1 UNIVERSIDADE DE Sテグ PAULO - USP ESCOLA DE ENGENHARIA DE Sテグ CARLOS - EESC DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO - SAP
MONOGRAFIA: UM ARQUITETO E UMA CIDADE
2
L O S A N G E L E S , C A L I F Ó R N I A
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Danilo Eric dos Santos Gabriel Nery Prata Rafael Goffinet de Almeida Rafael de Oliveira Sampaio Rafael Neves Rodrigues Alves VĂtor Locilento Sanches
4 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 6
INFLUÊNCIAS E HISTÓRIA .................................................................... 17 INFLUÊNCIAS .......................................................................................... 18 DESENHOS .............................................................................................. 24 NEUTRA E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA MUNDIAL ...................... 31 DA ESLOVÁQUIA A SUÍÇA – DE TRENČIN À ZURIQUE ..................... 38 SUÍÇA E ALEMANHA .............................................................................. 41 BRADENBURGO, ALEMANHA ............................................................... 51 ERIC MENDElSOHN ................................................................................ 56
CONCEITOS ............................................................................................. 62 INFLUÊNCIAS PRÁTICAS E TEÓRICAS ............................................... 63 RELAÇÕES HUMANAS ENTRE ARQUITETOS E CLIENTES .............. 66 SOBRE DESENHOS ................................................................................ 74 DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZADO.................................... 77 DO ORGÂNICO ........................................................................................ 85 RICHARD NEUTRA E OS ESTADOS UNIDOS ...................................... 88 INFLUÊNCIAS E REFERÊNCIAS ............................................................ 89
CONTEXTO HISTÓRICO ....................................................................... 105 LOS ANGELES....................................................................................... 106
PRINCIPAIS OBRAS 1925 - 1935 ......................................................... 133 LOVEL HEALTH HOUSE – 1927 ........................................................... 134 VAN DER LEEUW RESEARCH HOUSE - 1932.................................... 139 Conona School – 1935 .......................................................................... 157
5 CONTINUIDADE ..................................................................................... 168 DÉCADA DE 40 – NOVA YORK E CHICAGO ...................................... 169 DÉCADA DE 40 – LOS ANGELES ........................................................ 175 VIAGENS ................................................................................................ 178
ARQUITETURA SOCIAL ....................................................................... 182 O MUNDO RURAL PEDE ARQUITETOS.............................................. 183 ESCOLAS RURAIS E CENTROS SOCIAIS EM REGIÕES DE CLIMA AMENO ................................................................................................... 189 A ESTRUTURA DA ESCOLA RURAL .................................................. 196 ESCOLAS EM PEQUENAS CIDADES .................................................. 202 O PRINCÍPIO DA FELXIBILIDADE........................................................ 204 A ÁREA BÁSICA DA SALA DE AULA ................................................. 206 DEPÓSITO .............................................................................................. 210 ÁREAS SEPARADAS ............................................................................ 212 GABINETE DE CIÊNCIAS NATURAIS .................................................. 214 OFICINA DE ARTES INDUSTRIAIS ...................................................... 216 SEÇÃO DE ECONOMIA DOMÉSTICA .................................................. 219 REFEITÓRIO .......................................................................................... 221 ESCRITÓRIO DAMINISTRATIVO E SALA DE REPOUSO PARA O DOCENTE ............................................................................................... 223 INSTALAÇÕES SANITÁRIAS ............................................................... 224
RICHARD NEUTRA E O BRASIL .......................................................... 226 APROXIMAÇÕES ................................................................................... 227 ÍNDICE DE OBRAS ................................................................................ 238
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INTRODUÇÃO
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Richard Neutra em seus pensamentos e trabalhos tem sempre demonstrado grande preferência por projetos de alta significação social, como sejam escolas, serviços de saúde problemas de habitação, planejamento de cidades e seus arredores. Mesmo quando o cliente é um particular, Neutra considera a futura obra por seu duplo aspecto: primeiro, atendendo as necessidades do cliente, para o que estuda ate ao Maximo seus problemas e desejos; segundo, procurando ser útil a coletividade do lugar no qual será construído o novo prédio, de forma que este possa integrar-se harmoniosamente no conjunto. Para isso, realiza estudos e pesquisas especiais (integração entre o edifício e o ambiente).
8 Clara e conscientemente, Neutra teve sua atenção presa a muitos problemas originados pelo advento de novos métodos e processos de fabricação que tornariam a maior parte de seus desenhos aproveitáveis como padrões para a produção em serie, ou para a larga aplicação de utensílios e materiais modernos. Mas, por maior que seja a beleza e o significado de seus trabalhos e por mais que mereçam ser considerados do ponto de vista do individuo, Neutra durante três décadas apresenta ou em suas obras um amplo aspecto social, fértil e altamente instrutiva para uma geração destinada a agir no cenário mundial. Neutra parte da noção de que a arquitetura nasceu das necessidades de se abrigar o homem, os historiadores traçam uma derivada da primeira caverna habitada por seres humanos. Mas tal abrigo, hoje muito mais do que naqueles períodos, não é somente uma moradia; é também escola, igreja, fabrica e teatro - a arquitetura desdobrou-se no urbanismo e em sua mais ampla acepção e a serviço da coletividade em todos os setores da atividade humana.
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Sua concepção arquitetônica se embasa na funcionalidade, que se destina a necessidades humanas, libertada de formalismos excessivos. São, dessa forma, necessariamente equilibradas e harmoniosas e sua compreensão humana se revela cada vez mais profunda. Segundo Russel Hitchcock:
“A organização técnica de Neutra, a sua habilidade com relação à possibilidade e oportunidade nos planejamentos coletivos, é ainda mais significativa do que seu trabalho de arquiteto. Ele tem atuado também como crítico, não somente por nos trazer informações a respeito de métodos de construção. Seus livros, com suas informações de ordem técnica e
10 seus projetos minuciosos, são de tanta importância quanto os prédios que tem idealizado e construído”.1 Sua atividade literária tem alcançado todos os continentes sendo traduzida em todas as línguas cultas do mundo, estimulando a opinião publica de muitos países, assim como a sua constante colaboração em numerosas revistas, tem esclarecido, guiando e interessando a milhares de pessoas, particularmente das novas gerações, muitas das quais nunca o viram pessoalmente, mas são por ele influenciadas através da publicação e reprodução de seus estudos e projetos. Outro importante setor de influencia de Neutra sobre o desenvolvimento da arquitetura e do urbanismo são os numerosos projetos para iniciativas particulares e os que têm realizado para o governo norte-americano e outros. Todos estes projetos, uma vez entregues para estudos, têm merecido o melhor de seus esforços.
1
HITCHCOCK, Russel in NEUTRA, Richard. Arquitetura Social em países de clima quente, São Paulo: Gerth Todtmann, 1948, pp. 14.
11 Além disso, Neutra tem participado de comissões para concursos nacionais. Apesar de todos os grandes problemas teóricos que é constantemente obrigado a resolver, Neutra gosta de fixar sua atenção ate o menor detalhe das estruturas que lhe sai confiadas, pois, para ele, nenhum deles é tão pequeno que não mereça o melhor de seus interesses. Ele não é somente pesquisador de infinita paciência e rigorosos método que experimenta a utilização de algum material como também é sociólogo e psicólogo dos indivíduos para os quais é chamado para construir. Em todos seus trabalhos demonstra dedicação realmente escrupulosa, desde a elaboração do programa e dos preliminares até o mobiliário e o estudo da conservação e do funcionamento do edifício. Neutra desenvolveu algumas inovações valiosas vinculadas a proposições de âmbito social, uma delas foi a introdução a projetos e desenhos modernos para casas mínimas, o que seria, alias o dever social do projetista de tal momento. Neutra
12 desenvolveu projetos de casas de 3000 a 3500 dólares executadas individualmente e com todo o mobiliário embutido, inovações no planejamento de projetos de habitação incluindo instalações especiais de uso das comunidades e um método de urbanização muito adiantando para o período que terminou com a segunda guerra mundial. Projetos de escolas; combinação de salas de aula com espaços ao ar livre, o que representa o primeiro estudo racional de salas de aula em escola públicas. Projeto de um complexo sistema de escolas urbanas e rurais em Porto Rico. Estudo racional para a solução de problemas dos serviços de a saúde publica, analise minuciosa e desenho de centros de saúde na cidade e no âmbito rural, especialmente em contrate com hospitais antigos, e estudos para clínicas de doenças pulmonares, venéreas, de maternidades com seus serviços de proteção a gestantes e a parturiente e clínicas para crianças.
13 Estudo para o uso de fontes de luz indireta, do lado externo de paredes transparentes, para a iluminação de interiores, e outras idéias pratica do mesmo gênero. Também foi ele o primeiro a usar em casas pequenas, aquecimento e paredes e assoalhos através de radiadores embutidos, como fez em 1935, na casa Berad e pela qual mereceu a medalha de ouro no concurso “Better Hommes in America”,
quando
o
júri
que
sempre
fora
conservador,
impressionado com três trabalhos de Neutra, para a surpresa de todos rompeu com a tradição de voltar pelas sempre premiadas repetições convencionais. Neutra apresentou também construções que serviram de padrão para a construção em série. Desenvolveu um dos fundamentos de elementos pré-fabricados, apresentou tipos padronizados de construção em madeira e mostrou a aplicação destes em projetos contemporâneos, fez o uso sistemático e bem sucedido do “Plywood” e foi um dos primeiros a usá-lo como revestimento exterior. Neutra usou também chassis de aço padronizados em moradias como, por exemplo, a “Health House”,
14 em 1927, e ainda o primeiro a apresentar o esqueleto de aço previamente soldado, como se viu na “Backstrand House”, em 1938. Neutra possuía ainda pesquisas vinculadas a mobiliário, foi o autor de um mobiliário absolutamente novos em suas estruturas funcionais, inclusive poltronas de mola, assim como mesas de usos múltiplos para moradias pouco espaçosas , e um grande numero de outros desenhos de moveis econômicos para uma produção em escala industrial e uso popular.
Em prefácio para o livro “Arquitetura Social”, Gregory Warchavichk faz uma abordagem bastante apaixonada sobre o arquiteto. De acordo com Warchavichik, os métodos de Neutra, as suas pesquisas e experiências da vida prática são refletidos em suas obras e em seus projetos de urbanização, muitas vezes bem avançados para sua época, mas realizados com absoluto senso das realidades humanas. A solução realmente aplicável, aquela
15 para qual tendem tanto a técnica moderna como a consciência social, é sempre a que seu trabalho indica e talvez esteja melhor representada em seus trabalhos relativos a educação e a saúde publica. De fato, em sua escola experimental para Los Angeles, Neutra prestou benefícios às crianças de duas cidades e à junta local de educação. Esses benefícios ainda atingiram a outros, pois pela primeira vez se combateu toda a oposição convencional da época, Neutra acabou criando uma combinação flexível da sala de aula ligada com o ar livre, própria para um método de ensino em que o aluno aprende variando suas ocupações. Condenou a antiga sala de aula em que o aluno era obrigado a permanecer sentado apenas ouvindo as preleções do professor e com isso mereceu elogios entusiasmados de diretores, professores e país. Do ponto de vista econômico, técnico, estético e humano, essa estrutura oferece uma solução ideal, um melhoramento sobremodo
feliz
e
que
abre
caminho
para
maiores
16 aperfeiçoamentos. A fama dessa escola já se espalhou pelo mundo afora e ela foi considerara um exemplo único. Os projetos de Neutra para o vasto programa de serviços de educação e de saúde da ilha de Porto Rico, incluindo neste volume que trata da arquitetura social, estão moldados no mesmo espírito dos projetos para os serviços de utilidade coletiva, idealizados para a Califórnia, e testemunham seu alto senso de consciência social. Neutra não se limita ao pleno do mínimo de todos os recursos técnicos e nem aos seus tão proveitosos estudos a respeito das necessidades sociais, acima de tudo isso através da sensibilidade artística incomum, paira uma compreensão instintiva e uma extra-ordinária sabedoria sobre os homens e as coisas.
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INFLUÊNCIAS E HISTÓRIA
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INFLUÊNCIAS
Richard Neutra era filho de Elizabeth Glaser, irmão de Siegfried Neutra, engenheiro mecânico, Guilermo Neutra, médico, e Josefina, sendo o mais novo dos quatro filhos do casal. Os irmãos tiveram um caráter muito marcante com relação as suas influências artísticas. Schopenhauer chegou a ser o favorito de Neutra em sua adolescência e começou a se interessar por Nietzche devido a Siegfried através da obra O Nascimento da Tragédia. Do irmão Guilermo, são provindas as influências médico-
19 fisiológicas, que guiarão Neutra ao longo de toda sua história e produção arquitetônica.
Muito das influências que Neutra obteve vieram da infância: a percepção infantil, o fato de que o espaço da casa possuía peso significativo no desenvolvimento da criança e a importância da criada, que representa uma época diferente. A respeito de dias de faxina em casa, Neutra cita que “as tarefas domésticas são nossas companheiras inseparáveis, porém de nenhum modo prazerosas”2.
Siegfried sofrera uma hemorragia pulmonar quando tinha seus 19 anos, quando voltara de Praga, onde estivera por nove meses. Quando adoecera, Guilermo chamara um renomado médico de Viena, o Dr. Schretter Von Cristelli. Neutra descreve a cena que o impressionara durante sua juventude: o clínico analisara o estado de seu irmão e dera um diagnóstico. Siegfried era sangravam muito, porém o problema não era tão grave como
2
Neutra, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972. Pág. 37.
20 aparentava ser. Segundo Cristelli, com aqueles pulmões, viveria bem até os setenta anos. Cinqüenta anos depois, Siegfried, com seus 69 anos, falecera em uma clínica para tuberculosos, seis meses antes de completar seus 70 anos. Neutra se diz impressionado durante toda sua vida com a precisão do clínico que avaliara o caso de seu irmão e de seu diagnóstico. Um fato realmente extraordinário tal como a sagacidade clássica que o impressionara
naquela etapa
inicial
de
sua
vida.
Cristelli
representara para Neutra um console em casos em que, como arquiteto, apenas poderia apoiar-se em outras coisas que não fossem meras observações.3 Acaba colocando que um arquiteto também pode se converter neste destacado clínico caso identifique em certos rastros as provas que lhe interessem. Pode, e deve realizar sua tarefa sem respaldo de qualquer fundação Rockfeller.
Em 1900, aos oito anos, ainda que sem muita precisão e certeza, Neutra seguramente decidiu se tornar arquiteto, devido a uma viagem realizada em um ônibus metropolitano em Viena,
3
Ibid. Pág. 62.
21 cujas estações foram desenhadas por Otto Wagner. Passou a sentir um grande apreço por Otto Wagner, por suas construções e sua luta contra uma vigorosa oposição e ridículo públicos. Era um missionário, o homem que viera para destruir um passado sem vigência. Em seu caráter de mestre recentemente designado da Academia Imperial de artes, iniciou seu curso com um manifesto sobre a arquitetura moderna e contemporânea4. Para Neutra naquela época, constituía em seu arquiteto ideal.
Neste período, Otto Wagner e Louis Sullivan – intitulados por Neutra como o homem maior e o gênio mais jovem, respectivamente – tinha que lutar contra uma oposição ao mesmo tempo divertida e cruel de uma política ditatorial de Karl Lueger em Viena5. Décadas depois, Neutra analisa tal contexto e afirma que 4
Ibid. Pág. 65. Karl Lueger (1844-1910) foi o presidente da câmara de Viena entre 1897 e 1910 e foi o líder do partido social cristão que tomou o poder dos liberais alemães em Viena e combateu os sociais democratas. Sendo apenas uma pequena facção no parlamento austríaco, o partido social cristão ganhou uma posição minoritária câmara de Viena em 1895 e subseqüentemente ajudou Lueger a adquirir a maioria. Após três recusas, o imperador Franz Josef acabou por finalmente sancionar a sua eleição em 1897. Conhecido pelo seu Anti-semitismo, Lueger foi 5
Evocação de torres e campanários de uma igreja. A alma tem muitas portas. Tournay.
22 nem com um ditador experiente e com todas as ações políticas do mundo poderia ser ponto de partida de uma época criadora ou de trabalhos geniais. Critica o fato de ter um lento processo de absorção de obras de um artista, podendo sobreviver trabalhos mesmo depois da morte de seu autor, ou seja, a aceitação tardia. Refere-se ao episódio como
“uma grande esperança de um futuro melhor sepultada em uma tempestade que se iniciava por obra de uma astuta e fria intriga política, que aos olhos do povo parecia uma atitude de virtuosa solicitude pela nobre herança comum.” 6
Posteriormente, em seus 48 anos, Neutra perceberia como que se destruíam valores que ele mesmo, em colaboração
tido por Adolf Hitler como uma inspiração para a forma mais tarde ainda mais virulenta do Anti-semitismo. Ele também advogava políticas racistas contra todas as minoria de língua não-alemã na Áustria-Hungria. O seu racismo inspirou alguns dos líderes da república austríaca (entre 1918 e 1938), tais como Ignaz Seipel, Engelbert Dollfuss e Kurt von Schuschnigg. 6 Ibid. Pág. 69.
23 com amigos, havia criado em anos de trabalho årduo e, quase literalmente, com o sangue e energia de seu coração.
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DESENHOS
Neutra nascera com olhos cujas capacidades de visão eram bem distintas, o que tomara como base para concluir, quando adulto, que se tratava de uma condição que constituía parte vital de sua estrutura. Havia incorporado um caráter e tendências específicos, mas não somente uma visão específica e importante e dúbia sobre o mundo, mas também percepção de dimensões distintas, atmosferas diferentes e variadas conseqüências de caráter criadora vida e ao mundo em que vivia. Seu olho direito era
25 bastante míope e acabara desenvolvendo hipermetropia no olho esquerdo ao longo dos anos. Considerava tais características como partes de um processo vital, assim como percebera a mudança de coloração dos cabelos e dos olhos ao longo da vida e, principalmente, o fato de seus pais terem a deficiência visual ampliada com o tempo. Seu par de olhos nunca cooperava para A Acrópole eterna, dominando o cemitério dos seres de vida curta, Atenas.
que ele tivesse a mesma visão que os demais, de modo que seu mundo visual envelhecera de maneira distinta. E é esta a substância que determinaria a evolução de um indivíduo, segundo este seu pensamento.
Seus desenhos datados a partir de 1906 já começam a evidenciar essa peculiaridade de seu olho direito. Em 1899, desenhava diariamente com um método até bastante frio cenas da Guerra dos Boers7, porém acabara despertando sentimentos que se voltavam a favor dos valentes boers que lutavam pela liberdade. 7
As guerras boers ou guerras dos boers (ou bôeres) foram dois confrontos armados na África do Sul que opuseram os colonos de origem holandesa e francesa ao exército britânico que pretendia apoderar-se das minas de diamantes recentemente encontradas naquele território. A Primeira Guerra dos Bôeres deu-se em 1880-81 e foi ganha pelos boers, mas a segunda, entre 1899 e 1902, levou à
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Admirava o caráter progressista da indústria e tecnologia britânicas, considerando a marinha inglesa a materialidade disso Praça de touros espanhola, ao fundo o crucifixo. Ruído, crueldade e destreza, também quietude e piedade. Chinchón.
tudo e desenhava com prazer as embarcações de complexas maquinas bélicas e nobre forma. Segundo seu irmão Siegfried, a industrialização era o destino da época e a Inglaterra mantinha os instrumentos de tal destino.
Neutra, em contato com os ensinamentos do irmão acerca de motores e apitos a vapor, desenhos de seções transversais e longitudinais de peças, tudo isso o preparara para o O rio Tejo serpenteia calmamente e se solta abaixo de Toledo, a cidade orgulhosa de suas espadas.
que teria anos depois: os detalhados sistemas de tubulação reproduzidos nos tabuleiros de desenho em Chicago.
Ao desenhar árvores no verão vienense, Neutra as desenhava a partir do olho direito e as massas de folhagem segundo o olho esquerdo e se perguntava qual de suas visões era a autêntica. anexação das repúblicas boeres do Transvaal e do Estado Livre de Orange à colônia britânica do Cabo.
