London Docklands

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ÍNDICE

1.

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 4

2.

RETROSPÉCTO HISTÓRICO ................................................................................................................ 10

2.1 DESENVOLVIMENTO E CONFORMAÇÃO LONDRES ........................................................................... 10 2.2 LONDRES NO SÉCULO XX ................................................................................................................. 17 3.

PROJETOS DE REGENERAÇÃO DE CENTROS URBANOS.............................................................. 26 3.1 Cidade Global – conceito para entender a questão de Londres ........................................................... 30 3.2 Londres como cidade global .................................................................................................................. 34 3.3 Reflexões sobre a cidade global ........................................................................................................... 36

4.

UDCs - URBAN DEVELOPMENT CORPORATIONS ............................................................................ 37

5.

LDDC – LONDON DOCKLANDS DEVELOPMENT CORPORATION .................................................. 44

Docklands ........................................................................................................................................................ 49 6.1 FIM DA LDDC E RETORNO DO CONTROLE DAS DOCKLANDS AOS DISTRITOS ......................... 68 7.

PROBLEMATIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO NAS DOCKLANDS .......................................................... 69 7.1 ESTRATÉGIA DE MARKETING PARA EFETIVAÇÃO DO EMPREENDIMENTO............................... 72 7.2 A RELAÇÃO DE GASTOS DOS SETORES PÚBLICO E PRIVADO ................................................... 73 7.3 O IMPACTO DA NOVA BASE ECONÔMICA NA ECONOMIA DA REGIÃO ....................................... 77 7.4 OS IMPACTOS DA NOVA BASE ECONÔMICA .................................................................................. 80 7.5 POLÍTICAS SOCIAIS VISANDO SETOR PRIVADO OU MUDANÇA DRÁSTICA DE CARÁTER DA LDDC? ......................................................................................................................................................... 89

8.

PROJETOS PARADIGMÁTICOS ........................................................................................................... 91

9.

PROJETOS PARA OS JOGOS OLÍMPICOS....................................................................................... 105

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................... 113 11.

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 118

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1. INTRODUÇÃO Londres, a capital da Inglaterra e a sede administrativa do Reino Unido, se caracteriza por dividir, junto com Nova York e Tóquio, a ilustre posição hegemônica dentro da dinâmica do sistema econômico vigente e o atual processo de globalização. Sendo classificada como uma das maiores cidades do globo e também possuidora da maior região metropolitana da União Européia (12 a 14 milhões de habitantes), a cidade de Londres possui hoje possui dentro dos limites de sua área urbana uma população com cerca de 8.278.251 habitantes, composta por uma significativa variedade de nacionalidades e etnias.

Localização de Londres no Reino Unido


Distribuído por uma área de 1579 km², seu território se divide em 33 distritos, sendo estes compostos por 32 boroughs (unidades administrativas) e a City of London marcada pelo seu centro financeiro e os limites da antiga cidade medieval. Os distritos são também divididos em duas porções – o Inner London formado pela City e os12 distritos perimetrais, e o Outer London composto pelos 20 boroughs restantes.

O território de Londres - divisão em distritos

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1. City of London

18. Sutton

2. Cidade de Westminster

19. Croydon

3. Kensington e Chelsea

20. Bromley

4. Hammersmith e Fulham

21. Lewisham

5. Wandsworth

22. Greenwich

6. Lambeth

23. Bexley

7. Southwark

24. Havering

8. Tower Hamlets

25. Barking and Dagenham

9. Hackney

26. Redbridge

10. Islington

27. Newham

11. Camden

28. Waltham Forest

12. Brent

29. Haringey

13. Ealing

30. Enfield

14. Hounslow

31. Barnet

15. Richmond Upon Thames

32. Harrow

16. Kingston Upon Thames

33. Hillingdon

17. Merton

A organização político administrativa da cidade se define partir de duas instâncias: Em um primeiro plano encontra-se a administração central representada na City pela Greater London Authority (GLA) ou “Autoridade para a Grande Londres”, enquanto no segundo plano se desenvolvem as administrações locais através dos "councils" presentes em cada borough. Está também presente em Londres, especificamente no Palácio de Westminster, a sede administrativa do Reino Unido.


Em função de sua posição no panorama atual da globalização, a economia de Londres se pauta cada vez mais na construção de um âmbito que exerça atração sobre o capital e empresas internacionais das mais diversas áreas (bancos, empresas de seguro, prestadoras de serviços, empresas de contabilidade, propaganda e marketing, entre outras), tornando cada vez mais recorrente a atuação de empresas privadas na conformação do território urbano. Fruto da intensa internacionalização das relações de produção capitalistas ocorrida nas últimas décadas, Londres representa hoje a dinâmica dos movimentos da economia globalizada, configurando um espaço urbano em que as políticas governamentais e projetos de intervenções passam a ser constantemente direcionadas no sentido de se remover “obstáculos” e construir uma imagem atrativa para o capital e investimentos internacionais. O governo promove assim uma reformulação ampla e profunda na relação entre o Estado e os investimentos privados, se distanciando cada vez mais do contexto local para atingir o plano global. Segundo Saskia Sassen: “(...) Essas mudanças no funcionamento das cidades tiveram um enorme impacto sobre a atividade econômica internacional e a forma urbana: As cidades concentram o controle sobre os vastos recursos, enquanto o financiamento e as indústrias de serviços especializados que reestruturaram a ordem urbanística, social e econômica (...)” 1

1 SASSEN, Saskia. The global city: New York, London, Tokyo, Princeton: Princeton University Press, 2001.

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Dentro do contexto londrino, as intervenções pela recuperação e ocupação das Docklands podem ser consideradas como uma das mais significativas e representativas do referido processo. Em função do impacto sofrido pelo East End londrino ao longo da década de 60, como a crescente obsolescência dos portos, a descentralização da atividade industrial e o crescimento do setor terciário, o território que antes abrigava as docas londrinas passou a sofrer um intenso processo degradação e abandono. A diminuição da intervenção do Estado Conservador no mercado monetário e a adoção de estratégias no sentido de diminuir os gastos públicos, levava a área das Docklands a ser vista como um importante vetor de ampliação do potencial financeiro da região. Acreditava-se que os investimentos públicos iniciais em infraestrutura, juntamente com a construção da imagem das Docklands como uma área promissora, levariam a recuperação e melhorias das áreas então degradadas assim como o conseqüente retorno financeiro para o Estado. Apesar de toda a expectativa criada em torno de tais intervenções como as Docklands, pode-se perceber que os resultados não foram necessariamente os esperados. A cidade de Londres pode ser vista assim como um rico foco de análise e pesquisa, no sentido de ampliar o conhecimento acerca de intervenções em grandes centros urbanos, seus reais significados. Para se compreender o significado das políticas adotadas para Londres a partir da década de 80 e suas conseqüências, é necessário anteriormente se ter contato com alguns de seus processos históricos, sobretudo políticos e econômicos, que acabam por moldar o contexto em que ocorrem as intervenções já citadas.


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Londres


2. RETROSPÉCTO HISTÓRICO 2.1 DESENVOLVIMENTO E CONFORMAÇÃO LONDRES ''London is the political, moral, physical, intellectual, artistic, literary, commercial and social centre of the world (...) no other city possesses the wealth, importance and abounding population which distinguish it. To London, as the true centre of the world, come ships from every clime, bearing the productions of nature, the results of labor and the fruits of commerce (...) Its merchants are princes; the resolves of its financiers make and unmake empires and influence the destiny of nations.'' 2

A

configuração

contemporânea

de

Londres,

assim

como

seu

processo

de

internacionalização pode ser dado por aspectos datados do o Século XVIII e XIX, momento em que a cidade se torna um dos centros da hegemonia do comércio marítimo e se torna também um centro financeiro mundial. A posição adquirida por Londres com o passar desses séculos contribuiu para a cidade configurar uma posição de destaque em relação a outras metrópoles, levando-a a atrair múltiplos investidores de diferentes locais do mundo e a configurar um contexto internacional de divisão do trabalho. Tal fato levou a cidade a sofre transformações em diversos aspectos de sua

2 KING, Anthony D. Global Cities: Post-Imperialism and the internationalization of London, Londres e Nova Iorque: Routledge, 1990. p. 71.


configuração principalmente aqueles que se referem a sua estrutura física, política, social, cultural e suas relações com os outros países. A posição privilegiada de Londres só veio a ser questionada na segunda metade do século XX, no período posterior a Segunda Guerra Mundial, principalmente em função das constantes transformações políticas e econômicas sofridas em escala global – mudanças estas que englobam desde a crise ordem de produção fordista, as constantes mudanças da política central e a estrutura dos governos locais, os processos de reconstrução das cidades, o papel do Estado na configuração do meio urbano até aprimoramento de novos meios de comunicação e transportes. Londres desempenhava um importante papel na configuração do mercado internacional desde meados do século XVI, em função principalmente de sua expansão comercial e constante desenvolvimento das transações marítimas, realizadas pela cidade durante o governo de Elizabeth I e conformação do Império Britânico. A consolidação de seu papel como centro financeiro mundial se deu posteriormente a segunda metade do século XVII após a vitória de Waterloo e a conquista colônias e o estabelecimento de novas relações comerciais e financeiras com a Ásia, África e América Latina, levando Londres a intensificar sua prosperidade econômica e a se tornar a maior cidade da Europa. Segundo Anthony D. King: “(…) The combination of the Industrial Revolution and the destruction, after Waterloo, of any competition to English hegemony brought into being a new form of word economy, needing, in Anderson´s word, a central switchboard do direct the flows of commercial exchange.(…)”3 KING, Anthony D. Global Cities: Post-Imperialism and the internationalization of London, Londres e Nova Iorque: Routledge,

3

1990. p. 74.

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Navios de Guerra da "Victorian Era"

O século XVIII se caracteriza, sobretudo pela grande prosperidade econômica, intensificação comercial e desenvolvimento industrial de Londres, aspectos estes que levam a cidade a ocupar a posição central dentro do novo sistema mundial de integração econômica. Londres não se torna somente a sede do controle e do direcionamento fluxos comerciais como também o ambiente propício para o desenvolvimento de negócios bancários, financiamentos e empréstimos. Como conseqüências da Revolução Industrial surgem novas tecnologias de transporte e comunicação, como a construção das docas, os navios a vapor, as estradas de ferro, e telégrafo, caracterizando assim as novas demandas econômicas da cidade.


Gradativamente o capital londrino passa a se fazer presente em varias regiões do mundo, principalmente pelo constante realização de empréstimos e envio de materiais industrializados para regiões da Europa Oriental, Américas e a Índia que passavam a construir estradas de ferro. Londres passava a investir em setores diferenciados como indústrias mineradoras, plantações e até desenvolvimento urbano, no entanto sempre procurou a dinamização e redução de sua produção manufaturada com investimento nas indústrias de base. Juntamente com o intenso fluxo de mercadorias ocorre também um intenso processo de importação e exportação de capital e força de trabalho, profissionais de diversas áreas como funcionários públicos, engenheiros, banqueiros, oficiais, comerciantes, contadores e corretores se deslocam para Londres passando assim a modificar significante a organização territorial da cidade principalmente na região da City e seu entorno. A população de Londres, já na década de 1880, era configurada em sua grande parte por uma população originária de outras regiões da Europa, tornando Londres cada vez mais cosmopolita - cerca de 4,3 habitantes sendo mais de 81.000 irlandeses, 22.000 alemães, 8.000 franceses, 7.000 poloneses, além de alguns milhares de suíços, suecos, italianos, holandeses, austríacos, belgas, Graças à grande circulação de capital e os contínuos investimentos públicos e privados, em meados do século XIX a City londrina sofre um processo remodelação. Tais mudanças podem ser observadas, sobretudo por uma maior presença e crescimento de escritórios ligados ao setor financeiros e de negócios (transporte marinho, seguros, bancos e contabilidade) e a gradativa substituição de grande parte das moradias lá localizadas, devido a o aumento da renda e dos alugueis cerca de 17.000 residências foram substituídas por 13.000 maiores. Tal mudança é ilustrada por Anthony D. King:

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“(…) Between 1782 and 1861, the City had spent £7 million on public works and and building. The entire frontage from London Bridge to Finsbury Pavement, intersecting the City from north to south, had been reconstructed, as also had the line from King William Street to the west along Cannon Street to St Paul's. Bartholomew Lane, Lothbury, and Threadneedle Street had also been rebuilt. (“…)” 4

Vista do rio Tamisa e o Parlamento

4 KING, Anthony D. Global Cities: Post-Imperialism and the internationalization of London, Londres e Nova Iorque: Routledge, 1990. p. 78.


O crescimento apresentado pela cidade nos últimos anos, adensamento da City e o surgimento de novos meios de transporte, levam as regiões tidas anteriormente como periféricas a sofrer um contínuo processo de ocupação e emergente setorização. A região do West End se torna a principal área de ocupação por parte das camadas médias e altas - banqueiros, corretores, empreiteiros, funcionários públicos e outros cidadãos pertencentes à nova elite econômica londrina, passaram a ocupar a região tornando-a o novo alvo do mercado imobiliário e ao conseqüente processo de especulação imobiliária. O rápido crescimento em junção da instabilidade do mercado de trabalho industrial acompanha do crescimento do setor financeiro tornavam a classe trabalhadora economicamente vulnerável - suas precárias condições de vida e os graves problemas sociais tornavam a classe operaria incapaz de conformar condições urbanas mínimas, levando a região do East End a ser ocupada de forma precária e desorganizada. Como conseqüência do crescimento e da suburbanização, faz-se necessário à criação de um órgão central responsável pela administração e implementação de uma rede de infraestrutura que atendesse as novas demandas, desta forma criou-se o Metropolitan Board of Works, responsável por desenvolver uma série de projetos vinculados ao setor de transportes e a criação de espaços públicos como: o London Underground em 1863, o Regent’s Park em 1830 e o Finsbury Park em 1869. O sistema político administrativo Vestry System, defendido em maior parte pelos conservadores, se mostrava amplamente inadequado já que se pautava em uma lógica de governo provinciana se conseqüentemente representava uma espécie de auto-proteção das elites locais em detrimento da não redistribuição de recursos para as regiões mais pobres da cidade. A existência de um organismo de coordenação e integração, capaz de promover alguma redistribuição, passou a ser apoiado pelos liberais progressistas os socialistas e trabalhistas.

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A precária vida no "East End"

Desta forma, por volta do ano de 1889, o Metropolitan Board of Works passa a ser substituído pelo London County Council (LCC), tal mudança surge prioritariamente em função da defesa ideia de centralização defendida pela ala progressista do Partido Liberal, dessa forma o governo a cidade passava a ter dois níveis – o majoritário representado pelo LCC e os locais representados pelos metropolitan boroughs. O LCC ficava então encarregado de tratar das principais questões gerais de infraestrutura das novas áreas ocupadas como pontes, túneis, e o saneamento básico, enquanto ao boroughs cabiam mais as questões específicas de cada área.


Com o financiamento advindo principalmente das colônias, foi possível a cidade expandir suas esferas institucional e cultural através, por exemplo, da construção de importantes edifícios como Ministério da Guerra, o Ministério das Relações Exteriores e o Tate Gallery de 1897 financiado por Henry Tate com intuito de promover uma arte alternativa à apresentada na Nacional Gallery.

