Faces da Urbanização Corporativa da Cidade de Campinas

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FACES DA URBANIZAÇÃO CORPORATIVA DA CIDADE DE CAMPINAS-SP: AS OCUPAÇÕES URBANAS E AS AÇÕES POLÍTICAS RECENTES NA REGIÃO SUL (REGULARIZAÇÃO E REURBANIZAÇÃO)1 Helena Rizzatti Fonseca Universidade Estadual de Campinas

Resumo O trabalho propõe a análise da urbanização corporativa de Campinas-SP com ênfase no estudo da periferização da cidade. Para tanto, recai sobre as ocupações urbanas que se deram a partir da década de 1990 e estão concentradas na região Sul do município. A lei de regularização da terra urbana, implantada em 2003, atingiu as duas maiores ocupações urbanas da cidade através do projeto social de regularização e reurbanização, nomeado Vip Viracopos. Tratam-se das regiões do Jardim Campo Belo (no entorno do Aeroporto Internacional de Viracopos) e do Parque Oziel que estão distantes dez quilômetros uma da outra e conectadas pela Rodovia Santos Dumont, denominada como Região Sul. Preocupa-nos entender e problematizar o processo de periferização mais recente da cidade a partir do planejamento e aplicação desse projeto social nas regiões destacadas. Palavras-chave: Urbanização corporativa; Ocupações urbanas; Campinas-SP.

Grupo de Trabalho n°7 Geografia Urbana e Ação Política

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Orientadora: Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Instituto de Geociências.

www.simpurb2013.com.br


1. Introdução Temos a intenção de compreender o processo de periferização da cidade de Campinas-SP que entendemos ser resultado de uma 'urbanização corporativa' (SANTOS, 1993). Campinas abriga diversas redes globais e, para tanto, vem se reorganizando para incorporar a nova divisão territorial do trabalho baseada na informação (LOJKINE, 1995) ao se destacar como polo tecnológico nacional. A cidade acompanha o processo de urbanização brasileiro, transformando-se nas últimas décadas numa cidade corporativa e fragmentada (SOUZA, 2008). Ao analisarmos a história das sucessivas transformações2 do espaço campineiro nota-se a constituição de uma importante densidade técnica, científica e informacional (SANTOS, 1994, 1999) ao longo do século XX. Campinas participa ativamente da nova divisão territorial do trabalho fundada na variável informação, acolhendo objetos (formas geográficas) e ações condizentes com esta nova vaga de modernizações. A cidade é hoje lugar para diversas redes privadas e públicas que perpassam o território brasileiro e um centro de informações científicas e econômicas3. Ao mesmo tempo, Campinas conhece acentuada expansão da pobreza nas últimas décadas. A partir da proposta de SANTOS (1993) sobre a urbanização corporativa, problematizamos e analisamos a dinâmica do espaço urbano de Campinas dando ênfase à análise das ocupações urbanas que se adensaram no município, a partir da década de 1990, concentradas na Região Sul. Nesta, destacamos a região do Jardim Campo Belo e a região do Parque Oziel nas quais teve início o projeto mais recente de regularização e reurbanização. SPÓSTIO (2011) e SERPA (2011) sugerem ainda a necessidade do estudo da diferença para além da simples observação da existência das desigualdades, sendo estas sociais, econômicas, técnicas, ambientais, enfim geográficas, que se dão em intensidades e formas diferentes. Eles indicam o estudo dos bairros da periferia geográfica das cidades como uma possibilidade de encontro dessa renovação 2

Nas palavras de SANTOS 2003, p. 4) “Algumas cidades, como Campinas, além de se transformarem (…) em locus da circulação e consumo de bens simbólicos e informacionais, vão se destacar também como centro de produção e difusão de tecnologia. De meio geográfico, estas cidades evoluem para meio técnico-científico-informacional.” (destaques do original). 3 Nas palavras de SANTOS (2009, p. 130) “Atrair ou manter atividades de ponta pode significar a utilização ainda mais disparatada e desigual dos recursos públicos na criação ou reabilitação das chamadas condições gerais de produção.”.

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metodológica. Que vai na mesma direção da análise de SANTOS (2009) ao afirmar que a pobreza não é um situação estática, alterando-se de acordo com as mudanças da sociedade no tempo e no espaço. Consideramos o estudo simultâneo dessas duas regiões uma possibilidade de realizar tal análise. O atual alargamento do processo de globalização veio aprofundar as condições de crise que estruturaram as cidades brasileiras: concentração de renda, concentração fundiária, escassez de terras para moradias populares, acentuada especulação imobiliária, desemprego, ausência de serviços básicos e privatização daqueles existentes, entre outros fatores. Neste contexto, intensificam-se e atualizam-se a periferização, a segregação e o empobrecimento, principalmente nas grandes cidades brasileiras. De acordo com SANTOS (2009, p. 143)

A partir de um equipamento seletivo do território, dá-se uma urbanização corporativa rapidamente crescente e despontam metrópoles e cidades corporativas, onde, de um lado, a modernização do meio ambiente construído favorece as grandes empresas e, de outro, o êxito das reivindicações dos grupos sociais vai depender de pressões corporativas. Nessas condições, parcela importante dos recursos públicos se dirige a um equipamento urbano seletivo, do interesse da economia hegemônica e das camadas sociais hegemônicas.