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Em 1907-8 sua produção de desenhos já se encontrava bastante desenvolvida. E aos 18 anos, dedicou-se durante 14 dias a percorrer um bosque de Bohemia em companhia de Edmund Kalischer, seu condiscípulo, levando consigo em uma mochila um caderno de desenho, pincéis e uma caixa de aquarela, a fim de produzir desenhos e enriquecer seu traço e sua forma de desenho.
Em 1911 viajara até Trieste, com Ernest Freud, filho de Sigmund Freud, que se simpatizaram muito com a viagem e acabaram discutindo o percurso com o professor Alexander, irmão de Freud, viajante e homem de negócios, conhecedor de todas as pousadas da pouca freqüentada costa do Adriático Oriental. Visitaram várias localidades, dentre elas Pola, Split, Sebenico, Trogir, Korcula, Lesina, Gravosa e Lacroma e o preparo de rápidos croquis se convertera em hábito cotidiano. Levara uma câmera fotográfica e, o mais importante que considerava, folhas de papel e lápis de médias durezas. Costumava evitar ao máximo o uso da borracha, pois ela destruía o estímulo de linhas desenhadas umas atrás das outras.
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No fim do verão de 1911, com outro condiscípulo, conhecera Tirol, onde fora visitar a família de Freud que passava suas férias em Bozen. De lá, conheceu Torbole, Verona, vales de Bergano, Brescia, Milão, Florença, Gênova, Livorno, Bastia, Bologna, Ferrara e Veneza. A velocidade com que passou a realizar os croquis impressionava aos amigos, porém não possuía pretensões com relação à esfera artística.
Em 1913, ingressou no curso de graduação de Arquitetura na Universidade Técnica de Viena, aprendendo a desenhar seminus com grande destreza , leveza e soltura no traço. Linhas e movimentos quase contínuos, variando densidades e outras propriedades do traço. Tivera aulas com o Prof. Heller, anatomista que realizava conferências veementes e animadas sobre morfologia humana, inclusive autópsias e dissecações de corpos humanos perante seus educandos de arquitetura. Neutra considerava Heller um artista de segunda ou terceira ordem, porém um expositor robusto e tremendamente dinâmico.
A cidade das vias de água. Obra humana estática e perdurável entre água e as nuvens. Veneza.
29 Neutra acreditava que, enquanto muitas pessoas bebiam café ou vodca para ativar o cérebro e estimular as glândulas, para ele o hábito de desenhar realizava tais ações perfeitamente bem. Arbusto seco, afundado na neve profunda do inverno.
Entre seus dezoito e dezenove anos, enquanto estava no serviço militar, aprendera a dar movimento aos desenhos, através de
croquis
feitos
enquanto
observava
Victor
Imhoff
Von
Reutlinghof, seu professor de equitação. Desenhara cavalos trotando, galopando e saltando. Cponhecera Threska Sturn a qual também desenhava quando se encontravam depois das horas de faxina no ateliê de costura de Kroell.
Antes do começo da 1ª Grande Guerra Mundial, participara de uma excursão ao longo do Rio Danúbio, cidade de Krems e Stein. Continuava com seus desenhos à mão em uma colaboração íntima com a visão e ruídos.
Em 1912, com 20 anos, no curso de Arquitetura, em aulas com o professor Mayreder, desenhara templos jônicos e coríntios, estudando minuciosamente seus detalhes, com inclusão Neve natalina, feita há muitos anos, velho, porém inesquecível. Austria.
30 de sombras e indicações exatas das proporções medidas e moduladas. Ficara fascinado com o quão humano era o material com
que
os
gregos
aprenderam
a
produzir
lentamente.
Aprenderam a refinar as matizes até que no fim tudo deveria compreender em um objeto harmônico.
31
NEUTRA E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA MUNDIAL
Durante a 1ª grande Guerra Mundial, desenhava muito nas horas vagas entre um serviço militar e outro em Hezergovina, Montenegro e Albânia.
No verão de 1914, um mês antes do início da 1ª Grande guerra
mundial,
o
arquiduque
Francisco
Fernando
fora
assassinado em Sarajevo e um mês depois seu herdeiro e sua viúva foram vítimas mortais de um atentado, que muitos afirmaram ter ocasionado a guerra.
32
Neutra ingressara nas Forças Armadas acreditando que Porta da cidade no deserto da Nigéria Setentrional – elo do mundo exterior ao mundo interior.
dali a seis meses estaria de volta e poderia viajar pela Itália. Porém uma vez incorporado ao serviço como muitos, Neutra acabou ficando obrigado no exército entre nove e doze meses. Mesmo assim, durante julho de 1914, com seus 22 anos, Neutra tivera a breve oportunidade de conhecer a antiga cidade provincial turca de Moztar, a caminho da fortaleza de Trebinje, onde começou a enxergar que o contexto em que se encontrava inserido era de grandiosas proporções de preocupação. Via-se como um arquiteto pacífico de Viena, onde estavam as suas figuras principais: Otto Wagner, Joseph Hoffman, Fabiani e Adolf Loos, este em um lugar especial, a quem Neutra se referia a como um revolucionário de distinto caráter.
Otto Wagner fora ídolo de Neutra até antes de ele conhecer Fank Lloyd Wright e Sullivan nos EUA, país para onde posteriormente se instauraria e ao qual se referia como o amor não correspondido de Loos. Pensava em ir para a Califórnia, onde, Do poço de água, argila para uma cidade. Saara Meridional.
segundo ouvia muito dizer, morava Wright.
33
Porém era obrigado a deixar tais pensamentos de lado e se focar no cenário de guerra em que se encontrava. Lutara no exército de Habsburgo. Durante a guerra, Neutra aprendera eslavo meridional e, assim como seriam todas as outras línguas aprendidas no decorrer da vida, sem a necessidade de livros.
“Durante o primeiro ano de guerra, não participaram Itália nem África. As outras grandes potências militares haviam comprometido em uma terrível exibição de energia e armamentos acumulados durante os tempos de paz. O destino de minha vida era a construção, porém ali e então tudo se orientava era a destruição em escala sem precedentes.”
Neutra elabora algumas reflexões em 1915, enquanto na guerra, a respeito dos equipamentos sociais – escolas, centros comunitários – e casas que haviam deixado de ser construídas para se financiar aparatos bélicos e a economia da guerra.
34 Também
refletiu
sobre
o
desenvolvimento
tecnológico
e
orçamentário desde a expulsão dos filisteus, e calculou
“[…]o custo de duas horas de bombardeio naval a uma curva ferroviária que havia sido reformada na mesma tarde. Todavia, hoje procuro calcular quanto menor é o custo da paz quando se utiliza de arquitetos
Seiva de uma árvore se lançando sobre o rio Congo.
em atendimento civil, precisamente o que eu ansiava então.” 8
“O arquiteto que não vivera sua própria odisséia, que está vivendo em uma área metropolitana e conhece apenas um pouco mais do que seu próprio meio provinciano, em verdade, não pode servir à humanidade em sua forma atual em um mundo que se tem contraído notavelmente.” 9
8 9
Ibid. Pág. 111. Ibid. Pág. 111.
35 Com a 1ª Grande Guerra Mundial, Neutra percebera que existiam várias regiões que necessitavam de desenvolvimento e que, apesar de incapacitado de exercer a profissão, aprendera muitas coisas que o ajudariam a posteriori em sua produção. Destaca a região montanhosa de Montenegro, no leste europeu, como sendo uma das áreas mais problemáticas dos centros civilizados e que nem nas Américas, África ou Ásia havia tantos lugares remotos e esquecidos pelo progresso cultural.
Durante as ocupações em período de guerra, com o idioma mais decantado, Neutra se permitira participar mais da vida civil das cidades onde permanecera, podendo ter uma apreensão maior daqueles que habitavam aquelas cidades, sobre seus costumes, arquiteturas, modos de vida, cultura e geografia.
“A viagem aportou muitos dadospráticos de caráter antropológico.[…] Os habitantes das zonas Pátio de um monastério protegido do vento. Lima.
rurais de Montenegro davam a impressão de serem provavelmente os camponeses mais nobres e dignos que pudesse encontrar, quiçá ainda mais do que os
36 espanhóis. Em uma cidade como Cetinje, é possível se encontrar com pessoas que haviam vivido um par de anos nos Estados Unidos e que se dedicam a vender licores ou administrar bordéis. Porém a maioria dos habitantes
são
maravilhosas
réplicas
do
nobre
selvagem descrito por Chateaubriand em fins do século XVIII, quando exaltou aos peles-vermelhas. Porém quando alguém entrava em uma casa em modos de caverna e inesperadamente veria a parede coberta por tarjas postais e fotográficas de parentes de residiam nos EUA, a coisa parecia incongruente e perdeu a hierarquia e o caráter desse meio primitivo. É fácil destruir a harmonia cultural dos seres humanos e dos animais em um ambiente abundante de névoa, cuja contemplação constitui uma experiência tão notável para o arquiteto e ao projetista do meio humano.” 10
Ladeira ensolarada no ártico. Quiçá no curso deste século o átomo transmitirá calor e fecundidade ao território do noroeste?
10
Ibid. Pág. 119.
37 Durante a guerra, Neutra visitara várias localidades, dentre elas, as cidades de Kotor, Nis, Podgorica, Cetinje, assentamentos em Shkodër e a cidade de Lesh, ondeo batalhão de 345 soldados e 06 oficiais – dentre estes último, estava Neutra – adoecera de malária, cólera e tifóide, restando apenas 65 das centenas de soldados e apenas Neutra dos oficiais, que contraíra malária nesse ínterim, logo no começo de sua grande busca por hospitais para se tratar junto com os homens restantes. Além destas, também conhecera Trenčin e Budapeste.
38
DA ESLOVÁQUIA A SUÍÇA – DE TRENČIN À ZURIQUE
Quando na Albânia, durante a guerra, Neutra conhecera o subtenente Herzka, que posteriormente o reconheceria em Trenčin, Eslováquia. Por estar mais familiarizado do que Neutra na cidade, porém infectados pela malária, Herzka encontrara um A colombiana Cartagena, outrora centro de atividade, agora sonolenta e pacífica.
quarto para Neutra fora do hospital, na casa da baronesa Zahoransky, uma húngara cujo marido havia vivido na Inglaterra e nos Estados Unidos e construíra sua residência seguindo o estilo
39 anglo-saxão, com seus elementos característicos. Foi aí um contato marcante de Neutra com esse estilo diferente.11
Aos 25 ou 26 anos, ainda em Trenčin, Neutra tem como alimento arquitetônico os elementos e paisagens daquela região. O castelo, a cidade, a igreja, as criptas da sinagoga, uma sinistra catacumba em uma sombra estranha de um monte, com santos solitários erguidos entre as sombras, restos de um monastério abandonado, nas margens opostas do rio Trenčin.12
Na primavera de 1918, sob uma licença de três meses do serviço militar, Neutra voltou para Viena e concluiu o curso e retirou seu diploma universitário. No mesmo ano, após o comandante militar conceder a permissão para Neutra sair de Trenčin e atravessar o país recentemente liberado, a anfitriã donde Neutra estava hospedado pediu que ele entregasse uma carta de apresentação a uma prima dela que estava trabalhando como enfermeira na Suíça e administrava uma casa de descanso 11 12
Ibid. Pág. 126. Ibid. Pág. 129.
40 Vagabundo mexicano diante de um mural moderno. Humilde desconcerto.
próxima ao lago de Zurich. Durante sua ida, perguntava-se o que o povo dali de Trenčin poderia se dedicar a construir no lugar de ruínas e destruição. Neutra conhecera o arquiteto vienense naturalizado suíço o Sr. Steinhoff. Ao chegar à cidade, foi parar no pequeno Hotal Simplon, projetado há 50 anos por Gottfried Semper, cujo Teatro da Corte, em Viena, era objeto de admiração de Neutra. Suíça era um país pacífico e equilibrado, segundo Neutra, e isso o encantava demais. Porém era evidente a escassez de oportunidades de trabalho.
O espaço e o tempo, medidos mais direta e intimamente por meio da dança do que instrumentos de medição. Sevilha.
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SUÍÇA E ALEMANHA
A caminho de Zurich, conhecera o novelista e poeta Alfred Niedermann, autor de Dione Peutinger, A médica de Ingolstadt, cujo retrato de sua neta, Regula, feito por Neutra, encontra-se em Westwood, Califórnia, em um departamento-jardim de um ambiente ocupado por padres construído por Neutra em meados de 1948. Regula acompanhava o arquiteto quando este fora para Califórnia depois da 2ª Grande Guerra Mundial e o
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Dois estilos em fusão religiosa. Gante.
auxiliou muito na promoção da felicidade das pessoas através de recursos da arqutietura.13
Neutra acreditava que Zurich oferecia muitas satisfações do ponto de vista do campo da arqutietura, exceto pelo que talvez fosse seu orgulho, a avenida principal, que ia da estação de trem até a paisagem do lago. Via a cidade como uma moeda antiga: pulcramente perfilada e peculiarmente sólida e prateada14. Interessava-se profundamente pelas características daquele país cheio de geleiras, cujos percursos entre as montanhas foram franqueados por mais estrangeiros do que os que cruzaram os de Caxemira, que Neutra conhecera muito tempo depois.
“Apesar de sua hospitalidade e universidade cosmopolita, Suíça e ainda mais Zurich são lugares ignorados por muitos estrangeiros. Porém cheguei a senti-la muito próxima de meu coração.” 15 13
Um império consagrado ao céu se sentindo confortável em Viena e em Flandres. E se estendia de Madrid a Manila. Malinas.
Ibid. Pág. 131. Ibid. Pág. 132. 15 Ibid. Pág. 133. 14
43
Trabalhara em Zurich em uma empresa dedicada ao embelezamento de terrenos e paisagens, a Otto Froebel’s Erben – dos herdeiros de Otto Froebel – sob a supervisão de Gustav Amman, aluno de Jacobs Ochs e de Carl Foerster, de Hamburgo, que veio a conhecer 40 anos depois e pôde comprovar que era um velho entusiasta apaixonado pela arte de desenhar paisagens. Neutra se relacionara com ele quando a Universidade da Berlim Ocidental o honrara amavelmente com o título de doutor.
As noções de paisagismo de neutra foram adquiridas na Suíça, através da idéias de Ammann e Foerster. O estúdio de Ammann, os terrenos de cultivo com plantas perenes em floração e os arbustos em latas e caixas, o sótão onde Neutra preparava estacas sob a guia do capataz Brauchli e do jardineiro Rusterholz foram o ponto de partida de experiências que abriram os olhos do arquiteto vienense sobre vegetais e paisagens. A longo de conversas com Ammann, conhecera idéias de Foerster sobre o Corpos humanos, desenhados antes da Primeira Guerra Mundial; envelheceram muito desde então. Viena.
acondicionamento do ser pelas plantas no jardim; por parte dos seres humanos, atribuem a elas um caráter secundário, apesar de
44 que elas expressam sua própria biologia natural primária e, portanto, colorem a paisagem com sua fisionomia. O projetista da paisagem pode manipular tanto o caráter cultural quanto a fisionomia natural para manter seu trabalho de criação de lugares e a concordância destes últimos com o meio representado pela paisagem natural e cultural. Tais conceitos refletem mais o modo com que Neutra começou a trabalhar tais pensamentos.
Aprendera a classificar plantas de acordo com seu crescimento, tamanho, cor, florescência, bem como associações que pudessem vincular o caráter da paisagem de acordo com o cenário que se tratava, bem como a fisionomia da paisagem poderia se manifestar a todos.
Neutra gostava de observar os equilíbrios naturais da ecologia vegetal e o micro clima gerador de lugares. Passou a pensar que poderia prestar a mesma atenção ao crescimento e
45 biodinâmica dos seres humanos. Por que suas raízes e seu florescimento haveriam de ser menos interessantes?16
Os laços afetivos com a família Niedermann começavam a se estreitar, cheganod ao ponto de Neutra ser considerado um membro adotivo, filho da senhora Antoinelle Niedermann, mãe de Trude, Anita, Vrene e Dione. Esta última era a filha música da família. Tocava violino e possuía educação musical voltada à música clássica. Havia estudado em Genebra e praticava solos de Bach e as danças de Franz Lachner. Neutra notara que Dione, gradualmente e com certa audácia, começou a se adiantar de suas irmãs e ele pôde afirmar que se tratava de uma espécie de noiva informal. Ele sentia um profundo agradecimento pela hospitalidade que encontrara na Suíça.
Quando Dione fora para Viena estudar violoncelo, passando a morar com amigos da família, Neutra passou a
16
Ibid. Pág. 134.
46 trabalhar em Wädenswill, na orla meridional do lago Zurich, no pequeno estúdio dos arquitetos Wernli e Staeger.
Esquiadores canadenses descansando depois de sua fatigosa atividade. Alberta.
“O destino não é o fruto de um plano. E uma pessoa não elege
seu
companheiro,
nem
o
educa.
Tais
bendições
simplesmente recaem sobre nossas humildes cabeças.” 17
Segundo Neutra, Dione era movida por um espírito devoto, penetrando quase silenciosamente na essência dos problemas criativos e das relações humanas, sem perder sua própria identidade, ao que tampouco jamais adotara atitudes defensivas. Com sua sinceridade pôde conquistar corações em Porto Rico, Guam, Vancouver, Cuzco, Karachi, Oslo e Viena. Sua capacidade de assimilação é tão considerável tanto nas distâncias sociais quanto nas geográficas. Jamais se mostrara dona de nada.
17
Ibid. Pág. 140.
47 Neutra chega a estabelecer um paradoxo entre a função do arquiteto como planejador e o destino que o toma e o faz reconhecer sua própria condição.
“É surpreendente quanto dinheiro e quantas esperanças se confiam a um arquiteto, quantos fundo e quantas esperanças para que antecipe e preveja um futuro, se ele mesmo deve reconhecer sua própria ignorância. […] Os problemas do individualismo e a coesão
dos
seres
humanos,
assim
como
o
conhecimento dos mesmos, se encontram na base da vida. Muitas vezes tem-se pensado que as relações matrimoniais e amorosas dos grandes e pequenos arquitetos apontam dados de profundo interesse; por suposto, à margem de qualquer forma de murmúrios. É possível que não possa se afirmar o mesmo dos engenheiros civis.” 18
18
Ibid. Pág. 141.
48 Neutra regressa à Viena pouco antes de 14 de abril de 1920 – 19º aniversário de Dione – e é acometido por uma gripe junto com sua namorada. Gripe que já havia dizimado vários homens, dentre eles, Egon Schiele, artista de grande admiração dos vieneses, inclusive Neutra, e sua esposa. O pai de Neutra Dione Neutra, música e noiva há quatro décadas, 1923.
também falecera pela tal gripe, não tendo oportunidade de conhecer Dione, e sua mãe também, após doze anos viúva. Neutra acreditava que a base mais firme para um casamento era ter tido pais cuja união fora feliz.
Em junho de 1920, Dione partira de Viena e Neutra realizou esforços desesperados para procurar emprego, até que tivera um primeiro contato com a Missão dos Amigos Britanicos e Norteamericanos, instituição que fora instalada nos palácios vienenses de Singerdtrasse e Herrengasse. Neutra estava decidido a aprender inglês e obter um visto para entrar nos Estados Unidos da América. Enquanto aguardava o visto, aceitara trabalhar com Ernest Freud em Berlim, com mais dois arquitetos, Pinner e Neumann, sem se aprofundar muito nos projetos. Berlim o desconcertava. A exceção de algumas grandes construções e
49 estações de transporte metropolitano, acreditava que havia abundância de arquitetura de caráter duvidoso. De todo modo, as proporções materiais e os museus eram fatores impressionantes da cidade.
Aos 28 anos, passou a desenhar jardins em Dahlen, enquanto Freud projetava casas. Morava em Gleditschstrasse. Fora apresentado pela Sra. Niedermann a Otto Krueger, passando a trabalhar com o proprietário de uma grande empresa de artefatos de iluminação, realizando várias viagens de negócios pela Alemanha Ocidental.
“Fosse como fosse, simpatizei-me com meus cordiais anfitriões. Desejava-lhes bem e me confortava em
meus
bons
sentimentos.
Era
uma
grande
experiência estar relacionado com seres humanos em um lugar tão estranho como a grande Berlim daquela época.” 19
19
Ibid. Pág. 144.
