THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Projetos culturais: CULTURAIS técnicas de modelagem. PROJETOS Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. (ISBN 85-255-0655-2)
As tarefas que compreendem a modelagem estão divididas em passos, que são detalhados e comentados. A ordem de exposição foi elaborada de modo a que mesmo profissionais com pouca experiência possam configurar um projeto seguindo passo a passo as instruções dadas. A indicação v remete a passos ou conceitos discutidos em outra parte do livro. Para facilitar a consulta, cada nova definição introduzida está marcada em negrito - prática adotada em todo o texto. Um índice remissivo, no final do livro, auxilia a localização de conceitos e técnicas. -7
o que é um projeto
cultural?
Entre as inúmeras acepções do termo "cultura" talvez a mais bela seja a encontrada no prefácio da edição de 1873 de Literature and dogma, onde o poeta Matthew Amold define cultura como a paixão pela suavidade e pela luz. Mas, quando se examinam as propostas latino-americanas na área cultural e a quantidade de intenções abandonadas no tempo e nas gavetas, tem-se a impressão de que a definição de Amold é uma licença poética, de que os responsáveis por projetos culturais preferem a dissensão e a obscuridade. . As fraturas lógicas, a quase impossibilidade de discemir o que pessoas e instituições pretendem, o desconhecimento das técnicas mais elementares de gestão têm condenado ao esquecimento excelentes idéias, movimentos generosos em favor da cultura. E, no entanto, a regra de ouro na elaboração e na gestão de projetos é, e sempre foi, a ordem e a clareza, a luminosidade que a cultura tem ou deveria ter. Isso simplesmente porque um projeto nada mais é do que algo que deve ser transmitido a terceiros, às pessoas que irão decidir se o apóiam ou não. Em todo o mundo, organizações públicas e privadas do setor cultural denominam "projetos" instrumentos que pouco têm a ver com os que trataremos aqui. O termo tornou-se tão disseminado que acabou por se confundir com listagens, processos, arrolamentos. Por isso é importante precisar bem o que é um projeto. Essa definição toma-se mais clara quando se entende o que não é um projeto. O termo "projeto" tem urna infinidade de significados. É utilizado como sinônimo de intuito, de disposição, de escopo, de vontade. É utiliza-
ANTES DE COMEÇAR
do, principalmente, como sinônimo de aspiração e de intenção. Quando se aspira a algo, por exemplo, quando se pretende conseguir um bom emprego ou quando se quer aprender um idioma, diz-se que se tem o projeto de conseguir um bom emprego ou de aprender esse ou aquele idioma. Outros usos da palavra são vagos ou genéricos. Faz-se referência ao projeto de vida de alguém e chama-se de projeto um documento que contenha um inventário de intençôes. Nenhuma dessas acepções corresponde à definição técnica do termo "projeto".
o que um projeto
.,.
contempla?
Então, o que vem a ser projeto? Define-se projeto como uma organização transitória, que compreende uma seqüência de atividades dirigidas à geração de um produto singular em um tempo dado. Essa definição contém uma série de termos-chave: O objetivo: um objetivo, um projeto. Essa é uma regra básica. O projeto deve ter um, e somente um, objetivo - um resultado, output, saída, produto ou como se prefira chamar - claramente identificável em termos de custos, prazos e qualidade; O
transitório: um projeto tem um ciclo de vida predeterminado, com começo e fim. Extingue-se quando seu objetivo é atingido;
O
produto: entende-se por "produto"de um projeto qualquer classe de bens, tangíveis ou intangíveis, desde bens materiais até serviços, ou mesmo idéias. Por exemplo, um projeto que tenha como propósito estudar a factibilidade do levantamento da vida cultural de uma região tem como produto uma série de idéias de como fazê-lu, e não um volume encadernado ou um CD gravado, que são simples suportes do produto. O termo "produto" tem o mesmo valor do termo inglês output, aquilo que aparece ao final do processo, o pro (adiante) ductia (ação de guiar);
O
singularidade: um projeto é um empreendimento único, e qualquer alteração de conteúdo ou de contexto corresponde, necessariamente, à modificação do projeto;
O
complexidade: um projeto é um compósito articulado de ações atividades do projeto -, que se dão tanto linearmente quanto H
as
em
ANTES DE COMEÇAR
paralelo. Só faz sentido modelar um projeto quando as atividades necessárias para se alcançar o objetivo pretendido não podem ser ordenadas ou avaliadas de imediato. Note-se que os termos-chave da definição de projetos se opõem aos termos-chave que caracterizam as organizações em geral. Assim, transitório se opõe a permanente, seqüência de atividades se opõe a conjunto de atividades, um produto ou serviço singular se opõe a produtos e serviços, e em um tempo dado se opõe a qualquer momento. Mais adiante serão examinadas as técnicas requeridas para se lidar com a transitoriedade, a seqüenciação, a singularidade e os prazos dos projetos. Antes, vamos voltar à origem das várias formas de modelar projetos.
