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A intervenção na paisagem da agricultura e no lago contemporâneo.

Vários autores, 2018. Brasília, Brasil.

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A requalificação para o lazer da orla de um lago criado para isso mostra a intensidade com que a vontade privada invade espaços de uso público e pode dar pistas sobre como intervir na reconstrução de uma possível orla para o Fucino. A escala territorial das propostas se assemelha com a vontade de intervir em uma grande área. O resultado é a intervenção em padrões de projeto e em desenhos delicados, que apesar de constituirem grandes equipamentos, não agridem a paisagem e são adequados à escala do lugar.

(Acima) Sistematização de padrões de projeto, metodologia gráfica útil para propostas preliminares a nével territorial. Fonte: Studio Saigon (2018)

(Acima) Cais a partir do Parque das Garças, proposta dos escritórios Studio Saigon e LJ Group segundo colocado. Fonte: LJ Group (2018) (Ao lado) Urbanização da península dos ministros, proposta vencedora. Estúdio 41. Fonte: Estúdio 41 (2018).

GALERIA DE ARTE DO CASTELO DE LA COSTE

A intervenção na paisagem da agricultura.

Renzo Piano, 2017. Aix-en-Provence, França.

Obra de impecável diálogo entre arquitetura e paisagem agrícola. Valoriza a implantação semi-enterrada, para que o gabarito da cobertura corresponda ao das tendas de estocagem de lavoura e à altura máxima das plantações, alinhando seus eixos estruturais com as linhas de plantação adjacentes. O espaço concebido é puro e se abre gradualmente para o vazio, criando um percurso de diferentes momentos de apreensão da espacialidade.

(Acima) Croqui da seção transversal da galeria. (Ao lado) Fotografia aérea da implantação do edifício, semi-enterrado em meio a uma planície agrícola Fonte: Fotografias de Stephane Aboudaram (2017).

4. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO

UM ENREDO EM QUATRO ATOS

A análise territorial-histórica.

Quatro momentos marcam profundamente a história de ocupação e de modificação da paisagem do Fucino. 1. A ocupação marsa, iniciada no século XVI a.C., é a primeira a deixar vestígios construídos ao longo das colinas que circundam o vale. É também a civilização que ocupou por mais tempo o território sem ruir ou ser conquistada e que viu o lago em seu estado mais preservado. Por mais de um milênio, os marsos foram os defensores invictos desse território, que até hoje carrega o nome do povo em várias de suas cidades: San Benedetto, Luco, Venere, Capelle, Gioia e Lecce posssuem oficialmente o sufixo “dei Marsi” em seus nomes. Os marsos já não mais existem como civilização, mas sua nfluência no território é clara: as cidades das margens do fucino são “dos marsos”. 2. As campanhas romanas de expansão durante o período republicano trouxeram um fim à dominação milenar dos marsos. Focados em dominar toda a península itálica, os romanos subjulgaram todos os outros povos latinos e itálicos que nela habitavam. Os marsos, povo de cultura bélica, foram incorporados ao império romano e a suas legiões. Com as dificuldades impostas à colonização romana pelas grandes variações de profundidade do lago, é comissionada a grande obra de drenagem do Fucino, em 41 d.C. Escavando galerias de até 5,5km de estensão por dentro da montanha, obtém sucesso parcial em drenar o lago, que passa a ter pouco menos da metade de seu volume pré-claudiano. 3. Com a queda do Imério Romano do Ocidente, os cunículos de Cláudio deixam de sofrer manutenções e são soterrados. Por razões climáticas e do provável funcionamento remanescente muito reduzido dos cunículos, as margens do lago nunca mais retornam a seus limites pré-romanos, mas se expandem consideravelmente, fazendo, por exemplo, a cidade de Ortucchio voltar a ser uma ilha lacustre. Os burgos se desenvolvem no período feudal e suas fortalezas e castelos pontuam a paisagem. Novas cidades surgem, que passarão a ter grande importância no desenvolvimento da região, como Avezzano e Celano. 4. As cheias e a variação de nível do lago continuam a causar danos às cidades e a iminente unificação e industrialização da Itália passam a requerer urgência da nobreza em criar mais espaços agricultáveis na península. Pela sua posição e clima, o Vale do Fucino é posto como prioridade para abrigar a produção. Entre 1862 e 1873, uma megaobra de infraestrutura hídrica aproveita de parte dos caminhos já escavados pelos romanos e obtém sucesso em drenar completamente o lago. Transfigura-se a paisagem e a economia da região: a água e a pesca dão lugar às lavouras e à agricultura. A facilidade de locomoção dentro da nova planície com seus grandes eixos permite o crescimento e integração das cidades da região, que se desenvolvem como centros industriais de processamento de produtos agrícolas e de escoamento para o restante do país. Esses quatro momentos guiam toda a análise e a classificação das intervenções a partir de seu recorte temporal e sobre qual escala de arruinamento devese intervir.