50
Acabou trabalhando também no escritório do professor K…, um arquiteto de renome da sociedade alemã, cujo estilo heimat (nativo) era bastante prestigiado. Pouco depois, Neutra soubera que um dos empregados dali acabara de renunciar a um emprego com Baurat Bischof na Oficina Municipal de Construções da cidade de Luckenwalde, em Bradenburgo, substituindo o colega, deixando o escritório do professor R.
51
Tilly, cavalo de batalha de Neutra, encilhado, em 1914. Montenegro.
BRADENBURGO, ALEMANHA
Neutra, em sua condição de estrangeiro capaz de manifestar empatia, sempre acabava se incorporando à vida das cidades por onde passava. Em Bradenburgo não fora diferente. Aprendera a andar de bicicleta para se dirigir a um projeto de habitações bastante afastado, concebido como obra semi-rústica. Vivera com uma família cujo chefe maltratava a mulher e cuja única filha possuía uma bela voz de soprano e cantava músicas ensinadas pelo pai.
52
Trabalhara também em uma realocação de operários industriais, muitos dos quais viviam em sótãos na cidade. Enquanto trabalhava em projetos de habitação semi-rurais, Neutra via de modo bastante próximo como se destituía uma família urbana ao ser transportada para as condições rurais, pois cada membro se ajustava num folheto distinto com determinadas instruções de cultivo, colheita e de alimentação dos animais. Os problemas humanos que se escondiam por trás dos eixos econômicos concretos fascinavam Neutra e seus ecos o acompanhariam durante toda sua vida de construtor de habitações.
A realocação de famílias a cargo de funcionários, bem como qualquer outro tipo de transplante, gera fricções e indícios de tensão. A observação deste fenômeno acompanhava e inquietava o arquiteto permanentemente.
Neutra se via como um médico que receitava moradias e, ao viver com seus pacientes, estava administrando a si mesmo Casas burguesas no Haiti negro, Era Pós-napoleônica. Tout comme chez nous.
sua própria medicina e assistia à destruição da vida familiar. Deste
53 ponto de vista estrutural e formal, todas as expressões arquitetônicas eram excelentes, porém não se acabava por entender os seres humanos. O desenho não se subordinava de todo às necessidades da supervivência.
Neutra cita que, quando pequeno, fora educado como confidente, o que pressupõe que permitiu a ele uma grande utilidade em uma sociedade como arquiteto.
Richard Neutra, quando se tornara projetista oficial do Cemitério do Bosque de Luckenwalde, um projeto municipal de cunho socialista, recebera, pela primeira vez, uma crítica a um projeto seu, por parte do conselheiro Bauchwitz, que atacara o plano e o projeto com argumentos claros e convincentes, demonstrando que a construção de um projeto de cemitério em um bosque era loucura e insensatez do ponto de vista orçamentário, político, moral e da engenharia civil. Neutra considera o episodio como uma maravilhosa demonstração da política na engenharia civil. Porem, como tinha apoio da maioria da cidade, dera Uma religião universal como o budismo assume um colorido diferente segundo as distintas paisagens. Rangún.
54 continuidade aos planos.20 Enquanto analisava o sistema de espaços distribuídos ao longo dos bosques, a elaboração e promulgação de normas sobre as lápides permitidas, a vinculação de todos os aspectos estéticos e da paisagem com a capela e a entrada, Neutra apontava tal produto integral de seu cérebro com um folheto que abundava dados de investigações e explicações técnicas.
A empresa representava uma tremenda experiência no domínio do silêncio. O resultado parecia conseqüência de um pensamento filosófico e técnico posto a serviço dos mortos, ou dos que sofriam e se recordavam. Concebera muitas idéias enquanto passeava pelos bosques da cidade. Baurat Bischof atribuíra a Neutra todo o mérito do projeto. Um gesto pouco habitual, mas que significou, pela primeira vez a Neutra, que veria seu nome estampado e vinculado a um tema que havia assimilado com esforço tenaz e com um entusiasmo autodidata.
20
Ibid. Pág. 147.
55
56
ERIC MENDElSOHN
Certo dia, Neutra fora presenteado por Eric Mendelsohn, arquiteto conhecido graças a seu projeto da Torre Einstein, com croquis em cores vivas de uma fábrica de chapéus, que a Neutra se pareceu uma manifestação de arte expressionista e algo estranho para se presentear um inspetor municipal de construção em Luckenwalde. Porém, um mês depois, Neutra trabalhava com Mendelsohn em Berlim. Procuravam atingir os mesmo objetivos e
57 Neutra se simpatizara com Mendelsohn por este não se importar com sua inexperiência.
Passou a morar na casa da família Boldin, na colônia de Eich Kamp, trinta minutos do caminho da Reichskanzler Alle, onde Mendelsohn ocupava o último piso de uma casa de três pavimentos. Em Berlim, Neutra era o terceiro associado, junto com Mendelsohn e com o conhecido escultor P. P. Henning. No ateliê, Neutra assumiu imediatamente o projeto de ampliação do edifício de Berliner Tageblatt, encargo que Mendelsohn revebera de Lachman Mosse, o Willian Randolph Hearest. Lachman lembrava a Em todo o globo, cerimônias nas fronteiras; sem demora, a separação é uma ficção. Ahmedabad.
Neutra
à
figura
do
sereníssimus,
caricatura
alemã
que
representava a grande arsitocracia. Só vinte anos mais tarde, na Califórnia, que Neutra comprovou que Lachman era muito capaz e um homem excelente.
“O
edifício
Mosse
suportou
muitas
vicissitudes, pois violava todas a s normas municipais com sua estrutura monumental, bem aproveitada e ao mesmo tempo heterodoxa, que se lançava no centro
58 cuidadosamente
regulamentado
de
Berlim.
Eu
negociava com o Ministério do bem-Estar da Prússia e recolhia impressões pessoais dos funcionários do governo neste setor do mundo, comparando-os com os austríacos. Desde então, quantos conheci em todos os países do mundo! Em verdade, também eles são seres humanos!
“De qualquer modo, o testemunho dos experts se impulsiona à burocracia. No curso de um ágape oferecido para promover o apoio de um jurado de arquitetos ao projeto arquitetônico – que também era nosso projeto – conheci o magnífico Hans Poelzig, com seu estridente apoio às idéias modernas. Seu título popular para a fama era o teatro que havia construído para Max Reinhardt.” 21
21
Edifício Mosse, E. Mendelsohn e R. Neutra
Ibid. Pág. 151.
59 Com o projeto desse edifício, Neutra se deparou com a experiência mais desastrosa do meio da construção civil que poderia se dar na vida de um arquiteto. Durante a obra, uma grande quantidade amontoada de areia sobre uma laje de cimento vários pisos e levou ao chão outras lajes de outros pavimentos inferiores, além de homens e mulheres que trabalhavam na obra, gerando vítimas fatais.
Enquanto Erich Mendelsohn se encontrava no Oriente Médio, antecipara em seus desenhos muitos aspectos do expressionismo de Oscar Niemeyer. Entretanto, em Berlim, encarreguei-me do projeto de desenho de quatro casas para o subúrbio de Zehlendorf. Uma plataforma giratória que se movia ao apertar um botão e apresentava qualquer uma da três seções completamente fornecidas, era contigua a cada sala de estar, para permitir um uso mais flexível. Essas seções consistiam em uma sala de música, uma sala de jantar com mesa posta e uma agradável biblioteca. Tal disposição caída no desuso chamou a atenção de todos e provocou artigos periódicos, bem como caricaturas e versos humorísticos nos jornais diários. Mãe e filho diante do santuário ancestral. Permanente dependência ao longo das gerações. Ise.
60
Em 1922, Neutra e Dione se casam em Hagen, Westfalia. Posteriormente, tiveram dois filhos, um chamado Frank Lloyd e o outro Dion, masculino de Dione, em homenagem, respectivamente, ao patrono de Neutra nos Estados Unidos e sua esposa.
61
62
CONCEITOS
63
INFLUÊNCIAS PRÁTICAS E TEÓRICAS
Neutra afirma que começou a odiar coisas de difícil manejo durante a infância, uma vez que tais objetos, como janelas com portas-esquadria de bronze, perturbavam os sentimentos de uma criança acerca do mundo no qual estava inserida, principalmente com relação ao exterior.22 Destaca sua simpatia por espelhos, vidros e demais materiais reflexivos, uma vez que consideravam maravilhosas as janelas e vidros para uma criança
22
Neutra, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972. Pág. 38.
64 posta em um ambiente interno e fechado.
23
Com sensibilidades
acerca do universo infantil, o arquiteto evidenciaria o papel do espaço na formação da criança, desde detalhes das paredes, das pinturas, até dos eventos que aconteciam além das janelas, tudo aquilo possuía amplo caráter de representação aos olhos de uma criança.
Procura encontrar relações de projetos em andamento com experiências já vividas anteriormente.
De modo geral, Neutra, tanto em física como na esfera épica grega ou literatura alemã, obtivera uma educação muito mais permanente no colégio secundário do que na universidade. Assim como todos os idiomas que aprendera, fora através das dezenas de viagens que lhe proporcionaram experiências, inclusive lingüísticas, importantíssimas.
23
Ibid. Pág. 38.
65 Seus estudos formais foram complementados pelos fatores que o estimulavam a participar de discussões seriais. Freqüentava a biblioteca da universidade, onde tivera contato com as
primeiras
investigações
fundamentais
sobre
psicologia
fisiológica e experimental de Wilhelm Wundt, interessando-se ainda mais
pelas
obras
de
Sigmund
Freud
e
também
por
condicionamentos psicológicos de uma pessoa, individual ou em contexto social.
66
RELAÇÕES HUMANAS ENTRE ARQUITETOS E CLIENTES
A amizade entre ele e aqueles que trabalham consigo se fundam na empatia com sentimentos e necessidades. Neutra adota uma atitude bastante sistemática caracterizada por digestão de sentimentos mediante o lóbulo frontal. Quando se sente só ou querido, medita sobre o assunto utilizando termos fisiológicos. Segundo os fisiólogos, existe uma tendência em localizar na porção frontal do cérebro os processos que adotam formas
67 conscientes como pensamentos conceituados.
24
O desconcerto
intelectual não deve prejudicar a consciência. Neutra acredita que o arquiteto nunca deve se permitir atitudes desconcertantes, muito menos para com os clientes, aqueles cuja confiança representa a possibilidade de realização de um trabalho criativo. Para ele, os clientes são mais do que simples clientes. São verdadeiros clientes-pacientes.
A palavra dita possui algo que eleva a confiança perdurável, permitindo o nascimento de um edifício, e que necessita se voltar constantemente a conversas com o cliente. Além da palavra e do modo que o arquiteto e o cliente se aconselham, o grau de instrução e experiência do arquiteto o permite harmonizar tudo aquilo que aprendeu e aprende em conjunto com o cliente. Um arquiteto necessita compreender os sentimentos alheios, caso queira ser algo além de um simples técnico, caso queira se mover pela necessidade e pela paixão – o desejo o move e o transforma num artista da interação humana.
24
Velas negras frente a Shangai.
Ibid. Pág. 58.
68 Deve também calibrar as possíveis influências que se exerçam em um grupo e sobre cada um de seus indivíduos, assim como as manifestações em condições de um futuro imaginado e concebido como sentido criador.
“Uma arte impregnada de ciência exerce sobre mim um estranho atrativo25 […] A arte nunca pode se separar totalmente da curiosidade científica do homem.“ 26
Conhecer as personalidade humanas e suas fisiologias, a relação empática para com os clientes e percepções de profundidade ocultas destes permitem ao arquiteto a formulação de uma arquitetura mais exata de uma vida que lhe foi confiada com esperanças e sentimentos. Conseqüentemente o arquiteto pode elaborar uma profecia prática de uma vida saudável e feliz. Tudo isso exige mais do que simples conhecimentos de materiais de construção. Deve-se desenhar, através da Arquitetura, uma situação biológica prolongada e previsível. 25 26
Ibid. Pág. 59. Ibid. Pág. 60.
69
“De nenhum modo pretendo sugerir que se deva descartar a pesquisa sistemática, ou que não seja possível aplicar seus métodos à Arquitetura, no marco da qual se desenha um meio para uma situação biológica prolongada e previsível: para o homem, a mulher e o menino, e para todas as atividades nos anos futuros. Pelo contrário, estou convencido de que a investigação metódica e muito detalhada é imperativa. Porém também estou convencido de que o clínico dotado de intuição – o artista médico assim como o que se ocupa das individualidades biológicas representadas pelos clientes de quem constrói ‘casas’ para o homem – é a princípio a pessoa mais adequada para orientar e oferecer linhas de experimentação ao pesquisador. O pesquisador de laboratório necessita da experiência e da opinião do clínico para indicar as mais adequadas linhas de experimentação, e o que se falta clarear
70 mediante a investigação.27 […] É possível que a profissão de arquiteto siga este curso que vai dos tantos humildes à sistemática influente? Por acaso se conhece alguma profissão que em um breve lapso tenha sido capaz de realizar tamanha façanha?” 28
“Há se demonstrado que no curso de meio século – mediante a ação coordenada e um sistema de educação que tem consciência da psicologia social e se fala intimamente vinculado à pesquisa contemporânea que se desenvolve em algumas ciências afins – um grupo ou organização profissional pode modificar sua situação na sociedade e aos olhos do mundo. Nada impede que a arquitetura alcance o mesmo objetivo, sem adotar uma atitude missionária, baseada em critérios objetivos que lhe permita demonstrar seu próprio valor. Um arquiteto também pode ser um artista intuitivo, porém pode confirmar e desenvolver sua 27 28
A luta se transforma em jogo. Oaxaca.
Ibid. Pág. 62. Ibid. Pág. 63.
71 intuição
aprendendo
certas
coisas
que
outras
profissões conhecem melhor e outros profissionais manipulam com maior destreza. Geralmente se espera que o arquiteto resolva problemas de engenharia; apesar do qual, atribui-se a ele a condição de uma versão medíocre e de segunda mão do que seria um engenheiro. Há quem chega, inclusive, a crer que o arquiteto se limita a ‘vender planos’. E ainda na própria profissão, muitos poucos homens podem oferecer uma explicação clara e comumente aceitada, ou um diagnostico diferenciado de sua especialidade. Quiçá pode se afirma que, em linhas gerais, necessita-se menos de especialidade do que universalidade? Quais podem ser as provas objetivas de uma decisão arquitetônica válida? A incerteza neste ponto é exatamente o que afetou e desmoralizou uma profissão capaz de assumir a responsabilidade de fazer felizes não
somente
aos
clientes
considerados
individualmente, e capaz de promover não somente o bem-estar das pessoas ‘em um período de amortização
72 senão também a supervivência de da raça, grande parte da qual está cada vez mais enclausurada em meio artificiais e complexos. Se bem que um grande e solitário arquiteto haveria de impressionar depois com suas obras realizadas, comecei por presenciar a maravilhosa ação de um famoso médico. Em meu espírito infantil haveria de combinar ambas as imagens, e, todavia, hoje retenho com amor esta fusão.” 29
A personalidade humana é, de maneira muito natural, a fusão e o resultado de todas as circunstâncias. Estas, que são estruturas e deficiências congênitas que guardam uma intrínseca relação com o fenômeno de condicionamento. A própria vida, segundo Neutra, observada e analisada, apelando-se a todos os meios possíveis, é indubitavelmente educadora fundamental e suprema. É a mais plasmante do que suas próprias seqüências. Desenvolve seus próprios percursos, a princípio heterodoxos. Tudo aquilo que se passara em uma juventude são experiências
29
Ibid. Pág. 64.
73 externas de uma vida jovem que exerceram seu próprio impulso sobre ela mesma. Circunstâncias inatas têm o desenvolvimento da missão de um homem – a destreza de suas mãos ou a perícia de seus olhos, por exemplo. Características consideradas defeitos, mas que podem converter em benefícios que podem contribuir para o enigma fascinante da individualidade biológica. Neutra colocara a idéia de indivíduo através de novas defesas, através do fisiólogo, cuja observação é detalhista, ou do patologista, que possui esperança de se converter em terapeuta. Questiona ainda o que seria um homem natural e quais os elementos que conformariam um indivíduo?
74
SOBRE DESENHOS
Neutra desenhava muito e tais fragmentos se registram em uma série indeterminável de experiências de uma vida. Com profundo sentido hospitaleiro, a Universidade da Califórnia, em Los Angeles, dedicara uma pequena sessão de sua gigantesca biblioteca para arquivar trabalhos do arquiteto. Ainda no âmbito da discussão do hábito do desenho, Neutra busca ligações intrínsecas ente tal processo e processos bioquímicos. Decadência e crescimento… por toda parte.
75 “Seria falso ver este volume de linhas, em cores ou em branco e preto, como uma colossal inversão de tempo. Se medimos o tempo com relógios mecânicos, advertimos que em suma se necessitava de breves períodos
de
atenção
manifestação
nervosa
cerebral. só
revela
Esta
importante
centésimos
de
segundos de uma vida. O olho humano é mais veloz do que uma câmera, a retina é uma película que trabalha com rapidez, e os dedos que seguram o lápis preto ou colorido se acostumam a trbalahar com desenvoltura. Enquanto se desenha uma linha ou se marca um ponto no papel, as glândulas internas se ocupam em descarregar moléculas de substâncias bioquímicas. De um modo consciente ou semiconsciente, ativam ligeiramente a manifestação de certas emoções: uma linha estimula a seguinte, um ponto de cor que dará continuidade ao se justapor ao primeiro, gerando constraste ou harmonia. […] Quantos órgãos humanos e capazes de expressar a individualidade aparecem com esse começo, em um desenvolvimento que parte
76 de um bom princípio, evolui e conclui ‘detendo-se ao tempo’?”
“Se alguma vez este reflexo de meu mundo encostou-se à arte, devo ter feito muito casualmente. De todos os modos, uma autêntica experiência humana se derramou, gotejou e salpicou – e às vezes se verteu abundantemente sobre todos os tipos de papel que estavam ao alcance da mão. A palavra falada ou escrita reflexivamente não pode expressar do mesmo modo esta vida anterior, vivida em minúsculas frações temporais.” 30
30
Ibid. Pág. 80.
77
DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZADO
Tendo em vista a compreensão dos defeitos e virtudes, Neutra afirma que trabalhar com um grande mestre e observá-lo representava a influência mais profunda. Muitos outros, além dos mestres, permitiam-se serem testemunhas de sua execução exemplar. Alega que a escola possui pequena parcela na formação humana. As pessoas aprendiam coisas muito antes que a inscrição oficial e massiva de alunos se ajustasse à idade e às horas de ensino. Muito antes que as escolas organizadas formalmente começassem a funcionar e expedir certificados. Muito depois, Antiga, porém sempre verde é a natureza. Palomar.
aceitaria em seu escritório, em seu ateliê, em sua sala de desenho,
78 um número elevado de aprendizes que possuíam ou não algum grau de instrução formal. Ele conclui também que, em muitos casos, os anos de instrução formal não valeram a pena, não respondendo às expectativas. Não generaliza, porém sustenta a afirmação que as escolas podem oferecer muito aos estudantes.
Reconhece que muitos mestres durante sua formação colegial foram importantes influências sobre sua formação. Destaca o Dr. Regen, zoólogo croata, professor que detestava os alunos, lançando gritos e rugidos, assombrando a classe com insetos e perguntas ininteligíveis que refletiam em notas não muito agradáveis. A estupefação dos alunos era complacente ao Dr. Regen. Neutra afirma nunca ter aprendido muito sobre artrópodes, dedicando-se ao desenhod e edifícios com tendências cada vez mais acentuadas de caráter fisiológico e biológico. A influência do professor Regen se mostra indubitável jeito com que reconhecera independente comprado dele.
e
espontaneamente
a
dívida
que
havíamos
79 Posteriormente, procurou trabalhar em seu estúdio em equipe, o que lhe permitiu gerar conclusões acerca da interação orgânica percebida entre os indivíduos que tendia a alcançar certa criatividade coletiva mutuamente estimulada e um problema bastante sugestivo, bem como tanto os problemas humanos quanto o modo como conseguimos fazer com que os outros sintam e pensem são questões que sempre parecem importantes.