2.2 LONDRES NO SÉCULO XX Transformações Econômicas – ascensão do setor terciário Todo este processo de transformações aqui descrito, bem como a hegemonia do Império Britânico no sistema mundial, só vem a ser modificados em meados do século XX, mais precisamente com a Segunda Guerra. A expansão econômica e o crescimento da cidade de Londres se da até meados de 1937, mesmo após a Primeira Guerra as transações comerciais continuaram se intensificando. Se por um lado a Primeira Guerra contribui para o seu crescimento com a conquista de novos territórios, os anos que seguem seu fim são marcados pela freada do crescimento, declínio de sua participação no comércio mundial, fim do crescimento econômico. Em função das alterações políticas sofridas mundialmente, por conta das Guerras e a instabilidade das potencias européias, ocorre também à intensificação da influencia dos Estados Unidos sobre a Inglaterra, especialmente em Londres. A emergência dos Estados unidos como um novo império do, passa a alterar não somente a organização industrial da cidade e econômica de Londres, como também o estilo de vida e os hábitos de consumo de seus habitantes. Muitas das empresas norte-americanas que se instalaram em Londres sofreram um crescimento significativo em decorrência, sobretudo da compra e empresas britânicas e a gradativa conquista de novos mercados consumidores, áreas residenciais de Londres como no

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West End também se modificam, as antigas mansões da aristocracia acabam por dar lugar a hotéis e prédios de serviços nos moldes novos iorquinos. Segundo Evelyn Levy:

“(...) A presença norte-americana se torna cada vez mais visível: verifica-se um grande numero de fusões de empresas britânicas e norte-americanas; padrões comerciais importados dos EUA passam a dominar a organização do varejo, exemplificando na criação das grandes lojas de departamento. Finalmente, a presença dos Estados Unidos se faz sentir também nos novos modos de vida. (...)”

O crescimento demográfico e físico de Londres passa a ser considerado um problema principalmente por gerar desequilíbrios em algumas regiões, estimulando assim transformações no campo político e em 1944 a conclusão do Plano Abercrombie de estagnação do crescimento da cidade. Anteriormente responsável apenas pela infraestrutura das novas áreas ocupadas, o LCC passa, no período seguinte ao fim da Segunda Guerra, a assumir papel crucial na reconstrução, sobretudo no que diz respeito à habitação disciplinamento do uso do solo e a diminuição das disparidades.

A questão do planejamento e a estruturação urbana ganham legitimidade na

política dos trabalhistas que, através das políticas de Bem Estar, buscam estabelecer um quadro de harmonia social – Inicia-se uma busca pela estagnação da pobreza, o pleno emprego e a criação e igualdade de oportunidades em setores como a saúde e a educação, algumas das políticas redistributivas são transferidas do governo central para os governos locais ampliando assim a as atividades no campo da construção habitacional.


Os anos 50 são caracterizados por apresentar os primeiros indícios do enfraquecimento da indústria britânica, o crescimento do setor terciário e fortes conseqüências na configuração e ocupação da cidade - parte do capital inglês passa a ser investido em outros países levando muitos ramos da indústria a entrar em decadência pela falta de investimentos e renovação tecnológica, o abandono das áreas industriais e o gradativo fechamento das docas configuram grandes áreas a se deteriorar assim como um primeiro processo de imigração de mão de obra da Londres Interna para novos núcleos além das margens da cidade. O desenvolvimento das atividades financeiras internacionais começa a demandar novas áreas e atuação, o setor de serviços passa então a ampliar a classe média que busca espaços residenciais na região central gerando assim um processo de setorização. É, portanto nesse contexto, intensificado a partir da década de 60, que a posição de Londres na economia internacional é radicalmente modificada, havendo cada vez mais um declínio das instituições britânicas e um crescimento das internacionais, com bancos e empresas estrangeiras se instalando em Londres. Assim sendo, entre as décadas de 1960 e 1980 há intensa dominação do mercado internacional sobre Londres, que acaba se mostrando extremamente dependente do desenvolvimento econômico de outros países.

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Picadilly Circus

As grandes empresas se fragmentam e iniciam um processo de reestruturação instalandose em localizações mais afastadas do centro da cidade, onde os custos dos terrenos eram mais baixos e a força de trabalho se encontrava mais desorganizada, durante a década de 1970 a uma boa parcela da população que habitava a região central da cidade passa a migrar para


cidades periféricas que ampliava seu nível de emprego industrial. De acordo com Doreen Massey:

“(...) Mas quaisquer que sejam as particularidades em cada caso, uma coisa é certa: a descentralização do emprego industrial na década de 60 e na primeira metade da década de 70 era, em boa medida, uma resposta ás pressões de crescente competição internacional – a ameaçado enfraquecimento, que gradualmente se concretizava em efetivo declínio, de um antigo papel. Tradicionais mercados deixavam de ser “garantidos”, novos mercados eram mais competitivos, e o número crescente de países engajava-se nessa condição. A reorganização geográfica do capital inglês dentro da Inglaterra (assim como externamente) foi um importante elemento em sua resposta inicial à crise que se anunciava. (...) “5

Mudanças Políticas – Administração e estrutura governamental A década de 60 é marcada pelos continuas embates entre conservadores e trabalhistas. A forma na qual a administração vinha sendo feita pelo governo trabalhista, passa a ser questionada, sobretudo pelos conservadores que possuíam o intuído de intervir na ampliação da habitação popular realizada pelo LCC nos distritos periféricos. A indesejada mudança da composição social de alguns dos boroughs, em função da inserção de conjuntos habitacionais, 5

MASSEY, Doreen. O legado perdura: o impacto do papel internacional da Grã-Bretanha em sua geografia interna. Espaços e debates, ano 8, nº 25, 1988, p. 48.

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levava grande parte da comunidade conservadora a exigir a criação de um organismo de organização geral (tanto do Outer London quando do Inner London), capaz de controlar o avanço do trabalhismo na cidade. Dessa forma em 1963 é criado o GLC (Greater London Council), anulando a existência do LCC iniciando a um processo de revisão dos limites dos boroughs existentes – Os mais de 50 distritos são condensados em 32, gerando alterações na composição política das unidades administrativa e o favorecimento da ala conservadora. O GLC passa a administrar somente o planejamento urbano, os empreendimentos habitacionais na aérea central, os parques, transporte e outras funções menores enquanto ao boroughs cabe a administração local da habitação, transito e serviços sociais. Os grupos sociais mais vulneráveis, normalmente são aqueles que mais necessitam dos serviços públicos como a habitação, educação e saúde, tal fato fez com que a população mais pobre passasse a ser evitada em alguns distritos de Londres, principalmente em função da diminuição dos gastos públicos. Dessa forma em um curto período de tempo são iniciados conflitos entre os dois níveis de governo, o que posteriormente da inicio a um processo de divórcio – os conflitos entre os distritos da Londres Externa (dominados pelos conservadores) e o GLC (composto em sua maioria por trabalhistas) criam fortes cisões internas na administração da cidade e o conseqüente declínio das políticas de bem-estar social.

Mudanças de governo - Margareth Thatcher O aprofundamento da crise econômica no decorrer dos anos 70 leva a transformações profundas na administração de Londres, sobretudo na relação entre o setor privado e o Estado. A ascensão de Margareth Thatcher ao cargo de primeira-ministra representou de certa forma, um questionamento sobre a legitimidade do funcionamento da sociedade britânica e


administração realizada até então, especialmente pela carga das reformas propostas em seu governo. Na economia, Margareth Thatcher buscou a estabilidade, o combate ao déficit público e a inflação através da redução das taxas de crescimento e da atuação do Estado em quase todos os campos (com exceção a política fiscal). Thatcher Buscou-se instalar na população a noção de “capitalismo popular” (Evelyn, 1995) assim como a consciência dos custos dos serviços públicos “Value for Money” - através da diminuição dos impostos diretos (aumento dos impostos indiretos), o estimulo da poupança, a participação dos empregados nos lucros das empresas, a compra da casa própria e a aquisição de ações na bolsa de valores, a primeira-ministra alimentava a competição, estimulava o empreendedorismo e o estabelecimento de novas pequenas empresas. Na administração também houve transformações, muitas das reformas realizadas no governo central foram realizadas também nos governos locais, dentre elas Stewart e Stoker6 destacam as principais características destas medidas:

Descentralização - fragmentação do governo local Extinção do Greater London Council e dos Metropolitan Country Council, transferência das funções executadas pelo GLC para o governo central e os boroughs regionais

Novas formas de controle do governo central sobre os governos locais Aumento das restrições para a transferência do capital público para os governos locais e imposição de limites à arrecadação de impostos. Criação da Audit Commission, órgão responsável por supervisionar os governos locais e o sistema de Saúde Nacional. Aumento das oportunidades de produção individual e privada 6

J. Stewart and G. Stoker 1995 Local Government in the 1990s. London: Macmillan. p.276

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Privatização de muitas das funções do governo local como atividades de limpeza, manutenção, preparo de alimento, coleta e disposição do lixo, etc. Intermédio da oferta e venda da habitação popular pela Housing Associations (associação de capital público e privado) e venda de maior parte das unidades habitacionais públicas de aluguel. Criação, no campo do planejamento urbano, das UDC´s (Urban Development Corporations) dirigidas por empresas imobiliárias que passava a receber financiamentos públicos e a adquirir de terrenos com mais facilidade do que os governos locais. Administração semelhante ao setor privado Afastamento do sistema hierárquico do setor público e adoção de uma maior flexibilidade na contratação de funcionários, ampliação da noção de consumo dentro dos setores públicos através com a introdução de uma maior variedade de serviços de acordo com a preferência dos usuários. Conscientização dos contribuintes Substituição da cobrança do imposto sobre a propriedade imobiliária pelo imposto cobrado por cabeça, representando a obrigação da população de Londres em pagar pelos serviços públicos ofertados - Community Charge, uma nova noção de justiça onde não haveriam mais privilegiados pela política redistributiva do Estado de Bem-Estar e sim de que todos deveriam pagar igualmente pelos serviços oferecidos.

Enfrentamento dos servidores públicos e mudanças na educação Diminuição da atuação dos sindicatos através da privatização de setores públicos.


Extinção do vínculo entre a escola publica e os governos locais, ligando-as diretamente ao governo central que passava assim a definir a distribuição de bolsas em função da procura e a localização da escola. Londres | 25 Novas concepções quanto aos mecanismos de representação e da democracia Inserção de novas regras e restrições para que um servidor público se tornar membro dos Councils regionais. Transformação do governo local em Enabling authorities (administrações de capacitação), com o objetivo de facilitar a conquista de metas e não sua execução das mesmas. Dar ênfase a possibilidade dos moradores das áreas centrais degradadas da possibilidade de se criar seu próprio negócio. Após uma sucinta análise, é possível perceber que as medidas tomadas pelo governo de Margareth Thatcher possuíam fortes semelhanças com as políticas neoliberais, promovendo, sobretudo a desestruturação da política de Bem-Estar, do sindicalismo e a ampliação da sociedade de mercado. A partir da reestruturação promovida pelo governo de Margareth, o governo britânico assume enquanto política de desenvolvimento as prerrogativas provenientes das atividades do mercado financeiro, que determina uma intensa competição entre os diversos centros econômicos mundiais. Dessa forma, ocorrem em Londres importantes transformações sobre a gestão da cidade, incorporando o setor privado nas políticas de intervenção e transformação espacial e econômica a fim de fortalecê-la frente à nova dinâmica estabelecida pela globalização.


3. PROJETOS DE REGENERAÇÃO DE CENTROS URBANOS “Houve um momento, no decorrer da década de 70, em que o movimento urbanístico começou a plantar bananeira e a virar ao avesso, parecendo, durante os anos 80 estar à beira da autodestruição.” (HALL, 2007). Desacreditava-se cada vez mais no que se diz respeito a planejamentos convencionais e à utilização de planos e regulamentos para o uso do solo. O planejamento passou a encorajar, desesperadamente e de qualquer modo, o crescimento urbano, deixando de controlá-lo. As cidades começavam a revelar uma característica essencial para o mercado, constituindo-se verdadeiras “máquinas de produzir riqueza”, de modo que restasse ao planejamento organizá-la de modo a receber capital exterior e geri-la visando interesses econômicos. “O planejador foi-se confundindo cada vez mais com seu tradicional adversário, o empreendedor.” (HALL, 2007).

A origem dessa reversão no papel do planejador começa nos Estados Unidos, onde a tradição da livre iniciativa sempre havia precedido sobre o fraco planejamento regulamentador para o país, em virtude de uma questão econômica. “O planejamento convencional do uso do solo florescera no grande boom dos anos 50 e 60, um dos mais longos períodos de crescimento contínuo que a economia capitalista jamais conheceu” (HALL, 2007), servindo como meio para dirigir e controlar o crescimento físico. A grande recessão dos anos 70-80 gerou uma mudança na natureza da questão básica observada, objeto do planejamento, ameaçando sua própria


legitimidade. “O golpe com que atingiu a economia britânica foi sobremaneira rude, pondo a nu profundas debilidades estruturais” (HALL, 2007), como o desaparecimento de grande parte da base manufatureira do país, levando à perda de 2 milhões de empregos fabris durante a década Londres | 27

de 70. “Uma nova geografia emergiu, contrastando as áreas urbanas decadentes com os corredores de alta tecnologia, ainda em expansão, na Inglaterra meridional” (Boddy, Lovering e Bassett, 1986; Hall, et al., 1987). Nos Estados Unidos, ocorrera um desenvolvimento paralelo em que as regiões industriais tradicionais, como as de ultramar, foram colocadas em xeque pela concorrência, queda dos lucros e da reestruturação, sendo consideradas como “enferrujadas” por parte da mídia da época. “Durante os anos 70, tanto na Inglaterra quanto nos EUA, os redutos do pensamento neoconservador começaram a pôr em xeque todo aquele cômodo consenso que produzira a política econômica keynesiana e a política social da previdência estatal. Ao aceitar os primeiros argumentos dos clássicos do gênero, erigidos, agora, em textos sagrados, o planejamento tornouse, ele próprio, parte central do pacote de políticas visado por esses ataques. Desvirtuara e inibira a operação das forças de mercado, e até estrangulando a livre empresa. Fora, pelo menos em parte, responsável pelo colapso de cidades e regiões morosas em gerar o aparecimento de novas indústrias que substituíssem as decadentes” (HALL, 2007). Forças maiores capitalistas começavam a transferir o controle de firmas e indústrias de administradores locais para salas de reunião de empresas multinacionais cada vez mais distantes do local de intervenção.