Quais as origens das técnicas atuais de projetos? A gestão de projetos tem origens remotas. Existe documentação sobre projetos levados a efeito há pelo menos 6 mil anos na Mesopotâmia. Mas tal como é praticado neste início do século XXI, a configuração de projetos tem quatro raízes facilmente identificáveis: O
O
a da experiência dos projetos de engenharia, ampliada entre os anos 1940 e 60 pelo esforço dos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial e as guerras da Coréia e do Vietnã, O sistema mais completo com essa origem é o Project Management Institute (PMO norte-americano, IDas hoje bastante difundido nas Américas. O PMI considera um corpo de conhecimentos, com ênfase na fixação de objetivos, seqüenciação de tempo, custos, qualidade, gestão de recursos e comunicações. Os softwares sobre projetos derivam em geral dessa visão. É pouco utilizado pelo setor cultural fora dos Estados Unidos;
a dos projetos de desenvolvimento econômico, com influência marcante de idéias de regulação, hoje operados por instituições internacionais e nacionais de fomento e por bancos públicos. A ênfase, nesse tipo de modelagem, recai sobre tópicos relacionados com economia setorial e regional, e análises de demanda, de dimensionamen_ to, de localização, de produtividade dos insumos e financeiro-orça_ mentária. Esse sistema é mais utilizado em projetos culturais de grande envergadura;
o a dos esquemas europeus de planificação e cooperação internacional, como o ZOOPI alemão, que enfatiza o foco do projeto e contempla prioritariamente os instrumentos de coordenação, integração e apoio mútuo, dirigidos a objetivos compartilhados e precisamente definidos. Devido em grande parte à facilidade de aprendizado e operacionalização, esses esquemas são amplamente empregados no setor cultural, tanto na Europa quanto em países em desenvolvimento, principalmente em projetos financiados por instituições multilaterais ou nacionais européias; O
a dos projetos de investimento, utilizados por instituições financeiras concorrenciaise por patrocinadores privados, cuja ênfase incide na seleção de investimentos, nas taxas de retomo do capital e nos riscos I de inversão. São mais empregados em projetos culturais apoiados por instituições financeiras.
Por que utilizar instrumentos específicos para projetos culturais? Neste livro procurei relacionar os instrumentos de fato utilizados pelas empresas e agências governamentais não só da Europa e dos Estados Unidos, como da América Latina, África e Austrália. Embora esses instrumentos tenham origens diferentes (as quatro raízes acima mencionadas, além de algumas técnicas isoladas), procurei integrá-Ios segundo o quetivea' ..Qportunidade de aplicar ou ver aplicado em projetos culturais. Mas é preciso ter presente que um projeto técnico não é um querer difuso, uma vontade de fazer, uma boa intenção. Encontramos repetidas vezes, principalmente no campo das artes, propostas que se resumem a afirmativas do tipo: "o que pretendemos é evidencíar o caráter simbólico, ... histórico, cultural, ...", ou ainda, "temos o projeto de colocar à disposição do público ". Essas classes de assertivas, ainda que muito bem-intencionadas, muito articuladas, não bastam para constituir um projeto. Não passam de vontades articuladas, de intenções, sobre as quais pode-se ou não constituir um ou vários projetos. Mas não são projetos. São ambições.
1 ZOOP _ sigla alemã (Ziel Orientierte Projekt Planung), que significa planejamento de projetos orientado por-objetivos. E uma metodologia lançada pela Agência Alemã de Cooperação Técnica (GIZ -'- GmbH - Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit) em 1981.
16 17
ANTES DE COMEÇAR
PROJETOS CULTURAIS
Em um estágio mais avançado, encontramos esquemas do gênero: "começaremos por levantar o número de artesãos ...", ou do tipo: "organizaremos um grande movimento para pressionar as autoridades ...", que, mesmo mais concretos, ainda não são projetos. São apenas idéias bem-arrumadas, descrições de tarefas, por vezes expressas em documentos, mas que estão longe de ser projetos na acepção técnica do termo. São intenções. Obviamente, os projetos culturais 'diferem dos projetos em geral por envolverem insumos de alta qualidade, difíceis de gerir, e por terem retorno financeiro imprevisível, reduzido ou mesmo inexistente. Mas não são somente essas razões que determinam a particularidade do setor cultural. O que pude verificar em mais de 20 anos de trabalho com projetos em vários países de três continentes é que o de fato utilizado difere substancialmente do que está contido nos livros e manuais. Os instrumentos comuns aos manuais de projetos que encontram pouco ou nenhum uso em projetos do setor cultural e que, portanto, não figuram aqui são de três ordens: a) os que envolvem cálculos matemáticos e estatísticos de grande sofisticação; b) os que recomendam formas-padrão de conduta; e c) os de operacionalização dispendiosa. Além das óbvias dificuldades metodológicas, diversas outras razões levam à não-utilização desses instrumentos em projetos culturais. , As técnicas quantitativas requerem pessoal altamente qualificado e, portanto, caro - tanto para a modelagem, quanto para a análise dos projetos - e são aplicáveis unicamente a alguns tipos de projetos de grande escala, raros no setor cultural. Geralmente, iniciativas que requerem cálculos sofisticados são projetos de engenharia, como a transferência do templo de Abu Simbel no Egito, ou projetos de megaeventos, como shows ao ar livre. O papel do especialista no setor cultural - do antropólogo, do arqueólogo, do diretor musical ou artístico - é orientar, dirigir e monitorar as atividades, e não detalhar a modelagem do projeto. As recomendações sobre princípios de conduta que figuram na maioria dos manuais de projetos pecam por desconhecer diferenças culturais. Provocaram, e ainda provocam, imenso descrédito sobre a gestão de projetos enquanto conjunto de técnicas fundamentadas. Isso é verdade não só para projetos culturais como para iniciativas em todas as áreas e latitudes. A desconsideração das diferenças é absurda tanto para um africano, perplexo diante de recomendações relativas ao controle da duração do tempo do pro-
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jeto - um conceito estranho à maioria das culturas daquele continente -, quanto para um agricultor norte-americano, de tradição solidamente arraigada, a quem recomendam que se comporte segundo os padrões das empresas de alta tecnologia do Silicon Valley. Os instrumentos de operacionalização dispendiosa são descartados porque os benefícios prováveis de sua utilização no setor cultural estão, ou parecem estar - o que é indiferente no caso - situados aquém dos custos correspondentes. Isso se aplica a grande parte dos sistemas computadorizados .de configuração de projetos, a análises sofisticadas de demanda e a sistemas lacrados de produção, os "pacotes" gerenciais. Os-projetos na área da cultura que requerem tecnologia de ponta são, em geral, projetos tecnológicoscomo os de tecnologia jde som ou de controle digital de massa de dados -, aplicados a temas de interesse cultural. Da mesma forma que para os projetos que requerem grandes cálculos, o papel do especialista no setor cultural é o de orientar a confecção, controlar a gestão e avaliar os resultados e, não, o de detalhar a modelagem do projeto.