As ocupações de terras urbanas4, cada vez mais presentes nas metrópoles e grandes cidades do Brasil a partir do final da década de 1970 (RODRIGUES, 1988), são manifestações dessa urbanização corporativa incorporada pelo país. Como formasconteúdo reveladoras da crise profunda em que vive a sociedade brasileira, devido a uma histórica estrutura socio-espacial desigual (SPÓSITO, 2011), que tem como um de seus pilares a valorização sem controle do espaço urbano – voltada a atender os interesses do capital e corroborada pelo Estado (CORRÊA, 2000). Com as mudanças no modo de produção capitalista provindas da ascensão do paradigma econômico da produção flexível e o consequente acirramento do processo de globalização, nas décadas de 1980 e 1990, alteram-se as dinâmicas de apropriação da 4

Entendemos as ocupações de terras urbanas como a rápida ação de construção de moradias em terrenos privados e públicos dentro do perímetro urbano pela população de baixa renda. Está forma de habitação na cidade se diferencia das favelas pois estas costumam ocorrer de modo individual e mais lento, com a chegada esparsa de famílias de baixa renda que constroem seu barraco para viver (RODRIGUES, 1988, p. 43). Dessa maneira, a necessidade do planejamento de onde e como ocupar se destaca nas ações de ocupação urbana.

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terra urbana e o acesso à moradia nas metrópoles dos países periféricos (MARICATO, 1996, CALDEIRA, 2003). Nas palavras de MARICATO (2011, p. 8 e 9)

As transformações capitalistas, que se combinaram às décadas orientadas pelo pensamento neoliberal (no Brasil, em 1980, 1990 e 2000) tiveram forte impacto sobre as cidades. A desregulamentação – do que já não era muito regulamentado, como o mercado imobiliário – , o desemprego, a competitividade, a guerra fiscal, o abandono de políticas sociais, como o transporte coletivo, as privatizações de serviços públicos, o planejamento estratégico, o marketing urbano, entre outros, se combinaram a uma tradição histórica de falta de controle do uso do solo e segregação territorial urbana. A desigualdade continua a reinar soberana embasada num padrão ambíguo de aplicação das leis relativas à propriedade fundiária (…) e de investimentos, ambos profundamente regressivos nos seus aspectos sociais e orientados por interesses do capital de incorporação, no caso dos edifícios, e do capital de construção pesada, no caso da infraestrutura urbana, cuja prioridade absoluta é a matriz rodoviarista e mais exatamente o automóvel.

Hoje, Campinas está entre as dez metrópoles brasileiras com maior proporção de população residente em favelas e ocupações irregulares, segundo QUEIROGA (2008). Configura-se um espaço urbano que abriga as modernizações, mas incapaz de responder às necessidades de grande parte da sua população e, desse modo, reprodutor de uma pobreza estrutural (SANTOS, 2000). Essa pobreza, como é possível analisar em diversas metrópoles do país, se reflete na organização e no uso do território. Em Campinas essa regra se mantém com uma grande concentração da população de baixa renda na porção Sul da cidade. Nessa parcela estão localizadas as maiores ocupações de Campinas: a região do Jardim Campo Belo (no entorno do Aeroporto Internacional de Viracopos) e a região do Parque Oziel. Essa área contém a maior parte da população que foi atingida pela lei municipal de regularização da terra urbana, implantada no ano de 2003, e que teve como grande impulsionador para sua formulação e implantação o Estatuto da Cidade5. Devido a promulgação desta lei municipal e de outros incentivos, como o caos aéreo nacional, foi iniciado, em 2006, o projeto social Vip Viracopos, em parceria com o governo federal. Esse projeto atingiu as duas regiões analisadas e deu início ao processo de regularização e reurbanização de ambas.

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De acordo com esta Lei n. 10.257, no 1º. Parágrafo art. 40 “O Plano Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana e parte integrante do processo de planejamento, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas, tudo em prol de uma cidade sustentável”.

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Buscamos assim discutir nesse trabalho como é possível afirmar que uma parcela da cidade de Campinas se constitui através da expansão das ocupações urbanas, que possuem destaque na década de 1990, e de que maneira foram atingidas pelos processos de regularização e reurbanização após dez anos de permanência irregular na terra urbana. Na primeira parte do texto apresentamos as faces da urbanização corporativa que caracteriza a cidade e é simultânea aos períodos de periferização da população, demonstrando de que maneira tais ações podem estar relacionadas. Na segunda parte analisamos as regiões do Jardim Campo Belo e do Parque Oziel e como vem se dando o processo de regularização e reurbanização, que se mantém ativo porém está estagnado.