Neutra discorre sobre o processo de aprendizado de um indivíduo inserido em coletivo, afirmando que do processo de aprendizado não se deve absorver apenas as informações de caráter técnico, mas também todas as atitudes e hábitos de trabalho, um modo de pensar cujo indivíduo tenha predisposição ao sacrifício e à animada cooperação. Afirma ser complicado de se ensinar isso em uma escola, porém em um ambiente de trabalho criador e fecundo, o indivíduo aprende a se compreender como um membro útil e ativo de um grupo, devendo respeitar sempre pela empatia a atitude considerada de cada membro diante da intensidade de sentimentos dos outros. Independentemente da tarefa, o aprendiz deve se relacionar com muitos outros seres
80 humanos comprometidos e os mestres devem adverti-lo que, dependendo do modo como que se comunica, pode-se facilitar ou prejudicar o esforço produtivo , pois cada ato, por mais minúsculo que seja, influi sobre a confiança mutua de modo que esta pode se desenvolver em um exercício permanente, como convém que ocorra, ou se desmanche paulatinamente. Uma ação equivocada neste contexto, pode colocar todo o progresso que vinha se construindo até o momento em ruínas. E não somente em um trabalho de equipe, mas em qualquer relação humana. No âmbito do exercício da arquitetura, conquistar e manter a confiança do cliente não é estratégia de venda, pois na arquitetura o produto não está feito, mas se forma lentamente. Para o projetista de meios destinados ao ser humano, a principal qualidade é a fascinação com a riqueza e a variedade de outras individualidades, mais que o excesso de complacência em sua própria personalidade. Tal atitude permite adquirir confiança, sendo um instrumento natural para a criação possível, um apoio intrínseco e apaixonante desejado à contribuição de um indivíduo ao benefício social. Permite-se que se degenere em um recurso comercial, é possível conservar a confiança.
81
Para Neutra, ser compreendido é uma experiência maravilhosa, pois é um sentimento que todo ser humano anseia e que se vincula ao tipo particular de desenvolvimento de nosso cérebro – alegando que talvez os animais não projetem tal compreensão, nem se sintam isolados em meio a uma multidão, nem busquem ou dêem conselho, sendo tudo isto traços humanos. Receber a ajuda de profissionais experientes para realizar e desenvolver motivações e aspirações íntimas é estritamente humano, dotada de tensão, um drama humano e às vezes uma tragédia.
A confiança profissional é uma glorificação para o arquiteto. Neutra compara situações específicas do meio médico – da confiança e seguridade que este deve ter e passar para o seu paciente – e relaciona com o profissional da arquitetura, intitulando o arquiteto como projetista da felicidade permanente.
Porém observar a permanente agitação do arquiteto em seu esforço por produzir em pouco tempo valores destinados a um
82 grande período de amortização – ou ainda à infinita transição que faz com que o homem imagine que é a eternidade – resulta significativamente para o pulso contemporâneo.31
Neutra levanta ainda alguns pontos sobre o processo de desenvolvimento da idéia. É interessante e necessário Aprender a observar as qualidades de cada indivíduo, a capacidade de cada cliente de interpretar planos e assimilar idéias durante a conversa. As pessoas sempre têm direito a uma linguagem que seja compreensível. Em certo sentido, todas as soluções são temporárias, retrocessos e avanços à medida que a vida prossegue a sua marcha. As experiências técnicas e espirituais são os produtos mais significativos de cada episodio e é melhor guardá-los e cuidar deles para benefício futuro.
A educação transcende além dos limites das tarefas individuais. A equipe de colaboradores deve sentir e compreender esta perpétua e fértil sedimentação no que se refere à
31
Ibid. Pág. 89.
83 superposição infinita de experiências de projeto, e há de se relembrar
e utilizar
tais experiências como base de um
desempenho cuja estrutura se renova constantemente.
A correspondente imersão emocional de grande alcance não deve ser fragmentada e nem se perder. São necessárias ordem e claridade de pensamento, bem como registrar, arquivar e cuidar das pequenas execuções de cada detalhe. Quando cristalizados, contribuem para o esforço criador futuro. A transmissão de idéias e diálogos é necessária através de desenhos e palavras faladas. E tanto um quanto o outro possuem gigantescos estímulos para desenvolver ou destruir relações humanas ou gerar desconcertos durante a produção.
Neutra prefere o ensino prático em grupo ao ensino teórico, pois o aprendiz deve ter oportunidades de vivenciar inquietudes e entusiasmos de veteranos que assumem grandes responsabilidades. Acredita ser mais eficaz o estudo da fisiologia e biologia a partir da observação de processos funcionais vivos. Posteriormente, passa a realizar reuniões em que seus aprendizes
84 e colaboradores se confrontavam e pressupunha-se que haveria trocas de informações e experiências, a fim de se evitar o confinamento de segredos entre os indivíduos do grupo. Neutra afirma ter apreendido no decorrer de sua carreira orgânica que isso era necessário, uma vez que se tratava de oferecer uma compreensão humana e conceitualidades biológicas necessárias ao desenvolvimento tanto de seus colegas veteranos quanto de seus aprendizes. Ainda que cada um esteja envolto em sua individualidade, em um mundo que apenas o assimila ou vive, cada um nunca pôde detalhar ou descobrir com verdade total seu próprio desenvolvimento interior e a característica intimidade possibilidades humanas próprias. O aprendiz pode se projetar no veterano mais facilmente do que o contrário. A princípio, supõe que a sociedade não se ajusta uniformemente de modo algum a um sistema de rápidos rearranjos.
85
DO ORGÂNICO
Tanto Regen como posteriormente Wilhelm Wundt gravaram profundamente conceitos de necessidade de se compreender a natureza orgânica. O elo ocorrera muitos anos antes de Neutra projetar a Lovell Health House, ou de escrever as páginas de Survival Through Design. Assemelhara-se a James Joyce pelo fato de escrever diários a respeito de toda essa discussão, mesclando esboços fisiológicos, citações de cientistas, filósofos antigos e contemporâneos a sua época, descrições de empregadas de restaurantes e de outros seres humanos, com
86 todos os detalhes da anatomia e dos elementos da postura e expressão fisionômica.
Sobretudo, os seres humanos precisam estar consciente dos arranjos de toda uma vida antes de depositar seus fundos nas mãos de alguém que adotará critérios definitivos para organização de seus espaços.
A concepção do homem arrancado de sua natureza original induzira Neutra a respeitar o estudo do cenário pré-humano e o fez se converter em um arquiteto naturalista. A arquitetura, por pressuposto, também se desenvolvera a partir de um cenário histórico de criações humanas, cuja responsabilidade é única e exclusivamente deste último.
“A arquitetura é a arte menos abstrata. Dedicam-se vinte e quatro horas diárias ao contato mais estreito com respostas concretas. Respostas elaboradas naturalmente e adquiridas ao longo da vida
87 e em todas elas se manifesta uma vital realidade: o realismo biológico.�
88
RICHARD NEUTRA E OS ESTADOS UNIDOS
89
INFLUÊNCIAS E REFERÊNCIAS
Tudo começou quando Mendelsohn e Neutra ganham um concurso em Haifa, no centro comercial do mediterrâneo. Para Neutra, representou um projeto novo e grandioso de planejamento e desenho urbano e, com o prêmio, permitiu que seu salto aos Estados Unidos da America fosse realizado. Adolf Loos, o mais heterodoxo dos arquitetos, foi o primeiro patrono dos interesses de Neutra em ir para os EUA, sendo
90 considerado hoje uma das figuras mais importantes do incipiente desenvolvimento da Arquitetura Moderna. “Começou com uma arquitetura que procurou retornar a uma consciência mais clara da coincidência, um acordo e correspondência com sua própria época. Como não se interessava por ornamentos, com relação às produções arquitetônicas de sua época, Loos apreciara
aos
olhos
da
maioria
de
seus
contemporâneos com um peso leviano, com um divertido fracasso, um verdadeiro fanfarrão.”32 Neutra não conhecera ninguém que demonstrasse tanto entusiasmo pelos EUA como Loos. Tal como este, Neutra afirmava que o povo norte-americano era o povo mais amável do mundo, porém que tanto a generosidade quanto a frieza de sentimentos respondiam a razões econômicas. Loos considerara a situação do novo país como um jogo socioeconômico33 que aprendera a jogar.Apreciara os relatos de Loos, que se tornaram válidos às 32
Neutra, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972.. Pág. 155. Ibid. Pág. 160.
33
91 margens das próprias experiências de Neutra, e percebera que era possível de se fazer carreira e ganhar benefícios através do amor e simpatia com o povo norte-americano.34 Apesar dos jogos norte-americanos de poder, dívidas e grandes empresários que alimentavam as esperanças dos arquitetos e que depois, com o tempo, faziam-nos perder o brilho. Loos e Neutra comentam que ainda assim gostavam daquele povo e alguns norte-americanos, em especial de Walt Whitman, correspondiam a um material humano valioso.35 Em relatos de Loos, este afirmara que “para melhor ou para pior, os Estados Unidos representavam em todo o mundo um importante catalisador a longa distância; em certos lugares, atrás do
áspero
tecnológica
cortinado de
político,
natureza
uma
igualmente
civilização quantitativa
também comprime ao indivíduo. Este desenvolvimento misterioso da evolução permitirá que esta forma 34 35
Ibid. Pág. 159. Ibid. Pág. 161.
92 sobreviva? Tal problema pode chegar a ser o aspecto fundamental do crescimento humano.”36 Nem o Art-Nouveau ou o Jugenstiel ou até mesmo a exaltação da máquina por Sullivan. Neutra acreditava que havia um baixo sustenido orgânico e humano que não passaria, que matizava permanentemente o que se poderia e se deveria fazer para conservar nossa vitalidade.37 Além dos relatos de Loos, a produção de Frank Lloyd Wright se mostra grande parcela das influências sobre Neutra. Na biografia de Wright, Neutra encontrara aspirações humanas expostas por aquele que acabavam merecendo a simpatia dele. Conhecera Wright através de um pequeno mostruário publicado na Alemanha em 1911, em que Neutra pôde avaliar as obras de Wright e algo referente à produção arquitetônica norte-americana.38
36
Ibid. Pág. 162. Ibid. Pág. 163. 38 Ibid. Pág. 166. 37
93 “Os desenhos e os planos me maravilharam. Pareciam completamente distintos de quando havia conhecido. Em verdade, estas casas careciam de paredes. As habitações se abriam em todas as direções. Quase se poderia dizer que as havia construído em um país tropical, onde sopravam ventos de inverno, o qual, naturalmente, não era o caso.”39 Neutra quis conhecer aquele, seja lá quem fosse, e, por mais obstáculos que tivesse, iria aos lugares onde Frank Lloyd Wright respirava e trabalhava. Em meados de 1904, lera em um jornal vienense um artigo sobre Chicago, que eletrificara num raio de 65 km toda sua malha ferroviária com o intuito de diminuir a poluição e melhorar as condições de vida da população e, em tal época, eletricidade era algo novo. Em 1924, já estabelecido nos EUA, comprovara que o lugar era bem diferente daquilo que Wright descrevera – uma vez que com tais publicações, imaginava que os EUA fosse um país 39
Ibid. Pág. 156.
94 romântico e rural –, diferente também de algumas versões que Loos relatara e do que Lea em periódicos vienenses.40 Não existia um autentico Estados Unidos rural ao redor da maioria das produções wrightianas. A maioria dos edifícios fora construída em regiões de subúrbios de metrópoles que cresciam velozmente e alguns cidadãos que ganhavam bem poderiam gastar algumas somas com construção. Wright estava criando o que lhe agradava se tratar de um renascimento do espírito da pradaria nas casas ostentosas nos subúrbios, segundo Neutra, e a paisagem circundante das obras vistas no catálogo de Wright estavam no espírito de Neutra quando este saíra de Nova York, depois de conhecer a apertada porção norte-americana que Loos conhecera. Neutra ficara ansioso por conhecer as pradarias de Chicago. Conhecia apenas James Jackson Forrestall, advogado em Chicago, que o instalara no Centro de Assistência James Adams. Conheceram-se em Viena, na Missão dos Amigos, durante o período de guerra. O professor John Fischer, do Goshen College, em Indiana, também trabalhara em Viena na Missão e também era 40
Ibid. Pág. 168.
95 estudioso de Kant. Foi a primeira pessoa que auxiliara Neutra a obter o visto de entrada nos EUA.41 Ao chegar aos EUA, Neutra não se desanimara com a sordidez da sociedade. Como fora aprender inglês depois de muito tempo no Brooklyn e se aperfeiçoar em Boulevard Hollywood, era normal a geração de mal-entendidos. O nível de imperfeição nos idiomas falados transmitia certa simpatia, segundo Neutra, bem como o uso de expressões faciais e gestos em Nova York eram essenciais.42ao conhecer as cidades dos EUA, logo se encontrava casas e pátios sombrios dos quais Loos sempre se referia com otimismo humano. O que antes Neutra via com olhos críticos, com a experiência dos relatos de Dickens, acabou se interessando pelos bairros pobres, pois neles gerava certo tipo de bondade. Percebera depois que Londres era maravilhosa por isso e deveria descobrir uma dimensão de profunda humanidade nisso tudo.43 Não poderia se sentir decepcionado. Maravilhara-se por Nova York
41
Ibid. Pág. 170. Ibid. Pág. 164. 43 Ibid. Pág. 165. 42
96 e, em suas visitas aos lugares mais sórdidos, concluía aquilo que aprendera anteriormente com alguns relatos de Loos. Em Chicago, Neutra começou sua carreira dando aulas de desenho. Pouco tempo depois, passou a procurar as casas de Wright. Sra. James Adams, administradora do centro no qual estava instalado, dissera outrora que conhecera Wright quando jovem, comentando também que ele largara da família e fugira com uma esposa de um vizinho de Oak Park. Wright tinha uma reputação não muito bem-vista. Quando Neutra pensara em levar Dione pra conhecer o arquiteto, Sra. Adams achou tal atitude uma loucura.44 “Chicago era por si mesma um lugar áspero, porém no meio do continente. Não era uma ilha onde se pudesse aterrizar, nem um porto natural do mundo como Nova York.”45
44 45
Ibid. Pág. 172. Ibid. Pág. 156.
97 Conhecera a Robie House, porém com sua já quinta proprietária, que comprara a casa por um preço baixo e que, a princípio nada funcionava muito bem. A casa tinha seus quinze anos e havia sido vítima de descuidos.46 Neutra acabou não encontrando aquela população que tinha sido afetada pela arquitetura, como imaginaria, ou os homens que haviam se encarregado de produzir tal arquitetura do futuro e que agora passavam os fins de seus dias dentro das casas e felizes nela. A realidade era diferente e desconcertante. Os moradores e os moveis pareciam lamentavelmente inadaptados. Ao conhecer as obras de Louis H. Sullivan, que fora mentor de Wright e, assim como este e Neutra, também era arquiteto da segunda geração, Neutra logo comparara com o que Otto Wagner produzira em Viena. Tal comparação era a suprema glorificação que Neutra poderia das a um produto arquitetônico.47 Conhecera Sullivan quando este possuía já seus 63 anos, dotado de uma
46 47
Ibid. Pág. 173. Ibid. Pág. 174.
98 péssima saúde, desmoralizado, sem prestígio e na miséria. Um gênio solitário.48 Neutra conhecera Frank Lloyd Wright no funeral de Sullivan e, em uma conversa com o tão procurado arquiteto das pradarias, acabou sendo convidado a fazer uma visita a Taliesin, onde Wright estava trabalhando. Sullivan impressionara muito profundamente ao jovem Wright tanto pelo pensamento quanto pela linguagem e a criação entusiasta de floridos e originais adornos.49 Tanto Wright quanto seu aluno Albert McArthur haviam explicitado o panorama das possibilidades da arquitetura (ou ausência da mesma) em território norte-americano. “Um arquiteto moderno não consegue trabalho digno desse nome neste país, especialmente em Chicago.”50
48
Ibid. Pág. 175. Ibid. Pág. 176. 50 Frase dita por Frank Lloyd Wright a Neutra. Ibid. Pág. 176. 49
99 A separação de Wright e Sullivan, para Neutra, fora mais do que uma desavença e, sim, uma tragédia. E o fato de ele ter começado a trabalhar com Wright e falando de Sullivan e de seus sentimentos para com ele com muito apreço entristeciam Wright. Neutra quisera conhecer não as casas de Wright, visto que já as estudara profunda e detalhadamente em Viena, mas queria conhecer as pessoas que nelas moravam. Mas nada perdurara. Tudo caminha. O pessimismo de Wright; o mesmo pessimismo de Sullivan. Anos depois, Neutra percebera que, a princípio, ele mesmo sobrepensava as necessidades o programa, os eixos e os lugares físicos, retorcendo o fio para tecer sua própria trama quando começava a desenhar. Afirmava que um arquiteto também poderia ser um cientista, um contador de histórias. Neutra percebia que a arquitetura horizontal de Wright à cena social norte-americana – com questões de equidade e jsutiça presentes nos projetos – eram bem-vistas e referenciadas no exterior, mas não no contexto norte-americano. Wright acreditava
100 ser um regionalista, mas não era assim visto onde estava. Neutra perguntava-se “…se esta não era a sorte constante do ‘regionalismo
intencional’,
da
forma
conferida
ingenuamente, de tudo o que se cria com um propósito e não se desenvolve a partir de um simples hábito interior e de uma tradição externa comum.”51 As experiências comentadas por Loos despertaram uma admiração em Neutra pela tecnologia industrializada dos EUA. “Era evidente que, por razões econômicas e políticas, se abarcava quase um continente, sem barreiras aduaneiras e com mercado continental que se ampliava tremendamente. “Pelo menos aqui [nos Estados Unidos] havia uma melhor oportunidade de servir a um comum denominador orgânico da espécie, porque se contava 51
Ibid. Pág. 180.
101 com
a
amplitude
e
os
meios
para
sustentar
precisamente tal atitude!” 52 “A juízo de um europeu, este tremendo mercado deveria subministrar a oportunidade e o impulso inicial de uma cautelosa investigação que daria origem a uma indústria dinâmica e robusta, especialmente no campo dos acessórios da construção, e criaria uma tecnologia dotada de recursos abundantes e de uma informação realmente atualizada. Deste modo, a humanidade obteria um novo equivalente à produção dos pequenos artesãos, que de todo modo, em sua condição, haveriam perdido o contato tradicional com os seres humanos. Estados nidos promoveria a arquitetura moderna como não poderia fazer nenhuma outra nação. Não apenas colocaria o engenho e as máquinas indispensáveis para organizar uma nova produção auxiliar de manufaturas amplamente adaptáveis, senão que, por sobretudo, colocaria à disposição do êxito 52
Ibid. Pág. 181.
102 biológico, porque o consumo poderia ser, teria de ser, amplo e exatamente observado. Cantava com o sistema de distribuição, as organizações de venda por correspondência e seu sistema de controle à distância. Desde a dieta até o micro clima criado pelo homem em sua vivência, a biologia poderia triunfar. Todo o fundamental parecia estar ao alcance da estrutura básica, e caberia supor que não estávamos muito cansados da semana de trabalho de quatro dias. Quiçá fosse possível o florescimento do individualismo democrático, não a mera democracia numérica nem a distribuição
de
artigos
exatamente
iguais.
A
investigação fragmentária em pequena escala não era coisa
daquela
época.
Aqui
e
agora
deveriam
subministrar os elementos de uma atividade em grande escala.”53
53
Ibid. Pág. 182.
103 Com o passar dos anos, Neutra foi se animando cada vez menos com a confiança no individualismo norte-americano e sua manifestação com mais êxito do que ocorrera há séculos. Analisando o contexto sócio-econômico dos EUA, Neutra chegara à conclusão que, com tamanha amplitude de mercado, uma arquitetura contemporânea seria criada, fosse ela seguindo um estilo de pradarias, seja qualqer que fosse. A arquitetura simplesmente se adaptaria ao consumidor. Em 1920, Neutra expõe que, enquanto na Europa o arquiteto era dedicado até os mais finos detalhes – dando ênfase nos detalhes manuais – a lógica nos EUA consistia na estandartização dos elementos da produção, fazendo com que o detalhe, como ornamento, se perdesse.