o que é modelagem? Modelagem é a ordenação lógica de projetos, a exposição fundamentada do que se pretende ver realizado. O termo "modelagem" é uma tradução da expressão project designo Utilizo indiferentemente os termos "modelagem" e "configuração". Quando se pretende criar ou recriar um produto V->ouquando se pretende dar forma a uma idéia, configura-se ou modela-se um projeto. Ao final da modelagem, tem-se um documento que informa sobre o produto, a seqüência de atividades, os recursos, enfim tudo que é necessário para que o projeto possa ser posto em prática. No último passo apresento um quadro resumo do conteúdo básico de um projeto tecnicamente modelado, relacionando os itens, seu conteúdo e os capítulos em que foram examinados neste manual.
Qual o momento da modelagem? A modelagem é a instância técnica inicial de um projeto. As demais são a administração e a avaliação, que compreendem a monitoração, a análise e o julgamento. 19
A modelagem tem como escopo a preparação para as outras etapas. Um projeto estará bem modelado se e quando for administrável e passível de avaliação. Isto é, se e quando forem expostas claramente as atividades a
Embora a própria base do vítalísrno,' a idéia-força de que tudo, inclusive as formações sociais, passa por fases vitais -
nasce, cresce, vive a
serem desenvolvidas, os objetivos a serem alcançados, o tempo e os recur-
sua maturidade e morre -, seja extremamente discutível, o conceito tem-se demonstrado útil em muitas circunstâncias.
sos requeridos, bem como indica das as condições de gestão para que o pro-
No campo da configuração de projetos, tem sido aplicado à análise
jeto se complete. Não só isso: um projeto estará bem modelado se e quando as atividades a serem desenvolvidas, os objetivos a serem alcançados, o tem-
do transcurso da seqüência de atividades e à identificação do "momento" do produto v...• gerado pelo projeto. No primeiro caso, considera-se que o
po e os recursos requeridos, as condições de gestão possam ser monitorados, analisados e julgados positiva ou negativamente.
projeto tem um ciclo que se. inicia na configuração e se encerra com a
A administração abarca os conhecimentos, as habilidades, as ferramentas e as técnicas necessárias à condução de um projeto devidamente configurado. Não deve ser confundida com a administração por projetos, uma variante da administração por objetivos, na qual as operações da organização são conduzidas como projetos.
redação da memória. No segundo, que as questões envolvidas na inserção do produto v--> diferem segundo cada uma das fases do seu ciclo de vida. Por exemplo, em um projeto de lançamento de um produto v ....• inédito, os fatores a se considerar são diferentes daqueles de um projeto que proponha a entrada de um produto v ...• já conhecido em um mercado maduro. Outra utilidade do conceito de ciclo de vida é a demarcação do ciclo
A avaliação compreende o acompanhamento, a monitoração, a análise e o julgamento da viabilidade, da execução e dos resultados, positivos e negativos, do projeto.
do próprio projeto. Como qualquer instituição, o projeto também tem seu ciclo, que vai da configuração ao término. Também aqui, a análise do ciclo
Para dar conta dessas condições, ao se modelar um projeto, deve-se aplicar uma série de convenções e de técnicas a fim de: a) esclarecer sobre
projeto. Isto porque, corno já se viu, a modelagem requer sempre algum
a sua inserção no contexto em que terá lugar, isto é, sobre as' relações
investimento. Por exemplo, quando se entra numa concorrência, tem-se o
entre o projeto e a economia, a sociedade, as organizações etc.; b) definir o foco, isto é, as finalidades, o objetivo, o produto v ...• a ser gerado; c) esta-
dispêndio de elaborar projetos, e até se paga uma taxa. Caso se perca a
belecer a seqüência das atividades a serem desenvolvidas; d) estimar a
que se vai configurar não depende de avaliaçãonu~ processo concorrencial,
provisão e o uso dos recursos, e os custos a eles associados; e, finalmente,
os custos envolvidos e a boa prática recomendam que se reflita sobre a con-
e) cuidar da apresentação do projeto para que possa ser compreendido e aceito.
veniência de se investir em sua configuração. Quanto mais cedo, isto é, quanto mais embrionária for a etapa em que se conclua sobre se se deve ou
de vida ajuda a verificar a oportunidade de se iniciar a configuração de um
concorrência, esse investimento estará perdido. Mesmo quando o projeto
não prosseguir, menos riscos se estará assumindo.
Quais as instâncias do projeto? A noção de ciclo de vida, embora discutível em termos teóricos, tem-se mostrado útil para explicar a trajetória dos projetos, desde a sua idealização até o seu término. A idéia é que qualquer produto, serviço, projeto ou instituição passa por um ciclo de concepção, surgimento, crescimento, maturidade, declínio e desaparecimento.