“O planejamento do uso do solo passou a não escapar da censura.” (HALL, 2007)


A “receita mágica para a revitalização urbana” – a palavra isca norte-americana que passou a circular no meio administrativo dos anos 70 – consistia em um novo tipo de parceria entre o governo municipal e o setor privado. Constatada tal definição, tornar-se-ia clara a percepção de que os dias da economia manufatureira estavam acabados. A idéia de “revitalização urbana” teria como principal aposta e alvo, e ao mesmo tempo personagem principal, nos Yuppies, ou profissionais liberais urbanos, que “elitizariam as áreas degradadas de residências vitorianas próximas do centro e injetariam seus dólares em boutiques, bares e restaurantes restaurados” (HALL, 2007). A partir dessa lógica, a cidade buscaria se tornar uma importante atração turística, dotando o município com uma nova base econômica. A exemplo dessa primeira fase de processos de revitalização urbana tem-se dois projetos principais que buscaram ressuscitar a partir da fórmula norte-americana as áreas degradas da cidade, como no caso da orla marítima de Boston e, naquele momento, do Inner Harbor de Baltimore. Ambas as cidades começaram a experimentar o declínio urbano já na década de 50 e estavam trabalhando desde então sobre tal problema, caminhando, na década seguinte, para uma urbanização empresarial do tipo escritório central, inteiramente convencional. O que facilitou, com relação as suas equivalente britânicas, uma vez que Baltimore e Boston consistiam em centros comerciais estabelecidos de longa data e Boston, particularmente, abrigava precipuamente instituições financeiras. “Ambas enxertaram, em seguida, nas grandes reurbanizações costeiras das suas áreas derrelitas de porto interno, que envolviam a combinação então recente dos edifícios restaurados, lojas, bares, restaurantes e hotéis, e a restauração de antigas áreas residenciais.” (HALL, 2007) Em ambas as cidades, James Rouse fora o agente-chave para o processo de revitalização, que incorporou, diferente do que vinha sendo feito até então em território norte-americano, uma nova combinação de atividades de recreação, cultura, lazer, compras e habitação para moradores de renda mista. Baseando-se também no conceito de


reutilização adaptável – recuperação e reciclagem de antigas estruturas físicas, atribuindo-lhes novos usos. “A Rousificação de Boston e Baltimore envolvia, portanto, a criação deliberada da cidadecomo-palco. Como o teatro, ela copia a vida real, mas não é a vida urbana de verdade: o modelo é a espetaculosa Main Street America. […] Procura-se parecer um trecho de filme de Disney com sua América urbana imaginária, cometendo, porém, a incongruência de serem reais” (HALL, 2007). No final da década de 70, pelas grandes cidades da Inglaterra notava-se um novo fenômeno:

enormes

extensões

de

terra

devoluta

ou

semidevoluta,

pertencentes

às

municipalidades locais ou a corporações públicas, marcadas pela sombria ruína da economia manufatureira britânica ou pela transferência de suas operações para outros locais, aguardavam por uma reurbanização. Como foi o caso das Docklands: o porto, outrora o maior do mundo, arruinado por disputas trabalhistas e pela transferência do comércio para mãos rivais, como Southampton, Felixstowe, até mesmo Roterdã, transferindo todas as suas operações remanescentes para Tilbury, deixou 8,5 milhas quadradas de extensão, do extremo da famosa Milha Quadrada da City de Londres estendendo-se 8 milhas rio abaixo, de ambos os lados do Tamisa. Em 1979, quando os conservadores tomaram o poder de volta com Margaret Thatcher, tendo como encarregado da política intra-urbana Michael Heseltine, secretário de Estado para o Meio Ambiente, é trazida juntamente com eles a visão de que só poderia ser chamado planejamento aquilo que implicasse empreendimento urbanístico, procurando facilitar a reciclagem mais rápida possível do solo urbano derrelito, comercial ou industrial, para usos melhores ou mais elevados. O que já não era novidade, vide a grande explosão imobiliária nos centros urbanos britânicos na década de 60, derivada diretamente da experiência norte-americana. O que surge de

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notável no contexto britânico foi o estilo: “planejamento estratégico anti-longo prazo, anti-qualquer tipo de plano já publicado; percurso em roda livre, despreocupado de saber se […] as urbanizações teriam de ser demolidas mesmo antes de estarem concluídas, porque surgira algo mais lucrativo, interessado apenas em explorar oportunidades, à medida em que estas aparecessem.” (HALL, 2007).

3.1 Cidade Global – conceito para entender a questão de Londres “As cidades de hoje para conseguirem sobreviver ao ambiente competitivo e globalizado da economia atual, devem seguir um receituário específico, de forte perfil neoliberal, cuja implementação deve ser feita através de ‘novas’ técnicas de urbanismo como o planejamento estratégico. A esse padrão urbano foi dado o nome de ‘cidade-global’.” (FERREIRA, 2006)

Para entender a configuração e a importância de Londres, assim como de outras cidades pelo mundo, como Nova York e Tóquio, é preciso definir o conceito de “globalização” e, para urbanismo, “cidade-global”, mas não apenas tratando como “padrão de entendimento do mundo e da cidade, sem que se atentasse para a forte carga ideológica que a elas se atrelava” (FERREIRA, 2003), mas buscar refletir e entender que se relaciona diretamente à política neoliberal. Esse conceito usado para a questão urbana tem sua origem na economia e nas relações internacionais de serviços e faz parte de um “processo de imposição da ideologia global liberal, que ficou sendo conhecida como a do "pensamento único", a vertente urbana da "cidadeglobal" se apóia em teorias "auxiliares" de perfil menos teórico e mais pragmático e instrumental: o


Planejamento Estratégico e o Marketing Urbano, que assim como ocorreu com o "Consenso de Washington",

constituem-se

em

verdadeiras

cartilhas

de

procedimentos

supostamente

"imprescindíveis" à sobrevida da cidade no contexto da economia "globalizada".” (FERREIRA, 2003). O desmantelamento dos centros industriais, como Estados Unidos e Reino Unido, e o crescimento acelerado da industrialização no, chamado, Terceiro Mundo, fez com que a economia destes países tivessem suas características alteradas. A partir de uma diferente situação mundial, os grandes centros mudaram o foco de sua economia, o que antes se baseava na produção de produtos e bens, que agora são produzidos separadamente, cada peça em um país, de acordo com os benefícios para a empresa, o trabalho mais importante e bem remunerado nestas cidades passou a ser o de prestação de serviços especializados. Esta demanda de trabalhos “estariam obrigando as cidades a se adaptar à uma nova demanda por edifícios, serviços e equipamentos capazes de atender às exigências de um novo e moderno setor econômico, que Sassen chamou de 'terciário avançado'” (FERREIRA, 2004), o que altera o planejamento urbano e a arquitetura local, inclusive o modo de vida e a origem dos cidadãos de cada cidade, que muitas vezes tem origem estrangeira e moram em muitos países ao longo de sua vida de trabalho, o que acaba determinando um tipo de comportamento, que não será tão profundamente discutido nesse trabalho, que é o “cosmopolita”, ou seja, situações ou pessoas que se adaptam às divergentes situações do mundo sem necessariamente caracterizá-las, tornando-se internacionalizados. A cidade se torna um espaço para: •

Produção de serviços especializados para as redes espacialmente distantes de indústrias, escritórios e organizações

Produção de inovações financeiras e marketing, para o desenvolvimento da indústria financeira

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O ideal neoliberalista, determinante para a cidade global, faz com que, cada vez mais a cidade se distancie da produção, ou melhor dizendo, o governo vende as empresas estatais, e passa, ao invés de produtor à consumidor que procura a melhor oferta e não se limita à produção local, como diz Sassen, 1996, “as 'coisas' que a cidade global faz são serviços e bens financeiros”, ou seja imaterialidades que passam a ser o centro da economia mundial. Como diz João Sette Whitaker Ferreira, 2006, “tal interpretação tornou-se especialmente festejada nos meios acadêmicos do urbanismo desde que, em 1991, a pesquisadora Saskia Sassen publicou nos EUA seu trabalho intitulado “A Cidade-Global” (Sassen, 1996). A idéia central é a de que no atual mundo globalizado, cujo paradigma é o da competitividade econômica, as cidades que se mantêm na liderança do cenário econômico são aquelas que conseguem apresentar vantagens comparativas para atrair empresas transnacionais e os fluxos internacionais de capital financeiro, mantendo-se assim em evidência na economia globalizada”, isso quer dizer que a competição passou a tomar estratégias para atrair investimentos e trabalhadores, para tal os administradores se baseiam, em boa parte, basicamente em duas práticas: “Planejamento Estratégico” e “Marketing de cidades” (Vainer, 2000). Segundo BORJA (1996:98), “plano estratégico é a definição de um projeto de cidade que unifique diagnósticos, concretize atrações públicas e privadas e estabeleça um quadro coerente de mobilização e de cooperação dos atores sociais urbanos”, ou seja, o planejamento não apresenta resultados imediatos e requer cooperação de várias áreas para que a cidade se desenvolva e receba capital financeiro. A partir de planejamento muitas cidades conseguiram grandes mudanças urbanas à partir de uma ação conjunta de grande porte, como exemplo temos Barcelona, que em 1992 sediou os Jogos Olímpicos e com isso transformou sua configuração com o investimento dos fundos públicos de 5,5 bilhões de dólares. Um caso mais recente, e relacionado com as Docklands


londrinas que é foco deste trabalho, temos o projeto “HafenCity” (“cidade portuária”), na cidade de Hamburgo, Alemanha. Neste projeto alemão, assim como em Londres, a área dos portos que estava abandonada, desvalorizada e degradada, passa por um processo de revitalização com foco no investimento privado e na atração de capital financeiro, sendo que a maioria dos projetos são de escritórios e sedes de empresas multinacionais. Os projetos de arquitetura, como de costume nesse tipo de intervenção, são assinados por inúmeros “star-architects”, entre eles o escritório holandês, OMA. Este projeto ainda está em desenvolvimento, mas já é possível ver na área uma mudança no estilo de vida dos moradores e na cidade como um todo. A “cidade-global”, em linhas gerais, é definida pela sua importância mundial, a qual inclusive faz com que a mesma tenha certa autonomia em relação ao país o qual pertence, ou seja, cidades como Londres, Tóquio, Paris, Nova York, São Paulo, não precisam de apresentação geográfica, ou melhor, geopolítica, elas são em grande maioria destacadas e distintas de qualquer característica das demais cidades do país onde se situam. São lugares de importância financeira e que atraem um fluxo de pessoas para trabalhar, devido ao alto nível de capital que circula na cidade. São classificadas como “cidade-global” as seguintes aglomerações urbanas: Nova York, Tóquio, Londres, Paris, Los Angeles, Frankfurt, Hong Kong, Rotterdam, Milão. Já em escala menor temos a seguinte lista: Toronto, Chicago, São Paulo, Zurique, Sidney, Madri, Moscou, Cingapura, Seul, Xangai, Cidade do México. Contudo, ao analisarmos a idéia de FERREIRA, 2003, chegamos a concluir que o conceito de “cidade-global” é um mito ideológico e que “a idéia de “globalização” é ela mesmo, em grande parte, um mito, e corresponde mais a uma construção ideológica destinada a legitimar o processo de hegemonização neoliberal sobre as economias do Terceiro- Mundo, do que a dinâmicas realmente novas”. Isso reflete à visão mercadologia e corporativa de certos governos com relação

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ao Estado, tratando-o como empresa, privatizando estatais e deixando de lado questões sociais em nome do capital financeiro, muitas vezes, estrangeiro.

3.2 Londres como cidade global Com as noções do conceito de “cidade-global” entendidas, pode-se analisar o processo que levou Londres a se tornar uma das principais cidades do mundo. Segundo Saskia Sassen, pode-se dizer que Londres é um agregado de comunidades governadas por conselho locais das chamadas “boroughs”, que ao todo são 32. No ano de 1965 foi criado o “Greater London Council” (GLC) que deu a Londres autoridade de planejamento geral, porém este conselho foi desfeito no governo da primeira-ministra Margaret Thatcher, mais especificamente no ano de 1985. Esta medida faz parte da introdução dos princípios neoliberais no país, transfere o grande poder que o GLC possuía para corporações locais de desenvolvimento, que davam melhores respostas às atividades comerciais, com isso os conselhos locais perderam poder e recursos, e a força política ficou, a partir desta época, nas mãos do governo nacional e das corporações de desenvolvimento. Sassen destaca em seu texto a “London Docklands Development Corporation” (LDDC) como o caso de maior sucesso desta medida, apontando-a como um dos maiores projetos construtivos dentre qualquer cidade européia. A operação de renovação das docas chegou a custar para os fundos públicos cerca de 1,3 bilhão de dólares americanos, e cerca de 8 milhões de libras esterlinas de investimentos privados, o que tornou o investimento questionável, principalmente considerando que não houve o retorno esperado no setor imobiliário que resultou na falência de uma das maiores incorporadoras do mundo, apenas mais recentemente, com novos investimentos de origem pública. O que colaborou para o fracasso foi o sub-dimensionamento da infra-estrutura, tornando a área inacessível, como diz Ferreira, 2006, “[des]considerando-se que somente 12% dos habitantes dos modernos e descolados apartamentos das Docklands trabalhavam no local”.


Arquitetos e escritórios de arquitetura de renome participaram com projetos, alguns não construídos, como por exemplo: Richard Rogers, Gordon Cullen, S.O.M. Com esse projeto urbano, ocorreu uma gentrificação da área, a população original se mudou e novos trabalhadores e moradores passaram a ocupar a área, isso se deve ao fato da implementação de sede dos principais jornais do mundo como o Times, o Daily Telegraph, e o The Guardian. Para exemplificar a situação, temos o exemplo de que: “apenas 15% eram destinadas a aluguel, parte delas para setores de alta renda, enquanto que, em 1981, 95% das habitações na zona das Docklands eram de locação de interesse social. [...] Além disso, a maioria dessas habitações “acessíveis” era de “apartamentos de um cômodo, que não correspondiam à demanda das famílias locais.” (ROSSITER, 1995)” (FERREIRA, 2006) Segundo Rossiter, sobre o processo de gentrificação: “o desenvolvimento das Docklands provocou um aumento do número de habitantes sem-teto no setor, que já era um dos mais favorecidos da cidade. A desestabilização da comunidade local, exacerbada pela proximidade dos novos bairros chiques, manifestou-se por uma intensificação do racismo na área e pela eleição, no outono, 1993, de um vereador de extrema- direita – o primeiro na história da Grã-Bretanha – em Dogs Island” (ROSSITER, 1995)

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Outra grande renovação que está sendo feita em Londres se relaciona com os Jogos Olímpicos de 2012 que irá sediar. Calcula-se que, com cortes orçamentários, estão sendo investidos cerca de 6,9 bilhões de libras esterlinas dos cofres públicos, sem contar com investimentos privados, que são grande maioria, em obras para o evento. Assim como aconteceu com outras sedes dos jogos, a cidade está com a economia aquecida e espera-se que, diferentemente de outros casos, como Atenas, por exemplo, o retorno seja compatível e a pósocupação justifique os gastos.

3.3 Reflexões sobre a cidade global As mudanças que uma cidade, chamada, “global”, recebe em um primeiro momento parecem ser um tanto quanto boas, devido ao alto capital financeiro que a cidade e, por conseqüência, o país recebe. Porém este fato deve ser analisado com cuidado, uma vez que a linha política neoliberal tira o máximo possível o poder do Estado, privatizando bens da população, ou seja dá ao poder privado controle sobre as decisões de questões do país e subordinando-se às necessidades de mercado. A questão social fica em outro plano, uma vez que o foco das empresas é o lucro e não o bem estar da população local. Isso se deve, entre outros fatos, à grande maioria dos investidores não serem nacionais, então eles utilizam o que cada país onde se instalam pode dar de mais lucrativo, e levam o grande valor agregado apenas ao seu país de origem, normalmente, já desenvolvido, como os EUA. Assim, é importante ressaltar que uma cidade globalizada é vinculada a uma política que favorece o setor privado, ou seja, as grandes empresas, o que influencia todo um sistema econômico mundial. Como veremos, os planos urbanísticos e a arquitetura desta cidade são, em geral, de alto investimento, porém o foco é apenas o capital privado, sendo a destinação ao setor social praticamente nula, ou seja, são


edifícios com arquitetura de ponta, com altos custos de execução e funcionamento, porém que apenas servem para os poucos que o utilizam.