Fonte: camadas do Geoportal do Governo Regional de Abruzzo (2010). Cartografia realizada pelo autor.

1º ATO

Territóro Marso

2º ATO

Territóro Romano

1500 a.C.1100 a.C. 300 a.C. 41 d.C.100 d.C.

Início do desenvolvimento bélico da civilização marsa e a construção de assentamentos nas colinas em torno do lago. Dominação romana do centro da peninsula itálica, incluindo a totalidade do território da Marsica, após a vitória na segunda guerra sanítica.

Estabelecimento de Archippe, primeira capital marsa, que ocupava a área da atual cidade de Ortucchio. Início da primeira obra de drenagem do lago, marcada pela construção dos cunículos comissionadas pelo imperador Cláudio.

Auge da ocupação romana.

3º ATO

Territóro Feudal

4º ATO

Territóro Italiano

(...)600 d.C. 1300 1862 2010

O lago volta a encher com o abandono dos cunículos. Inicia-se a obra de drenagem total do Fucino. Nos onze anos seguintes, a paisagem se transfroma - de lago a planície agrícola.

O território é totalmente integrado à rede de produção e escoamento italiana e seu principal centro é Avezzano. A memória da paisagem do lago é dilui-se com o passar das gerações.

Novas cidades são fundadas ao longo da margem.

1º ATO: MIRAR-SE NO ESPELHO SAGRADO

A paisagem do povo do lago.

Uma das caracterísitcas mais importantes do Fucino para o povo marso era a integração estratégica que seu vale permitia aos diversos povoados espalhados pelas colinas próximas às margens do lago. Poucos caminhos permitiam a invasão do vale e qualquer tentativa era percebida e alertada rapidamente pelos marsos. Os assentamentos enxergavam seu território e enxergavam-se uns aos outros. Essa coesão de ocupação e proteção de um território permitiu que os marsos dominassem o vale e seu lago por mais de mil anos. As ruínas de alguns desses assentamentos são visíveis até hoje no topo de algumas colinas.

Território antrópico e extensão especulativa do lago. 1500 a.C.

0 2,5 5km

Fonte: camadas do Geoportal do Governo Regional de Abruzzo (2010). Cartografia realizada pelo autor.

(Acima) Ruínas de alicerces não catalogadas, provável origem marsa. (Ao lado) Ruínas de Burcilla, Sierri e Ca’ Marino. Fonte: Imagens de Google Earth (2019).

Ruínas de alicerces não catalogadas, provável origem marsa. Fonte: Imagens de Google Earth (2019).

2º ATO: TERRITÓRIO CONQUISTA DO, TERRITÓRIO MODIFICADO -

A paisagem da colônia.

A primeira mudança drástica na paisagem ocorre com a inauguração dos Cunículos de Cláudio, em 41d.C. Em poucos anos, o volume do lago é reduzido para menos da metade. Agora, poderia-se desenvolver mais a agricultura em suas margens e haveria maior controle da atividade pesqueira. Como marca de sua colonização e presença, os romanos fundam e modificam cidades para responderem a seus princípios urbanísticos. Dois monumentos se destacam no período: os anfiteatros de Alba Fucens e Marruvium (posterior San Benedetto dei Marsi).

Território antrópico e extensão especulativa do lago. Camada das ruínas catalogadas em laranja. 100 d.C.

0 2,5 5km

Fonte: camadas do Geoportal do Governo Regional de Abruzzo (2010). Cartografia realizada pelo autor.

(Acima) Sítio arqueológico dos Funículos de Cláudio, ou Funículos de Nero. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado, equerda) Interior das ruínas dos Funículos, cortados por entre a montanha. Fonte: Fotografia de Claudio Parente (2013). (Ao lado, direita) Exerior das ruínas dos Funículos. Fonte: Fotografia de Claudio Parente (2013).

(Acima) Ruínas do anfiteatro de Marruvium. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Ruínas do anfiteatro de Marruvium. Fonte: Sem autor identificado, TripAdvisor.

(Acima) Ruínas do sítio arqueológico de Alba Fucens. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Em primeiro plano, as ruínas do sítio arqueológico romano de Alba Fucens. Ao fundo, ruínas do burgo medieval de Albe e o Castello Orsini. Fonte: Fotografia de Roy Focker (2008).