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2
A idéia de que os produtos, as organizações e os serviços demandados percorrem um ciclo similar ao dos organismos vivos é recorrente pensamento ocidental desde os primeiros filósofos gregos. Aparece em textos romanos sobre administração e direito econõmico e ganha força com o renascentista Paracelso. O biologismo e o vitalismo filosófico do século XIX e da primeira metade do século XX puseram a idéia em voga. Em períodos recentes da evolução das técnicas de administração, o conceito foi adotado no campo domarketíng, do planejamento estratégico e mesmo como ponto focal de toda uma temia das organizações.
no
21
FIGURA
inventividade e da experiência de quem a executa, quanto do domínio téc-
1
Progressão do ciclo de vida de um projeto de restauração arquitetõnica
nico. Também não é um trabalho que se faça sem esforço e demora. Dificilmente se obtém uma boa configuração de projeto na primeira tentativa. Normalmente passa-se por vários níveis de concreção. Há um momento de
35 30
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idealização, quando se procura ter uma visão geral do produto
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I
..... Início
Pré-projeto
Embrionária
mento de elaboração, quando se trabalha (labora) a idéia inicial, delineiam-
ma final ao documento de apresentação do projeto. As deficiências de muitos projetos na areada cultura decorrem da
5
ok
Meio
Conclusão Pós-projeto
inversão e do atropelo desses níveis de concreção. É comum partir diretamente para a formulaâo - na verdade, para o preenchimento de formulários _,
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Configuração
- -
Gestão
a ser
envolvidos. Por último, há um momento de formulação, quando se dá for-
I
10
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se as diversas fases, estimam-se melhor os recursos, os custos e os riscos
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15
v
gerado e imaginar a dimensão aproximada do projeto. Segue-se um mo-
II
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sem que a idéia do projeto esteja clara e trabalhada. Também é
Monitoração
comum elaborar projetos a partir de realizações passadas ou da indicação de possibilidades de financiamento, sem que se atente para o contexto, as imA figura 1 demonstra a progressão do ciclo de vida de um projeto na área de restauração arquitetõnica. Vê-se que os custos de modelagem se acentuam particularmente na fase que antecede o início operacional do projeto. E também que esses custos se estendem por todo o ciclo de vida do projeto, uma vez que a monitoração indica necessidades recorrentes de reconfiguração. Isso é comum em projetos de restauração arquitetõnica, quando em geral não se sabe o que se vai encontrar por baixo das fachadas, e pode ser generalizado para outros tipos de projetos. Utilizei esse exemplo porque nele estão claramente marcados os momentos em que se tomou a decisão de continuar ou de desistir do projeto. Vê-se que, na etapa inicial, até começar a monitoração, o investimento ainda é bem reduzido. Depois cresce rapidamente. No exemplo - tirado de um projeto real- também estão evidentes as proporções entre os custos diretos e os custos de administração, bastante altos, aliás.
Como a modelagem se articula com as outras instâncias? Como toda atividade criativa, a modelagem de projetos não pode ser bem realizada seguindo-se apenas as instruções de um texto. Depende tanto da
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Qual o campo dos projetos culturais?
O propósito
desta seção é definir o campo de trabalho dos projetos cultu-
rais. Explicitarei alguns conceitos fundamentais e, em seguida, delimitarei as fronteiras para além das quais se sai do tema "projetos culturais". Embora existam muitos entendimentos do significado de "cultura", é imprescindível para o trabalho uma definição precisa do termo. Definição que deve ser operacional, sob pena de não se poder relacioná-Ia com alguma coisa tão prática, tão terra-a-terra, como as técnicas de projetos. Por isso, para começar, é preciso firmar uma definição de "cultura".
Qual o campo da cultura? A noção mais antiga sobre o termo cultura é aquela que opõe os objetos culturais aos objetos naturais. Essa idéia deriva da evolução remota da filosofia na Grécia antiga, do momento em que Sócrates, ou Platão pela boca de 23
22
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plicações e o conteúdo dos produtos e resultados esperados.
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ANlIS DE COMEÇAR
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Sócrates, abandona a tradição dos filósofos da natureza de se preocuparem
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exclusivamente com a explicação do mundo físico e passa a polemizar com os sofistas sobre o homem e a sociedade. Até esse momento o homem primitivo, na busca de conforto ante as ameaças representadas pelas forças da natureza, havia elaborado uma série
Caso se pretenda aplicar as técnicas de projetos a problemas e .~tões culturais, tem-se que construir um conceito adequado às limitsões dessa técnica. Um conceito imperfeito e discutível, mas imprescíndívelgara fixar o campo de possibilidades fora do qual as técnicas de proj etosnão
comunidade, deveriam estar baseados nos dois únicos elementos constan-
funcionam. Cada um deve definir por si mesmo por que tomou o projeJl.do seu interesse como cultural.
nha: o do movimento dos astros no céu e o dos próprios costumes humanos, oriundos das necessidades e do aprendizado do.convívio. O mito, a explicação mítica do mundo, é uma síntese dessas duas ordens: a natural, dos astros, da sucessão dos dias e das noites, e a cultural, dos costumes. Do mito nasceu a religião, a illuminatia, a revelação, e da contestação dos mitos nasceram a crítica, a razão, o lagos, a cultura. 3
Cada pessoa, claro, definirá o termo "cultura" como bem lhe paJl(,:er. Para melhor utilização do manual, descrevo a seguir minhas consiclerzões ".
sobre o limite da possibilidade da conjunção do conceito de projeto clJIlo de cultura. i Primeiro, como queriam os filósofos antigos, deve-se aceitar suno conformando a cultura um conjunto de objetos que não são natu rais, no
Outra acepção, também muito antiga, relaciona cultura ao cultivo das capacidades humanas. Ainda hoje há pessoas que entendem cultura
sentido do exemplo clássico de que o mármore é um objeto natural e a
como aquilo que todo homem educado, vale dizer, cultivado, deve saber,"
humano. Essencialmente, essa é a mesma posição dos humanistas, dosque, como os sofistas, consideram o homem a medida de todas as coisas. Mas
Tem-se ainda a perspectiva humanista, que afirma que cultura é tudo aquilo que a vida humana cria, transforma e se apropria. Para não me estender muito, consideremos por último a perspectiva mais atual, a dos antropólogos, que definem cultura como o conjunto de realizações, instituições e hábitos sociais de um grupo de seres humanos.'