4. UDCs - URBAN DEVELOPMENT CORPORATIONS O declínio da economia no oeste de Londres é bem documentado. Desde 1960, com o fechamento de grande parte das docas, a realocação do porto de Londres e o processo industrial de racionalização e de reestruturação industrial geraram uma alta taxa de desemprego na região das Docklands, evidenciando o declínio econômico da região portuária. Apesar das Docklands e da LDDC (London Docklands Development Corporation) terem se destacado como peças chaves para a discussão urbanística que emergira durante a década de 1980, seja pelas inúmeras questões disciplinares levantadas, seja pela importância de Londres como capital britânica e um dos principais centros financeiros da Europa e da magnitude do projeto, é necessário notar que a política das UDCs atingia nível nacional, tornando a região das Docklands uma dentre as onze áreas de gerações diferentes de interesse e ação das corporações de desenvolvimento urbano. As UDCs – Urban Development Corporations – foram trazidas para Merseyside e Londres A partir de 1981, através do governo de Margaret Thatcher, que possuía políticas públicas relacionadas com o setor privado, responsável pelo episódio que veio a ser conhecido como bonfire of controls (fogueira dos controles) associado com uma rígida política monetária e cortes nos gastos públicos. O programa das UDCs fora colocado em prática em 1980. Em 1981, a LDDC e Merseyside Development Corporation (MDC) caracterizaram como sendo da primeira geração de corporações da política, seguidos, em 1987, pela segunda geração de UDCs de Tyne and Wear, Trafford Park,

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Teeside, The Black Country e Cardiff Bay. A terceira geração, que passou a ser chamada de “mini-UDCs”, fora desenvolvida em finais de 1988, abrangendo focos em Bristol Sheffield, Manchester e Leeds.

Mapa de localização e distribuição das Urban Development Corporations ao longo do território inglês. Fonte: DCC, 1990.


Todas as onze áreas se tratavam de lugares outrora abastecidos pela indústria manufatureira, principal base da economia britânica até a década de 70, bem como havia áreas que estavam sob poder público local. Mas poderia ter sido uma adicional razão, segundo o DCC, a fim de criar inteiramente uma nova imagem das UDAs, então uma vez existindo empresas elas teriam que ser movidas ou reformuladas. Permitir que a indústria existente operasse lado a lado de novos empreendimentos poderia mudar a nova imagem que as UDCs procuravam. Certamente, este era o caso que acontecia na área da LDDC. Em 1980, o novo governo conservador da Inglaterra apresentou uma provisão em favor das Enterpises Zones e Peter Hall foi tido como autor do esquema pelo ministro das Finanças. Durante aquele ano e o seguinte, foram designadas cerca de quinze zonas – dentre elas, a Isle of Dogs, no coração das Docklands londrinas. As Zonas de Empreendimento consistiam em áreas para reconstrução das bases econômicas das cidades. Para isso, cada área estaria completamente aberta à imigração de empreendedores e capital, baseando-se descaradamente na livre iniciativa. A burocracia seria reduzida ao mínimo absoluto e a moradia seria colocada como opção, visto que a área “estaria situada fora da legislação normal e dos controles do Reino Unido”. Tinha-se, então, “um conjunto de zonas, situadas sobretudo, embora não exclusivamente, em áreas intra-urbanas derrelitas, com concessões especialmente favoráveis de taxação e um conjunto simplificado de procedimentos de planejamento físico” (HALL, 2007). O governo e sua “Ação para as cidades” descreveu abertamente, em 1987, que as UDCs eram “o mais importante ataque já feito contra a decadência urbana”. De qualquer modo, muitas autoridades locais e críticos viram isso tudo como parte de uma maior limitação de poderes e recursos às autoridades locais, e como uma parte da estratégia do governo de demonstrar que o

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setor privado poderia “regenerar” áreas intra-urbanas com maior sucesso do que o setor público local. As UDCs possuíam uma estratégia de ataque seletivo e ideológico em governos locais que tinham inabilidades para solucionar os problemas de reconhecimento nacional. Primeiro, no planejamento, infiltrando-se, particularmente nas discussões do governo local e dos controles municipais, tomando para si tais controles, fortalecendo o papel de sua centralidade, adquirindo as vastas áreas industriais ociosas e adjacentes dos centros urbanos, inclusive amplas áreas de pertencentes às autoridades públicas como as Dock Boards, a Coal Board, ou a autoridades locais. . Esta terra, sob o Ato de Planejamento de Terra do Governo, poderia ser adquirida pelas UDCs sem ter que levar adiante um Inquérito Público de Compra Compulsório. Tais áreas escolhidas incluíam amplos sítios abandonados que exigiam grande recuperação e normalmente necessitavam de aperfeiçoamentos nas conexões de pistas e trilhos para poder acessar à área. Todas as UDAs – Urban Development Areas - continham terras margeando algum corpo d’água, fossem docas, rios, canais ou pelo mar, com o potencial de marketing voltado para o desenvolvimento de residências particulares e equipamentos de lazer. Por fim, as UDCs tornavam o governo apto a legitimar o papel do marketing de suporte do Estado, rejeitando um masterplan e interesses de comunidades locais, tendo foco na promoção e venda da imagem das Docklands para investidores em potencial internacionais. Estava findado os dias de base econômica manufatureira tradicional local, em prol do desenvolvimento de uma área que atenderia ao mercado das grandes corporações.


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Áreas designadas às UDCs na década de 80.


As UDCs causaram um grande impacto na economia das áreas em que assumiram. Ainda que tais áreas incluíam pequenas parcelas intra-urbanas em cada região, que incluíam indispensavelmente indústrias, docas e áreas do centro da cidade, nas quais o desenvolvimento poderia ter um impacto decisivo na economia local. Mas o problema é bem maior do que o interesse na estrutura de economias locais a longo prazo e o campo de serviços e negócios que eles atraíam era o necessário para suportar tal economia. A estratégia das UDCs, mais uma vez, não era pautada na geração de novos empregos, mas na regeneração e de fato na regeneração física das áreas. O foco foi cobrir a terra com edificações e, no processo, ir mudando a imagem através de uma arquitetura duvidosa e de atrativos de marketing para as áreas degradadas da cidade. Este é o porquê de em Isle of Dogs ou em Albert Dock, Liverpool ou em Don Valley, em Sheffield, ter havido uma grande ênfase na melhoria do meio ambiente na primeira fase das UDCs, seguida pela promoção de vendas das terras para o mercado imobiliário sem prover uma síntese de planos que requereria empregos em particular ou questões sociais. Além disso, uma das principais falhas e reclamações relacionadas às UDCs fora a incompatibilidade de interesses e objetivos entre elas e as autoridades locais, bem como a já comentada falha de ausência de planejamento e de propostas de estratégias. Além disso, enquanto as autoridades locais queriam investimentos e melhorias físicas nas áreas determinadas, muito também queriam benefícios sociais tangíveis, em forma de projetos de treinamento, habitação social, melhorias nos transportes e equipamentos comunitários.


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Investimentos depositados em cada uma das UDAs. Destaque para o caso da LDDC, que detinha quase a metade do capital repassado às UDCs.


Em 1989, no “Autumn Budget Statement” fora reforçado os privilégios das UDCs, em particular da LDDC. Considerando que a Concessão para Programas Públicos projetara £496 milhões entre 1989 e 1992, a concessão da LDDC alcançara £813 milhões, enquanto as demais UDCs conseguiram juntas £600 milhões. A diferença entre a LDDC e as outras UDCs é extremamente marcada, favorecendo o status das Docklands em Londres comparado com as outras áreas. As políticas das UDCs foram centralmente responsáveis pelas críticas que o projeto das Docklands recebera. Elas atropelavam as autoridades locais e encorajavam soluções mercadológicas para efetuarem a regeneração urbana, atraindo empreendimentos privados para as áreas de interesse, com a ajuda de generosos subsídios para a o projeto e infra-estrutura, e comumente um regime de planejamento bastante flexível. É necessário reconhecer que a região das Docklands em Londres fora uma exceção das demais UDAs em virtude de sua localização na beira do rio Tamisa, do boom do mercado imobiliário, e da designação de uma Enterprise Zone na região de Isle of Dogs em 1982, ficando a um passo antes da introdução do regime de livre planejamento, recebendo maiores recursos do que as demais, visto que o governo determinara que o empreendimento de Canary Wharf deveria ser bem-sucedido.

5. LDDC – LONDON DOCKLANDS DEVELOPMENT CORPORATION Nas décadas de 1980 e 90 atuou, em Londres, a LDDC [London Docklands Development Corporation], uma companhia governamental criada no mandato de Margareth Thatcher, responsável pelo processo de renovação urbana da região das Docklands.


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Área de desenvolvimento das Docklands de Londres, sob comando da LDDC. Fonte: DCC, 1990.

Iniciando suas atividades em 2 de junho de 1981, segundo Dal Pian, a LDDC foi concebido como uma empresa de desenvolvimento urbano com o objetivo de garantir a regeneração da London Docklands Urban Development Area (UDA), no East End londrino, área portuária degradada que sofreu com os revezes da modernização do transporte e armazenagem de mercadorias, com a dinamização dos portos, com o declínio das atividades portuárias nas docas


londrinas e, conseqüentemente, com a demanda de áreas portuárias que atendessem às novas necessidades do transporte marítimo. Como agência governamental, a LDDC passou a controlar o planejamento urbano dos distritos da região das Docklands, mas não assumiu totalmente as responsabilidades administrativas dos distritos.

“A LDDC adquire plenos poderes de planejamento para intervir nas áreas mais afetadas pelo declínio das atividades portuárias. Suas principais medidas foram: -

adquirir

terras

por

compra

ou

desapropriação,

incorporando, quando necessário, os terrenos de propriedade pública e garantindo, dessa forma, a criação de um “banco de terra”; - retirar dos distritos o controle do planejamento, porém, sem reprimir sua responsabilidade sobre os serviços básicos; -

realizar

investimentos

financeiros

na

ampliação

e

modernização da infraestrutura local. ”(DAL PIAN, 2005)

Proprietário de vários terrenos e edifícios – comprados ou desapropriados – a LDDC atuava na renovação urbana através de vários mecanismos ancorados no governo neoliberal privilegiando e incentivando a atuação de investidores e empreendedores privados. Atuação, esta, marcada pela ausência de planejamento, desrespeitando inclusive, a comunidade local, com sua exclusão da discussão do processo de renovação urbana.


Os empreendimentos realizados na região das Docklands foram viabilizados pela LDDC de maneira descontrolada e sem diretrizes de desenvolvimento urbano que conferisse à região um processo de renovação conjunto e coerente. Apesar de, no início das suas atividades, ter contratado arquitetos como Gordon Cullen, David Goslin e John Ferguson para a definição de diretrizes gerais do desenvolvimento da área, a LDDC não implantou tais diretrizes, deixando a implantação dos projetos na área sob a tutela da iniciativa privada. Várias são as críticas feitas à renovação urbana realizada nas Docklands já no final da década de 1980, em plena fase de desenvolvimento e implantação dos empreendimentos. Conforme cita Dal Pian, Peter Buchanan – em artigo da Architectural Review, em setembro de 1988 – e Colin Davies – em artigo da Architectural Review, em fevereiro de 1987 – criticam a atuação da LDDC pela ausência de planejamento. Colin Davies, em suas críticas à intervenção nas Docklands gerenciada pela LDDC, destaca a falta de planejamento e o incentivo à iniciativa privada, na figura de investidores e empreendedores. E também critica a exclusão da participação da comunidade local no processo de discussão da renovação urbana, ainda mais porque a população local, que também sofreu com o declínio das atividades portuárias estava diretamente envolvida em qualquer que fossem as mudanças na conformação urbana e social que os novos empreendimentos poderiam causar. Outra crítica que Davies faz é com relação à monofuncionalidade dos novos empreendimentos em detrimento ao planejamento de espaços públicos de uso 24 horas por dia, só possível com a construção de ambientes com multiplicidade de funções e usos. Para Peter Buchanan, a falta de planejamento resultou na aplicação de desenho urbano inadequado. Empreendimentos com edifícios individualizados, sem relação entre sei, para ele, resultaram, em diversas áreas da região das Docklands, na ausência de urbanidade.

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O “não-controle”, por parte da LDDC, das práticas urbanísticas da renovação das Docklands, para Buchanan, seria uma espécie de vista grossa para que os empreendedores pudessem agir livremente, sem restrições. Portanto, seria uma forma de facilitar a entrada de investimentos dos empreendimentos, na área das antigas docas, privilegiando o sucesso financeiro da renovação urbana em detrimento da qualidade urbanística e arquitetônica. Contudo, Buchanan destaca a intervenção de Richard Rogers Parternship em Royal Docks como sinalização de certo avanço. E ainda ressalta a influência de empreendedores norte-americanos em intervenções de Canary Wharf, com referência ao Battery Park de Nova Iorque. Nessa fase de investimentos norte-americanos, eles somente aceitariam participar dos investimentos se fosse garantida a adoção do padrão de qualidade que desenvolviam nos Estados Unidos. Além da falta de planejamento, do excesso de liberdade conferido à iniciativa privada e da exclusão da comunidade local, o governo Thatcher encerrou as atividades do GLC (Grater London Council), em 1986, cujo comando era, até então, do trabalhista Ken Livingstone. Com isso, Londres passou a ser a única capital européia sem governo central, ficando a cargo das administrações distritais o planejamento e manutenção da infraestrutura e dos serviços básicos. Exceto no caso dos distritos da região das antigas docas, que dividiam funções administrativas do território com a LDDC. Nesses casos – Tower Hamlets, Newham e Southwark, no chamado East End – a LDDC controlava o planejamento da renovação urbana enquanto que, aos distritos, ficara a responsabilidade de planejamento dos serviços públicos – saúde, educação e habitação – juntamente com outras agências governamentais.


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Docklands


Bermondsey e Surrey Docks

Bermondsey e Surrey Docks. Áreas do Distrito de Southwark. FONTE: Williams, 1990.


Bermondsey, área das antigas docas do distrito de Southwark, não necessitou de grandes intervenções em infraestrutura. Antes mesmo da atuação da LDDC, já havia, naquela região, uma renovação urbana, mesmo que incipiente, em curso. Desde o começo da década de 1980, por iniciativa espontânea de diversos artistas plásticos, foram realizadas reformas em vários galpões industriais e antigos armazéns convertidos em estúdios. Com isso, houve incentivo a diversas outras iniciativas individuais de reconversão de edifícios préexistentes em apartamentos. Sob a atuação da LDDC até 1994, Bermondsey Riverside recebeu intervenções que fez dela uma região diversificada, com projetos de reconversão de armazéns para escritórios, habitação e comércio, aplicando novos usos aos antigos armazéns e antigas construções industriais remanescentes das atividades portuárias. Destaque

para

China

Wharf,

um

edifício

residencial projetado pelo escritório CZWG Architects, com uma estética totalmente contrastada com as China Wharf e New Concordia Wharf Cottons‐centre Surray Quays

construções

tradicionais

locais.

Entre

os

empreendimentos de maior impacto está o Butlers Wharf,

cujo

projeto

é

de

Conran

Roche,

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compreendendo apartamentos, espaços para comércio, escritórios, oficinas e infraestrutura para lazer. Além dos empreendimentos privados, em Bermondsey a LDDC atuou em parceria com a administração local, no caso, o London Borough of Southwark, na reforma de moradias destinadas ao aluguel subsidiado. Depois de sofrer pressões por parte da população e da autoridade local, a LDDC, que, no início, vendeu as casas de aluguel para vender o terreno a empreendedores privados, viu-se obrigada a comprar novos terrenos para a construção de novas moradias destinadas às classes mais baixas. Outra mudança na estratégia de atuação da LDDC, com as pressões locais, foi no sentido de melhorar a oferta de empregos na região com programas de treinamento e qualificação de mão-de-obra. A criação de empregos promovida pelos empreendimentos estimulados pela LDDC não atendia à demanda dos trabalhadores locais, remanescentes dos serviços e indústrias relacionados às atividades portuárias. A partir disso, a pressão popular e a administração distrital cobravam da LDDC programas para especialização da mão-de-obra local. Bermondsey Riverside foi a primeira das UDAs (Urban Development Area) entregue à administração distrital, no caso o London Borough of Southwark7, por causa do processo de desligamento da LDDC, no final da década de 1990, já que a renovação, em Bermondsey, teve um desenvolvimento mais rápido que outras regiões por causa das infraestruturas urbanas já instaladas e pelo tipo de intervenções realizadas, reconvertendo mais do que reconstruindo.