2. A urbanização corporativa de Campinas (1950-2010): De acordo com o Censo de 2010 (IBGE), Campinas conta com aproximadamente 1,08 milhões de habitantes sendo o terceiro município com maior população do Estado de São Paulo; é a 11ª cidade com maior PIB do país e o terceiro maior polo tecnológico brasileiro. Ainda de acordo com o Censo, em torno de metade da população campineira (49,28%) possui uma renda familiar entre dois e cinco salários mínimos; pouco mais de 5% recebe até dois salários e 4,43% declararam não possuir rendimento. Excluindo toda essa parcela com baixa remuneração (em torno de 60% da população), um quarto dos moradores de Campinas (23,42%) recebe entre cinco e dez salários mínimos e pouco mais de 16% possui um rendimento superior a dez salários mínimos. Há 4,71% da população campineira analfabeta. No recente estudo de MESTRE (2009) é constatado que Campinas passou por três períodos de periferização comandados, em grande parte, pelo contínuo processo de industrialização e modernização da cidade, logo, permitindo que ela se adaptasse às exigências dos novos paradigmas econômicos e ao uso corporativo do território (SANTOS & SILVEIRA, 2001). O primeiro período de periferização tem início na década de 1940 e vai até o final de 1960; o segundo se estende de 1970 a 1989; e o terceiro data da década de 1990 e se mantém até hoje. São distintos períodos espaçotemporais em que o espaço urbano se reestrutura. O adensamento da periferização de Campinas tem como primeiro impulsionador o Estado, por meio da expansão da mancha urbana para a implantação de loteamentos

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distantes da região central – com a manutenção de grandes vazios urbanos que realimentam a especulação imobiliária – e distante dos serviços e infraestruturas oferecidos nas áreas já consolidadas da cidade (BERNARDO, 2002). Trata-se também da ação de refuncionalização das áreas rurais em áreas urbanas (MIRANDA, 2002). A década de 1950 se sobressai pelo elevado número de loteamentos devido à expansão da malha rodoviária de Campinas6, com a pavimentação da Rodovia Anhanguera, em 1948, a instalação de indústrias mecânicas e o consequente adensamento da ocupação das terras no seu entorno (BERNARDO, 2002). Assim, simultaneamente ao processo de crescimento e modernização da cidade começa a se constituir sua ‘primeira periferia’: as primeiras favelas da cidade datam de 1964 em áreas públicas e de lazer na região central (BAENINGER, 1992). Ainda nesse período, no fim dos anos 1960 e início de 1970, ganha força o discurso da constituição de Campinas como um polo tecnológico do estado de São Paulo e Campinas recebe o status de cidade grande (FARIAS, 2004). O segundo período da periferização, de 1970 até 1990, é simultâneo ao adensamento do meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1999) na cidade com a crescente implantação da rede bancária municipal, que fez de Campinas a terceira maior praça bancária do país (SEMEGUINI, 1991); a rede rodoviária que perpassa o município é ampliada com a duplicação da Rodovia Anhanguera e com a construção das rodovias Dom Pedro I, Bandeirantes e Santos Dumont7. Nesse período se iniciam as ações do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) através da construção dos conjuntos habitacionais, com a fundação da COHABCampinas responsável por essas construções despontando como um importante vetor da estruturação urbana8 (CANO & BRANDÃO, 2002). É a partir da década de 1970 que a população residente em favelas cresce em ritmo acelerado na cidade. De acordo com BAENINGER (1992), essa população era de 3 mil pessoas em 600 barracos, em 1971, e

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É nesse período que a região do Jardim Campo Belo foi loteada, distante 15 quilômetros do centro da cidade de Campinas. 7 Nas palavras de BISNETO (2009, p. 31) “a configuração dos eixos rodoviários, bem como das diversas linhas de transporte de cargas e passageiros, estabelecidos também em função do sistema viário existente, exercem papel fundamental na manutenção da polarização regional por Campinas, já que todo sistema é centrado na cidade (...) esta centralidade exercida por Campinas não se limita ao sistema de transporte, mas estende-se a todo o sistema de comunicação (telefones, rádio, TV, correios), bem como outros serviços (energia elétrica, centrais de abastecimento, escolas, saúde) e ao comércio (supermercados, shoppings, etc)”. 8 De acordo com SEMEGUINI (1991, p. 161) a COHAB-Campinas “foi responsável por 51% do total de novas residências em Campinas, todas em conjuntos habitacionais localizados em áreas vazias e distantes da malha urbana”.