Qual o domínio operacional da cultura? Do ponto de vista da procura de uma definição prática de cultura, cada um desses entendimentos representa
5
operacional.
de sistemas explicativos do mundo. Sistemas que, para serem aceitos pela tes, nos dois únicos tipos de conhecimento comprovável de que se dispu-
3 4
nenhum deles seja suficientemente preciso para que se possa corrsideá-lo
uma contribuição necessária, ainda que
estátua talhada nesse mármore é um objeto cultural, um produto do eSiYrço
essa ordem de pensamento não leva em conta que os objetos riatsrats intocados pelo homem, como uma paisagem, o monte Fuji, por exemplo, são também eles objetos culturais. Não são produtos, mas são bens adturais, porque lhes atribuímos um determinado valor. Segundo, concordo com os que sustentam que a cultura compreende um aperfeiçoamento do espírito pela apreciação e pelo cultivo de detenninados objetos, determinados valores. Cabe assinalar, no entanto, que esta costuma ser uma perspectiva muito limitada. Tende a concentrar-se unicamente em uma categoria de valores: os estéticos. Entendo que outros valores - como os materiais, os éticos, os relig~osos - também integram a cultura, e que esta não pode estar limitada ao cultivo do belo.
.
Ver Cassirer, 1955. Ver Eliot, 1944.
O entendimento do que vem a ser "cultura" varia muito entre as diversas correntes da antropologia. Desde considerar todas as atividades humanas até privilegiar alguns dos seus aspectos, como o comportamento (Tylor), as instituições (Malinowski) ou os artefatos (os arqueólogos). Procurei aqui dar uma definição que abrangesse as diversas ordens de pensamento.
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Finalmente, estou de acordo com os antropólogos quando afirmam que não se pode falar de cultura em geral, que o que existe são culturas, realizações e modos de viver de cada povo, de cada comunidade. Mas assinalo o que muitos esquecem: que as classes de objetos produzidos e valori" zados pelo homem não variam, que ainda que as culturas possuam objetos 25
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ANTES DE COMEÇAR
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e valores diferentes, todas as Culturas têm em comum as mesmas classes de objetos, as mesmas categorias de valores. Uma cratera grega e um vaso marajoara são ambos recipientes. A honra, o valor "honra", é constante, ainda que se encontre nos antepassados para um japonês, na perfeição do trabalho para um artesão ocídental, e na lealdade para as culturas latinas. O que não varia entre as culturas é o valor "honra"." As culturas diferem segundo o tipo específico, característico, dos produtos que geram e segundo o valor que emprestam a determinados objetos, sejam esses objetos naturais ou artefatos, sejam esses objetos reais, tangíveis, as "coisas", ou objetos ideais, intangíveis, como as lendas, a música etc. Insisto neste último ponto porque é imprescindível, na tarefa de modelar projetos culturais, ter bem claro o que se está trabalhando. Mencionei os objetos naturais, como uma paisagem plo -,
o Pão de Açúcar, por exem-
os objetos produzidos pelo homem, como uma cadeira ou o trono de
ouro de Tuntancâmon, pouco importa, e lembro que os objetos podem ser reais, como as pirâmides, ou ideais, como o triângulo ou uma lenda. É claro que essas classes somadas não definem nada. Ao contrário, incluem a totalidade dos objetos. Qualquer coisa pode ser um objeto cultural. O que torna
"
um objeto de fato "cultural" é o valor atribuído a esse determinado por uma comunidade, por uma cultura.
objeto
Tem-se, assim, uma primeira aproximação ao que se pode considerar como um produto de projetos culturais: a invenção, a descoberta, a preservaçâo etc. de objetos reais ou ideais que têm valor para determinado grupo
quando me recuso a mentir para ganhar dinheiro ou quando me sacrdco em prol da minha igreja, estou hierarquizando os valores. Estou colocando o ético acima do útil ou o sagrado acima do vital. Aí, na hierarquia dos valores, tem-se o segundo elemento da defaição operacional do campo da cultura. Embora todas as sociedades, todas as comunidades possam ter os mesmos valores, cada sociedade, cada cornusidade, cada estrato social estabelecerá prioridades diferentes entre os varares. Com essa ressalva chega-se à fórmula resumida da definição operacional de cultura que será utilizada daqui por diante: cultura é o sistema composto pelos objetos reais e ideais valorizados por uma sociedade. A segunda parte da definição por mim adotada trata da especificidade dos objetos culturais, do que distingue os objetos culturais dos objetos em geral. Até agora estabeleceu-se o entendimento
do termo "cultura" como
um sistema de valores e objetos. Sustentei que os valores podem ser comuns às culturas. Sustentei também que o que diferencia as cult~ras são as diversas hierarquias que atribuem aos valores. Tentarei agora responder a questão que serve de título à próxima seção.
Que classes de objetos são os objetos culturais? Quando se tenta integrar as diversas tendências de exame dos fenômenos culturais, vê-se que o ponto que têm em comum é a convicção de que existem
objetos
que são denotativos
ou pelo menos que são mais
humano. Os dois elementos - objetos e valores - são intimamente relacionados. Todo objeto tem valor e os valores não existem sozinhos. Os valo-
denotativos de cultura do que outros. Como se viu, os gregos diriam que
res são sempre referidos a objetos. Quando afirmo que o alimento é vital, o
do belo limitariam a cultura às artes; os humanistas diriam que o cultural
abrigo útil, ou que uma imagem é sagrada, estou atribuindo valores. Mas
os objetos artificiais, construídos pelo homem, são culturais; os amantes é o relevante para o homem e para o convívio entre os homens. Entre os antropólogos, talvez entre a maioria dos antropólogos,
haveria a convic-
ção de que um objeto cultural é o objeto que tem algum significado, que
6
"EI honor es, objetivamente, Ia opinión que tienen los demás de nuestro valor y, subjetivamente, el temor que nos inspira esta opinión", diz Schopenhauer (1983:103-106) ao examinar as diversas formas de honra, que difere da glória. "El honor se contenta (...) con asegurar que ese sujelo no forma excepción, mientra Ia gloria afirma que es una. La gloria debe, pues, adquirirse: el honot; por el contrario, sôlo necesita no perderse".