7

DAL PIAN, Lilian de A. Revitalização de áreas portuárias. O caso de Docklands, dissertação de mestrado, São Paulo, 2005. P. 67


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Butlers Wharf. Reconversão de antigos armazéns em habitação. Planta e corte. FONTE: WILLIAMS, 1990


Assim como Bermondsey, Surrey Docks já era objeto de intervenções de renovação urbana anteriormente à criação e atuação da LDDC. A autoridade local, no caso também o London Borough of Southwark, já havia investido no aterramento das docas para a construção de edifícios residenciais – 92% das áreas de docas alagadas haviam sido aterradas até o início da década de 1980. Além do aterramento de docas para construção de moradias, a autoridade local também atuou com demolição de diversos armazéns antigos do longo da Rotherhithe Street. Assim que assume a área de Surrey Docks, a LDDC opta por manter as docas alagadas que ainda restaram para explorar o potencial urbanístico e atrair, com isso, novos investidores para a região. Apesar dos protestos contra o descaso da LDDC com a proteção de empregos dos habitantes locais, a agência defendia a transferência das atividades industriais consideradas nocivas para outras regiões do país. Na verdade, o que estava por trás da política de expulsão de indústrias da região era a intenção de consolidar, na região das Docklands, outros setores econômicos, privilegiando a instalação de edifícios comerciais, de serviços, sedes de grandes empresas, residências e comércio de alto padrão. Nesse sentido, em Surrey Docks, ficaram latentes conflitos de interesse entre a população local e a LDDC, com relação às prioridades em habitação social. Depois da política de venda das casas de aluguel a pressão popular fez com que a LDDC comprasse dois terrenos onde foram construídos novos conjuntos residenciais. Por trás dessa manobra, perpassa o interesse do governo neoliberal, pelas mãos da LDDC, o interesse de converter áreas já consolidadas em área de interesse para investimentos da iniciativa privada, mesmo que, para isso, tenha que vender as casas da autoridade administrativa


do distrito e deslocar a população local para novos terrenos, levand0-as para longe da sua origem, das suas tradições e dissolvendo seus vínculos. A região de Surrey Docks recebeu, majoritariamente, investimentos em habitação e seu desenvolvimento foi consolidado com abertura da estação de metrô Canada Water, da Jubilee Line8 e com a complementação do setor comercial e das atividades de lazer. Até então, a Jubilee Line não operada ao sul do rio Tâmisa. Dessa maneira, pode-se observar que as intervenções nas Docklands e suas decorrências, assim como a instalação das infraestruturas, marcam, no final da década de 1990, na virada para o novo milênio, a melhoria da conexão entre o lado norte e sul. Porém, com diversos prejuízos na área social e na área de políticas públicas do governo central, mas com grandes lucros para os empreendedores.

8

DAL PIAN, Lilian de A. Revitalização de áreas portuárias. O caso de Docklands, dissertação de mestrado, São Paulo, 2005. P.73

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Beckton e Royal Docks

Beckton e Royal Docks, no distrito de Newham.


Antigo distrito industrial, as áreas de Beckton constituíam terreno pantanoso. Drenado nos anos 70, transformou-se em subúrbio residencial. Em 1981, a empresa Barrat, Wimpey, Broseley e Comben lançou um empreendimento com mais de 600 casas. Com grande sucesso de vendas, em 1982 os primeiros moradores já ocupavam suas casas9. O “Beckton District Plan”, revisado em 1986, recomendava a implantação de moradias para aluguel e equipamentos de interesse social, mas também apoiava a consolidação da área com predominância de residências privadas. Neste caso, a LDDC e a administração local cooperaram na elaboração e implantação de diversos projetos, incrementando o antigo plano com lojas, apartamentos, um centro comunitário e melhorias paisagísticas. Além da cooperação com a administração local do distrito de Newham, a LDDC também trabalhou em conjunto com o Council na implementação de melhorias no sistema viário para melhorar a conexão da região com as demais áreas das Docklands e com o centro de Londres. O setor de trilhos também foi complementado, estendendo-se as linhas da “Docklands Light Railway” até Beckton, em março de 1994. O processo de renovação foi consolidado com a criação de empregos no “London Industrial Park” e com a implantação de um novo parque varejista, o “District Centre”, composto por uma loja do Grupo Wal Mart, o Savacentre, e demais lojas.

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À frente, London City Airport, em Royal Docks. No plano médio, Millennium Dome. Ao fundo, edifícios de Canary Wharf, em Isle of Dogs.

Última área da região das Docklands a entrar no processo de renovação, Royal Docks tinha grandes problemas com sistemas de transporte. Era uma área praticamente isolada onde a maioria dos terrenos era de propriedade do governo, através de vários órgãos públicos. Diversos planos elaborados para o desenvolvimento da área, realizados pela autoridade local e pelo GLC,


até a primeira metade da década de 1980 foram superados por um plano da LDDC, em 1985, cuja principal intenção era instituir um planejamento flexível para atrair investimentos privados. Apesar de todos os problemas iniciais, a região de Royal Docks foi a que obteve os investimentos mais diversificados. Na região, além das amplamente praticadas parcerias do Estado com a iniciativa privada no setor de habitação, comércio e edifícios para escritórios; foram instalados diversos equipamentos de entretenimento, espaços para exibição, centro de convenção, áreas para espetáculos, shopping center, hotéis e um centro tecnológico. Além disso, também foi instalada a University of East London, para três mil estudantes, e o London City Airport, proposto em 1982 e que, em 1987, operava parcialmente. Propondo uma parceria com a LDDC, o distrito de Newham negocia terrenos de interesse para novos empreendimentos em troca da inclusão de 1.500 unidades de habitação de interesse social nos investimentos para a região de Royal Docks. Além disso, cobra o investimento de 10 milhões de libras em programas de treinamento de mão-de-obra local para que os moradores da região pudessem ser absorvidos pelo mercado local. Com isso, a administração local desempenha papel importante no desenvolvimento de Royal Docks.

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Isle of Dogs

Isle of Dogs. Área com os maiores investimentos recebidos na região das Docklands. Região na qual se criou uma Enterprise Zone.


Até o início das intervenções na região das Docklands, a situação viária de Isle of Dogs era precária. Não havia serviços de trem ou metrô e o transporte público estava reduzido a uma única linha de ônibus. Principal via de acesso à região, a 13/East India Dock Road estava sempre congestionada. Nessa época, 90% dos habitantes de Isle of Dogs eram moradores das “Council Houses”, cujo aluguel era subsidiado pelo governo. No início da década de 1980 foram instituídas, dentro das UDAs (Urban Development Areas), as Enterprise Zones, zonas com incentivos fiscais destinadas à implantação de grandes empreendimentos privados. Implantada em 1982, com expectativa de vigência de dez anos10, também como parte de uma política aplicada em diversas áreas do Reino Unido, a Enterprise Zone das Docklands se concentravam na Isle of Dogs, tomando parte de Royal Docks. Sua função era atrair investimentos privados, principalmente através da instalação de empresas multinacionais, com a expectativa de criar empregos e de impulsionar o crescimento econômico da região. Para isso, o Estado cria facilidades para o desenvolvimento das EZs desde a isenção de taxas e impostos até a eliminação da regulação urbanística. Para as empresas que quisessem se fixar na tão promissora região das Docklands, a LDDC concedia os referidos benefícios por dez anos e não exigia, nos primeiros anos de atuação, qualquer tipo planejamento arquitetônico-urbanístico.

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Crescimento de Canary Wharf, o maior empreendimento das Docklands, ao longo das décadas de 1980 e 90, em Isle of Dogs.

Percebe-se, portanto, que, com essas medidas, o governo neoliberal do Partido Conservador, reafirmava sua política privatista e retirava do Estado uma responsabilidade fundamental que é manter o equilíbrio nas relações sociais. Ao privilegiar a atuação de investidores privados transferindo-lhes o controle de certos setores e serviços, toda uma parcela


da sociedade, fragilizada, fica submetida ao interesses mercantis dos grupos dominantes, o que não contribui para a construção de um ambiente urbano socialmente sustentável. Com a instalação de diversos projetos, logo pôde-se constatar que se tratava de empreendimentos destituídos de urbanidade, realizados sem planejamento, com ausência de controle urbanístico e sem diretrizes comuns de implantação e desenvolvimento. Grande parte dos projetos, seja de construção ou de reconversão, na área das antigas docas, foram destinados para atender à classe média-alta da sociedade, muitas vezes com deslocamento da população local para outras áreas, já que a transformação econômica impedia que vivessem naquele ambiente e os empregos exigiam qualificações para as quais os antigos moradores não estavam preparados.

Edifício Cascades e South Quay Plaza 2, em Isle of Dogs. Exemplos da falta de relação entre os empreendimentos realizados na área.

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Grandes empreendimentos com áreas para escritórios, comércio e habitação de alto padrão atraíram investimentos internacionais e também atraíram a instalação de sedes de grandes empresas, incluindo multinacionais. Diversas empresas de comunicação, com destaque para a Routers e o The Wall Street Journal, também se instalaram em Isle of Dogs, na Enterprise Zone, assim como outros jornais e agências de notícias, empresas de telecomunicações e indústrias gráficas.

Reuters e Financial Times, em Isle of Dogs, na Enterprise Zone. Grandes empresas de comunicação que se instalaram na região das Docklands, beneficiadas pela isenção de taxas e impostos promovida pelo governo nas Enterprise Zones.

O maior empreendimento realizado na região das Docklands foi o de Canary Wharf, cujo planejamento – interno – foi feito pelo escritório norte-americano SOM, Skidmore, Owings & Merril. O projeto compreendia um conjunto de edifícios que respondiam às novas demandas espaciais do mercado financeiro, com planta livre e grandes espaços abertos, flexíveis; e ainda com certa proximidade da City. Edifício de maior destaque, Canary Wharf Tower, pode ser visto de muitos


pontos da cidade. Com 244 metros de altura, foi projetada por Cesar Pelli e, ainda hoje, é umas das construções mais altas de Londres. Na fase inicial do empreendimento, a precariedade do sistema de transportes constituía um entrave para o seu desenvolvimento e também da área. Dessa forma, os investidores financiaram, em parte, a extensão da DLR – “Docklands Light Railway” – até a Enterprise Zone de Isle of Dogs, implantando uma estação no conjunto de edifícios do empreendimento. Além de financiar parte da extensão da DLR, os investidores de Canary Wharf também contribuíram com 400 milhões de libras para a extensão da Jubilee Line até as Docklands11.

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Wapping e Limehouse

Wapping e Limehouse, no distrito de Tower Hamlets. Intervenções direcionadas, principalmente, às demandas dos executivos que trabalham nas áreas contíguas. Comércio e residência de alto padrão predominam nessas duas regiões.


Wapping era a área das Docklands mais próxima da City e foi a primeira a receber investimentos comerciais. Pela proximidade com a City e pela euforia do mercado em meados da década de 1980, a região atraiu investimentos de apartamento e residências de alto padrão. As longas jornadas de trabalho e os grandes salários também estimulavam os executivos a morarem próximos das empresas. Com isso, os empreendimentos da região voltaram-se para atender as demandas da classe alta.

Shadwell Basin Housing, em Wapping. Reconversão de antigos armazéns em residências de alto padrão. Ao fundo, edifícios do empreendimento Canary Wharf, em Isle of Dogs.

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Muitos edifícios antigos foram restaurados e reconvertidos. Armazéns e antigos galpões se transformaram em luxuosas residências e comércio. Além disso, a LDDC também atuou na recuperação de edifícios de histórico, como as igrejas de St. Georges e St. Anne’s Limehouse. Limehouse também recebeu muitos incentivos para a construção de habitação, mas, a obra que mais resultou em melhorias para a região e resolveu problemas de infraestrutura viária foi a construção do túnel Limehouse Link, que fazia a conexão com Isle of Dogs.

6.1 FIM DA LDDC E RETORNO DO CONTROLE DAS DOCKLANDS AOS DISTRITOS De 1994 a 1998, ocorre o processo de desvinculação do gerenciamento da LDDC com as áreas da região das Docklands. Com isso, as regiões das Docklands tiveram, ano a ano, sua administração devolvida aos respectivos Boroughs. Assim, voltava para o controle do London Borough of Southwark, as regiões Bermondsey, em 1994, e Surrey Docks, em 1996. As áreas de Beckton e Royal Docks foram assumidas novamente pelo London Borough of Newham em 1995 e 1998, respectivamente. Já o London Borough of Tower Hamlets recebeu novamente o controle das áreas de Wapping, Limehouse e Isle of Dogs, todas no ano de 1997. Em 1997, os trabalhistas conquistam novamente o poder, depois de 20 anos afastados da administração geral do país. Em 1999, Tony Blair, então Primeiro Ministro, restabelece o governo municipal de Londres com o “Greater London Authority Act”

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, recriando o GLC, Greater London

Council, desativado pelos conservadores em 1986, no governo de Margareth Thatcher.

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7. PROBLEMATIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO NAS DOCKLANDS “O que quer que acontecesse nas Docklands não teria apenas uma importância isolada, mas serviria de modelo também para outros lugares.” (HALL, 2007)

Segundo a reportagem “Wall Street on Water”, a South East Region TUC (SERTUC, 1989) identificara três fases distintas do desenvolvimento das Docklands: um período inicial, de 1981 a 1985; um período de crescimento, entre 1985 e 1988; e um último, após 1988, de incertezas sobre o projeto. Durante o período de 1981-85 houve uma tentativa falha de buscar investimentos do setor high tech, uma vez que as indústrias, apesar de seu crescimento, estavam sendo implantadas onde havia uma série de companhias eletrônicas e estabelecimentos de pesquisa locados,assim como as mais novas empresas do setor procuravam áreas fora da cidade, onde o acesso e infraestruturas eram melhores e mais em conta. Porém ainda havia o trunfo de Isle of Dogs, zona que, para a corporação, poderia ser o principal foco para a atividade de desenvolvimento econômico, tendo um potencial de grande alocação de escritórios. A política de colocar as Docklands no mapa resultou em projetos como o light railway e o Aeroporto Municipal de Londres, tornando símbolos da nova imagem das Docklands que veremos mais adiante. A SERTUC (1989) caracteriza a segunda fase do desenvolvimento do projeto das Docklands como “Wall Street on the Water”, uma vez que o crescimento da economia regional, particularmente no setor de serviços, apresentara a LDDC uma maior oportunidade, ressaltando a importância de Londres como um centro financeiro de âmbito internacional e a expansão de

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serviços financeiros que pôde contribuir com o aquecimento do mercado imobiliário. O marketing de Estado se voltou especificamente ao setor financeiro e no desenvolvimento especulativo, principalmente na Isle of Dogs, onde os incentivos financeiros tiveram crucial importância e que, em se tratando de uma EZ, o capital subsidiado em oposição à isenção de taxas se tornou o maior fator que inverte o que foi originalmente previsto. De fato, os subsídios encorajaram os investidores a se comprometerem, aquecendo o mercado, atingindo altos níveis de desenvolvimento do que o normal a ser suprido e atendendo à demanda. A imagem de Isle of Dogs mudou rapidamente. Ao invés de um contexto high tech, a região se apresentou como uma nova área de negócios internacional. “De qualquer modo, quando o incorporador inicial, G. Ware Travelstead, não estava apto a aplicar seu conjunto de projetos no mesmo lugar, os gastos do setor público de Canary Wharf procedendo abaixo da intendência dos Irmãos Reichmann crescera consideravelmente, não apenas em termos das EZ, mas às custas das taxas de infra-estrutura demandada por Olympia & York, a Companhia Reichmann, uma das maiores companhias empreiteiras, para dar manutenção aos projetos. Por volta de 1987, o modo hábil como Olympia & York pôde manipular e explorar os desejos da LDDC e do governo para assegurar o sucesso da propaganda levar à regeneração permitiu dominar o desenvolvimento das Docklands logo em seguida. Claramente, Canary Wharf e, particularmente, o envolvimento de Olympia & York aumentaram a confiança nas Docklands, em especial na Isle of Dogs como locação de escritórios. Os aluguéis começaram a crescer em 1987 nitidamente na região, enquanto um grande número de outros projetos vieram à tona para East índia Dock, North Quay, Heron Quay, South Quay e Millwall Docks. Considerando que a LDDC previa de 4 a 8 milhões de pés-quadrados para escritórios em Isle of Dogs em 1986, o cenário pulou para 25 milhões no final de 1988, do mesmo modo que a oferta de empregos aumentava na proporção em que a população residente diminuía no mesmo período. Esse êxodo


populacional demonstra também que esse tipo de política fez com que minorias da população, como negros e indianos, fossem expulsos do local, uma vez que tais minorias estavam diretamente relacionadas à tradicional indústria e manufatura do local. O impacto da quebra da Bolsa em outubro de 1987 não causou impacto imediato óbvio na região das Docklands. De fato, indicou que o fornecimento e as condições de demanda peculiares permitiram dar continuidade à atividade rapidamente, tanto no setor comercial quanto no residencial, embora a inflação nos preços das casas começou a diminuir lentamente (figura 2.4). Em 1987, cerca de 77% do total previsto de espaços voltados para escritórios estava completo. Em Isle of Dogs, que acomodava 68% desses, os alugueis continuavam a subir até meados de 88. Outros vários projetos continuaram a vir à tona notavelmente nas áreas de Royal Docks. Entretanto, como será visto mais adiante, as contradições e pequenos contratempos da campanha de marketing para construir e superaquecer o mercado imobiliário em conjunto com a falta de um planejamento estratégico se tornaram claros em várias áreas, principalmente, mas não apenas, com relação a acessos e transporte.