(Acima) Ruínas do sítio arqueológico do anfiteatro romano de Alba Fucens, ao lado da Igreja de São Pedro, construída sobre a estrutura do antigo templo de Apolo. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Ruínas do sítio arqueológico do anfiteatro romano de Alba Fucens. Fonte: Fotografia sem autoria identificada.

A paisagem das cidades.

As cidades desempenham um papel crucial no desenvolvimento da região. A feudalização do território força as cidades ao isolamento, criando mais centros dispersos entre si, mas muito densos internamente. A maioria das cidades existentes hoje dentro do vale foram fundadas nesse período. Os castelos e as fortalezas medievais são as principais ruínas do período. Com a obstrução das obras romanas de drenagem, o lago passa a encher novamente.

Território antrópico e extensão especulativa do lago. Camada dos volumes contruídos em vermelho. 1300 d.C.

0 2,5 5km

Fonte: camadas do Geoportal do Governo Regional de Abruzzo (2010). Cartografia realizada pelo autor.

(Acima) Centro da cidade de Avezzano, com as ruínas do Castello Orsini-Colonna. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Ruínas do Castello Orsini-Colonna, em Avezzano. Fonte: Fotografia de Barbaking (2011).

(Acima) Centro da cidade de Celano, com o Castello Piccolomini em seu ponto mais alto. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Castello Piccolomini e Borgo de Celano. Fonte: Sem autor identificado, sworld.co.uk..

(Acima) Centro da cidade de Ortucchio, ou Isola di Ortucchio, com seu castelo homônimo. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Castello di Ortucchio. Fonte: Fotografia de Gaetano Marcanio (2017).

(Acima) Centro da cidade de Trasacco, com a Igreja dos Santos Cesidio e Rufino e a Torre de Trasacco. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Torre de Trasacco. Fonte: Fotografia de Marica Masaro (2015).

(Acima) Cidade de Luco dei Marsi, com sua particular morfologia desenvolvida entre os limites da montanha e do antigo lago. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Piazza Umberto I com a Chiesa di San Giovanni Battista. Fonte: Fotografia sem autor identificado, site.it (2020).

A ruína da paisagem.

O interior do lago, agora planície do Fucino, passa a fazer parte do desenvolvimento ubano do território. Além de seus eixos de drenagem passarem a ordenar também os novos eixos viários e de irrigação, as cidades passam a estar mais rapidamente conectadas, quase lidas, hoje, como um só sistema urbano que funciona em torno de um centro de produção agrícola. O que muda, contudo, é a paisagem e seu clima. A ausência do lago diminui a umidade e aumenta a temperatura da região. Hoje, as principais ruínas desse período se encontram dentro do lago, em algumas casas e vilas abandonadas. Contudo, a cidade de Ortucchio continua possuindo o último corpo d’água remanescente do Lago Fucino, chamado de Laghetto di Ortucchio.

Território antrópico. Camada dos volumes construídos em vermelho e do sistema viário em cinza. 2010 d.C.

0 2,5 5km

Fonte: camadas do Geoportal do Governo Regional de Abruzzo (2010). Cartografia realizada pelo autor.

(Acima) Borgo Ottomila, maior agrupamento dentro planície do Fucino. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Via residencial de Borgo Ottomila. Fonte: Fotografia de Jacopo Rufo (2015).

(Acima) Malha das vilas agrícolas. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Via de acesso a uma das vilas agrícolas. Fonte: Google Street View (2019).

(Acima) Limites da zona industrial de Avezzano. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Via do limite da zona industrial de Avezzano. Fonte: Google Street View (2019).

A paisagem do futuro?

As dimensões de vazios urbanos dentro do Fucino e as poucas interferências de sinais e som tornam seu centro atrativo para a pesquisa espacial. Um dos espaços mais interessantes no interior do lago é hoje o Centro de Pesquisas Espaciais e Monitoramento “Piero Fanti”.

Território antrópico. Camada dos volumes contruídos em vermelho e do sistema viário em cinza. Área de pesquisa espacial marcada. 2010 d.C.

0 2,5 5km

Fonte: camadas do Geoportal do Governo Regional de Abruzzo (2010). Cartografia realizada pelo autor.

(Acima) Centro Espacial do Fucino “Piero Fanti”, da Agência Espacial Européia. Fonte: Imagem de Google Earth (2019). (Ao lado) Antenas do centro espacial na paisagem da Planície do Fucino. Fonte: Fotografia de Bob Marquat (2002).

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