explica ou pode explicar a nós mesmos, os seres humanos, em nossa particularidade e em nossa evolução. A justaposição .dessas perspectivas nos leva a algumas conclusões. Primeiro, todo objeto cultural compreende uma forma, seja essa forma
26 27
PROJETOS CULTURAIS
j
ANTES DE COMEÇAR
um suporte físico, tangível, ou um suporte intangível, como é o caso da linguagem. Segundo, o objeto cultural representa algo que tem valor para um dado grupo social, mesmo que o valor atribuído ao objeto seja diferente segundo os grupos sociais. Por exemplo, o bisonte pintado nas cavernas, que para nós tem um valor explicativo da nossa evolução e pode até ter um valor artístico para quem o pintou, tinha, além do possível valor sagrado, um valor utilitário: facilitava a caça. Não necessariamente por diminuir,
através da magia, a fúria do animal, mas por aumentar sentimentos e conheci-
mentos detidos por um grupo social, mesmo que manifestados por apenas um de seus membros, o "artísta".?
o que são projetos ! Com isso o
cente de máquinas de controle numérico, das novas formas de trabalho, da liberação do tempo enquanto agente de produção. Mas creio que há um argumento explicativo mais importante do que aqueles originários dos ciclos econômicos. O argumento é o seguinte: até bem pouco, a vida era tão curta que os não-adaptados
morriam antes de poderem gerar filhos. No
último século, no entanto, pela primeira vez na história, as novas formas de a
confiança do caçador. Por último, os objetos culturais expressam (são a expressão de) um valor espírítual. Representam
As causas desse fenômeno são múltiplas. Derivam da utilização cres-
fazer a guerra e os avanços da medicina eliminaram as vantagens competitivas dos mais fortes
e mais
aptos fisicamente. Com isso, o processo biológico
de seleção natural estancou. Desapareceu no momento em que os mais fracos e menos aptos, em que os não-adaptados às agruras da existência tiveram a sua vida prolongada para além da paternidade. No momento em que os fisicamente menos resistentes passaram a deixar uma descendência antes
culturais?
de deixarem a existência.
chego à definição operacional que vamos utilizar: os projetos cul-
turais são iniciativas voltadas para a ação sobre objetos reais e ideais que
Quais as perspectivas macro dos projetos culturais?
expressam valores espirituais - sentimentos e conhecimentos _ significativos para -determinado grupo sociaL
Primeiro tem-se uma abertura de oportunidades. A cultura passa a ser algo mais essencial do que era. A nossa evolução biológica havendo cessado, ou pelo menos desacelerado, o que nos resta como perspectiva e possibilidade? Parece que, como espécie, a única possibilidade evolutiva que nos resta é a da evolução cultural: a da expansão das faculdades da mente, a da compreensão do universo. Isto, é claro, se sobrevivermos fisicamente à estupidez da nossa civilização, que deteriora rapidamente o meio emque vive. O que, aliás, é um problema cultural: o de cultivarmos o ambientalísmo.
Qual a relevância econômica dos projetos culturais? Até onde os dados disponíveis informam, o segmento econômico "cultura e lazer" é dos que mais crescem no mundo. Vem em seguida ao segmento "alimentos processados" e ao segmento "indústria da informação", com o qual guarda íntima correspondência.
Em segunda instãncia, como na evolução biológica, na evolução cultural a diversidade e não a unicidade é a determinante das chances de cada 7
Estamos aqui muito próximos da perspectiva do professor Ernst Cassírer, Em Las cienciQS de Ia cultura (1955:69-70), Cassirer, embora privilegie as diversas formas de linguagem e o simbólico, afirma que toda obra (objeto de cultura) tem três dimensões: a física, a representação e a expressão (o sentimento pessoal que expressa). Diz ainda que os objetos culturais diferenciam-se dos demais por manifestarem um sentido (religioso, lingüístico, artístico): não só "são" e devem, mas, ao devir, manifestam algo distinto. Para ele, os conteúdos a que dá o nome de cultura têm uma existência física; no entanto, essa existência não é mais do que algo que se manifesta. O que os objetos culturais têm de particular é um valor simbólico; representam algo.
grupo. Quanto mais diversos e diferenciados forem os atributos culturais de um grupo, maior a chance de que o processo de sua evolução tenha curso. É nesse sentido que a herança social, o capital cultural, se torna a maior força. Somos hoje, em todo o. mundo, múltiplos, diferentes e razoavelmente
inte-
grados. Ainda que à força, ainda que a integração inter-racial, intercultural e ínter-religíosa tenha sido e continue sendo extremamente problemática, temse uma' vantagem competitiva em relação aos outros setores da economia.
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PROJETOS CULTURAIS
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A terceira implicação é menos entusiasmante. Está relacionada à vida econômica, na qual, nos moldes em que é vivenciada hoje, sobrevivem os
ANTES DE COMEÇAR
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'financeiramente rentáveis, ou os benefícios a serem auferidos pelo projeto .~sãode ordem não-comercial, e nesse caso o projeto será confrontado com
mais aptos, os mais bem adaptados às agruras da competição, da globaliza-
outras iniciativas não-rentáveis.
ção ete. E nesse ponto, o setor econômico "cultura" é especialmente frágil. Tanto pelas ameaças externas, pelo poder massificador dos gigantes do mer-
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cado, quanto pela pouca capa citação gerencial dos profissionais que atuam na área.
r: ·;'.:.';djreto,em espécie, ou indireto, como no caso da propaganda l.:\~comparativamente
A dificuldade, o paradoxo se quisermos, está em que, por um lado, o setor oferece Oportunidades imensas para a evolução da sociedade, para a
pessoais, nem culturais -
segundo critérios que são econômicos e admi-
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numa luta pela
Em uma economia de mercado - a forma econômica em que estamos imersos - existem duas grandes famílias de iniciativas culturais: as que são comercialmente sustentáveis e as que dependem de considerações não-econômicas para vir à luz. Ou bem o projeto a ser modelado tem uma relação custo-benefício positiva v....•, e nesse caso será confrontado com outras iniciativas também
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não exceção,
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um projeto?