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7.1 ESTRATÉGIA DE MARKETING PARA EFETIVAÇÃO DO EMPREENDIMENTO A LDDC adotou uma estratégia de marketing ou aproximar oportunidade de propriedades para a regeneração das Docklands, rejeitando planejamentos estratégicos, considerando-os desnecessários e inapropriados para a tarefa. De qualquer modo, é notório que a LDDC tinha idéias pré-concebidas sobre as oportunidades que as Docklands ofereciam, bem como quais direções e formas que a regeneração poderia tomar, e sobre a visão e a imagem das vantagens da localização das Docklands que deveriam ser explorada ao máximo, apelando diretamente para o mercado, especialmente o mercado imobiliário, deixando claro que estavam dispostos a compartilhar objetivos e propostas em comum. Também é necessário ressaltar que a primeira tarefa da Corporação fora a propaganda e promoção das Docklands voltada para o investimento do setor privado tanto para a área quanto para o próprio setor, em virtude do boom imobiliário que tomou conta de Londres e do sudeste.

Propaganda de divulgação do empreendimento da LDDC, de modo a atrair, através da propaganda, investimentos de capital privado para Isle of Dogs. Fonte: DCC, 1990.


7.2 A RELAÇÃO DE GASTOS DOS SETORES PÚBLICO E PRIVADO Tanto a Tabela 3.1 quanto o Gráfico 3.2 Londres | 73

mostram as doações para LDDC correspondente à noção de “maintaining short-term high front end loading”, demonstrando o fato de que a LDDC procedeu acumuladas

das

vendas

rapidamente

de

propriedades

durante

o

boom

imobiliário de 1985 a 1988, quando o preço nas Docklands subira gradativamente. Curiosamente, a LDDC não teve as concessões do Estado reduzidas pagamentos

equivalente das

terras

à

multiplicação vendidas,

dos

tampouco

impedida pelo governo de usar a receita para recursos de propriedades, tal qual como foram as autoridades locais.

Gráfico das Finanças da LDDC durante a década de 80. Fonte: DCC, 1990.


DC durante a década de 80. Fonte: DCC, 1990.


Fica claro que a urbanização das Docklands obedeceu aos modelos norte-americanos num aspecto decisivo: “baseou-se na idéia de usar fundos públicos relativamente modestos para gerar uma quantia muito maior do investimento privado. Grandes somas de dinheiro público fora colocado nas Docklands para subsidiar projetos privados sem nenhuma responsabilidade pública final ou compartilhamento nos benefícios desses projetos. A tabela 3.4 mostra algumas obras e as parcelas pagas pelo capital privado e pelo setor público, especificamente pelo Departamento de Transportes (DT) e pela LDDC.

Despesas em projetos de transporte e as origens das contribuições do setor público e do privado. Fonte: DCC, 1990.

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A maioria dos conjuntos de escritórios da London Docklands UDA estava em Isle of Dogs EZ. Como fora notado, esses empreendimentos eram subsidiados. Por esta razão, não se pode afirmar que estes investimentos foram “alavancados” dos incorporadores pelos gastos da LDDC. De fato, no caso de Canarian Wharf, o investimento público maciço em infra-estrutura, especificamente em provisões de transporte público, chegou a posteriori e não precedeu desenvolvimento. O investimento privado no empreendimento em Canary Wharf pode ser mencionado para ter alavancado investimento público. O sucesso da revitalização das Docklands, se transformando a área em escritórios pode ser julgado, torna-se em larga escala devido aos subsídios da EZ, da qual administração a LDDC não participa, ainda que seja evidentemente um gasto público significante. As principais atrações das EZ logicamente foram os benefícios do capital e a concessão de impostos, direcionados respectivamente aos escritórios e incorporadores de propriedades comerciais e, como ocupantes, nos setores de serviços relacionados da economia. O capital subsidiado permitiu aos incorporadores recuperarem custos através do sistema de taxas e deu um impulso tremendo no mercado imobiliário das Docklands. Como visto, os grandes projetos comerciais nas áreas da LDDC só podem ser compreendidos relacionando-os a estes incentivos nas taxas supridas dentro da Enterpise Zone. A regeneração bem-sucedida das London Docklands realizou-se com a confiança honorária da bem-administrada UDC com uma pequena parcela financiada pelo Estado. “Do contrário, o passo descontrolado, escala e natureza da revitalização nas Docklands expusera a precária infra-estrutura da área e começara a consumir gradativamente crescentes quantias do fundo público.” A noção de pump priming (“bomba de escorvamento”) fora definitivamente associada abaixo de um avalanche de gastos estatais, que na verdade fora realizado sem conhecimento do público.


A maior e prejudicial acusação da LDDC ainda que não soe como um duvidoso “sucesso” ou que ela tenha administrado seus próprios negócios financeiros às escuras e sem competência alguma, mas que sua generosidade fora sido quase que exclusivamente focada na “comunidade de incorporadores” na perda da real comunidade de residentes dos distritos das Docklands. Em sua reportagem de junho de 1989, o Comitê de Contas Públicas colocou da seguinte maneira:

“Como conseqüência desse seu modo de assegurar… os empreendimentos comerciais… a LDDC… dera pouquíssima atenção a questões de infra-estrutura social e às necessidades da população local.” (DCC, 1990)

7.3 O IMPACTO DA NOVA BASE ECONÔMICA NA ECONOMIA DA REGIÃO “O caminho da LDDC para a regeneração, juntamente com o boom imobiliário em Londres e no Sudeste, resultaram em consideráveis níveis de empreendimentos nas Docklands. No final da década de 90, cerca de 17 mil unidades residenciais e cinco milhões de pés quadrados de escritórios e espaços comerciais já tinham sido completados. Por essa razão, o foco das atenções se voltou para o impacto econômico desse empreendimento na economia e mercado de trabalho locais. Qual o alcance e como efetivamente foram resolvidos os problemas econômicos a longo prazo das Docklands?” (DCC, 1990)

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Segundo Peter Hall, o que sobretudo faltou no que diz respeito à revitalização urbana de Londres foi um mecanismo que encorajasse a inovação, no sentido enunciado por Joseph Schumpeter, “como um meio de fornecer tradições industriais alternativas a áreas onde a base industrial tradicional houvesse desaparecido.” Pelo contrário, a principal tarefa e conceito eleitos foram o de gerar uma nova base para a economia local, ao mesmo tempo em que “um consórcio norte-americano elaborara um plano para um enorme complexo de escritórios em Canary Wharf, em plena área da LDDC, aproveitando o status de Enterprise Zone, fornecendo cerca de 46 mil empregos em escritórios, bem como o fechamento de um acordo com um grupo canadense em julho de 1987. Tanto para o governo quanto para a corporação o impacto econômico na região tenderia a ser medido apenas em termos financeiros e físicos, dando ênfase ao processo de revitalização da área portuária, que voltaria a ativa através da vinda de novas empresas, possibilitando a geração de novos empregos na área e a recuperação da dinâmica da região. Entretanto, em 1988, o Comitê Consultativo das Docklands, em concordância com o Comitê de Empregos da Câmara dos Comuns, buscou por informações mais precisas e consistentes sobre objetivos e mudanças de critérios, um plano de desenvolvimento econômico, tal qual com metas relacionadas a emprego e a políticas sociais. A resposta obtida pelo governo fora a que: caberia às UDCs a responsabilidade de tornarem mais precisas as definições de “regeneração”, evidenciando a passagem ao poder privado da capacidade de determinar e conduzir a administração das áreas, sendo que cada corporação deveria definir seus planos e prioridades econômicas, do meio ambiente e de circunstâncias sociais de áreas designadas. Assim fica evidente, segundo o DCC, que a análise e a efetividade do tratamento dos problemas econômicos e de desemprego das Docklands jamais fora um objetivo específico do governo.


A especulação e conduta “laissez-faire” das corporações permitiram um rápido aumento nos preços de propriedades que acabaram por expulsar as empresas locais. A regeneração resultou em um profundo impacto no mercado de trabalho local. De acordo com a LDDC, os setores de manufatura e de transportes mantinham cerca de 60% de todos os trabalhos nas Docklands em 1981. Seis anos depois, este número caiu para 30% e vem diminuindo até então a níveis bastante inferiores. A SERTUC concluíra que “as finanças, setores bancários e de seguros poderiam usar das Docklands no começo da década de 90, tal como as indústrias de tiragens fizeram no começo de 1980”. Empreendimentos como Canarian Wharf colocaram os bancos estrangeiros como principal alvo de início. Durante a década, empresas como Morgan Stanley, Credit Suisse First Boston e Merrill Lynch concordaram em migrarem filiais para a região. Durante a década de 80, Isle of Dogs se tornou o maior centro de indústria de publicidade e propaganda gráficas, ainda que o crescimento neste setor fora outrora indesejado. As Docklands teriam que se constituir o maior local de trabalho para alguns projetos mega-comerciais darem certo. Até lá, significativas ofertas de empregos nos setores comerciais e de serviços, propostas de maiores empreendimentos de hotéis e restaurantes, instalações esportivas e centros de entretenimento deveriam ser considerados altamente especulativos. O “sucesso” das Docklands em atrair altos níveis de investimento de capital e quantias substanciais de empreendimentos pode ser amplamente atribuído a vastos fatores econômicos, o crescimento da indústria bancária e dos serviços financeiros acompanhado pelo boom imobiliário que foi experimentado por toda Londres e sudeste. Porém os empreendimentos das Docklands também foram baseados e sustentados por um massivo, ainda que normalmente encobertos, subsídios do setor público. O projeto arrancou poderes das autoridades locais até então não

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conseguidos, maiores do que tinham as novas cidades, utilizando-os para acolher o empreendedorismo privado. Um traçado que rejeita o planejamento e presta assistência ao investimento do setor privado juntamente com um rápido crescimento econômico inevitavelmente quase resultara em um grande problema. E, quando a economia britânica passava por pequenas turbulências, as Docklands se mostravam bastante frágeis com a dinâmica econômica.

7.4 OS IMPACTOS DA NOVA BASE ECONÔMICA – GERAÇÃO DE EMPREGOS? PARA QUEM? A credibilidade do projeto aumentara significativamente com a venda da imagem de geração de novos empregos em uma área revitalizada da cidade. Porém essa demanda, inicialmente, não era voltada para a população local. Pelo contrário, ao modificar a base econômica do lugar, as tradicionais indústrias ali instauradas e falidas passaram a dar lugar para um novo tipo de indústria – a bancária, financeira e de negócios – aumentando, de fato, a procura de novos empregos neste novo setor, porém não relacionando diretamente com a mão-de-obra da população local. Traçado o panorama do mercado de trabalho durante a década de 80, a LDDC procurou desenvolver um plano de inclusão daquela população à nova base econômica estabelecida na região, através de uma política de educação, treinamento e emprego que acabou se tornando bastante limitada e mal administrada, totalizando-se em um verdadeiro fracasso. O reconhecimento da importância de tal política veio tardio, começando a mostrar bons resultados, porém o real problema é a complexidade da questão, particularmente resultante da diversidade de agências envolvidas. Os incorporadores passaram a reconhecer posteriormente que o


investimento em políticas de educação e treinamento de profissionais, a longo prazo, poderá aumentar a rentabilidade de seus empreendimentos através da garantia de um grande contingente de trabalhadores locais qualificados que poderá atrair investidores em potencial. Mais uma vez, as falhas históricas da LDDC com relação aos programas de treinamento são enraizados em seu plano de regeneração. Ficou claro que o treinamento baseado na identificação do nível da demanda e prover cursos para adaptá-lo se torna uma operação difícil na prática, como mostra a elevada quantia em falta e o limitado número de pessoas seguramente empregadas nas novas empresas em Docklands. Mas além de um futuro de incertezas, um número de contradições começou a emergir nas Docklands. Apesar do empreendimento de cinco milhões de pés quadrados de espaços de negócios, o desemprego no oeste de Londres permaneceu bastante elevado, devido a falta de políticas de educação e treinamento da mão-de-obra local, caracterizando uma das principais falhas da LDDC nas Docklands que foi continuar um projeto dessa dimensão adiante desconsiderando aspectos locais, como a população local e seu nível profissional adaptados a uma base econômica tradicional estabelecida até aquele momento na região das docas, inaptas a lidar com a recente oferta de novos empregos que surgira com o projeto e que necessitava de uma mão-de-obra específica e qualificada. A LDDC executou um papel de suporte de mercado antes de intervir de modo a adaptar as questões do próprio mercado às necessidades locais. Para Nicholas Ridley, secretário do Meio Ambiente do partido dos conservadores, a regeneração das áreas urbanas degradadas automaticamente solucionaria a questão do desemprego. A proposta dos conservadores nada mais nada menos consistia em propor o redesenvolvimento físico de tais localidades, que certamente investidores trariam progresso, e gerariam empregos. As UDCs passariam a ter grande responsabilidade de assegurar às comunidades sob sua jurisdição e nas áreas vizinhas

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benefícios da regeneração. Porém esperava-se que as autoridades locais cooperassem com a administração das UDCs. Porém pressões crescentes vindas do Parlamento exigiam que a LDDC possuísse uma função social. De qualquer modo, pela parte conservadora, a estratégia básica deveria ter votos válidos. Isso demonstrou que a regeneração física deveria ser reconhecida, mas se os incorporadores devessem exigir recursos sociais para assegurarem o sucesso de seus projetos, de modo que seria aceitável então que a UDC devesse promovê-los.

