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Pesquisa do acervo
from Programa Educativa do Museu Nacional da República: Mediação como pesquisa e prática documentária
Ao atuar no espaço das relações entre arte e públicos do museu, o Programa Educativa pensa sobre preservação, memória e acervo, partindo da compreensão de que o patrimônio cultural seria um bem comum a todas as pessoas e que, portanto, precisa ser pensado de modo conjunto com os públicos.
O Museu Nacional da República Honestino Guimarães (MuN) foi inaugurado em 2006. Seu acervo foi se formando principalmente por meio de doações, que acontecem de várias formas: prêmios e salões de arte que tem a doacão como contrapartida, doacões viabilizadas pela relacão direta entre museu e artista/producão e até doacões resultantes de apreensões pela Polícia Federal. Em 2021, a colecão do MuN possuía mais de 1.400 obras de arte, entre modernas e contemporaneas, nos mais variados suportes e formatos, incluindo desenhos, pinturas, esculturas, fotografias, vídeos e instalacões.
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Uma das pesquisas propostas pela Educativa começa com uma incursão no acervo do MuN perguntando se ali existiam “plantas”. A decisão pode parecer inusitada, mas pretende especular sobre uma possível “vegetalização” do acervo e das ações de mediação, considerando uma perspectiva das plantas na reflexão sobre o patrimônio artístico e cultural.
Como dissemos, pensamos que as plantas têm uma qualidade agregadora, capaz de abrigar as múltiplas articulações entre os diversos eixos de atuação do projeto. Como programa que se propõe a aprender com as plantas, refletimos sobre a importância de se reconhecer a capacidade de atuação da natureza e sua centralidade para enfrentar a crise climática, ambiental e ecológica em curso.
Nossas motivações para a pesquisa do acervo do MuN foram:
• pensar a arte e o museu sendo atravessados pelas histórias e vidas das pessoas, no período pandêmico, tendo as plantas como mediadoras; • fomentar conversas e o exercício de contar histórias, relacionando-as com as plantas do acervo;
• construir com os públicos histórias com ou a partir das plantas do acervo do museu.
Entre cerca de 1.400 trabalhos de arte no acervo do MuN, identificamos 225 obras em que as plantas aparecem de diferentes maneiras, como:
• representação: quando as plantas aparecem retratadas, seja em um desenho, seja em pintura ou fotografia; • material: quando a obra é feita de materiais com origem vegetal, como folhas, fibras naturais, madeira, entre outros; • ideia: quando o pensamento acerca das plantas se faz presente, mesmo que elas não estejam de fato no trabalho, nem como representação, nem como material, estando, por exemplo, no título da obra; • ausência: quando as plantas estão presentes pela falta, por exemplo, quando as obras discutem mudanças ambientais, refletem acerca da produção de lixo, da expansão da ocupação urbana ou mesmo da industrialização das plantas.
Imagem 8: Primeiro momento da pesquisa do acervo. Fonte: Educativa
Entre as categorias identificadas previamente, antes de conhecer o acervo, também existia a ideia de que as plantas poderiam aparecer como “programa”. O trabalho Restauro (2016), de Jorgge Menna Barreto, foi um exemplo inicial para nos ajudar a entender o lugar dessa categoria. Em Restauro, Jorgge articula um sistema a partir do restaurante da 32a Bienal de São Paulo, que passou a funcionar como extensão das agroflorestas para dentro do pavilhão, assim como para dentro dos visitantes, que, nesse processo, participavam de uma escultura ambiental em curso. Neste momento de escrita, em que retomamos essa categoria que não foi identificada no acervo do MuN, podemos especificá-la melhor com a ideia das plantas como um “sistema operacional” ou “modus operandi”, ou seja, como aquilo a partir do qual as artes podem operar e desenvolver suas atividades como plantas.
Em um segundo momento da pesquisa no acervo, resolvemos olhar novamente para o conjunto de obras, com olhar e escuta abertos para entender quais formulações, narrativas e histórias essas obras poderiam nos mostrar. Chegamos a uma rede de questões, distribuídas em três eixos principais, com várias possíveis ramificações e conexões entre si:
• Planta e sociedade: reúne questões sobre a relação entre arte, sociedade, território e natureza.; • Planta e indivíduo: investiga possíveis relações entre sujeitos e natureza, olhando para o contato íntimo, pessoal e afetivo dos indivíduos com as plantas; • Ecossubjetividade: duas palavras se juntam, ecologia e subjetividade, para pensar a concepção de que o meio ambiente e os seres naturais não humanos atuam “intencionalmente” sobre o mundo, como se fossem pessoas.
Partimos dos eixos do Programa e da rede de assuntos identificados com a pesquisa do acervo para desenvolver algumas de nossas ações, tais como: os materiais educativos, as ações de mediação Acervo de plantas, Ver de perto e Cartas para adiar o fim do mundo, além de webinários, rodas de leitura e oficinas. Por exemplo, com a ação Acervo de plantas, abordamos a rede de questões do eixo planta e indivíduo; com a ação Cartas para adiar o fim do mundo, abordamos a rede de questões do eixo ecossubjetividade; com os webinários, as rodas e oficinas do 1° e 2° Ciclos Formativa, abordamos sobretudo, mas não apenas, a rede de questões do eixo planta e sociedade.
Foram muitos os desafios impostos pela pandemia para o desenvolvimento da pesquisa do acervo de modo presencial. Logo no início do projeto, em fevereiro de 2021, tivemos o segundo lockdown, em Brasília, de modo que nossa principal ferramenta de pesquisa e fonte de informação foi uma planilha de obras disponibilizada pela própria direção do MuN. Assim, tivemos de desenvolver a maior parte da pesquisa do acervo sem o contato presencial com as obras.
É importante dizer que o Museu Nacional da República atualmente conta com uma equipe de museólogos que está fazendo um mapeamento do acervo, atualizando a planilha de informações das obras dentro de um padrão mais atual da museologia, complementando informações acerca do estado das obras, bem como fotografando e digitalizando o acervo para gerar uma base de dados a ser disponibilizada por meio da Tainacan. Esta é uma plataforma de código aberto para WordPress voltada para a criação de repositórios digitais, utilizada pelo Instituto Brasileiro de Museus — IBRAM. Porém, como esse trabalho está em andamento, não foi possível contar com essas informações durante nossa pesquisa.
Das 225 obras “com plantas” do acervo, selecionamos 40 obras para obter imagens em boa qualidade, contando para isso com a colaboração de Taís Castro, que é responsável pela produção fotográfica e audiovisual do MuN. Para além dos critérios circunstanciais, relativos à disponibilidade e ao direito de uso de imagem, o que fundamentou essa priorização foram as relações que as obras apresentaram com aqueles eixos, os objetivos dos materiais educativos e das ações mediativas Acervo de plantas, Ver de perto e Cartas para adiar o fim do mundo, que serão detalhadas adiante.