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passa a ser em torno de 40 mil pessoas em 8.700 barracos, no início de 1980; esse número chega a quase 70 mil pessoas em 1990 (MESTRE, 2009, p. 23). Ocorre, ainda em 1970, a implantação dos DICs (Distritos Industriais de Campinas) na região Sudoeste, destino de uma densa população de baixa renda até os dias atuais (CANO & BRANDÃO, 2002). Entre a instalação do distrito e a década de 1990 são constituídos seis bairros regularizados e duas ocupações, tratam-se respectivamente dos bairros DIC I, II, III, IV, V e VI e das ocupações Eldorado Carajás e Nossa Senhora Aparecida. Estas últimas ocorreram em 1996 e 1994 respectivamente (GARCIA, 2010). A década de 1980 é também marcada pelo loteamento de áreas distantes do centro, relativamente menos distante que no período anterior, para a implantação de condomínios voltados a atender às classes médias e altas de Campinas e região9. Por fim, a partir da década de 1990, conforma-se o terceiro período de periferização marcado pelas ocupações e invasões de terras na cidade. O total das ocupações ao longo das últimas décadas se distribuiu da seguinte maneira: 4% na década de 1960; 29% em 1970; 21% nos anos de 1980; 44% na década de 1990 e 2% entre os anos de 2000 e 2005 (Plano Diretor de Campinas, PMC, 2006). Nota-se a concentração de tais ações em 1990, quando foram ocupados tanto os vazios urbanos próximos da área central quanto outras regiões empobrecidas e distantes do centro da cidade, majoritariamente entre a Rodovia Anhanguera e a Rodovia Santos Dumont: a região Sul (PIRES, 2007). Ainda em 1990, ganha maior proporção o aumento da taxa de desemprego e de chefes de domicílio sem renda como é analisado por POCHMANN (2002, p. 140 e 145)10. Explode, assim, os movimentos de ocupação de terras urbanas em Campinas. Ao mesmo tempo, é implantado o II Polo de Alta Tecnologia, no eixo Norte da cidade, no distrito de Barão Geraldo e próximo ao campus da Unicamp (BERNARDO, 2002). Na Tabela 1 apresentamos o crescimento da população residente em favelas na cidade, na década de 1990.

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É nesse período que a região do Parque Oziel, que analisamos nesse texto, foi loteada; a área está distante apenas cinco quilômetros do centro da cidade de Campinas. 10 De acordo com o autor, o número de desempregados na Região Metropolitana de Campinas, em 1991, é de 47,9 mil desempregados, enquanto em 2000 são 173,5 mil. Quanto ao número de chefes de domicílios sem renda, em 1991 eram 17,8 mil e no ano de 2000 são 51,3 mil na Região. De acordo com os dados da Agemcamp, para o ano de 2006, essas taxas são respectivamente de 11, 3%, o equivalente a aproximadamente 275 mil pessoas da RMC, mantendo-se o crescimento do desemprego.

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Tabela 1 – Evolução da população residente em favelas no município de Campinas (1991-2000) Ano

População

1991

63.000

1996

88.000

2000

160.000

Fonte: IBGE (2006)

O incremento da população residente em favelas, entre os anos de 1991 e 1996, é de 25 mil pessoas, enquanto o aumento populacional, entre 1991 e 1995, é de aproximadamente 32 mil pessoas (IBGE, 2006). Logo, em torno de 75% da população acrescida na cidade, nesses primeiros cinco anos do terceiro período de periferização, é composta por uma população carente em sua grande maioria desprovida de moradia. Ainda de acordo com o IBGE, no ano de 1991, a porcentagem de domicílios pobres e de pessoas residentes em domicílios pobres em Campinas era, na devida ordem, 5,7% e 6,8% do total. Em 2000, o mesmo órgão contabilizou 8,1% e 9,7% para as mesmas variáveis, respectivamente. Houve o aumento de 2,4% de domicílios pobres e 2,9% de pessoas residentes em domicílios pobres entre 1991 e 2000. No estudo sobre uso e ocupação do solo urbano de Campinas com ênfase na moradia das classes mais altas da população da cidade (PIRES, 2007), relata-se que no período entre 1990-2005 [houve] a produção habitacional da Cohab-Campinas […] das 14.540 unidades produzidas, entre casas, apartamentos e lotes urbanizados, 13.752 (95%) estavam situadas nos Vetores Campinas-Monte Mor [Sudoeste], Anhanguera-Americana [Oeste] e Santos Dumont [Sul], isto é, onde já se concentram áreas com predomínio de população de baixa renda. (…). Para o município de Campinas, enquanto o ritmo de crescimento da população total decresceu de 2, 24% a.a., na década de 1980, para 1,50% a.a., na década de 1990; a taxa de crescimento da população em Aglomerado Subnormal elevou-se de 5,25% para 8,08%a.a. no mesmo período. Destaca-se que, em 1989, o cadastro da Prefeitura Municipal de Campinas indicava a existência de 107 núcleos de favelas no município. No último levantamento, realizado pela Secretaria de Habitação, em 1998/99, o número de ocupações ocorridas no período superava o de favelas, juntas – favelas e ocupações – abrigavam cerca de 17% da população (157 mil habitantes), com mais da metade vivendo em ocupações (55%), isto é, em áreas ocupadas depois de 1990. Quanto à localização, 54% da população moradora de favelas e 73% da população das ocupações estão situadas nas regiões Sul e Sudoeste do município. Nas regiões Norte e Leste, encontram-se 33% da população favelada e 12% da população das ocupações. Isto é, se a localização das favelas era mais distribuída nas diversas regiões da cidade, inclusive nas áreas com predomínio das 8


camadas de alta renda, as ocupações estão mais concentradas nas regiões mais pobres do município. (PIRES, 2007, p. 83, grifos nossos)

