, não é questão de produção, mas sim de acesso. O pesquisador Joel Cohen, chefe de Laboratório de Populações da Universidade Rockefeller, nos EUA, segue a mesma linha: “Em 2009-2010, o mundo cultivou 2,3 bilhões de toneladas de cereais. Do total, 46% foi para a boca de pessoas, 34% para animais e 18% para máquinas (biocombustível e plásticos). 90% da soja cultivada no mundo serve para alimentar animais. Nosso sistema econômico não precifica gente que passa fome. A fome é economicamente invisível. Com o que se planta agora, poderíamos certamente alimentar de 9 bilhões a 11 bilhões, mas 1 bilhão passa fome”.


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Para piorar, no Brasil não existem linhas de financiamento voltadas para a agroecologia. “Para conseguir liberação de dinheiro no banco, o produtor precisa mostrar a nota fiscal comprovando que adquiriu agrotóxicos”, diz Cláudia em seu texto “Por que os orgânicos são tão caros?”. Nossas faculdades de agronomia formam cada vez mais profissionais que vão reproduzir essa forma de tratar a terra e a produção de alimentos. “Nas faculdades de agronomia predomina o ensino da agricultura baseada em insumos químicos, gerando carência de profissionais que sabem cultivar a terra sem apelar para eles. Para complicar de vez a situação, entidades como o CNPQ e a CAPES não costumam liberar bolsas de estudos para quem se propõe a estudar agricultura orgânica e familiar”. Muita gente se depara com o dilema do preço. É fato que, na maior parte das cidades brasileiras, ainda é mais caro comer alimentos orgânicos. Este é, no entanto, o típico caso do barato que sai caro para o país. osso sistema agrícola dominante não leva em conta questões como: o custo social representado pelo abandono do campo pelos pequenos produtores e inchaço das per-


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iferias urbanas; custo em saúde pública que tem origem no e norme número de pessoas intoxicadas pelos agrotóxicos, seja de forma aguda ou crônica (câncer, doenças neurológicas e endócrinas entre outras); custo ambiental devido à contaminação química do ar, da água e do solo, à perda da fertilidade do solo e biodiversidade brasileira.

Campanha É importante também destacar o papel da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, que luta por outro modelo de desenvolvimento agrário nos campos brasileiros. As pessoas que estão nesta linha de frente acreditam em “uma agricultura que valoriza a agroecologia ao invés dos agrotóxicos e transgênicos, que acredita no campesinato e não no agronegócio, que considera a vida mais importante que o lucro das empresas”, diz o site oficial. O documentário O Veneno Está na Mesa, do cineasta Silvio Tendler, que está disponível na íntegra na internet para cópia, veiculação e distribuição, e é uma ótima forma de entender melhor a questão. Nascidos e acostumados a este sistema, acabamos perdendo a sensibilidade em relação ao que comemos. O gosto da cenoura ficou menos acentuado. A alface, sem gosto. O sabor do milho é aquele da latinha. Podemos estar dertos de que seja assim? Falta muito um apreço pelo sabor e pela qualidade do alimento, A consciência. Ao entender e conscientizar pessoas que a qualidade do que vai diretamente para dentro do corpo de cada um de nós foi profundamente afetada por uma indústria que objetiva a produtividade acima da saúde da população, o primeiro passo foi dado. Os próximos abrem um caminho longo de busca por maior saúde no prato, no planeta e na sociedade, com espaço para tentativas e aprendizados. “Na agricultura urbana podemos errar, em um mundo em que sempre é preciso acertar”.

Há uma relação estreita entre a saúde do ser humano e a saúde do nosso planeta


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Tema:

Conheça Autor:

Nando Pereira Imagem:

Na Natureza Selvagem (2007)

INTO THE WILD “Na Natureza Selvagem” é um livro, um filme e uma filosofia de vida o qual gerou um movimento de novos inquietos, de pessoas dispostas a ir ao encontro do incerto.