104
105
CONTEXTO HISTÓRICO
106
LOS ANGELES
Los Angeles é atualmente uma das maiores metrópoles dos EUA, e a mais importante do Estado da Califórnia. Concentra uma população de mais de 3,9 mi de habitantes abrigando ainda em seu condado cerca de outras 80 pequenas cidades.
Reconhecida como uma cidade global, se tornando importante objeto de estudo para a arquitetura e o urbanismo contemporâneos,
Los
Angeles
apresenta-se
como
uma
“mercadoria, algo para ser anunciado e vendido para o povo dos
107 Estados Unidos, como automóveis, cigarros e desinfetante bucal” 54
.
Porém, a Los Angeles de Richard Neutra corresponde aquela certo que o arquiteto segue sua produção acompanhando a trajetória metropolitana da cidade, trabalhando até por volta dos anos 70. Contudo a análise empreendida debruça-se ainda nos seus primeiros momentos no país, a parir de 1920, até meados de 1940, quando conquista um notável reconhecimento, alterando de certa forma a natureza inicial de seus projetos. O que seria, portanto, a Los Angeles do início do século XX? Qual a perspectiva de Richard Neutra, uma vez inserido num país onde a arquitetura moderna não encontrava o mesmo estímulo substancial ao seu desenvolvimento?
Em verdade, havia nos EUA o que muitos teóricos e historiadores chamaram de “espírito americano” com relação à produção arquitetônica, um estado que apontava em direção
54
MAYO, Marrow. Los Angeles, Nova York 1933, pp. 319.
108 favorável à uma produção moderna. A atmosfera de liberdade que acatava os aventureiros do “Novo Mundo”, mesmo em tempos mais
contemporâneos,
era
uma
condição
única
de
desenvolvimento, o que naturalmente significava o desprendimento a valores e normas pré-estabelecidos e ao peso da tradição, como ocorria no ambiente Europeu. O solo norte-americano oferecia, dessa forma, um campo de possibilidades novas. A essa atmosfera, somam-se ainda as experiências arquitetônicas do período de colonização, que oferecera ao passado arquitetônico americano um respaldo importante na contemplação de uma arquitetura fundamentada em termos de funcionalidade, de formas simples e concisas e demais aspectos tão importantes à arquitetura moderna.
De fato, o processo histórico de formação dos Estados Unidos tem sua primeira fase marcada pelo período de colonização, quando diversas nacionalidades européias enviaram missões para a ocupação do vasto território norte-americano. Esses grupos se instalaram em regiões distintas onde puderam introduzir seus modos e suas culturas em virtude da própria
109 sobrevivência e prosperidade da colônia. Dessa forma é que, em cada uma das regiões ocupadas, nota-se a influência de estilos regionais (quase sempre rurais),
correspondentes ao país
colonizador: no Vale do Mississipi encontra-se a influência da técnica francesa “poste sobre añojal”; no Vale do Hudson e na Ilha de Manhattam os holandeses introduziram a fachada de “arguilón” e, em toda a Califórnia, a colonização espanhola nos apresenta as residências coloniais, igrejas barrocas, etc.
Los Angeles fora fundada em 1781 enquanto “pueblo” da colonização Espanhola, a fim de incrementar o suprimento de comida e garantir a defesa da província. Não por menos, apresenta forte influência da arquitetura espanhola - como também mexicana em determinados pontos - durante o seu desenvolvimento. Segundo Helene Trocme:
“Nas regiões colonizadas pela Espanha, desde a Flórida até a Califórnia, se percebe muito mais nitidamente a rigidez das regras de urbanismo determinadas na Lei da Índias de Felipe II”
110
“Cada cidade deveria incluir uma praça principal, orientada segundo os quatros pontos cardinais, de dimensões precisas, e acessível por quatro ruas principais”. 55
55
TROCME, Helene. Los Americanos y su Arquitectura, Madri: Ediciones Cétedras, 1983, pp. 77-78.
111
Plano de implantação e perspectiva da Missão de San Juan Capistrano, 1812
112
Embora pouco tenha restado desses planos, trata-se de um fato facilmente observado na Old Spanish Plaza, situado na então região histórica da cicidade Los Angeles.
Com relação aos edifícios, esses planos eram basicamente constituídos por igrejas, para a evangelização tão importante nas missões espanholas, edifícios militares, Imagem da Old Spanish Plaza, 1860.
para abrigar os soldados e possíveis prisioneiros, e algumas residências. Como técnica construtiva nota-se a adesão de técnicas vernaculares conhecida pelos brasileiros como o uso do tijolo de adobe e a taipa de mão, sendo o clima tropical um fator determinante.
No início do século XIX, as construções em adobe começam a dar lugar para as soluções em pedra e madeira, caracterizadas pelos ranchos californianos. É o momento em que o domínio dos espanhóis começa a declinar devido ao enfraquecimento do Império. A partir disso, o México passa
113 avançar sobre tais territórios, concedendo terras californianas a grandes proprietários.
Porém,
como
se
refere
a
historiadora
Sally
Woodbridge, o passado hispânico, não só de Los Angeles, como de boa parte da Califórnia, sofre sua devastação a partir de 1850, quando acontece um importante desenvolvimento econômico do Estado com a descoberta de minérios preciosos, como o ouro. Dá-se início ao “Gold Rush”, marcando de sobremaneira a transformação das cidades do oeste dos EUA com o progresso da exploração de minérios, a posterior introdução de indústrias de madeira, além de um grande fluxo de migrantes de todo o território dos Estados Unidos.
Nesse momento a cidade de Los Angeles passa a consolidar a configuração ortogonal com que se apresenta atualmente, em decorrência da vigência do Plano Red. Votado no Congresso Americano, em 1785, o plano nasce da concepção de estabelecer um controle federal sobre o
114 território dos EUA, em especial “ao oeste dos Apalaches, onde os colonos desejavam estabelecer-se livremente”
56
, e
ao mesmo tempo também fundamentar um sistema simples para facilitar a repartição e aquisição de terras, como uma forma de impulsionar o desenvolvimento urbano57.
Em verdade, desde o início do século XIX o desenvolvimento das cidades já seguia a configuração estabelecida pelo plano. Porém, nesse sentido, tomando-se em mente natureza do plano, é possível deduzir o quão importante passou a ser para o país, com relação a essas cidades, no período caracterizado pela expansão em massa em direção ao “oeste dos Apalaches”. 56 57
Ibidem, pp. 87-88.
Vigorava, então, a divisão quadrangular de seis milhas cada lado, orientados em eixos norte-sul, leste-oeste (base line e range line) e subdividios em trinta e seis quadrados, estes com lados de uma milha de distância. Estes são numerados e vendidos ao preço de um dólar o acre. Uma das cosequências do plano foi justamente o desenvolvimento do processo de especulação, quando até mesmo cidades privadas acabaram surgindo.
115
Imagem de Los Angeles registrada de um bal達o, 1887
Mapa de Los Angeles, 1917
116
É
a
partir
desse
momento,
também,
que
as
construções típicas do período colonial são substituídos pelas tendências arquitetônicas provenientes da Europa. Conforme Woodbridge:
“o ´Gold Rush´ atraiu arquitetos, como todos os “boom times” fazem. Por um momento, arquitetura
nos em
anos
de
emulou
1850,
a
estilos
internacionais” 58
A influência européia que, então a princípio contribuíra com o desenvolvimento do “espírito americano”, nesse momento estabelecerá uma relação desinteressante nesse aspecto. Contrariando a possibilidade de consolidação de uma arquitetura norte-americana própria, boa parte dos 58
WOODBRIDGE, S. B. California Architectura, San Francisco: Chronicle Books, pp. 43, 1988.
117 arquitetos, durante muito tempo, irá se preocupar em importar os estilos históricos europeus, que no mais, justamente “refletiam as mudanças de gosto das classes cultas“ 59.
A partir de 1850, diversos estilos aportavam na Califórnia, seja através de impressos, livros ou mesmo pelos próprios arquitetos, estrangeiros ou não, a ponto de ser possível
identificar
para
cada
qual
um
período
correspondente, conforme o entusiasmo provocado.
Woodbridge relacionará esse primeiro momento, os 1850s, como o referente aos estilos do neo-renascimento, das mansões e edifícios comerciais inspirados nos estilos italianos (italianate buildings).
E os anos de 1880s e 1890s, como
contemplação
estilos
dos
romanescos
das
igrejas
californianas - por adaptar a construção em pedra pela madeira no estilo gótico.
59
TROCME, Helene. Los Americanos y su Arquitectura, Madri: Ediciones Cátedras,1983, pp. 19.
118
Há ainda, com maior destaque, a presença de estilos bastante vinculados à idéia do pitoresco, gerando uma relação de maior identidade com as condições locais e ambientais das cidades californianas. Portanto, estilos como Queen Anne, com seus planos irregulares e uma variedade de cor, textura e também de materiais (madeira, tijolos e pedras), Eastlake (uma variação muito próxima do Queen Anne) são mais predominantes em terras do extremo oeste dos EUA, entre 1860 e 1890. Tratam-se de estilos trabalhados originalmente na Inglaterra, sendo o Queen Anne consagrado por um dos arquitetos mais importantes dos século XIX, Norman Shaw, e introduzido nos Estados Unidos através da “Centenial Exposition” de 1876, na Filadélfia. Já o estilo Eastlake, é resultado do trabalho de Charles Lock Eastlake, disseminado no oeste dos norte-americano a partir de 1872 quando da edição de seus livros.
Residência no estilo Eastlake, Los Angeles
Contudo,
paralelamente
a
tais
estilos,
o
fluxo
migratório também trouxera algumas soluções técnicas, como o “Salt Box”, comum em Nem Engalnd, porém de difícil disseminação devido ao tempo e intensidade de trabalho que demandava; as “Casas Ortogonias”, que prezavam pela salubridade promovida pela constante circulação de ar, resultado
da
ventilação
cruzada
que
suas
faces
contemplavam; além das casas pré-fabricadas, vale lembrar que não se trata do sistema pré-frabricado atual, mas sim do sistema muito recorrente logo no início do “Gold Rush”, por se tratar justamente d eum sistema de fácil montagem e de custo bastante reduzido com relação a um edifício tradicional, porém com sérios problemas de padronizações de tamanho e qualidade de material.60
60
“(…) they should have been easy to reassemble, enough accounts testify to the contrary to show why they failed to compete with local industry when it got to start” The majority of prefabs were probably samall, even miniature by today´s norm”. (WOODBRIDGE, S. B. California Architectura, San Francisco: Chronicle Books,, 1988, pp. 37).
Em meados do século XX, algumas cidades da Califórnia, como San Francisco e até mesmo Los Angeles, já estão muito distantes daquele cenário colonial de origem e se apresentam como uma metrópole em potencial, abarcando importantes setores industriais para o país. A prosperidade econômica promovida pelo impulso industrial das atividades mineradoras, atraía para as cidades californianas setores importantes de atividades financeiras como banqueiros e altos comerciantes, muitos deles vindos de cidades já consagradas, Imagem da cidade de Los Angeles, 1890
como New York. Desse modo, ainda nos anos de 1890s dá-se início a uma proliferação de edifícios inspirados nas escolas de Belas-Artes, principalmente em San Francisco. Arquitetos estrangeiros
como
Willis
Polk
ou
Bernard
Maybeck,
desempenham grande influência entre os novos homens importantes da cidade, construindo bancos e residências com a
monumentalidade
dos
estilos
neo-clássico
e
neo-
renascentistas.
À respeito de Los Angeles, novos centros urbanos são formados peculiares à paisagem urbana de Chicago. Em Centro comercial de Los Angeles, 1930
verdade, a cidade é palco de um desenvolvimento econômico muito mais profundo quando participa do crescimento industrial norte-americano com a instalação de indústria petrolíferas. Uma nova dinâmica da cidade, pautada pelas novas tecnologias de produção e de transporte, como os automóveis,faz que os arquitetos transformem os edifícios em função de um fator extremamente novo e fascinante: a mobilidade das cidades capitalistas. É nesse contexto que surgem projetos inspirados pelo estilo Art-Deco ou o “Streamline Moderne”.
Portanto, ainda que alguns arquitetos insistissem no emprego
de
recursos estilísticos,
a
arquitetura
norte-
americana apresentava nesse período a influência de arquitetos alinhados à uma produção descomprometida com os modelos históricos europeus. Chicago era, nesse sentido, um foco disseminador dessas idéias apresentando-se como berço para a formação de nomes fundamentais para o desenvolvimento da arquitetura moderna americana, ou mesmo de uma arquitetura genuinamente americana. Foi a
partir de arquitetos como os Greenes, Irvin John Gill, Frank Lloyd
Wright,
americano
todos
Louis
eles
Sullivan,
influenciados que
pelo
arquiteto
as
primeiras
surgiram
manifestações arquitetônicas nesse sentido, tanto nos EUA quanto mais especificamente na Califórnia - e em especial na cidade de Los Angeles.
Charles Summer Grrene and Henry Mather Greene, americanos, chegaram à Pasadena, Califórnia, em 1893, onde desenvolveram
projetos
pautados
nos
parâmetros
desenvolvidos pelo movimento concepções estão fielmente definidas em um questionário respondido em 1906 para Charles Lummis, do Los Angeles Public Library Department of West History, à respeito de sua apromiximação do design doméstico, em que constava:
“1º para compreender tantas fases da vida humana quanto possível; 2º para prover por seus requisitos individuais no meio mais prático e útil;
3º para fazer tais coisas necessárias e úteis agradáveis” 61.
Além disso, os Greenes contemplam habilidades com materiais muito usados ao longo da história da Califórnia. Suas obras se relacionam de uma maneira muito satisfatória com a paisagem californiana, através do uso da madeira e dos blocos cerâmicos, seus “Bangalows” chegam a ser comparadas por Woodbridge às Casas de Pradaria de Frank Lloyd Wright.
Irvin John Gill, natural de Nova Iorque, também chegara a escritório de Sullivan em Chicago, um fato determinante para a sua produção, reconhecida como difusora de uma arquitetura fundamentada, justamente, na construção de edifícios definidos por formas simples e concisas. Em 1913, conclui a construção da La Jolla Women´s Club, em San Diego, onde a forma retangular pura é marcada por um rítimo de arcos que lhe definem as aberturas e uma 61
WOODBRIDGE, S. B. California Architectura, San Francisco: Chronicle Books, 1988, pp. 69-70).
marquise de pergolas estende o interior do edifício à paisagem. Notadamente ainda se observa a marcante referência colonial, o que sugere, portanto, uma busca pela construção de uma arquitetura americana própria, valendo-se de um repertório construtivo original do país, no caso, das cidades californianas.
Outro projeto fundamental de Gill, nesse aspecto, e tida pelos historiadores como sua obra-prima, é a casa Walter P. Dodge e, Los Angeles. Construída em 1916, traz explicitamente
muitos
dos
preceitos
consagrados
pelo
movimento moderno da arquitetura, como o uso de formas retangulares bem definidas, valendo-se das aberturas para uma composição integral do edifício.
Casa Walter P. Dodge, Los Angeles, 1916
Como visto, a virada de século XIX para o XX correspondeu aos Estados Unidos a um momento decisivo para a constituição de uma nova arquitetura, tanto quanto na Europa. Porém, há uma diferença fundamental e que pode ser identificada desde agora, seguindo a passagem de Alan Colquhoun à respeito da arquitetura moderna em solo norteamericano:
“os avanços decisivos para a arquitetura moderna se produziram no setor privado. Inclusive os projetos públicos eram financiados por organismos privados
(...)
desenvolvimento
e
isto da
tendia
a
arquitetura
inibir
o
moderna
immpulsionada pela ideologia, mesmo que chegou a eliminá-la de todo” 62.
O autor segue, assim, apontando para a contradição existente entre o contexto cultural dos EUA a conjuntura 62
COLQUHON, Alan. La Arquitectura Moderna: Uma historia desapasionada, Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2005.
européia no processo de consolidação do movimento moderno - o que resultaria, portanto, em movimentos essencialmente distintos nesses lugares. Para tanto, discorre sobre dois fatores fundamentais: primeiramente, a inexistência de movimentos sociais e até mesmo de vanguardas artísticas nos
Estados
Unidos;
mais
tarde,
as
conseqüências
provocadas pela II guerra mundial, tanto na Europa como na América.
Colquhon explicará, então, a partir da exposição de 1932 no Museu de Arte Moderna (MoMA) em New York, o processo pelo qual a arquitetura moderna receberia ampla divulgação no país. Por meio do trabalho de Hitchcock e Philip Johnson à respeito do chamado International Style, é reforçado o fato de que a arquitetura moderna nos EUA representa uma produção que se colocava distante de debates políticos e sociais tal qual aquele movimento europeu, sendo tratado mais como um modo conceber os projetos.
A respeito da relação entre o movimento e a Segunda Guerra Mundial, a contradição se terna evidente, uma vez que fora justamente a condição precária em que se encontravam os países europeus após a guerra, que estimulara mais do que nunca o enfoque social da arquitetura. Além disso, a recuperação das cidades destruídas pelas batalhas seria financiada pelo dinheiro público decorrente dos programas governamentais. De fato, em 1925, Neutra já compreendia que os Estados Unidos eram bastante diversificados e amplos e que Nova York e Chicago eram lugares importantes do mundo. Viajara para Califórnia no inverno com sua família, pois ali era o único lugar onde Wright pudera realizar alguns trabalhos durante o período em que Neutra estivera nos Estados Unidos. Na Califórnia, Neutra diz ter encontrado um povo mais flexível do que em outras regiões do país, não se preocupando com opiniões heterodoxas, desde que não fossem políticas.
Logo, a atmosfera lhe pareceu apta para ensaiar aquilo que se destacaria dos hábitos até então trilhados, europeus e até mesmo americanos, e também para tratar de se familiarizar com pensamentos e pautas humanas de conduta, por assim dizer, em uma sorte de esfoliação tropical. “Muitas das pessoas que haviam ido à Califórnia não haviam sido conduzidas por razoes de tensão econômica, diferente das que haviam migrado cem anos antes, desde os Catskills a Ohio, desde Ohio a Illinois. Naqueles tempos, antes das tempestades de areia de Oklahoma ocidental, a fome não conduzia o povo para o Oeste.
Como
acabaram
trariam
ficando
nas
consigo ‘terras
seus
bens,
meridionais’
simplesmente para melhorá-las. As principais comunidades, por exemplo a colônia de Indiana que agora se chama Pasadena, ou Redlands, ou qualquer um dos assentamentos mais antigos na região ‘naranjera’, foram fundados por populações acomodadas. Haviam sido pessoas de êxito em
suas
respectivas
médicos,
profissões
profissionais
variados
–
advogados, –
e
depois
emigraram e fundaram ou um colégio ou uma igreja, por suposto, sub bdividindo a terra circundante para sua venda em lotes. Eram pion eiros de espécie diferente e a campina era um horto frutífero com sua própria ‘indústria no campo’, granjas cheias de máquinas mais do que fábricas e manufaturas. Nessa época, a Califórnia tinha um céu azul e não existia poluição. Los Angeles era uma cidade bastante pequena quando eu cheguei; porém ainda na década de 1890, quando a população não ultrapassava os 50 ou 60 mil habitantes, teria arquitetos como o britânico John S. Austin e John Parkinson […] Continuavam praticando serenamente mais ou menos a mesma arquitetura para a companhia de gás, para os banqueiros locais e para os comerciantes ; porém pude conseguir pelo menos
alguns
pequenos
trabalhos
utilizando
outros
63
enfoques das coisas.