. 'ckfiíste um projeto a ser modelado? ,..
rais é uma atitude ao mesmo tempo inadequada e inevitável. Inadequada porque nada do que diz respeito à cultura deveria sofrer restrições, constrangimentos ou ordenação. Inevitável porque, na atual configuração dos Estados e das economias, inexiste outra forma de atender aos dois propósitos para os quais são formulados os projetos: a obtenção de meios e a gestão de recursos escassos. Isto é, o financiamento e o gerenciamento, outro tema igualmente vasto e intrincado.
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::)ç>rinar uma idéia em projeto.
economia de mercado, que se toma mais acirrada na medida em que a cultura se torna um bom negócio.
É preciso dizer desde logo que aplicar a técnica econômica a projetos cultu-
7,,;'pequenasem um contexto onde a ignorãncia, as dõenças e a fome são nor-
.-; •...:'
.,' /Iié~ta ainda uma última questão, antes de se começar a estudar como trans-
sobrevivência, uma luta travada segundo as regras ou a falta de regras da
Quais os tipos de projetos culturais?
tomado
dos projetos defici-
Úários também é a concorrência, o cotejo dos benefícios gerados com os ;,.,;., ..;;;;i~enefíciosque podem advir de outras demandas. Demandas que não são
nistrativos. De forma que os que pretendem levar adiante projetos culturais na nossa região devem entender que estão comprometidos
a outras iniciativas. O determinante
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realização pessoal e para a ampliação dos horizontes, e, por outro, exclui os não-aptos, mas os exclui segundo critérios que não são nem sociais, nem
. ........,' O determinante dos projetos economicamente viáveis, ou que se pre";":â~~ndem como tal, é o custo de oportunidade, o retorno - que pode ser
. "Antes de se começar a modelar uma idéia, isto é, de transformá-Ia em projeto.deve-se considerar se o esforço vale a pena. Por isso, antecede o primeiro passo, na modelagem de projetos, uma visão genérica do que se pretende realizado.
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'" Esse momento é extremamente importante, porque a configuração .de projetos encerra custos, financeiros e não-financeiros, Às vezes, esses ,c,'\1stossão consideráveis.
Trata-se, portanto, agora de verificar se o pro-
cesso de modelagem pode ser iniciado ou não, isto é, trata-se de evitar o risco de investir tempo e recursos em algo que depois se mostrará nãofactível ou irrelevante. As questões a serem resolvidas na pré-modelagem
são, necessaria-
mente, amplas e genéricas, O propósito é eliminar alternativas antes mesmo dese despender qualquer recurso, Deve-se, nesse momento, tentar responder, perguntas fundamentais, tomando por base, unicamente, os conbeci'mentos que se adquiriu, a experiência de cada um e a percepção que se tem ,!1..p,projeto.São quatro as perguntas a serem respondidas: a) o que o projeto
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ANTES DE COMEÇAR
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que vamos configurar irá gerar? Um bem artístico? Um divertimento? Um
Normativos? Políticos? Tecnológicos?; d) em que ambiente o projeto ck.ve ser modelado? Adverso? Favorável? Em mudança? Estagnado? Otirnísa?
serviço? Um novo conhecimento? Uma idéia? Qual?; b) quais os beneficiários potenciais do resultado do projeto? Um grupo de pessoas? Uma comunida-
Pessimista?
de? A sociedade?; c) quanto, aproximadamente, poderá custar um projeto como esse?; d) quem poderá se interessar em financiá-Io? Ao se tentar res-
Que sentido dar ao projeto?
ponder a essas questões, mesmo sendo as respostas aproximativas, estarse-a eliminando uma série de desvios e antecipando os passos _ e as dificuldades - da modelagem. O fundamental é chegar à convicção de que vale a pena o esforço.
Que razões justificam a modelagem do projeto? As razões para se lançar um projeto cultural são variadas. As mais comuns referem-se à produção e à preservação de bens e à demanda por artes e espetáculos. Modelam-se projetos para dar uma resposta estratégica a um desafio. Para fazê-Io, deve-se enfocar o projeto de modo a dar uma resposta apropriada ao que provocou a sua necessidade.
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Algumas vezes os problemas e desafios que se pretende enfrentar modelando projetos são inequívocOS, mas, em outras, os motivos que levaram
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ao projeto derivam de pressões e contrapressões de grupos de interesse. Isso significa que o projeto nascerá e provavelmente viverá em ambiente conflí. tante, que sofrerá tentativas de interferência política etc. Para que se esteja seguro do sentido a dar ao projeto, deve-se ter claras a origem e as motivações que levaram à sua configuração. As questões-chave que se deve tentar responder antes mesmo de dar o primeiro passo na modelagem dos projetos são de quatro ordens: a) por que o projeto deve ser modelado? Maximização de rendimentos? Novas Oportuni-
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dades de mercado? Novos públicos? Resposta a pressões políticas? Legitimação? Novas barreiras de mercado? Novas tecnologias? Respostas a concorrentes? Retração de mercados? Retração de públicos? Outros motivos?; b) quem exerce pressão para que o projeto seja modelado? O público? Patrocinadores? Grupos estruturados? Governos? Clientes? Concorrentes? Fornecedores? Organização matriz? Organizações dependentes? Outras organizações? Reguladores?; c) através de que meios essa pressão é exercida? Econômicos?
Financeiros?
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Comerciais? Ilegais? Legais?