A partir do ano 2000, caem drasticamente as ações de ocupação em Campinas. Na verdade, elas cessam completamente e o município parece começar a enfrentar as questões habitacionais com a realização da I e II Conferência Municipal de Habitação e a rearticulação do Fundo Municipal de Habitação além de estabelecer algumas parcerias com o governo federal nos programas de moradia voltados para as camadas da sociedade de baixa renda (SANTOS, 2005, p. 55). No ano de 2003, é implantada a lei municipal 11.834 que dispõe sobre a regularização do solo na cidade de Campinas em terrenos públicos e privados ocupados até 30 de Junho de 2001, por terem sido excluídos de atendimento quando da promulgação da Lei Orgânica do Município. Esta lei favoreceu a regularização fundiária de diversas ocupações de acordo com o solicitado na lei federal 10.257/01 (o Estatuto da Cidade). E, desde 2006, iniciou-se o processo de regularização das maiores e mais recentes ocupações da cidade: a região do Parque Oziel e a do Jardim Campo Belo. Tanto nessas ocupações, quanto em outras menores e mais antigas, começam as políticas de reurbanização dos chamados ‘bolsões de pobreza’ da cidade por parte do poder público municipal. Essas ações de regularização e reurbanização ganharam fôlego na cidade devido à implantação da lei 11.834/03. No próximo item analisaremos tais ações nas regiões destacadas.

3. As ocupações urbanas e as ações políticas recentes (regularização e reurbanização) As mais recentes e maiores ocupações urbanas de Campinas, como já apontadas, ocorreram na década de 1990 (44% do total do município) e se concentraram na região Sul da cidade. As principais ocupações que ocorreram antes desse período, concentraram-se na região Sudoeste onde se localizam os DICs e a maior parte dos bairros de baixa renda da cidade. De acordo com a Secretaria de Habitação de Campinas somando essas duas regiões, denominada macrorregião Sul, havia em torno de 170 mil pessoas residindo em áreas ocupadas da cidade (de um total de habitantes próximo a um milhão de pessoas), em aproximadamente 40 mil moradias no ano de 2000. Em notícia 9


de importante jornal da cidade destaca-se a população residente em favelas e ocupações no final da década de 1990, que, segundo o jornal, atingia 200 mil pessoas (20% da população) com destaque para as ocupações do Jardim Campo Belo e do Parque Oziel11. Na análise de CANO & BRANDÃO (2002) destaca-se o adensamento da periferização e pauperização da população da cidade, e a manutenção de um processo de urbanização fragmentado e segmentador da sociedade campineira, com uma clara divisão do espaço urbano: entre uma macrorregião Norte rica, equipada com serviços públicos e privados de saúde, educação, lazer e cultura, de uma forma geral; e uma macrorregião Sul pobre, com pouquíssimos fixos públicos e densa ocupação populacional. Conforme PIRES & SANTOS (2002, p. 57 e 58), pelas grandes diferenças na dinâmica de ocupação na fração Nordeste da cidade, em relação ao mesmo processo na fração Sudoeste da cidade, consolida-se, nesta última, um “padrão de urbanização caracterizado pela precariedade dos assentamentos urbanos”. De acordo com CANO & BRANDÃO (2002, p. 127) 54,2% da população favelada e 72,9% da população das ocupações estão concentradas nas regiões Sul e Sudoeste de Campinas, a macrorregião Sul; enquanto 32,9% da população favelada e 12,9% das ocupações encontram-se nas regiões Norte e Leste, a macrorregião Norte. As regiões Sul e Sudoeste (macrorregião Sul) se constituem, portanto, numa extensa zona opaca da cidade (SANTOS, 1999). 11