“Porém eu havia escutado e seguido o chamado da distante Califórnia, a região de clima benigno que me convidava seres
transplantados,
aviver entre outros
gozando
e
ainda
compartindo um pouco sua flexibilidade e a faculdade de devolver a vida ao Sul, não de um modo abstrato nem teórico, senão calidamente, segundo ummodo novo, concreto e real. Creio que Frank Lloyd Wright e Walter Gropius não tiveram formulado conceitos muito favoráveis acerca da Califórnia. Porém haveria de converter-se na mais contemporânea região do sul em busca de um modo de vida apropriado para nossa época. Pelo que sei, Mies e Le Corbusier nunca a visitaram. Se tivessem feito, dificilmente se teriam mostrado cordiais com sua ingenuidade cultural, que por toda parte a beira da desordem. Porém supondo 63
Ibid. Pág. 199.
que Loos me havia educado para que simpatizara com a desordem de humilde origem social”.64 Los Angeles era um lugar muito especial e oferecia uma
posição
que,
para
Neutra,
mostrou-se
bastante
vantajosa, pois se tratava de uma região meridional que não era um lugar improvável e que poderia se constituir em um local apropriado para o desenvolvimento da espécie humana e das idéias acerca da criação de mecanismos e construções que readaptassem a população ao meio em que se encontravam, e não propor novos formalismos. Constituía-se em uma situação agradável, ainda que os norte-americanos não digerissem tão facilmente as idéias, porém tratava-se por se projetar uma ampla visão de futuro e pressupostamente permitiria por toda a parte a criação de um clima mais ameno para a população. A Califórnia, para Neutra, tratava-se de uma região que se industrializara, porém mantendo características de sua origem natural, cujo clima subtropical possuía muitos atrativos 64
Ibid. Pág. 202.
em prol da implantação da Nova Arquitetura, bastante adaptável às necessidades biológicas e a um novo modo de vida. A estrutura de tais idéias representaria a completa fusão entre interior e exterior – tal qual foi o rótulo que a difundira. Califórnia era, sem dúvida, um lugar estratégico para tais tipos de ensaio.
PRINCIPAIS OBRAS 1925 - 1935
LOVEL HEALTH HOUSE – 1927 Colinas de Griffith Park Los Angeles – Califórnia
Em 1927, começara a trabalhar no projeto da Casa de saúde, para o Dr. Philip Lovell, um protótipo no sentido de seu profundo interesse em atitudes biológicas incorporadas às intenções da arquitetura e também pelo fato do cliente, o Dr. Philip, ter o estimulado, compartilhando dos mesmos critérios.
A Sra. Lovell e sua irmã compartilhavam de certo apreço pela arquitetura de Wright, o que facilitou a Neutra implantar uma linguagem diferente da neocolonial espanhola que se difundia sem barreiras pela costa oeste norteamericana. O Dr. Lovell queria participar de um experimento futurista. Seria o homem capaz de antecipar a saúde e o futuro em uma estranha e complicada estrutura de aço revestida por uma fina camada de material sintético, amplamente aberta, aplicada com destreza e exatidão naquele fragmento inclinado de uma natureza inclinada. A idéia de comunicação visual com aquela natureza original da Califórnia seduzia Philip Lovell. O projeto constituía uma aparição aparentemente estranha no cenário geral de 1927. Segundo o projeto, poderia ser avistada de longe, incrustada em uma encosta, quase escarpada, sobre o fundo das altas colinas de Griffith Park, com ampla perspectiva do sul, sobre as árvores que cresciam num primeiro plano e que se Imagem de 1932
prolongavam até atingirem o mar distante. Pela primeira vez se utilizara estrutura metálica tão detalhada e específica em uma residência. Graças à fusão entre interior e exterior, pouco conhecida até então, a saúde se beneficiara, mediante a continuidade das esquadrias, que representavam o vínculo com a paisagem, ponder-se-aria novamente a contribuição dos elementos que haviam caracterizado uma cena natural vitalmente dinâmica durante cem mil anos e lhe atribuía outra vez a condição de habitat humano. Quando as cortinas eram abertas, penetrava-se uma perspectiva e uma paisagem esplendidas ao interior. Fora uma das primeiras casas com fechamentos têxteis por detrás dos vidros, em uma época em que todo o continente, desde Montreal até Rio de Janeiro, Lima e Buenos Aires, era virgem nesse aspecto. Gerações e gerações posteriores foram influenciadas por Neutra e sua obra, que
foram reconhecidos e obtiveram destaque no contexto arquitetônico da época. A Lovell Health House fora concebida a parti de estudos acerca das relações humanas entre os habitantes e membros da família, das relações entre os habitantes e suas atividades corriqueiras, da rotina familiar e da necessidade de relação de todas as ações com a natureza. Neutra procurou estabelecer um programa construtivo que deveria ser interpretado como algo que contribuísse para o bem-estar Sala de estar
psico-fisiológico dos moradores, centralizando seus estudos no impacto benéfico de um ambiente bem-projetado sobre a saúde geral do sistema nervoso dos usuários. A planta aberta refletia
a
personalidade
expansiva
de
Lovell,
que
representava em si atributos atléticos e progressistas do International style.
Vista interior
Projeto residencial onde o autor põe em prática sua atitude fisiológica frente à arquitetura65. Tal
obra
é
considerada
a
apoteose
do
International Style, incorporando vários aspectos das idéias que vinha desenvolvendo até então a respeito de relações biológicas e fisiológicas dos indivíduos com ambientes saudáveis, colocando em prática suas conceituações acerca do realismo biológico, tornando a Lovell Health House uma forte e decisiva influência no decorrer da carreira de Neutra.
65
J. M. Borthagaray.
VAN DER LEEUW RESEARCH HOUSE - 1932 2300 E. Silver Lake Boulevard Los Angeles – Califórnia
Neutra pretendia que seu novo complexo familiar fosse um experimento entre tecnologia e espacialidade, uma casa experimental, de modo que se promovesse a saúde e
comodidade aos seres humanos que nela se abrigariam, e demonstrar que
“o homem é um ser estável, que a nova arquitetura não é um estilo passageiro, podendo se adaptar bem a qualquer geração subseqüente, a quaisquer respostas humanas.”66
Foi a oportunidade de desenvolver uma casa de estudos sobre os materiais e um protótipo de uma vida – trabalho protótipo, um laboratório que parece muito mais espaçoso que 214 m2. Neutra escolheu um terreno similar a aquele de seu patrocinador, o magnata industrial holandês C. H. Van Der Leeuw, cuja casa Roterdam se assemelha ao Kralingse Plaslaan. A casa de Neutra ocupava uma suave encosta de 18 x 21 m, área que se localizava a cerca de 30 metros de Silver Lake, aparentando fazer parte da paisagem 66
Neutra, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972. Pág. 251.
e da vegetação da Califórnia, em uma acidentada vizinhança residencial não muito longe do centro de Los Angeles, agora muito conhecido pela forte presença de uma das pequenas e brilhantes casas feitas por Neutra, J. R. Davison, John Lauther, Rudolf Schindler e por Gregory Ain, H. H. Haris e Raphael Soriano. Estes últimos três arquitetos trabalharam para Neutra na sala de projeto da primeira VDL em 1930. O material empregado constituía de uma gama dos mais novos e variados produtos de pré-fabricação de natureza standard, cuja utilização fora empregada de maneira Imagem da construção
adequada,
respeitando também
as
características
dos
materiais.
O
assimétrico
complexo
em
forma
de
H
foi
elegantemente resolvido num programa muito exigente. Como um sofisticado kit de peças, e elasticamente respondia a um número de diferentes ocupações, de um aprendiz de desenho
para grupos de música para membros da família. Para cunhar as palavras de Neutra que o programa incluía uma
“família mínima convivendo com uma kitinete e um estúdio na parte de traz; conviver com um solteiro; viver em um alojamento com sala de jantar, cozinha, varanda para o lago e uma ala separada de quarto... um porão com área de trabalho... um playground para crianças, dois terraços no telhado, dois jardins”.
Existem duas portas na entrada da estrutura principal de dois andares, uma para o norte visando o estúdioescritório de Neutra, e a outra voltada para a ala da família na parte superior, onde há um jardim de cobertura (varanda) com sua parte de trás baixa com um sofá de couro que separa a vivência dos cômodos de dormir (quartos). A perna do H que junta a parte oeste e a leste contem um quarto de empregada (onde um pequeno terraço aberto se localiza agora); um
minúsculo quarto que futuramente foi utilizado por uma variedade aprendizes ao longo dos anos; começando com Raymond Neutra, uma lavanderia-quarto; e uma área de se vestir que duplicava a área de trabalho interna.
A forma H estrutura um dos componentes que conecta os volumes, empurrando a vista frontal e de trás para as ruas. A estratégia permitiu a Neutra preencher os espaços que sobraram com ambientes externos, desta maneira garantia que tais ambientes permitissem um contato com a natureza em mais dois lados da casa. O novo código de construção e zoneamento permitiu a Neutra construir seus principais edifícios de 1932 quase até a calçada.
Neutra apresentou o quarto de hóspedes ao departamento de construção como sendo uma garagem para qualificá-lo de novo e construí-lo sem problemas. Uma peça integral do design com 1333 pés quadrados completada em Planta pavimento de acesso
tempo para o natal de 1939. Ela continha uma área de
vivência/área de jantar de 5 x 7 m e uma cozinha; e custou US$ 4,3 mil para construir, escreveu Neutra. Uma das principais características foi a adoção de três portas de ferro e vidro que se abriam totalmente para o oeste e a sala de estar para o jardim cujo pavimento estava isolado. Suaves luzes fugazes poderiam ser projetadas à noite e se encontrar no interior e exterior da residência, de forma a promover um aumento to contato entre a casa e os ambientes externos.
Em uma exibição fotográfica etiquetada “Dione Neutra´s Guesthouse” aparecem imagens em que grandes ramos de palmeiras adentram a sala de estar de visitas tão longos e horizontais que parece ter alguém segurando-os, apresentando o fator que determina a integração entre ambiente interno e externo.
Em
contraponto
a
projetos
já
desenvolvidos,
direcionados a vivência de apenas uma família, o programa
desta casa e a relação da mesma com o terreno reconfiguraram constantemente a vida da família Neutra. Iluminação,
mobiliário
e
acabamento
foram
mudados
constantemente, buscando-se sempre uma forma mais apropriadapara a uma habitação que foi pensada para responder a constantes condições de mudanças.
A intimidade das fachadas de vidro é guardada pelos reflexos da iluminação natural exterior, estando incorporado ao projeto todo um estudo de iluminação e também de ventilação – direção e aproveitamento dos ventos dominantes –, tudo relacionado com as atividades psico-fisiológicas dos usuários, e não somente para preservar as atividades rotineiras.
As fundações da residência foram feitas em madeira, segundo Neutra, para a casa suportar os sismos que ocasionalmente abalam a costa oeste norte-americana.
A estrutura modular de madeira foi queimada em 21 de março de 1963, no período em que Richard e Dione viajavam pela Europa, devido a problemas nas instalações elétricas. O quarto de visitas foi destruído. A vida da empregada foi salva, pois ela conseguiu passar pela outra porta que levava à área externa.
Dion Neutra foi creditado tenazmente por resgatar muito dos arquivos do escritório e materiais sobre a casa destruída. Com o aval e aceitação de Richard Neutra, reconstruiu a casa, remodelando-a no mesmo terreno, utilizando-se também da lógica de projeto de concepção da obra de seu pai.
Planta subsolo
Planta pavimento de acesso
Planta segundo pavimento
Planta "penthhouse"
Cortes longitudinais
Cortes transversais
Vista pavimento de acesso
Vista do boulevard Silverlake, para o sul
Abrigo do terraรงo, com visรฃo parcial do plano envidraรงado
Abrigo do terraรงo, 1950
Garden house
Garden Room, interior
Garden Room, canto sudoeste
Garden House, pรกtio e sala de estar
Sala de estar com รกrea de jantar
Conona School – 1935 3835 Bell Avenue Bell, California
Construída no mesmo ano que a Academia militar da Califórnia (feita toda com estrutura de aço), está escola de ensino fundamental, feita com estrutura de madeira, foi a primeira oportunidade de Neutra de implementar suas idéias radicais de design escolar no qual ele já vinha trabalhando,
desde sua primeira formulação em “Rush City Reformed”, no final da década de 20.
A obra, porém, só fora realizada graças a Nora Sterry, a inteligente diretora da escola, e também à participação de membros da Liga das Mulheres Votantes em uma reunião da Junta de Educação de Los Angeles, que apoiaram Neutra em sua concepção de educação mais voltada para um contato direto com a natureza.
A educação, particularmente no ensino fundamental, era visto por Neutra como um evento baseado em relações de efeito e causa: assim uma boa arquitetura era fundamental para gerar uma boa educação.
Neutra rejeitou assim o modelo tradicional de volume monolítico múltiplo-pavimentado, descentralizando-o em uma estrutura mono-pavimentada de classes térreas.
Incorporara todos
os estudos
preliminares sobre
edifícios de instituições educacionais que deveriam manter algumas características relacionadas a questões naturais externas às salas de aula, como estudos da Ring Plan School, de 1926, que fora construída posteriormente em 1961, com o nome em homenagem ao arquiteto, e também como o Activity class room study, de 1928, no qual Neutra propôs salas de aula uniformemente orientadas, bilateralmente iluminadas e com seus próprios pátios externos de trabalho.
O contato com a natureza deveria ser facilitado, utilizando-se métodos que permitissem dobrar o ambiente destinado a atividades, através dos espaços destinados a aulas externas. Assim as portas de todas as salas poderiam ser abertas para modificar o espaço. Imagem de uma típica aula no pátio da classe
Na Corona School o bloco principal consiste em cinco salas de aula vinculado a um bloco secundário que possui dois jardins de infância, situados na ala sul do bloco principal.
Essa escola foi projetada para ser uma experimentação da tentativa de articulação dos novos métodos educacionais. O bloco principal consiste em cinco salas de aula, em que cada uma composta por quarenta alunos de 6 a 10 anos, todas em pavimento térreo. Áreas abertas separadas por vegetação baixa servem para aulas ao ar livre, que são possíveis durante quase o ano todo devido às temperaturas amenas e baixa amplitude térmica.
Planta das salas de aula
Sismos são comuns na cidade de Los Angeles e por isso as construções ficam sujeitas a estresses laterais. Por essa razão, o arquiteto introduz à arquitetura californiana o uso de materiais que respondem bem a essas condições, como madeira leve, estruturas metálicas, gesso, etc. Enfim, o uso de métodos que, depois de feitas pesquisas, provaram ser mais satisfatórios que outros métodos e materiais, tanto tecnologicamente quanto economicamente. As fundações foram todas feitas com concreto reforçado. A cobertura possui um vazio que serve para isolar as salas de aula do calor que incide na mesma e o teto foi tratado com um eficiente sistema de absorção acústica à base de gesso. Janelas e grandes portas de correr, em estrutura metálica, foram cuidadosamente detalhadas pelo arquiteto. O chão é coberto com
um
madeiramento
resistente
tratado
com
cera
antiderrapante.
Quando a escola foi finalizada, em 1935, uma reportagem de um jornal de Los Angeles publicou que a
construção parecia ser um mercado drive-in ou uma cobertura em Marte. Mas Neutra explicou aos repórteres que o método de um professor que senta na frente dos alunos com lugares fixos causa uma pobreza de instrução e que essa escola trazia um novo método de ensino no qual os professores se tornam membros de um grupo ativo em que podem circular livremente pela sala e manipular materiais e ferramentas de ensino juntamente com as crianças.
Após
quinze
anos
de
experiência,
autoridades
educacionais declararam que essa escola experimental provou ser um grande sucesso e se tornou um “protótipo” para uma contínua produção em série.
Planta de implantação
Layout de uma sala de aula
Corte do edifĂcio de salas de aula
Elevação leste
Elevação oeste
Vista do corredor de acesso Ă s salas de aula
Vista do pĂĄtio das salas de aula
CONTINUIDADE
DÉCADA DE 40 – NOVA YORK E CHICAGO
Neutra trabalhara em vários escritórios, uma vez que sua investigação o levou a ocupar dezenas de empregos dos quais alguns trabalhava como único desenhista, em outros, apertado com mais seis ou oito pessoas em um pequeno apartamento. Por fim, chegou a trabalhar na Holabird & Roche, em Chicago, empresa que projetava muitos dos edifícios mais notáveis do Meio Oeste e que mais tarde seria encarregada de
outras construções como os Hotéis Statler, em Washington, Los Angeles e em outras grandes cidades. Neutra entrara no escritório no projeto da Palmer House, a ser construída posteriormente ao incêndio da primeira, em 1871. O hotel possuía cerca de 2400 apartamentos e o mesmo número para banheiros, 04 restaurantes distintos em quatro níveis diferentes. Projeto de complexidade tamanha que Neutra começou a redigir notas que utilizaria ele próprio posteriormente. Tais notas iam por si só se ampliando, o que gerou o livro Wie baut Amerika, publicado em 1926, sobre os interessantes recursos modernos destinados a servirem ao homem através da criação de um meio que, por hora, era viável. Não analisara apenas a construção de um hotel e seu significado para o país, mas também sua estrutura completa de um edifício multifuncional erguido no centro da cidade de Chicago. Neutra alega que a verdadeira raiz dessa obra era a exploração clínica intuitiva e sistemática da interação humana e social.67
67
Neutra, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972. Pág. 187.
Colaborou também em outro livro, Amerika – Neues Baunen in der Welt (Novos métodos de construção no mundo), incorporado à obra tudo o que sabia de seus precursores. Fotografias de trabalhos de Irving Gill, R. M. Schindler, Burleigh Giffin, John W. Root e seu Monadnock Block, Louis Sullivan e conceitos de Wright.68 Referia-se à arquitetura norte-americana. Em 1926, desenvolvia-se num movimento em favor da Arquitetura Moderna nos EUA, que achou uma grande falsidade lisa e plana. Na época, qualquer desenho que pudesse ser considerado contemporâneo se difundiria muito lentamente, porém seguramente. A Costa Oeste era mais flexível do que a Leste com relação a incorporações de valores modernos. Neutra não aprenderia muito na Holabird & Roche sobre desenhos seguindo lógicas biológicas, porém estava disposto em aprender ao máximo tudo aquilo que iria obter de experiência. Realizara progressos enormes do ponto de vista técnico. Fora promovido de desenhista 208 ao posto oficial de 68
Ibid. Pág. 189.
mediador entre os diferentes departamentos da empresa e o diretor de projetos, Sr. Pellini, vindo da Escola de Belas Artes de Paris,
cujas
aparentavam
seqüências ser
de
estranhas,
pensamento superpondo-se
arquitetônico de
modo
inverossímil ao concreto e ao real. No escritório, percebia que a arquitetura obrigava cada um a enxergar sua própria personalidade nos outros, mais do que atender aos problemas técnicos de caráter meramente técnico. Todos eram seres humanos. E uni-los de maneira harmônica era a questão principal. Percebia isso também na integração entre os departamentos. Cita que grande parte da antiga curiosidade concreta do realismo técnico da cidade de Chicago pertencia ao passado quando Neutra chegara ali. Os escritórios tinham se fortalecido, mas importavam projetistas de Paris e continuavam vendendo importações. O pequeno arquiteto não tinha importância alguma perante os grandes estúdios, verdadeiras máquinas eficazes, com seus projetistas franceses aplicando toques superficiais.
Quando Neutra chegara em Nova York, considerava a Singer Tower um dos maiores edifícios do mundo. Enquanto se construía o edifício Woolworth, tinha-se o exemplar mais belo do gótico, superior à Catedral de Canterbury, pois suas gárgulas e adornos reforçados foram feitos de folhas de aço, reduzindo com a tecnologia nova, o peso do edifício. “Nova York é uma cidade profunda e humanamente
cálida,
e
povoada
por
homens
pateticamente dispostos a chorar sobre nossos ombros
em
um
bar
ou
em
um
restaurante
automático, e ainda frente ao volante de um táxi. De todas as cidades de proporções gigantescas, por acaso talvez seja a mais orgânica. Em Manhattan, sobre um extremo de uma rua ou sobre outro, sempre se pode ver uma bela linha horizontal de água, e na primavera ou no outono, quase sempre um céu italiano cobre tudo. Recordo-me, todavia, da cidade de Loos, o lugar onde ele vira a todos os
pobres lutadores não assimilados que se animavam depois de ter passado estupefatos, admirados e quase como um rito, em frente à Estátua da Liberdade em olhares sobrecarregados e devagar. Logo chegavam à Oficina de Imigração de Ellis Island, com seu severo São Pedro que guardava a chave do paraíso. Para mim, com as associações que se elevam em um horizonte longínquo e promissor é em verdade um aspecto importante de Nova York.” 69 Em 1930, Neutra passa a trabalhar no projeto do Edifício da Universal Pictures, enquanto projetava casas em Connecticut e em uma ilha no Atlântico, próxima de Manhattan.