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Além de serem extremamente variadas, as razões e condições para a mOlfelagem de projetos culturais são determinantes da forma e do sentido iple
lhes serão dados. Uma coisa é um projeto que vise conquistar novas platéias para o .':.. teatro experimental (item a, acima), devido à pressão de patrocinadores (item b), que vêem nisso uma oportunidade de promoção (item c), em mn ambiente estagnado (item d). Outra, completamente diferente, é um projeto de recuperação de documentos motivado pelo surgimento de uma nova tecnologia de restauração (item a), devido a uma ordem (item b) recebida da matriz de uma agência governamental (item d), às vésperas de uma avaliação de desempenho da instituição (item c). As razões para modelar o projeto e as suas características operado~ais lhes dão um sentido particular. Um sentido que pode ser: a) técnico, quando se orienta o trabalho para atingir os objetivos declarados, procurando não permitir que interferências externas de pessoas, grupos ou organizações incidam na configuração do projeto; b) de acomodação, quando se procura satisfazer às fontes de pressão, acomodar conflitos de interesse ou dar um sentido de ajuste e de apoio à negociação do projeto; c) de evasão, quando se trabalha de forma a evitar a pressão direta, configurando projetos em outras direções, ou se posterga a configuração até que as pressões se dissipem; e d) de confronto, quando se dirige o projeto de forma a assumir o domínio das fontes de pressão.
Quais os motivos para a modelagem de projetos culturais? A vontade individual ou de um grupo, aliada ao conjunto de pressões con, formam a justificativa e o sentido do projeto. Por isso, as razões que levam à construção do projeto cultural devem estar bem claras antes de se dar os primeiros passos efetivos da modelagem. O quadro 1 relaciona os motivos mais freqüentes para a modelagem de projetos culturais.
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rn.V}tfUl
l.UL-IURAIS
ANTES DE COMEÇAR
QUADRO
1
Razões para modelar projetos culturais 1, 2,
3. 4,
5, 6,
7, 8, 9,
10, 11. 12, ]3,
14,
15, 16,
17, 18,
19, 20, 21, 22,
23. 24,
Aproveitar incentivos e apoios governamentais, Aproveitar recursos naturais ou refugos industriais, Atender a demandas de uma comunidade, Atender a uma prescrição legal. Atender a demandas comerciais insatisfeitas, Atualizar administrativamente Atualizar tecnicamente
uma organização da área cultural.
um serviço,
Conservar bens intangíveis ou tangíveis, móveis ou imóveis, Demonstrar a viabilidade de um empreendimento,
Como avaliar se o esforço vale a pena? A avaliação pré-modelagem deve ser rápida e de custo zero ou próximo de zero, O risco é que, já havendo investido recursos e tempo em uma idéia" se tenda a procurar aproveitá-Ia, a corrigi-Ia etc, Portanto, para essa avaliação deve-se: a) procurar reunir o máximo de informações e opiniões sobre a idéia do projeto, principalmente sobre as pessoas, grupos e instituições familiarizadas com o assunto e sobre outros projetos de mesma natureza realizados ou que falharam; b) definir precisamente o produto do projeto (insisto nesse ponto, decisivo para quem quer trabalhar com projetos; na área da cultura, a má definição de produtos tem causado prejuizos imensos, desacreditado boas idéias e afastado investidores); c) procurar reunir amigos e colaboradores de confiança para discutir a idéia, empregando técnicas de conclave (igualmente úteis na condução da equipe de modelagem)."
Desenvolver a produção artesanal. Desenvolver ou adquirir um novo sistema, Desenvolver um novo serviço cultural. Erigir um bem ou imp[ementar um serviço, Estabelecer sistemas de controle, Estimular a criação e a manifestação de indivíduos, grupos ou comunidades, Exportar bens ou serviços culturais, Importar, adaptar, melhorar ou desenvolver técnicas e tecnologias, Levar a efeito uma campanha educatíva Melhorar a qualidade de produtos oferecidos, Obter financiamento ou outro tipo de apoio para um empreendimento, Preservar bens intangíveis ou tangíveis, móveis ou imóveis, Promover mudanças na estrutura ou no estilo de uma organização cultural. Interromper situações de monopólio ou oligopólio, Substituir importações,
8 As técnicas de conclave mais utilizadas são:
a) o brainstorming tradicional - chamado de think ap, constituído por uma reunião de um grupo limitado de pessoas (entre cinco e 10 participantes), cujo objetivo é gerar, espontaneamente, tantas idéias quantas forem possíveis, num período limitado de tempo, sobre um tema ou problema específico, Os participantes devem externar suas idéias, por mais absurdas que possam parecer, sem o receio de crítica ou julgamento; b) key words: a técnica consiste em listar numa folha de papel ou editor de texto, o mais rápido possível, todas as idéias que venham à mente sobre o tema abordado, mantendo o foco continuamente, sem preocupação com a escolha e a ordenação das palavras ou mesmo com a sua correta redação; c) mind mapping: a técnica é especialmente utilizada quando o tema apresentado é complexo ou extenso, e possui tópicos mais importantes ou áreas genéricas que podem ser destacados e dispostos no topo de folhas de papel ou editores de texto, aplicando-se a técnica da key word a cada um deles, É importante reservar uma folha, chamada de miscelânea, onde serão colocadas as palavras que porventura não se enquadrarem em nenhum dos tópicos apresentados; galaxy: esta técnica inicia-se dispondo o tema no centro de uma folha de papel ou flip chart e circundando-o. Em seguida, uma nova idéia é escrita, circundada e ligada à anterior por meio de uma linha, A cada nova idéia repete-se a operação, tomando o cuidad~ 'de conectar as idéias relacionadas umas com as outras, mantendo as que não se relacio'nam entre si cónectadas ao terna central. Na maioria das vezes, de um tópico surgem idéias relacionadas que promovem o surgimento de novas idéias,
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