Reportagem do jornal Correio Popular do dia 07 de Julho de 1998 – Campinas tem 200 mil em ocupações: “(...) sintoma da completa ausência de políticas públicas voltadas para equacionar a questão habitacional na cidade nas últimas décadas. (...). O resultado é que 200 mil pessoas, ou cerca de 20% da população, vivem hoje em favelas ou áreas ocupadas, públicas e particulares. A favelização, nos anos 60 e 70, foi o indício da dimensão que a questão habitacional alcançaria na cidade. A população favelada, que era de 3.090 pessoas em 1960, ou 1,5% da população total, cresceu para 136.484 em 1997, representando 13% da população. Outros 70 mil estão morando em áreas ocupadas. A inexistência de mecanismos de fiscalização sobre a especulação imobiliária estimulou a expansão das favelas. Nos últimos 10 anos, Campinas foi palco de 130 grandes ocupações de áreas urbanas, públicas ou particulares. (...). Foram 20 ocupações em 1989, 19 em 1990, 17 em 1992, e 12 em 1994, anos em que acontecem as eleições. O número declina historicamente em anos não-eleitorais. Foram cinco em 1991, cinco em 1993 e cinco em 1995. A grande diferença aconteceu com as grandes ocupações no Parque Oziel e Campo Belo, na região Sudeste de Campinas. Realizadas no início do ano passado, as ocupações mobilizaram mais de 6.000 famílias, como um sintoma cristalino do agravamento da crise social. Criado em 1996 para articular a luta pela moradia em Campinas, o Movimento dos Trabalhadores SemTeto (MTST) estima em 70 mil casas o déficit de unidades habitacionais no Município, mas a Prefeitura reconhece um déficit de 40 mil moradias. Estão na fila da COHAB, à espera de uma casa, 8 mil famílias. Desde sua criação, a COHAB-Campinas construiu 22.862 moradias na cidade. Entre 1967 e 1995 o governo estadual, pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), não construiu nenhuma unidade de moradia popular em Campinas, basicamente pelas divergências políticas com os prefeitos [essa situação mudou entre os anos de 1995 a 2006, com a construção de 4.768 unidades pela CDHU]. A demora em oficializar a Região metropolitana de Campinas (RMC) também contribuiu para agravar o drama habitacional. Ao lado das favelas e das ocupações, existe um vazio urbano em Campinas de 200 km², (...) ou 26% de todo o território do Município. A mancha urbana já ocupada soma mais de 140km².” (grifo de nossa autoria)

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A região Sul, que analisamos, pode ser compreendida também como o eixo Sul de Campinas e é cortada pela Rodovia Santos Dumont (SP-075) que atravessa toda sua área na direção Nordeste-Sudeste partindo da Rodovia Anhanguera (SP-330), enquanto a macrorregião Sul abrange toda a área a oeste da Rodovia Anhanguera. No mapa abaixo apresentamos as Administrações Regionais, a malha rodoviária e a malha urbana de Campinas.

Mapa 1 – Administrações regionais, eixos rodoviários e malha urbana de Campinas-SP Fonte: Prefeitura Municipal de Campinas/Seplama

De acordo com o Plano Diretor de 2006, a região Sul é composta por quatro Administrações Regionais12 e é na AR 06, constituída por quarenta bairros nos quais vive uma população de aproximadamente 120 mil pessoas, que há 14 ocupações e 13 favelas; aí se localizam as regiões do Parque Oziel (em torno de 30 mil pessoas) e do Jardim Campo Belo (aproximadamente 50 mil pessoas). A maior parte da população residente nessa parcela da cidade foi teoricamente afetada pela lei 11.834 de 2003. Apresentamos abaixo uma imagem (figura 1) contendo praticamente toda a 12

Trata-se do órgão responsável por averiguar, relatar e, quando possível, solucionar problemas reclamados pelos moradores dos bairros que pertencem a sua jurisdição. No município de Campinas há catorze Administrações Regionais que se somam as sub-prefeituras de Barão Geraldo, Joaquim Egídio, Nova Aparecida e Souzas.

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região Sul e uma parte do centro da cidade de Campinas.

Figura 1 – Área da Administração Regional 06 e centro – Campinas SP

Fonte: Google Earth (Elaboração: Helena Fonseca) As regiões destacadas foram ocupadas simultaneamente, nos meses de Fevereiro e Março de 1997. Os líderes sabiam dessa sincronia, porém não houve um planejamento voltado à união das ações de ocupação. Ambas se deram através da previa organização das lideranças sociais da cidade, que tinham conhecimento da ociosidade desses grandes loteamentos e que se tratavam de terrenos privados. Inicialmente os líderes tiveram auxílio do Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MST) para o momento da ocupação: quando é necessário uma grande quantidade de pessoas para realizar atividades de muito consumo de energia, como carpir o mato e montar os barracos com rapidez. Já para a manutenção dessa estrutura inicial da ocupação, foram as próprias lideranças que se organizaram com a ajuda da população ocupante e algumas parcelas da sociedade de Campinas. Temos como exemplo, as redes de distribuição de frutas e verduras que doam alimentos, doação de remédios, sopas comunitárias doadas por instituições religiosas, entre outros. 12