69
Ibid. Pág. 196.
DÉCADA DE 40 – LOS ANGELES
No início dos anos 30, com os traçados da Corona School Bells, conquistara lentamente, sempre em sua condição de estrangeiro, a confiança de uma junta de escola firmemente unificada em sua posição. “Os seres que habitam a maior cidade do mundo parecem indivíduos mais curiosos, mais empreendedores do que os de outros lugares. Não é fácil encontrar uma resposta. Nova York pareceu sempre cheia de lições construtivas para oferecer ao mundo e não cabem dúvidas de que é uma cidade que transborda interesses humanos. Acredito que
nos próximos anos lhe atribuirão um papel ainda mais destacado.”70 No início da década de 20, Neutra iniciara um trabalho que só fora concluído dez anos mais tarde, a chamada cidade Dinâmica Reformada, um núcleo cada vez mais amplo de estudos de problemas urbanos, desde questões sociais até de infra-estrutura de uma localidade. Profetizava tal estudo que era inevitável uma renovação urbana de âmbito integral. Isto, mais tarde, fez Neutra ser designado membro e presidente da Junta de Planejamento Estadual em um estado que quintuplicara sua população durante o período de elaboração de planos do arquiteto. Durante os anos 1923 e 1930, atividades importantes nas esferas de revisão geral e renovação de planificações passaram a ser realizadas ao longo dos Estados Unidos e ao redor do restante do mundo.
70
Ibid. Pág. 197.
A arquitetura californiana saudåvel, proposta por Neutra, procurara prevalecer um conceito sereno, bem como no projeto enviado para a Liga das Naçþes em Genebra, da qual participara com Schindler.
VIAGENS
Neutra realizara várias viagens ao redor do mundo durante sua carreira. Visitara com Le Corbusier, em 1929, a casa Stocklet, de Hoffman e Klimt. Dione o acompanhara em suas viagens a Lima, Rio de Janeiro, Boston, Copenhague, Tóquio, Tailândia, Manila, Índia, Istambul, Cidade do Cabo e Caracas, Suíça, Áustria, Holanda, África – do Egito a Nairobi, Cabo, Congo belga, Senegal –, Canal do Panamá, México, Guatemala, Venezuela,
Colômbia,
Peru,
Bolívia,
Argentina,
Havaí,
Kamakura, Nara, Berlim, Hong Kong, Singapura, Colombo,
Aden, Port Said, Tóquio, Yokohama, Osaka, Kyoto, Macao, Ouro Preto, Bruxelas, Paris, Londres, Anatólia e Grécia, Congo e Zurique. Além de ser colaboradora de Neutra em tudo que fosse necessário, e de ter sido responsável pela educação de seus três filhos, Dione nunca descuidara de exercer sua própria arte e talento criador. Em meados de 1956, Neutra vira a realidade na África do Sul, pronunciara conferências aos africanos, aprovara o exame de arquitetura, fizera novas amizades e desenhara croquis desde Stellenbosch, na província de Cabo, até a capital em Transvaal. Bloemfontain. “Pretoria
e
o
Presidente
Kruger
me
pareciam ainda nomes cálidos e sonoros, e me comovia ao desenhar as coisas dos povos de cor da Ásia e dos negros a quem o destino havia empurrado a essa confusa situação”.71 71
Ibid. Pág. 73.
Nestas viagens, Neutra aproveitava para analisar os lugares,
gerando
verdadeiros
estudos
antropológicos,
de
arquitetura e de geografia locais, tendo em vista as informações que absorvia. Coletava dados e situações os quais analisara e utilizara como parâmetros, exemplos e objetos de estudos para suas conceituações acerca do realismo biológico e todas as relações que procurava explicitar com a biologia, fisiologia e arquitetura. Havia pessoas interessadas na atividade prática da coletividade humana em quaisquer desses lugares. A discussão fecunda recorria a uma variedade de terras, de geologia ao tráfego.
ARQUITETURA SOCIAL
O MUNDO RURAL PEDE ARQUITETOS
Segundo Neutra a América Latina apresenta uma variedade infinita de todos os pontos de vista; e nos impressiona sobremaneira quando pensamos em seu grande futuro e em todo o desenvolvimento que a próxima geração poderá ali realizar. Neutra demonstra que se tem um grande respeito quando relata essas assombrosas possibilidades de progresso dentro da civilização técnica em marcha, civilização essa que
deveria ser aceita com lealdade, pois seria responsável por cumprir o futuro destino de todos.
Neutra acredita que foram razões mais de ordem psicosociologica do que dificuldades técnicas que impediram a civilização de se expandir uniformemente por todas as regiões do planeta.
Os técnicos, sobretudo os arquitetos estavam se aglomerando nas grandes cidades, já tão congestionadas de todos os pontos de vista, e estavam concentrando sobre os problemas relativos ás condições de vida das minorias metropolitanas. Os arquitetos deveriam compreender que os seus serviços seriam tão úteis quanto maiores fosse as áreas por eles atingidas, eles deveriam se dedicar a isso como um verdadeiro prazer. Atualmente, a força política das zonas rurais, nos campos ou nas montanhas, tende a aumentar e assim seria necessário dar mais atenção a essas regiões, provendo-as de acordo com suas
necessidades físicas e espirituais, contribuindo para a execução do planejamento cuidadoso de todos os melhoramentos. Os governos deveriam assim, dar apoio à imensa tarefa de desenvolver os recursos e as possibilidades das regiões abandonadas.
Neutra explicita sua opinião sobre as próximas décadas de seu tempo, ele acreditava que o afluxo exagerado da população rumo à cidade grande teria de ser restringido, combatendo-se a solidão, o tédio e a falta de saneamento e das facilidades que tornam a vida mais suave, a técnica moderna e a compreensão das necessidades humanas poderiam realizar esse milagre.
Não seria necessário nem possível entrar nos detalhes de planejamento em questão, suas modificações e proposições. Nem todas as variantes e considerações relativas à escolha dos terrenos
apropriados,
como
soes
acontecer
como
em
planejamentos concretos. Por mais importante que isto seja para
a realização desses planejamentos, a intenção de Neutra em seu texto é a de apenas estimular outras atividades de planejamento para as zonas rurais e paras as pequenas cidades situadas nas belas regiões das zonas de predominância latina da America.
A nova civilização depende automaticamente de uma economia democrática que faculte todos os gozos de seus benefícios, e não poderia ser sufocado pelas condições restritas impostas por uma oligarquia econômica de limitado poder aquisitivo e concentrada em poucos pontos. Tudo aquilo que o arquiteto moderno necessita para seu trabalho para seu trabalho, como janelas, ferragens, aparelhos para a cozinha e banheiros, todo e qualquer material a ser previamente fabricado, tem de ser produzido e distribuído, o que somente seria possível quando existe uma grande procura pelo mesmo. As indústrias responsáveis pela produção de tais produtos não podem se desenvolver sem a garantia de um consumo de massa.
Tal fato leva ao jovem arquiteto, mesmo que este esteja livre de qualquer sentimentalismo, a tomar maior interesse pelas necessidades da população deste globo em vez de permanecer preso a algum ambiente abastado. Segundo Neutra, por razões de ordem técnicas, seu tempo seria marcado pela indispensável produção industrial do material necessário para a construção, a produção industrial garantiria o material necessário para o arquiteto trabalhar, seria o que é a pedra para o canteiro, o que é a floresta para o carpinteiro nos tempos primitivos.
Tratando-se se um exemplo, segundo Neutra o sul da Califórnia talvez seja a extensa região rural dentro do mundo “civilizado”. Neutra explicita sua opinião, a Califórnia deveria servir de base para estudos de adestramento concernentes ao planejamento rural e, ao mesmo tempo, progressista. Durante as múltiplas viagens feitas por Neutra pela a América Latina, o arquiteto pode verificar as afinidades existentes entre estes e a Califórnia, o que não ocorreria em outras regiões do norte dos EUA. Surge assim a necessidade de modificar o conceito
largamente difundido, de que a fria Europa e fria America do norte
deveriam
servir
de
exemplo
para
todos
os
empreendimentos em planejamento.
A arquitetura do futuro é a de projeção mundial e, partindo de um conceito cosmopolita mais flexível, pode ser adaptada e desenvolvida segundo todas as exigências regionais. Os projetos que se seguem se referem a estudos que Richard Neutra planejou como arquiteto e consultor do Governo de Porto Rico.
Croqui para escola rural
ESCOLAS RURAIS E CENTROS SOCIAIS EM REGIÕES DE CLIMA AMENO
A nossa civilização tecnológicas, mais do que qualquer outra, está apta a se expandir para as vastas zonas rurais, e também essas regiões quase desertas, distantes dos congestionados mas tão atraentes centros urbanos , poderiam conter importantes setores de vida civilizada.Excluindo as razões econômicas em jogo, as constantes migrações das populações rurais para as cidades, onde as populações esperam encontrar melhores
condições de vida, todo o conforto e assistência que por enquanto somente a grande metrópole pode proporcionar.
O que a cidade e fácil, como por exemplo, a direção central e o controle de toda a organização escolar, de acordo com
os programas estabelecidos, tornam-se quase que
impossível no campo.
As zonas rurais, de fato, possuem muito os problemas: especialmente difícil é a fiscalização de tantas pequenas unidades escolares espalhadas pelos vários distritos e, por vezes, em regiões montanhosas desprovidas de boas vias de acesso. Já a própria construção representa um problema; depois, as manutenções de numerosas unidades escolares e as uniformidades do processo educacional criam dificuldades de organização.
Teoricamente, não há necessidade de imponentes edifícios para se administrar uma boa instrução para as crianças, sobretudo em zonas de clima ameno.
A escola rural tem sido tratada, na maioria dos casos, como uma imitação barata da escola urbana e o preconceito de que o caboclo não merece coisa melhor, parece prevalecer em todos os espíritos. Deveria-se assim se desenvolver uma arquitetura especifica voltada para a disseminação da educação no ambiente rural, utilizando-se de métodos inovadores. Esses métodos deveriam explicitar uma nova didática vinculada às potencialidades do meio extra-urbano, onde o contato entre o estudante e a natureza seria utilizado de forma a prover um ensino de ótima qualidade.
Sabe-se que, no passado, filósofos e santos orientais costumavam a sentar-se com seus discípulos à sombra de uma mangueira, conseguindo transmitir-lhes a sua sabedoria sem quaisquer edificações de concreto armado. Mas eram grandes
homens e grandes espíritos; souberam aproveitar o universo inteiro como matéria didática e com simples recursos de sua inteligência e sua fantasia.
Para se desenvolver a escola rural dever-se-ia assim evitar qualquer excesso de teoria e abstrações nos programas de ensino, dando-se maior importância à parte prática e às realidades da vida, um centro voltado para a formação de futuros núcleos sociais, tendo provavelmente de servir não somente as crianças como também os adultos.
Esses projetos, com seus pátios abertos e bem arejados, foram considerados bem eficientes mesmo em países de clima mais rigoroso; em regiões quentes, o próprio clima se encarrega de por a prova as suas vantagens. Diretores e professores que trabalharam em escolas projetadas por Neutra na Califórnia, manifestaram-se favoráveis a seu respeito. Anexo à escola Neutra considera importante também a construção de uma pequena oficina de carpintaria, provida das
mesmas ferramentas indispensáveis, onde os adolescentes poderão aprender, à noite, os rudimentos necessários para a confecção de moveis muito simples; poderiam ser fabricadas peças de mobília para ser futuramente incorporada a mobília original da escola.
A escola rural, dotada de um aparelho de radio - receptor, também se presta para ponto de reunião, instrução e recreio de adultos, congregados em escolas de costura, de agricultura e pecuária, despertando assim na população um sentimento amplo de simpatia pela escola, que se tornaria quase uma instituição de formação coletiva.
Neutra ainda acredita que essas escolas rurais deveriam dispor de uma área suficiente para nela se instalarem outros serviços públicos, como centros de saúde, lactários, cozinhas para a demonstração formas de alimentação, um grande pátio para conferencias sobre educação das crianças, arte culinária, nutrição, ciências domesticas, enfermagem e outras matérias
úteis.Tais ambiente poderiam também dispor de uma possível fonte de água pura e saudável a disposição da população, assim como uma grande pista cimentada que poderia servir de ambiente para uma maior integração da população entre si e um maior contato com a escola.
Assim, a escola rural teria dupla utilidade: servindo durante o dia como escola primaria e a noite e transformaria num centro de atividades culturais e sociais para a comunidade em geral.
Proposta de agrupamento de escola rural
A ESTRUTURA DA ESCOLA RURAL
A primeira medida seria dividir a verba disponível e construir o maior numero possível de unidades, mesmo que modestas, em vez de poucas escolas modelo, mas de custo elevado. A pré-fabricação de certas partes e elementos da construção num ponto central, a padronização dos moldes de concreto, e o transporte dos mesmos de um lugar para o outro, contribuirão substancialmente para o barateamento das obras.
As unidades escolares apresentadas de modo a servirem para um pequeno grupo de crianças numa região de povoamento escasso em localidades mais populosas, onde haja maior número de professores, constroem-se um grupo delas.
Calcula-se para cada sala de aula a dimensão mínima de 7,50 x10 m, dimensão essa apenas tolerável pela possível extensão da sala para o espaço exterior, ao ar livre. Para fechar as salas, podem-se usar portas; havendo, porém, falta de meios suficientes, estas não devem ser consideradas tão essenciais quanto outras características, como sejam: condições sanitárias satisfatórias e eficiente métodos educacionais.
O corredor pelo qual estão ligadas as salas de aula nas escolas urbanas de outras regiões é aqui substituído por uma passagem protegida pelo beiral do telhado, com rústica pavimentação de cimento. Uma série de armários pré-fabricados, medindo 1,80 m de altura, estabelece meia separação entre essa passagem e as salas de aula, nas quais se entra através de
uma abertura sem porta. Do lado oposto, a sala de aula abre sobre o pátio interno que forma o prolongamento exterior da sala, duplicando assim a área da sala sem aumentar a dispendiosa cubagem do edifício.
Objetos miúdos, tais como livros, material de escrita, desenho ou modelagem, e os trabalhos inacabados dos alunos, podem ser guardados nesses armários e fechados a chave; os bancos escolares e as mesas poderão ser colocados, fora das horas de aula, perto da parede dos fundos e até presos por meio de um cadeado num forte anel fixado na mesma. Em lugares onde não for possível se cercar todo o terreno em que não seja aconselhável conservar as salas completamente abertas, serão usadas portas leves que se abrem em sentido horizontal e cujo 1. modelo de escola rural
funcionamento permita que sejam usadas como toldos quando levantadas. O seu eixo se acha a 2,30 m de altura do chão. Conforme os projetos apresentados, essas portas poderão ser de madeira ou de alumínio e permitem a livre circulação das pessoas e a remoção dos moveis e de outros objetos de dentro
Freqüentemente esses dois espaços, o de fora e o de dentro, serão combinados de modo a formarem uma só unidade, e em tais ocasiões, tem-se a impressão de não haver porta. Assim a ampla abertura de frente da sala de aula é subdividida pela porta basculante que, na posição aberta, intercepta os raios solares, e passa a possuir a utilidade de um segundo beiral.
Essa é uma disposição bastante agradável nas regiões de intensa irradiação solar, principalmente quando a orientação do prédio teve de dar mais importância a direção dos ventos par melhor ventilação das classes do que as conveniências de insolação, muitas vezes excessiva. O telhado será levemente inclinado; isto será útil para drenar as águas desviando-as para uma cisterna higiênica e apropriada, o que será uma inovação para as regiões rurais onde todos estão habituados aos telhados de palha infestados de pragas e bichos. O teto inclinado, voltado com a beirada alta para o lado da brisa predominante, produz, devido às leis de gravidade, um constante movimento do ar e, internamente pintado de cor clara refletira a luz a altura das
mesas de trabalho. Para a livre circulação das correntes de ar, onde elas se fazem mais necessárias, isto é, logo abaixo do teto bem como para o mencionado efeito óptico de distribuição de luz natural, indireta ou refletida, é absolutamente necessário que na existam vigas nem traves paralelas a frente que imprecam a concretização dos objetivos visados.
Entre os tipos de estrutura possíveis, selecionados dois esquemas
que
foram
especialmente
estudados
e
experimentados. Um deles sugere a colocação de três vigas longitudinais de secção retangular, no topo da laje do telhado, que por sua vez, é suspensa em vigas e traves externas em ambas as frentes. Onde for preciso drenar as águas, as vigas serão perfuradas e nelas introduzidos os encanamentos necessários. O segundo esquema apresentado sugere que seja construída mais baixo do que o usual a viga frontal de concreto, destacando-se do telhado. Este pousara sobre as vigas transversais que, por sua vez, se apóiam sobre o topo da viga frontal principal. O espaço aberto entre esta viga e a parte
inferior da laje do telhado, que obedece a dimensão standard de 12,5 cm, serve ao mesmo tempo para a livre passagem das correntes de ar abaixo do teto e o tão desejado influxo livre da luz que, incidindo no teto, é por ele refletida para baixo, sobre as mesas escolares. Na mesma viga serão também fixados os pivot das portas toldos basculantes.
Do projeto em questão, devido a varias simplificações, resultariam certas economias que tornariam possíveis outros melhoramentos, assim como maior espaço para guardar o material de ensino, o que sem duvida, nos edifícios escolares contemporâneos, tem mais importância do que a própria cubagem de concreto e da alvenaria.
Modelo de escola rural
ESCOLAS EM PEQUENAS CIDADES Estudos de tipos apropriados para regiões de clima ameno
As instituições escolares tornam-se obsoletas O período de guerras, segundo Neutra seria um fator que apressariam a obsolescência de muitas instituições e edifícios, de tal forma que foi necessário se reestruturar os métodos de ensino para que a demanda de homens necessários, tanto no frete de batalha quanto na retaguarda, fossem rapidamente supridos. De certa forma foi criada assim uma mentalidade
Proposta de escola rural
adaptada
a
certos
tipos
de
organização
de
trabalho,
especialmente de ação em conjunto ou de trabalho de equipes que passaram a demonstrar um maior aproveitamento da capacidade individual.
Esse novo sistema foi o objeto de analise para a formação de novos planos de educação, que passariam a permitir que países até então pouco desenvolvidos em virtude de más condições políticas, geográficas e econômicas, passassem agora a ter a possibilidade de construir edifícios inteiramente novos. Esses países, segundo Neutra, não precisariam hesitar na aceitação de tais idéias já que para eles, as novas construções não significavam a desvalorização de investimentos anteriores.
O PRINCÍPIO DA FELXIBILIDADE
Como a evolução dos métodos educacionais ainda não haviam formando um corpo único, Neutra considerava que seria essencial adotar um princípio de flexibilidade a suas construções para que elas jamais se tornassem ineficientes ou antiquadas a algum tipo de uso. Este princípio de elasticidade de adaptação, para que um determinado edifício possa ser útil embora variem e evoluam os vários setores da atividade humana, pode ser
aplicado, por exemplo, a salas de aula problemáticas, onde professores matem sempre a mesma posição, na qual os alunos sempre ocupam o mesmos lugares e onde os material de ensino e o mobiliário estão sempre dispostos da mesma forma.
A ÁREA BÁSICA DA SALA DE AULA
Segundo Neutra, a área útil da sala de aula deveria ser pouco obstruída, quanto mais a escola se apresentasse como um simples auditório, mais espaços livres de circulação ela deveria possuir. Neutra considerava a psicologia de seu tempo muito avançada, ela garantiria novas formas de ensino as crianças, graças a estudos já era possível se constatar que as crianças não conseguiam permanecer atentas quando eram obrigadas a permanecer muito tempo sentadas, isso mostrava
que os antigos métodos de ensino eram falhos e não deveriam ser mais utilizados.
A demonstração pratica juntamente com a participação ativa do aluno, possibilitariam ao aluno uma compreensão e assimilação mais fáceis e profundas. Tal processo pedagógico exigiria assim uma reformulação na estrutura espacial da escola: espaços livres nos quais seja possível dispor os mais variados objetos desde relevos de geografia ate problemas de geometria, por conseguinte, os assentos deveriam ser removíveis, os moveis deslocáveis e as portas das salas de aulas deveriam ser largas para possibilitar o acesso para as salas adjacentes e principalmente para o ar livre, aumentando-se a sala de aula quando fosse necessário.