Não há muito o que falar sobre “Into The Wild“, ou “Na Natureza Selvagem“, adaptação do livro de Jon Krakauer (1996) feita pelo diretor Sean Penn (2007), com Emile Hirsch como Christopher McCandless, o protagonista de uma história que desafia instintos, emoções e escolhas de vida. “Into the Wild” é um filme inspirado em fatos reais: aos 23 anos, McCandless deixou os planos de estudos acadêmicos pra trás e partiu em busca da própria identidade numa “grande aventura em direção ao Alaska“. Com uma das melhores trilhas sonoras que eu já ouvi num filme, composta especialmente por Eddie Vedder, essa jornada de um jovem corajoso, lúcido, ingênuo, inteligente e impetuoso pela liberdade e pela transformação espiritual pelo Oeste norte-americano virou um belo filme e agora pode servir para nos perguntarmos coisas tão essenciais de serem perguntadas, responder coisas tão essenciais de serem respondidas, sentir coisas tão fundamentais de serem sentidas, e viver. Ao invés de sentar confortavelmente sobre as conformidades da… “sociedade”, para usar uma expressão de McCandless, dessa invenção chamada carreira, de mentiras herdadas da própria família, da maldade diária da vida moderna.


Conheça 69

A entrega total junto da incompletude de McCandless impressionam tanto quanto o foco libertário da viagem. Ron Franz, da cena descrita acima, recebe uma verdade, mas também transmite uma tão ou mais valiosa a McCandless, que vai se expressando, se renovando e descobrindo coisas ao longo do caminho. Alguns falam em “imaturidade”, mas acho que, nesse nível, a imaturidade é inerente à condição do ser humano – porque quando ele atinge a maturidade num âmbito tão amplo como esse, nenhuma jornada mais é necessária. A imaturidade é o que cria as jornadas, o que nos coloca no caminho da busca e da descoberta.

“Ao invés de amor, dinheiro, fé, fama, justiça… dê-me a verdade”

Henry D. T horeau

ede T rail, p m a t S a A 30Km d Ônibus s o s o m a f e o localiza-s e Alex d o c i g á M


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Um dos últimos registros de Chris em sua última viagem. À direita, carta enviada por Mccandless ao amigo Ron Franz.

Há muitos atrativos valiosos no filme, como a presença de grandes atores como Vince Vaughan, ou a inspiração em autores como Tolstoy, Thoreau, London, ou ainda a comparação com as viagens de Che Guevara em Diários de Motocicleta, mas o principal é a jornada de um cara normal, sem especialidades ou fatos extraordinários, que saiu de Atlanta para o Alaska tentando se achar, e fez do caminho da natureza selvagem a peregrinação interior mais valiosa da sua vida. Outro aspecto que seria, por si só, capaz de tornar o filme inesquecível é a trilha sonora original, ela é composta por belíssimas canções interpretadas por Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam. Estas músicas, que variam do folk rock ao alternativo, falam do mesmo sentimento que norteia toda a trama e ninguém mais indicado para cantar sobre isso do que este verdadeiro ícone da cena grunge. Vedder parecia estar em uma sintonia perfeita com a história que estava sendo contada.


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“Gostaria de repetir o conselho que lhe dei antes: acho que você deveria promover uma mudança radical em seu estilo de vida e começar a fazer corajosamente coisas em que talvez nunca tenha pensado, ou que fosse hesitante demais para tentar. Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso parece dar paz d e espírito, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito do homem que um futuro seguro. A coisa mais essencial do espírito vivo de um homem é sua paixão pela aventura. A alegria da vida vem de nossos encontros com novas experiências [.. ] O que quero dizer é que você não precisa de mim ou de qualquer outra pessoa para pôr esse novo tipo de luz em sua vida. Ele está simplesmente esperando que você o pegue e tudo que tem a fazer é estender os braços. A única pessoa com quem você está lutando é com você mesmo [.. ] Não hesite nem se permita das desculpas. Simplesmente saia e faça. Você ficará muito, muito contente por ter feito. Chris Mccandless

p m a r t r e p u Alex S


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