A região do Jardim Campo Belo, composta hoje por dezenove bairros (bastante homogêneos entre si, de modo que não há necessidade de diferenciá-los nesse texto) e com aproximadamente cinquenta mil pessoas, foi loteada no final da década de 1950 e se manteve desocupada desde então. Parte desse loteamento foi mantido vazio com fins de uso para a futura expansão do Aeroporto Internacional de Viracopos, porém essa redefinição da área para expandir ocorreu na década de 1970 e a expansão propriamente teve início apenas em 2006. Nesse entremeio ocorreu a ocupação e o adensamento populacional da área. A região do Parque Oziel, por sua vez, composta hoje por quatro bairros e com aproximadamente trinta mil pessoas, foi loteada no início da década de 1980, está distante apenas cinco quilômetros do centro da cidade e continha terrenos de grandes proporções, logo, voltados para a implantação de imóveis comerciais ou residenciais de alto padrão. Essa região apresenta uma história mais tensa politicamente e violenta em relação ao Jardim Campo Belo. Tal fato se deve, principalmente, pelo potencial de valorização fundiária e imobiliária devido a sua localização e ao fácil acesso à Rodovia Anhanguera e à Rodovia Santos Dumont. Nos primeiros seis meses da ocupação foram mortos quatro líderes da região. Além disso, por ser contínua a malha urbana, logo, rodeada por bairros já constituídos, faltam espaços para a instalação de fixos públicos. Esses fatos não se repetem na região do Jardim Campo Belo que se localiza numa área desvalorizada pelo mercado imobiliário, descontínuo à malha urbana de Campinas (apesar de contínuo à malha da cidade de Indaiatuba), no limite do perímetro urbano e ao redor do aeroporto. Nenhuma das duas regiões eram servidas de infraestruturas urbanas quando ocupadas. Entre a ocupação, em 1997, e o ano de 2006 (quando começa o processo de regularização e reurbanização), aumentaram e adensaram suas populações. Para tal, os próprios moradores construíram seu entorno para viver e sobreviver da maneira como lhes foi possível. Implantaram uma precária rede de água através de borrachas doadas pela SANASA e de caminhões-pipa. Para saneamento básico foram feitas, como possível, as fossas sépticas. Foram instaladas por parte do governo estadual duas escolas públicas e um posto de saúde no Campo Belo. Enquanto o Parque Oziel, devido à grande tensão existente e à ausência de espaço, ficou apenas com a escola que os próprios moradores construíram sem acesso à saúde formal nas proximidades. A implantação da lei 11.834 ocorreu próximo ao período do chamado “caos aéreo” do país, quando ganha atenção nacional o aeroporto de Viracopos por ser 13


apontado como importante meio para solucionar a questão. A partir deste momento, é retomado, no âmbito federal, o planejamento da expansão desse macro fixo de transporte e começam as especulações sobre a região do Jardim Campo Belo já densamente ocupada. Discutiu-se a remoção de pelo menos vinte mil pessoas e o plano para a expansão foi alterado com a modificação da área para construção da segunda pista de pouso e decolagem. Com essa alteração está em andamento a remoção de aproximadamente sete mil pessoas. Essa mudança ocorreu por diversos motivos, como vantagens econômicas e devido à forte pressão da população local contra a remoção através das lideranças de bairro. De acordo com o anexo do Plano Diretor da Secretaria Municipal de Habitação, foi implantado, no ano 2000, o 'Programa Regularização' onde constou o projeto de regularizar 86 núcleos, majoritariamente na macrorregião Sul. Conforme o documento “O Programa Regularização envolve também 4 projetos de grande porte (Distrito Industrial de Campinas, Cidade Satélite Irís, Parque Oziel/Jardim Monte Cristo/Gleba B e envoltória do Aeroporto Internacional de Viracopos) e os demais loteamentos clandestinos e irregulares existentes no município.” (p. 18). Consta ainda nesse texto a seguinte afirmação “Por força da Lei Federal 10.257/01, alguns destes instrumentos, à exemplo do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios e da outorga onerosa do direito de construir devem ser detalhados no Plano Diretor, inclusive com a delimitação das áreas onde poderão ser aplicados.” (idem, p. 21). Destes foram realizados oito regularizações até o ano de 2006, mesmo ano em que começou esse processo nas regiões destacadas neste estudo. Aliado a alteração da expansão do aeroporto e a pressão da população é implantado, em 2006, o Projeto de Inclusão Social na Região do Aeroporto Internacional de Viracopos, que passou a ser chamado de Vip-Viracopos, a região do Jardim Campo Belo. Esse projeto atinge também o Parque Oziel devido a enorme carência da população, já próxima aos trinta mil habitantes, e a conexão de ambas através da Rodovia Santos Dumont. Através de um acordo entre governo municipal e federal, unindo-se o Programa de Regularização da cidade com o Programa de Aceleração do Crescimento de âmbito nacional, são iniciadas as ações de regularização e reurbanização nessas duas regiões em 2006. No quadro 1 abaixo podemos observar os planos para a implantação do projeto Vip-Viracopos. São apresentados a infraestrutura a ser instalar, a verba voltada a para a instalação e o órgão de onde deve sair a verba. 14


Quadro 1 – Informações de documento da Secretaria de Habitação de Campinas sobre Projeto de Inclusão Social na Região do Aeroporto Internacional de Viracopos (VipViracopos) – 2006 Programa de Urbanização, Regularização e Órgão responsável pelo financiamento e Integração de Assentamentos Precários valor a ser destinado para cada obra. governo municipal Programa de Aceleração do Crescimento (inclui Parque Oziel e Gleba B) governo federal Etapa 0 – Entorno do Viracopos Obras a serem executadas: Sistema de Governo Federal: R$ 9 milhões abastecimento e construção de unidades Contrapartida do Município (PMC13 e habitacionais no Jardim Marisa para SANASA14): R$11 milhões reassentamento de famílias moradoras de áreas impróprias.