Essa
extensão
para
o
exterior
tornaria-se
mais
necessária quando se levasse em conta que muitas vezes por motivo de economia as salas de aula são reduzidas para um tamanho mínimo e ficam muitas vezes lotadas e insalubres.
Neutra considera que quanto melhores forem as salas de aulas e melhores elas aproveitarem as características do ambiente como a iluminação e a ventilação, menores serão os problemas com doenças. Salas convencionais, sem um conforto ambiental adequado, são suscetíveis a propagação de doenças em larga escala como a tuberculose.
A ampla abertura para o pátio, proposta por Neutra, possibilitaria como conseqüência varias e continuas renovações de ar por minuto, mesmo em dias de aparente calmaria, correntes inicialmente imperceptíveis de apenas 1,5 km/h resolveriam o problema de circulação de ar de forma eficiente. Tal fato permitiria também o aproveitamento da parte exterior para o uso de outras atividades escolares, desde que tal área estivesse rodeada de sebes e arbustos e também fosse sombreada por árvores.
Ao se estruturar esses sistema espacial, foi sugerido também, em escolas de 08 classes, a interligação entre 3 salas
de aula por meio de portas. Segundo Neutra tal dispositivo havia sido incluído em todas as plantas apresentadas, pois poderiam ser usadas como exemplo de utilidade geral das escolas assim como
a
explicitação
do
conceito
de
flexibilidade.
Essa
intercomunicação foi projetada, na maioria dos casos, para salas do andar térreo em que é possível ampliar as salas por meio do pátio externo, resultando assim num espaço bem grande, próprio para reuniões de maior escala, como representações teatrais e outras atividades comunitárias.
DEPÓSITO Neutra demonstra preocupações também com áreas de deposito, segundo ele, as plantas dos projetos apresentado, já estão indicados espaços para armários e estantes, ocupando em cada sala de aula, metade do comprimento da parede na parte superior, ao lado da passagem coberta pelo beiral do telhado. A altura desses armários é igual a porta da entrada do lado da passagem.
Um grande espaço para depósitos, especialmente para livros na usados no momento, foi planejado adjacente ao escritório do diretor. Pode servir também para guardar material de ensino e suprimentos de diversas espécies, o que é muito mais importante em escolas rurais d que nas urbanas, pois estas podem ser providas do que precisam com mais facilidade.
O deposito para apetrechos esportivos se localizaria próximo aos banheiros e do chuveiro, fazendo parte da ala reservada a administração.
ÁREAS SEPARADAS
Neutra
demonstras
preocupações
com
espaços
destinados a estudos específicos, principalmente para alunos de séries mais avançadas.
A
principal
duvida
acerca
das
vantagens
dessa
separação sistemática no ensino de matérias que requerem ambientes próprios e professores que especializados, está em que os alunos terão contato com maior número de professores.
Tão grande a variedade de influencias não constituiria uma condição pedagógica vantajosa para as crianças, pois Neutra acreditava que quanto menor o numero de professores na vida de escolar de uma criança, tanto mais seria eficiente o ensino, dado pela maior intimidade e conhecimento mútuo entre o professor e o aluno. Daí não representar grande desvantagem a escassez de habilidades de mestres-escola nas pequenas cidades.
GABINETE DE CIÊNCIAS NATURAIS
Por
conseguinte,
neutra
concorda
com
muitos
especialistas que dizem que o ensino de ciências elementares e gerais, a sala de aula não deve ser especializada demais, mas adaptável aos diversos programas, sem desperdício de espécie alguma.
O
currículo
inicial
de
ciências
deveria
ser
essencialmente prático e possuir uma forte conexão com problemas práticos.
As
aulas
deveriam
ser
feitas
como
conferencias
cientificas, ás quais podem assistir varias turmas juntas, e serem
também ilustradas com projeções de fotografias ou de fitas cinematográficas, podem ser realizadas num salão formado por várias salas de aula comunicáveis entre si, como já foi descrito acima.
Esse ambiente seria equipado com uma mesa de demonstração, uma mesa cumprida e colocada junto ás janelas e carteiras escolares comuns, constituindo um arranjo mais prático, uma sala assim preparada poderia ser usada em caso de necessidade, por outro professor, para qualquer trabalho escolar normal.
A riqueza da vida subtropical, nas vizinhanças da escola, e as favoráveis condições de clima, permitem assim a reunião de material de ensino muito mais atraente do que os existentes em escolas urbanas de regiões mais frias. Era necessário, segundo Neutra, somente tirar maior vantagem possível de todas as facilidades oferecidas pelo local em vez de seguir métodos importados.
OFICINA DE ARTES INDUSTRIAIS
Neutra também considera importante a introdução de conhecimentos
vinculados
a
maquinaria
simples.
Esses
conhecimentos se fariam mais necessário em regiões distantes onde os profissionais vinculados a essa pratica são cada vez mais raros.
Em climas amenos, muitas atividades de adestramento manual possuiriam uma grande importância, Neutra acredita que tais atividades poderiam ser ministradas em alpendres cobertos,
contanto que o respectivo pátio fosse isolado convincentemente, para não gerar conflito com conjunto de atividades que ocorrerão simultaneamente.
Trabalhos
de
modelagem,
cerâmica,
encanamento, de forja, consertos, de automóveis, aulas de carpintaria em maior escala, assim como o trabalho com cimento.
O interior da oficina serviria para várias modalidades de trabalho, a serem praticadas naturalmente em horários diversos. O trabalho com desenhos técnicos exigia mesas e pranchetas e outros objetos que seriam guardados em compartimentos próprios quando não estiverem em uso. Um automóvel, caminhão ou trator, poderá entrar na oficina através de uma larga porta corrediça, e posto em posição apropriada junto a mesa de trabalho metalúrgico, a qual será provida de tornos para trabalhar o metal, fornalha elétrica em miniatura, equipamentos para a soldagem e a fundição.
A idéia de Neutra era que todo esse ambiente, assim como o mobiliário disposto por ele, possuísse um intenso contato pratica de todos os equipamentos de forma pratica, funcional e acima de tudo segura.
Como a oficina era por sua natureza um lugar relativamente ruidoso, ela deveria ficar afastada da área de estudos. Tal consideração levava Neutra a deduzir que a cozinha e o refeitório deveriam ficar no mesmo edifício da escola, assim como a secção de economia domestica em que a culinária seria uma das principais matérias ensinadas, gradativamente por conta
de
uma
espécie
de
programa,
agrupamentos naturais de todas as instalações.
seriam
obtidos
SEÇÃO DE ECONOMIA DOMÉSTICA
Seria também importante para Neutra, o ensino de arte culinária, usando matérias primas do lugar, e de artes domestica em geral, como seja a de servir s mesa, arranjar e conservar o mobiliário, obedecendo sempre às condições próprias de cada região, e ainda para aulas de corte e costura.
A ala do prédio que servirá aos objetivos acima referidos, foi projetada por Neutra, exatamente com a seção transversal das salas de aula comuns e dos laboratórios, do refeitório, assim
como as demais dependências, executando-se somente a oficina de trabalhos manuais ou te artes industriais, que para serem eficientes
deveriam
possuir
uma
maior
metragem
e
profundidade. Tal uniformidade permitiria assim, agrupar com maior facilidade as partes elementares do edifício escolar segundo as várias localizações e as condições do terreno, que diferem de lugar para lugar.
Entre as varias possibilidades de localização, neutra apresenta um conjunto: uma constituída pelo afastamento da escola propriamente dita das seções em que o ruído é inevitável. Outra se daria pela localização do refeitório escolar próximo a cozinha. Uma terceira se formaria através de uma entrada especial para a recepção do material.
Como previsto pelo conceito da flexibilidade, as paredes não suportarão o peso do edifício, e a segurança necessária será obtida através do uso de concreto armado não inflamável na estrutura.
REFEITÓRIO
Os desenhos de Neutra mostram dois refeitórios e cozinhas, de tamanhos diferentes, ambas com instalações de serviço automático. Considerando que o refeitório seria dirigido pelo professor de economia domestica, e que a dispensa poderá servir tanto para abastecer a cozinha d refeitório quanto a cozinha-escola, seria de grande utilidade situar as duas secções no mesmo agrupamento. Como em ambas o ruído é inevitável, convém construí-las na proximidade da oficina de artes
industriais, possibilitando assim o uso de uma única de material para as três secções.
A cozinha , como Neutra apresenta, seriam equipadas com um balcão no qual seriam embutidos uma ampla pia, secadores de louça, gavetas e armários, ao lado do próprio balcão de serviço, do fogão e do refrigerador. Foram previstos também depósitos separados, com prateleiras e compartimentos especiais, e armários embutidos para guardar utensílios necessários ao serviço. O planejamento das refeições e a discussão do valor nutritivo dos alimentos, a colheita de legumes e frutas, em época certa na própria horta da escola, a elaboração de listas para compras de gêneros, a aquisição a preparação e os cuidados de acondicionamento dos mesmos, a ação de servilos, a lavagem dos pratos e a arrumação do refeitório são atividades que tornarão esta sala algo mais do que um simples cômodo que abriga crianças durante as refeições.
ESCRITÓRIO DAMINISTRATIVO E SALA DE REPOUSO PARA O DOCENTE
A recepção de visitantes seria feita no escritório principal da escola, onde também se acham a escrivaninha e os fichários da secretaria e do diretor. Essa área se localizara próximo da entrada da escola e vizinha da biblioteca, essa secção também possuirá uma sala de repouso do corpo docente. Sala esta equipada com uma mesa para conferencias e discussões.
INSTALAÇÕES SANITÁRIAS
Banheiros para meninos e professores de um lado, banheiro para meninas e professoras de outro, foram projetados de forma a estabelecer dos grupos separados.
RICHARD NEUTRA E O BRASIL
APROXIMAÇÕES
Como visto, o arquiteto Richard Neutra ao longo de sua carreira fora capaz de desenvolver suas próprias concepções arquitetônicas. Através da influência de arquitetos pioneiros na elaboração de uma arquitetura moderna, como Adolf Loos, Luis Sullivan e de certo modo de Frank Lloyd Wright, Neutra pôde oferecer ao movimento mais do que verdadeiras obras primas; ele absorvera de tal maneira os novos métodos e conceitos da arquitetura da sociedade moderna a ponto de, juntamente com a
suas experiências nos EUA, incrementá-la com outras questões tão pertinentes quanto.
As influências do arquiteto no Brasil, embora muito pouco estudadas, decorrem justamente da rica elaboração de uma arquitetura preocupada com o conforto ambiental, bem como, com as relações que o ambiente interno dos edifícios estabelece com o exterior, no caso de Neutra, com o trabalho paisagístico – naturalmente fundamental à cultura arquitetônica de regiões de clima quente.
Nesse sentido, não é por menos que em arquitetos como Osvaldo
Bratke,
Rino
Levi,
entre
outros
sugerem
tal
aproximação.
Bratke, de acordo com o arquiteto Fernando Serapião, apresenta três fases de produção: a primeira caracteriza-se por obras ecléticas em bairros nobres de São Paulo; a segunda trata-se de um período de transição para a última fase,
“francamente” moderna. A respeito da última, Serapião dirá, justamente, ter fortes relações com a arquitetura Californiana e segue, de maneira determinante:
“Bratke visitou a Califórnia em 1948 e conheceu de perto algumas obras que já admirava. Um ano mais tarde, desenhou uma casa para morar com sua família na gleba do Morumbi. O projeto - marcado pela modulação expressa nas fachadas, pelo pátio interno (que divide os usos entre diurno e nortuno) e por inovações técnicas -
tornou-se
brasileira”.
um
clássico
da
arquitetura
Casa Oswaldo Bratke, 1951
Planta casa Oswald Bratke
Com relação à Rino Levi, são obras como a casa de Milton Guper, em São Paulo, de Castor Delgado Peres e a residência Olívio Gomes que levantam a hipótese. Todas elas são marcadamente constituídas por uma relação estrutural com o paisagismo, sendo este parte constituinte do projeto. Tanto a casa de Milton Guper, quanto a de Castor D. Peres, apresentam uma configuração de planta pautada em torno de pátios com a possibilidade
de
expansão,
lateralmente,
para
ambientes
externos. Já na residência de Olívio Gomes, o destaque está para o conforto térmico do edifício.
Casa Milton Guper, 1951
Casa castor delgado peres, 1958
Planta, casa castor delgado peres
Residência Olívio Gomes, 1960
Ainda com maior evidência, estão os projetos modernos para as escolas públicas brasileiras, em meados dos anos de 1950. É sabido que Richard Neutra tem fundamental importância na produção de edifícios escolares, fato que amplifica possíveis referências em seu nome. E, de fato, trata-se de uma suposição com bases bastante sólidas ao levar em conta, ainda, seu livro “Arquitetura Social em países de clima quente”, produzido justamente para servir como referência de soluções técnicas, espaciais e construtivas. Além disso, o livro é resultado tanto das obras empreendidas pelo arquiteto, em trabalho para os Estados Unidos, em Porto Rico quanto de sua visita em 1945 ao Brasil.
Logo, é muito provável que o desenvolvimento da Escola Parque, pelo arquiteto Hélio Duarte, tenha se inspirado em soluções de Richard Neutra. Embora o programa provenha de referências diretas às escolas fundamentas pelo pedagogo John Dewey nos Estados Unidos e introduzidas aqui pelo educador brasileiro Anísio Teixeira – após concluir seu curso de pósgraduação naquele país -, o projeto de arquitetura em específico,
apresenta várias adaptações às condições climáticas, sociais e culturais do Brasil. Dentre elas, a preocupação com a iluminação e ventilação e a relação com espaço externo.
Porém, no artigo “Por uma arquitetura social: a influência de Richard Neutra em prédios escolares no Brasil”, os autores Maquete projeto IEP, Marcos DS e Carlos Falcão CL, 1956
Luiz Amorim e Claudia Loureiro discorrem sobre uma notável influência de Neutra na obra para o Instituto de Educação de Pernambuco, elaborado pelos arquitetos Marcos Domingues da Silva e Carlos Falcão Correia Lima.
Resultado de um concurso, em 1956, o projeto compreende a edificação de quatro unidades: a sede do instituto, uma escola primária, um colégio, e um jardim de infância. É neste último que os autores identificam, com maior clareza, as idéias “neutraianas” do projeto, conforme a descrição:
Planta jardim de infância, projeto IEP, 1956
“O edifício tem, como foco central, o playground e recreio coberto. Em torno deste núcleo se organizam, em alas, os espaços didáticos e os
espaços administrativos. São quatro conjuntos de sala de aula, compostos, cada um, por um sanitário, uma área que serve de guarda-volume e vestíbulo de entrada para o conjunto e uma sala que se prolonga para um pátio exterior, através de uma porta pivotante que se abre horizontalmente, tal como proposto por Neutra (1948: 43).
Tais aproximações, muito embora, e como já dito, não tenham um respaldo oficial dentro do cenário acadêmico da arquitetura e urbanismo, podem ser tomadas como importantes reflexões a respeito da produção tanto arquitetônica quanto teórica de Richard Neutra. A possibilidade de identificar em obras importantes como as dos arquitetos modernos brasileiros apontam para a solidez das idéias formuladas por Neutra e o quão válido é, dessa forma, a sua contribuição para o movimento moderno na arquitetura.
ÍNDICE DE OBRAS
RESIDENCIAIS
The Health House, Los Angeles, 1927 Research House, Los Angeles, 1932 Residência William Beard, Altadena, 1935 Residência Dr. Grant Beckstrand, 1937 The All Steel Residence (Ayn Rand), San Fernand Valley, 1936 Residência J. N. Brown, Fishers Island, 1936 Residência H. G. McIntosh, Los Angeles, 1937 Casa David Malcolmson, Santa Monica, 1937 Casa Philip Gill, Glendale, 1938 Residência Dr. Scioberetti, Berkely, 1939 Casa Harry Berger, Hollywood, 1939 Residência Sidney Kahn, Telegraph Hill, 1940 Residência John B. Nesbitt, Brentwood, 1942 The Desert House, 1946 Residência Warren Tremaine, Santa Barbara, 1947
APARTAMENTOS
Apartamentos Beach, Los Angeles, 1926 Apartamentos Garden, Los Angeles, 1927 Apartamentos Strathmore, Westwood, 1938 Apartamentos Landfair, Westwood, 1938 Apartamentos Kelton, Westwood, 1942 Casa Holiday, Malibu Beach, 1948 Apartamentos Elkay, Westwood, 1948
CONSTRUÇÕES EXPERIMENTAIS E INDUSTRIAIS
Casas Pré-fabricadas Diatom, 1923 Ladies Home Journal, Competição Casa Pequena Casa Pré-fabricada “One plus two”, 1926 Three Small Houses in an Orchard, Los Altos, 1935 Casa Modelo Plywood, 1936 Edifício Universal Pictures, Los Angeles, 1930 Edifício Schoits Advertizing, Los Angeles, 1937 Edifício Evans Plywood, Lebanon, 1940 Parque Garagem Open-air Multistory, 1940 Showroom e Garagem Kaiser-Fraser, Hollywood, 1948 Equipamentos de Saúde e Edifício de Suprimentos Aloe, Los Angeles, 1948 Milereek Summit Maintenance Yard, 1949
EDUCAÇÃO E SAÚDE
Projeto-Escola Ring Plan, 1926 Activity Class Room Study, 1928 Planetário de Los Angeles, 1931 Centro de Arte, 1935 Corona School Bell, Los Angeles, 1935 Academia Militar da California, Los Angeles, 1936 Emerson Junior High School, Westwood, 1938 Centros Administrativos National Youth, Sacramento e San Luis Obispo, 1939 Teatro e Centro de Arte para o Colégio Wheaton, Massachusetts, 1937 Colégio Goucher, Maryland, 1938
Escolas Urbanas Puerto Rico, 1944 Escolas Rurais Puerto Rico, 1944 Sub-centros Rurais de Saúde Puerto Rico, 1944 Centros de Saúde Puerto Rico, 1944 Colégio Palomar, 1944 Sanatório Universitário Italiano SUI, 1948/50
PROJETOS
University Library of the Near East, 1923 Congregation Building, 1924 Rush City Reformed, 1923/1935 Rush City Air-Transfer, 1927 Sea-Land-Transfer, 1930/1946
CIDADES JARDINS
Housing Project for Jacksonville, Los Angeles, 1939/41 First Study for “Amity Compton”, Compton, 1939 Progressive Builders Home, Los Angeles, 1942 Avion Village, 1941 Channel Heights, San Pedro, 1942
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
Amorim L. e Loureiro, C. Por uma arquitetura social: a influência de Richard Neutra em prédios escolares no Brasil. http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq020/arq020_03.asp Acessado em 02 de dezembro de 2008, às 17h15. Casa modernista projetada por Richard Neutra será vendida como obra de arte. http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2010/artigo88158-1.htm Acessado em 02 de dezembro de 2008, às 17h20. Desert House http://www.eichlernetwork.com/desert_chron7.html Acessado dia 30 de junho de 2008, 20h31.
Grace Miller house http://www.psmodcom.com/2005%20Awards.html Acessado dia 30 de junho de 2008, 22h05. LAMPRECHT, Barbara Mac. Richard Neutra – complete works. Köln; New York : Taschen, 2000. Los Angeles Times http://www.latimes.com/features/home/la-hm.0417.neutrapg,0,2036267.photogallery Acessado em 24 de junho de 2008 às 15h52. NEUTRA, R. J.. Realismo biológico. Um nuevo Renacimiento humanístico em arquitectura. Ed Nueva Visíon. Buenos Aires, 1958. NEUTRA, R. J.. Richard Neutra – Arquitetura social em países de clima quente. Tradução de Carmen de Almeida. Ed. Gerth Todtmann. São Paulo,1948. NEUTRA, R. J.. Richard Neutra – Buildings and projects. Ed. Girsberger. Zurich, 1951. NEUTRA, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972. Neutra VDL research house II http://aplusd.org/v3/content/view/45/48/ Acessado em 24 de junho de 2008, às 13h40. Neutra VDL research house II (em pdf) http://aplusd.org/v3/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=45 Acessado em 24 de junho de 2008, às 13h45.
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