– A CRISE NO SISTEMA DE TRANSPORTES Uma das principais críticas relacionadas ao grande projeto de regeneração das Docklands está contida no que se diz respeito à infra-estrutura de transportes da região. A mesma não possuía um sistema adequado de acessos e transportes para receber empreendimentos de tamanha escala, como Canary Wharf, sendo bastante criticado, particularmente pelo Instituto de Engenharia Civil, o modo como os empreendimentos estavam autorizados sem que houvesse um planejamento que antecipasse a demanda que teria o sistema de transportes. Porém o problema dos transportes não era exclusividade das Docklands, segundo o DCC. “A reestruturação da economia tanto nacional quanto internacionalmente desde meados da década de 1970 gerou rápidas transformações nos usos do solo urbano, acelerado, no caso britânico, por políticas de governo. Este processo fora bastante marcado no sudeste da Inglaterra e de Londres em particular.” As bases dos empregos londrinos, portanto, mudaram predominantemente para o setor de serviços voltados para a economia, gerando e concentrando ofertas de empregos no centro, o que causou, conseqüentemente, um rápido aumento nos deslocamentos, seja por carros ou por trens, de modo que o sistema de transportes começou a sofrer declaradamente os impactos da mudança na economia.


É importante ressaltar que o incentivo de aperfeiçoamento para o sistema de transporte das Docklands partiu do interesse dos incorporadores acerca da viabilidade de seus projetos, e não do interesse da LDDC, ou dos provedores de transporte ou do governo. Isto se tornou ainda mais claro com a proposta de Olympia & York de uma segunda conexão de trem nas Docklands, em 1988.

Projetos para solução do problema do sistema de transportes nas Docklands do final da década de 1980. Fonte: DCC, 1990.

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A LDDC buscou incluir quatro principais projetos em seu plano de metas para solucionar o problema dos transportes nas Docklands: o projeto do Docklands Light Rail (DLR), Thamesline Riverbus, London City Airport (LCA) e um programa de maiores aperfeiçoamentos rodoviários na região. Segundo o DCC, O DLR, subsidiário de London Regional Transport (LRT), pareceu ser a melhor ilustração do não-planejamento e de seus sintomas: melhoria e aperfeiçoamentos, interrupção de serviços e ineficiência. Tal projeto se tornou particularmente importante, considerando a preeminência proporcionada dentro da estrutura de transportes da LDDC. Na análise anual do DLR, em 1987-88, fora descrito como “a pedra angular da confiança das corporações para melhorar e aperfeiçoar o transporte público nas Docklands.” Ainda no debate público-privado dos transportes, em dezembro de 1989, reconhecendo que a opinião pública estava fortemente contrária à construção de mais estradas na capital, o governo anunciou que a maioria das propostas foram suspensas (DTp, 1989c). As Docklands, ao contrário, já presenciavam a maior rodovia urbana leste-oeste, comumente referida como “Docklands Highway”, a maior auto-estrada urbana com seus 11 km de extensão, correndo em paralelo com a mais congestionada rodovia – a A13 Trunk Road – do proposto ELRC a leste até a auto-estrada em Wapping, próxima à cidade de Londres, a oeste, gerando controvérsias ambientais, sócio-econômicas e em termos de transporte. O projeto fora construído responsabilizando-se por um total de 450 residências demolidas em Isle of Dogs. A construção de estruturas rodoviárias refletia a ideologia do governo de várias maneiras. O percurso para privatizar espaços e propriedades é visto claramente na promoção de residências, novos modelos de compras e encorajamento do uso privado dos automóveis, favorecendo prioridades financeiras dadas à construção das rodovias e incentivos de taxas às companhias automobilísticas. Através dessa lógica, a idéia poderia se estender, acarretando na privatização de algumas estradas e de sua operação.


O que se pode perceber neste momento era que os fundos públicos eram utilizados para favorecer a construção de rodovias, enquanto a construção e gerenciamento do transporte público ficaram por conta dos investimentos particulares dos incorporadores. Tanto o DLR quanto a Docklands Highway representam os principais elementos da política de transporte na área da LDDC. O capital investido desses respectivos projetos pode ilustrar a preferência do governo pela construção de estradas como o princípio de uma nova infra-estrutura de transportes. Estimativas de custos da construção da Docklands Highway estavam na base dos £188 milhões em 1986, aumentando para £560 milhões. “Isto não incluiu o custo do então chamado ‘Acordo Social’”. A LDDC acabou gastando uma enorme quantia na construção de novas estradas, sendo questionada a eficiência desse tipo de conduta. Enquanto a necessidade de prover acessos dentro e para as Docklands era evidente, a escala das construções rodoviárias atraíram crescentes críticas. Segundo o LCC, a abolição das autoridades de planejamento estratégico e o enfraquecimento geral dos processos de planejamento, resultaram em um vazio de propostas e de planos para o desenvolvimento do transporte nas Docklands durante a década de 80. Mais importante, neste contexto, fora a relação entre planejamento do uso do solo e provisão de transporte que foi completamente ignorada. Muitos empreendimentos de grande escala tomaram a região das Docklands, enquanto o setor de transporte não estava adequado a receber a nova demanda de usuários. As soluções fragmentadas adotadas posteriormente para lidar com este problema resultaram em um sistema de transporte fraco do ponto de vista de integração, devido ao preço das passagens e da ligação com os demais meios de transporte. A falha na estratégia da LDDC fora admitida tarde demais. O Comitê de Contas Públicas publicara, em 1990, que “esperamos que o Departamento (do Meio Ambiente) assegure que as corporações futuras desenvolvam seus planos corporativos, dando mais ênfase em suas soluções estratégicas”.

Londres | 85


Há sérias implicações, segundo o DCC, nas estratégias de provisão de transporte público, que nas Docklands se tornou nada menos do que meios para ligar os maiores empreendimentos comerciais ao estratégico e central terminal de Londres, fazendo muito pouco pelas comunidades da região. Enquanto o inicial DLR abrira uma parte de Isle of Dogs, com a extensão de Beckton gerando benefícios similares às comunidades da Royal Docks, os efeitos em toda parte, em termos de acessibilidade local, foram limitados e os benefícios que surgiram não passaram de incidentes.

– HABITAÇÃO, SIM. MAS PARA QUEM? Durante a década de 1980, a resposta de produção habitacional na região das Docklands ficou sob responsabilidade das corporações, cabendo a elas fomentarem o setor residencial da região. A partir de 1981, um imenso programa de construção de residências dentro das áreas da LDDC foi criado, do qual a população local não possuía recursos para usufruir das novas moradias que vieram a ser construídas. As razões de alavancagem não tomaram conta dos custos sociais do inflacionário preço da terra. Como conseqüência desse processo, por exemplo, a Associação de moradores tornou-se inapta a competir com os desenvolvedores privados por terras para construção de moradias, pequenas empresas que forneciam empregos locais foram encorajadas a cobrar sobre o valor de suas terras e uma e outra se realocar ou fechar todas juntas, e os preços das casas foram aumentados para além do que os moradores pudessem pagar. O resultado foi que uma grave necessidade local por moradias não fora atendida, populações locais foram deixando suas casas de pouco valor, e o número de sem-tetos aumentou drasticamente, do mesmo modo que o preço das moradias na região aumentou absurdamente,


praticamente triplicou entre 1984 e 1988, enquanto a política de casas disponibilizadas posteriormente acabou gerando muitos abusos por parte da especulação imobiliária. Londres | 87

Relação do aumento do número de famílias desabrigadas em dois contextos durante a década de 1980. Fonte: DDC, 1990.


Com o panorama da questão habitacional em crise no final da década, a LDDC passou a desenvolver novas estratégias para lidar com a situação, parecendo acreditar que “o maior programa de reforma seria efetuado pelo setor privado”. Dentro da estratégia da LDDC, as moradias alugadas eram parcialmente pagas pelo híbrido subsídio da venda de propriedades partilhadas e de residências privadas. Mas com o preço variável da moradia, o que se ganhou com as vendas se tornara muito pouco. A queda a longo prazo dos preços das moradias pôde ter enfraquecido toda a estratégia de habitação da LDDC, que dependia do subsídio de ambas as partes. Inicialmente, os planos da LDDC para moradia nas Docklands dependeram do boom imobiliário. Com o retorno do ganho planejado, ou das terras reformadas ou vendidas abaixo do preço de mercado, os incorporadores prometeram produzir habitação social. E a LDDC concordara em emitir fundos proveniente da venda de suas terras hiper-valorizadas. Mas assim que o boom acabou, o interesse dos incorporadores na habitação social começara a decrescer. Como ilustra o episódio de WInsor Park, que, com o resfriamento das condições de vendas, o investidor rompera com o acordo da LDDC, o “Newham Agreement”, no qual os incorporadores ganhavam permissão da LDDC para construírem como bem entendessem na área, contanto que contribuíssem para a produção de moradias. O problema com o programa de habitação social da LDDC, segundo o DDC, com todas as suas políticas, foi de estar relacionado com o mercado imobiliário flutuante para seu sucesso. A própria e evidente contradição desse meio fora que a solução ligou o que em efeito consiste normalmente parte do problema.


7.5 POLÍTICAS SOCIAIS VISANDO SETOR PRIVADO OU MUDANÇA DRÁSTICA DE CARÁTER DA LDDC? Depois de estabelecido o projeto de regeneração das Docklands, uma série de críticas se Londres | 89 espalhou afirmando que a LDDC havia concentrado na recuperação de terras voltada para projetos comerciais, que atendera a pouquíssimas necessidades locais. As casas que seriam construídas, na verdade, não seriam destinadas à população local, do mesmo modo que os empregos gerados não estariam acessíveis ao nível de qualificação dos trabalhadores locais. A preocupação da LDDC se voltara à comunidade tardiamente, quando os vastos empreendimentos comerciais já estavam encaminhados e atingiam um estágio significativo, mas que ainda era possível observar algumas necessidades nas Docklands que ainda permaneciam inadequadas, como o desemprego, que era tão elevado quanto em outras áreas intra-urbanas, as condições de moradia, que estavam se deteriorando rapidamente, e a questão do transporte que permanecia fraco. Porém, suas prioridades pareciam ser evidentes, conforme descrito no Corporate Plan de 1989, que alegava que o “Acordo” com Tower Hamlets era central para o agendamento da estratégia do programa de trânsito, e o “Compacto” com Newham era a chave para o sucesso e rapidez do projeto das Royal Docklands. O foco não era tanto em um programa para solucionar necessidades locais, mas assegurar o sucesso em larga escala dos projetos dos empreendimentos. Além disso, era evidente que tais empreendimentos requeressem infra-estrutura social, treinamentos para qualificar a mão de obra local para ser contratada, instalações de saúde, escolas, particularmente para a população que estaria de mudança para a área. Portanto, a chave para a estratégia da LDDC era assegurar o sucesso de seus empreendimentos – quer fossem os empreendimentos maiores nas Royal Docks, a construção da Docklands Highway, ou o programa de construção de residências privadas.


Ainda que a LDDC pudesse ter tido boas intenções, com relação à demanda para atender o setor privado, a nova estratégia social tinha por ampla finalidade cumprir as necessidades deste setor, como demonstra o fato de residenciais luxuosos e escritórios continuaram a obtiver privilégios da permissão de planejamento mesmo a partir de 1988. E os próprios interesses privados, como prover instalações sociais, pois assim poderiam refinar o sucesso de seus empreendimentos, eram as forças motivacionais por detrás do envolvimento da sociedade (DCC, 1990). A falha nas estratégias em todas as saídas sociais colocou a LDDC em uma posição em que não era capaz de coordenar provisões, sem indicações de o que fazer com o capital e sempre evitando mudar por qualquer pressão do Comitê de Emprego da Câmara dos Comuns (DCC, 1990). Todas as novas iniciativas ilustram que a LDDC reconhecera que o amplo número de resultados associados à regeneração estavam para além da questão de simplesmente revitalizar a região. A necessidade por provisões sociais surgiu tardiamente e causou excessivos problemas, a exemplo do que ocorreu em Isle of Dogs. Havia uma demanda necessária de médicos e dentistas, parte devido a uma falta de investimento de modo geral, parte pelo influxo da nova população que surgira. Porque quase toda a terra acabou sendo ocupada e as terras restantes estavam altamente caras, tornando inviável aos prestadores de tal serviço especializado adquirir um pedaço de terra. Acabou-se por concluir que o planejamento de infra-estruturas sociais era vital para o processo de desenvolvimento, bem como a infra-estrutura dos transportes (DCC, 1990).


8. PROJETOS PARADIGMÁTICOS Londres | 91 Tower 42 Este edifício, construído para o National Westminster Bank, localiza-se na Rua Old Broad, na City. Foi inaugurado no ano de 1980 e com seus 183 metros de altura foi, até os anos 90, o mais alto de Londres, sendo o primeiro arranha-céu da cidade. Por

não

possuir

escritórios,

se

muito

tornou

espaço

obsoleto,

para porem

possui dois importantes restaurantes no 24o e 42o andar.


One Canada Square Construído entre 1988 e 1991m este edifício possui 246 metros de altura, e se tornou o mais alto de Londres. Foi desenvolvido por Olympia & York, e pode ser visto a cerca de 50 km de distância, ele representa os processos políticos e econômicos dos anos 80/90, principalmente o Canary Wharf, que dá o outro nome pelo qual o edifício é conhecido: Canary Wharf

Tower.

Este

projeto

tem

certas

curiosidades como, por exemplo, não ter o 13o andar (nem mesmo o botão deste número no elevador, por, possivelmente, superstição), sua cobertura piramidal e ser considerado o edifício que mais desperdiça energia elétrica em Londres.


Tate Modern

Londres | 93

Este projeto abriga o museu de arte moderna internacional em Londres, é um dos mais importantes e faz parte de um grupo, o Tate, que é composto por Tate Britain, Tate St. Ives e Tate Online. A obra é uma renovação da antiga central elétrica de Bankside, no distrito de Southwark, margeando o rio Tamisa, que foi desativada em 1981 para melhorias do ar, e foi projetado pelo escritório Herzog & de Meuron. A partir de sua inauguração, em 2000, passa a ser um dos


principais pontos turísticos de Londres e possui um acervo com obras importantes de Picasso, Matisse, Chagall, entre outros mestres da arte. O vazio do antigo prédio, composto por estrutura metálica e tijolo aparente, foi dividido em duas partes, a face norte, voltada para o rio, teve uma nova estrutura independente montada, esta ultrapassa a altura das antigas paredes de tijolo, extravasando a intervenção dos arquitetos. O primeiro piso é composto pelo acesso, loja e área educacional; o segundo estão dispostas as obras de artistas contemporâneos e ainda um auditório, sala de projeção e administração; o terceiro e o quinto andar abrigam o acervo do museu; e no quarto piso é o local onde acontecem as exposições temporárias. A caixa de vidro que extravasa o edifício original possui dois andares e possibilita vistas da margem oposta da cidade. O arquiteto Herzog comenta em entrevista para a revista PROJETODESIGN,que desde as primeiras idéias já estavam presentes a idéia de máximo aproveitamento da Power Station. Segundo ele “é preciso entrar no prédio,... explorar sua paisagem interna, para se perceber a proposta do projeto: de um lado, a penumbra introspectiva, quase clausura, de algumas galerias,... de outro, o êxtase luminoso dos ambientes no interior da caixa de vidro,... Luz e espaço envolvidos em uma deliciosa trama dramática.”


Millennium Bridge “Uma fita delgada de aço de dia, é iluminada para formar uma lamina brilhante de luz à noite.” (Norman Foster, web site) Londres | 95

A Ponte do Milênio, ou London Millennium FootBridge, foi projetada em uma parceria do arquiteto Norman Foster, o escritório de engenharia Arup e o escultor Anthony Caro, vencedores do concurso. Trata-se de uma passarela em aço suspensa para pedestres que atravessa o Tamisa entre as pontes Southwark e Blackfriars. Foi inaugurada em 2000, após cerca de dois anos de construção, e por ter oscilações perceptíveis foi apelidada de Wobbly Bridge (ponte instável). Assim como outras obras do Millennium, a ponte teve que ser reparada poucos dias após sua inauguração, e em 2002 foi reinaugurada. Esta ponte é um marco na cidade, foi a primeira ponte a ser construída sob o Tamisa desde 1894, quando foi feita a Tower Bridge, ela liga o Globe Theater e o Tato Modern, além de ser a única ponte destinada aos pedestres. Segundo o site da Arup, a ponte é uma “estrutura complexa e inovadora, projetada para alcançar a simplicidade de forma”, e permite variadas vistas de Londres, incluindo para a Catedral


de Saint Paul. Tal leveza é permitida pelo deck de aço com 4m de largura, sustentado por duas colunas “Y” e por cabos. Millennium Dome

O Domo do Milênio localiza-se na península de Greenwich, foi projetado por Richard Rogers e Buro Happold para ser a sede da Millennium Experience, evento que celebrou o novo milênio no ano 2000. O partido de projeto era de construir uma estrutura elegante, leve, econômica e única, que cobrisse todo o programa interno, é feita de um tecido plástico branco de fibra de vidro que tem como suporte doze torres amarelas de 100 metros de altura, formando uma


área de 356 metros de diâmetro. Diferentes atrações ocorrem dentro do espaço, cerca de vinte tipos, cada qual seguindo uma necessidade ou interesse, desde religioso até performances artísticas. Ele também possuía outras atrações tanto interna quanto externamente, como as quatorze zonas de três grandes temas: “Quem somos?”, “O que fazemos?” e “Onde moramos?”. As zonas receberam projetos de vários arquitetos, como, por exemplo, Zaha Hadid. O extenso número de atrações acabou gerando falta de conteúdo em alguns temas e outra crítica que foi revelada é o fato de serem muito politicamente corretas, evitando certos questionamentos. Apesar das críticas, o evento recebeu cerca de 6 milhões de visitantes, porém ainda assim causou prejuízo pois atraiu apenas pouco mais da metade do público esperado em projeto. Após o evento, o domo ficou fechado e foi cogitada sua demolição, mas no ano de 2005 foi comprado por uma empresa e hoje é a sede da O2 Arena, que reformou o espaço interna de acordo com seu novo programa de necessidades, deixando apenas a cobertura original, tornando-se, assim, um dos principais distritos de entretenimento da Inglaterra. Vale ressaltar que o projeto não se restringiu ao domo foi projetada uma revitalização da península que estava deteriorada e contaminada com resíduos tóxicos.

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London Eye

Chamada de “olha de Londres”, esta roda gigante de 165m de altura, é a maior da Europa e uma das principais atrações turísticas pagas do Reino Unido, uma vez que os museus são, em maioria gratuitos. Faz parte do conjunto de obras do Millennium Project, e é com certeza, uma das que foi mais bem sucedida. Está situada na parte oeste do Jubilee Gardens, South Bank, entre as pontes de Westminster e Hungerford. Composta por 32 capsulas, que representam os 32 distritos de Londres, o projeto foi feito pelo calas de arquitetos David Marks e Julia Barfiel. Cada capsula é presa na estrutura externa da roda o que permite ao passageiro uma visão panorâmica da cidade, principalmente no topo dos 135 metros, além de contar com sistema de climatização interna. Comporta 25 pessoas por unidade, totalizando 800 pessoas, e anda a uma velocidade de 26cm/s


(cada volta leva cerca de 30 minutos), para que não precise parar para a entrada e saída dos visitantes, a não ser que este tenha necessidades especiais. A atração deveria ser fechada após as comemorações, porém com a alta lucratividade, estima-se cerca de 3,5 milhões de visitantes por ano, os proprietários fizeram um acordo de aluguel da área por cerca de 500 mil libras por ano, por 25 anos.

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30 St Mary Axe.

Este arranha-céu chama atenção no skyline londrino,

seja

pelo

seu

formato,

seja

pelo

destaque ambiental que apresenta, além de uma arquitetura tecnológica. “The Gherkin”, ou o pepino, como foi apelidado devido ao seu formato, até mesmo fálico, foi projetado por Norman Foster, Ken Shuttlworth e pelo Arup, para a empresa Swiss Re, e está localizado no eixo de Saint Mary (de onde vem o nome 30 St Mary Axe), na City, no principal distrito financeiro de Londres. A obra tem 180 metros de altura e 40 pavimentos, porém segundo o arquiteto Foster, seu formato cilíndrico com as estrangulações nos extremos, o torna mais delgado em relação a um retangular com as mesmas dimensões. Um dos pontos que mais chama atenção no projeto é o sistema de fachada dupla ventilada, com fachadacortina externa e interna, com poços de luz, o que colabora na ventila e captação de luz natural. Esse sistema proporciona uma economia de 50% em energia elétrica, se comparado aos de


estrutura convencional. A fachada externa é composta por cerda de 5500 painéis de vidro plano e micro-perfurado, o que também ajuda na ventilação. As janelas são controladas por computador que regulam a temperatura abrindo ou fechando os painéis, e também de acordo com outros fatores como por exemplo o índice de iluminação, mas também podem ser manualmente controladas. A estrutura é composta de aço de alta resistência, a malha é triangular e diagonal. Em planta o edifício possui entre 57 metros, na maior dimensão, e 25 metros, no coroamento, de diâmetro. O térreo possui áreas abertas ao público, integrando o projeto privado com o exterior.

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City Hall (London)

Outro notório edifício de Norman Foster, este tem caráter público, uma vez que é utilizado pela Greater London Authority (GLA), ele faz parte do projeto More London, de revitalização da cidade. Sua inauguração foi feita em 2002 e o fato curioso deste edifício é a alta tecnologia utilizada, inclusive, na etapa de projeto. Ele foi projetado com auxilio de software de computador para definir uma melhor eficiência energética, reduzindo a superfície. Sua forma vem de estudos da luz solar direta, o que resultou em um formato de esfera alterado. O edifício é dotado de dispositivos de sombreamento que faz com que ele use apenas cerca de um quarto de condicionamento de ar em relação a um projeto comum. Uma rampa com 500 metros em formato helicoidal serve o edifício. A passarela que leva ao espaço de exposições, o London's Living Room, permite visibilidade para o interior, sendo uma metáfora para a transparência do processo democrático.


Shard London Bridge Com 310 metros de altura (72 pavimentos), este edifício projetado por Renzo Piano, tem como importância

substituir

as

Torres

Southwark,

também é conhecido como “Caco de Vidro”. Sua conclusão está prevista para 2012, se tornando o mais alto de Londres. Renzo Piano comparou seu design a um “caco de vidro”, ele acredita que a forma delgada e cônica da torre seja uma adição positiva ao skyline londrino e que sua presença será muito mais delicada do que alegam os opositores ao projeto. A construção vêm junto de melhorias à estação London Bridge e seu entorno, incluindo uma

praça

pública,

habitações

acessíveis,

revitalização e um novo museu. Além de outro edifício menor, o London Bridge Place, que substituirá a London Bridge House, conformando assim London Bridge Quarter.

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Bishopsgate Tower

O projeto de Kohn Pedersen Fox, com 288 metros de altura é outro projeto emblemático que estará implantado na cidade em poucos anos. Este altura se deve a não terem sido aprovados pela Civil Aviation Authority os 307 metros iniciais. Com características ecologicamente sustentável, situa-se na City londrina, e com seus 2000m2 de células fotovoltaicas, podem gerar até 200kw de energia.


9. PROJETOS PARA OS JOGOS OLÍMPICOS Londres | 105 Os Jogos Olímpicos, como já foi comentado no momento em que se falava de cidadeglobal, é um evento que, entre outros objetivos, visa à revitalização de certas áreas da cidade anfitriã assim como o investimento de capital privado na cidade e no país. Seguindo a linha das Olimpíadas de Pequim, a londrina conta com projetos de vários “star-architects”, como por exemplo Zaha Hadid e Peter Cook, trazendo em suas obras a tecnologia mais avançada, com obras de grande porte e de interesse privado, sem, praticamente, nenhuma preocupação social. O que se espera é que os bilhões de dólares investidos tenham uso continuado após o evento e que não fique em desuso como aconteceu com vários projetos, como alguns em Atenas, na Grécia, ou até mesmo o caso nacional de algumas obras do Milênio.


Olympic Park Master plan Allies & Morrison + HOK Sport


Olympic Stadium Architects: Populous – Peter Cook Londres | 107

Olympic Aquatics Center Zaha Hadid Architects


Olympic Velodrome Hopkins Architects

Olympic Basketball Arena Building Wilkinson Eyre & KSS Design Group


Olympic Handball Arena Make Architects with PTW and Ove Arup and Partner Londres | 109

Chobham Academy Allford Hall Monaghan Morris


Olympic Village Vários arquitetos


Lee Valley White Water Centre Faulkner Browns, architects Londres | 111

London 2012 Olympic Games Media Centre Allies & Morrison


The Cloud Equipe com arquitetos, designers, artistas, engenheiros, e a Google.


10. CONSIDERAÇÕES FINAIS PARA ALÉM DAS DOCKLANDS E DOS PROJETOS DE REGENERAÇÃO URBANA

O projeto das London Docklands, durante a década de 80, levantou uma série de questões e discussões na disciplina de urbanismo. Independente de ser um modelo coerente de regeneração urbana, gerou uma base bastante rica, em certo ponto, de críticas sobre determinadas formas de encarar, ou não, o papel do planejamento estratégico urbano, no que tange os projetos de regeneração urbana. Este projeto está diretamente vinculado apolítica neoliberal de privatização das estatais e ao conceito de “cidade-global”, que prevê a entrada de capital financeiro e a necessidade de uma arquitetura e urbanismo para receber esses investimentos corporativos. Muitas das questões levantadas pelo projeto vão para além das obras de construção de milhares de metros quadrados disponibilizados para escritórios e corporações de mercado a nível internacional. Uma intervenção urbana na escala das Docklands possui complexidade que vai muito além da simples regeneração física, relacionando arquitetura, planejamento, economia, políticas públicas e setor privado em um caldeirão de efervescente discussão. O projeto emerge questões de políticas públicas, como o caso da estratégia de transporte que um empreendimento dessa escala necessita, ficando acima da infra-estrutura local oferecida, ignorando-a. Aliás, não apenas na questão de transportes que as políticas de intervenção acabam ignorando o contexto já existente. Todo o projeto da LDDC se baseou na construção de uma nova base econômica para aquela região, ignorando qualquer forma de estratégia de planejamento local. (HALL, 2007) Mesmo o boom de empregos, uma das crenças e objetivo que realmente

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aconteceu, e produção de novas moradias, não focaram na população e na economia manufatureira industrial pré-existente. A LDDC desenvolvera sua estratégia caracterizada pelas suas abordagens específicas durante a década de 80, período em que Margaret Thatcher esteve no poder e instaurou a política neo-liberal. A partir de 1989, tomando consciência, ainda que tardia, dos principais problemas conseqüentes da ausência de um planejamento estratégico, passou a adotar uma política mais voltada para programas sociais, mas que na verdade continuou favorecendo predominantemente o setor privado residencial e de escritórios. Há de se pensar no que dera errado nas Docklands, seja enquanto projeto urbanístico, seja enquanto palco de políticas públicas do governo conservador de Margaret Thatcher. Segundo o DCC, as pessoas e as autoridades locais foram advertidas, a partir do momento em que a LDDC fora formada em 1981, que, se o planejamento fosse ignorado e as forças do mercado permitissem tomar o controle, aqueles necessitados de moradias disponíveis, os que estavam em desvantagem, ou aqueles que estivessem procurando por emprego ou qualificação profissional sairiam perdendo. A partir de 1990, a LDDC passou também a ser alvo de críticas daqueles que beneficiaram durante uma década inteira. Os incorporadores passaram a exigir um planejamento estratégico e em particular dando prioridade para projetos de infra-estrutura dos meios de transporte, uma vez que, tendo em vista tais pendências de infra-estrutura, colocavam em xeque a viabilidade e confiança de seus empreendimentos, o que acabou acontecendo em certo momento no qual apenas 20% dos trabalhadores moravam na área das Docklands devido ao alto valor especulativo. As grandes desaprovações acerca do sistema de transporte das Docklands forçaram o governo e a LDDC a entrar em um período de atividade de relações públicas de modo a recuperar a confiança perdida da comunidade de negócios.


Planejadores e observadores arquitetos atacaram a falha nas Docklands em todas as disciplinas que estavam presentes no contexto gerado pelo empreendimento, tanto do ponto de vista da ausência de políticas públicas, do mássico investimento privado, bem como suas incoerentes e caóticas formas e estratégias urbanas, particularmente de Isle of Dogs. Muitos autores acabam obviamente concluindo que os que realmente saíram perdendo com a estratégia de vendas da LDDC foram a comunidade local e os distritos das Docklands que sofreram estresse com questões econômicas e de moradia, sendo praticamente expulsos do local devido às novas condições financeiras necessárias para morar no local. A mais importante lição que as Docklands pode nos passar, segundo o DCC, é que a própria região poderia ser responsável pelo processo de regeneração e ter representação majoritária das autoridades e comunidade locais. As incorporadoras poderiam requerer às autoridades locais e seguir os objetivos destas para a área, não devendo tomar o poder a frente do setor público. Outra ação seria a importância das incorporadoras de abrirem seu plano de intervenção para o público, de modo a desenvolver o projeto em conjunto com a sociedade e o setor público. Outro caminho seria criar autoridades de administração regional, indo totalmente em direção contrária ao do governo de Margaret Thatcher, com o poder de se encarregarem de projetos de regeneração de larga escala urbana. Seria uma vantagem de colocar projetos urbanos de revitalização juntamente com uma estratégia maior, relacionando contexto, economia e planejamento, uma vez que, como visto nas Docklands, uma intervenção isolada não é suficiente para gerar impacto positivo no entorno de uma área.

Londres | 115


“O planejamento muda de figura à medida que lhe cumpre enfrentar novos desafios, ou os velhos, quando voltam” (HALL, 2007). O projeto de revitalização urbano, por fim, não deve ser um simples debate entre agências ou incorporações, mas, primeiramente, deve estar relacionado a objetivos comuns de políticas econômicas e sociais dentro do papel que cada cidade deve possuir. Pois “o planejamento sobreviverá porque possui, em todo país avançado, uma vasta – e, com o correr do tempo, crescente – clientela política. […] À medida que o povo e as sociedades em geral enriquecem, exigem proporcionalmente sempre mais e mais do ambiente em que vivem. E […] a única saída que tem para conseguir o que exigem é através de uma ação popular. Prova disso é o fato de que as pessoas estão querendo, até com ansiedade, gastar mais e mais de seu precioso tempo na defesa de seus próprios ambientes, filiando-se a todo tipo de organizações voluntárias e dando atenção a inquéritos públicos” (HALL, 2007).

Deste modo, as estratégias de intervenção devem ser julgadas em relação a políticas maiores das quais constituem parte integrante, procurando solucionar os problemas urbanos gerados ao longo dos anos, visando não apenas ganhos em determinado setor em detrimento a outros, mas atingir objetivos comuns de uma estratégia maior, relacionando economia, planejamento e contextos sócio-econômicos.


“Mas atenção! O tempo para tudo isso ainda não chegou. Durante pelo menos outros cem anos, teremos que fingir, para nós mesmos e para todos, que o belo é feio e o feio, belo; pois o feio é útil, e o belo não. Avareza, usura e precaução hão de continuar divindades nossas ainda por um pouco. Pois só elas podem fazer-nos sair do túnel da necessidade econômica para a luz do dia.” JOHN MAYNARD KEYNES, “Economic Possibilities for Our Grandchildren”, Essays in Persuasion (1930)

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Londres | 119


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