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Prefeitura Municipal de Campinas Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A

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Etapa 1- Parque Oziel, Monte Cristo e Gleba B  Esgotamento Sanitário  Pavimentação e Drenagem itinerário de ônibus  Construção de Unidades Habitacionais Etapa 2 – Entorno de Viracopos  Esgotamento Sanitário  Pavimentação e Drenagem itinerário de ônibus  Produção de Unidades Habitacionais (Vila Taubaté) Etapa 3 - Entorno de Viracopos - Estação Tratamento de Esgoto (ETE) Etapa 4 – Equipamentos Comunitários - Centro de Saúde Jardim Fernanda - Centro de Saúde Jardim Campo Belo - Centro Cultural Esportivo Jd. Marisa - Centro Comunitário e Profissionalizante Jd. São Domingos Estação de Transferência Jd. Campo Belo Etapa 5 – Regularização Fundiária e trabalho social

 SANASA: R$ 11.330.265,28  PMC/SMI15: R$ 6.649.109,15  PMC/SEHAB16: R$3.140.000,00

 SANASA: R$ 23.407.750,77  PMC/SMI: R$ 6.877.221,95  PMC/SEHAB: R$2.669.000,00

 SANASA: R$ 7.078.957,86

PMC e EMDEC17 Total: R$ 9.749.608,21

R$ 1.266.286,78 (Serão pagos pelos moradores dentro do período de vinte anos)

Etapa 6- Pavimentação e Drenagem do itinerário de ônibus PMC/SMI: R$ 1.756.000,00 (Pq. Oziel/Monte Cristo/ Vl. Taubaté) Etapa 7- Pavimentação e Drenagem do itinerário de ônibus PMC/SMI: R$ 2.632.000,00 (entorno Viracopos) Fonte: Documento adquirido com a SEHAB Campinas (Organização: Helena Fonseca)

Dentre as ações indicadas no quadro a etapa 0 foi completamente finalizada, apesar de hoje todas as casas construídas já apresentarem diversos problemas estruturais (como infiltração e excesso de habitantes por cômodo). Foram iniciadas e não finalizadas as etapas 1, 2 e 4. Na etapa 1 ainda não começaram a ser construídas as unidades habitacionais. A etapa 2 não foi finalizada pois, apesar de já terem sido

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Secretaria Municipal de Infra-Estrutura Secretaria de Habitação 17 Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas 16

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instalados os canos para o saneamento básico em toda região planejada, a Estação de Tratamento de Esgoto do Entorno do Viracopos (Etapa 3) ainda não começou a ser construída. Devido a isso a rede de esgoto permanece desligada desde 2009, quando terminou sua instalação. Na etapa 4 ainda não se iniciou a construção da Estação de Transferência [de ônibus] do Campo Belo. A regularização fundiária (etapa 5) foi iniciada, mas se mantém estagnada no Campo Belo desde Agosto de 2011 18. E a segunda leva de pavimentação e drenagem de ambas as regiões (etapas 6 e 7) não foram iniciadas. Nesse momento, todas as obras estão paradas devido à suspeita de desvio de verba por parte do poder público local. Houve manifestação da atual prefeitura apenas para a construção da Estação de Transferência do Campo Belo (etapa 4). As lideranças buscam hoje uma maneira de pressionar o poder público municipal para que finalizem as obras iniciadas e comecem as que estão planejadas. O processo de regularização é de grande complexidade principalmente na região do Jardim Campo Belo, pois como a área foi loteada, depois considerada de utilidade pública para expansão do aeroporto e na sequência ocupada as delimitações dos terrenos torna-se um jogo de quebra-cabeça. Em uma mesma quadra encontram-se delimitações de diferentes loteamentos que podem estar, ou não, dentro da área reservada para expansão. Logo, encontram-se situações muito específicas e difíceis de solucionar legislativamente. Como a região do Parque Oziel trata-se apenas de um loteamento e uma gleba (ainda não parcelada) juridicamente é mais fácil delimitar os terrenos para disponibilizar os títulos de posse. Desde o início dos processos de reurbanização e regularização a população de ambas as regiões já se modificou consideravelmente. Os preços de aluguel e compra de imóveis mais que triplicaram nas regiões e as principais ruas que foram pavimentadas tiveram a maior parte das suas casa vendidas ou alugadas para novos inquilinos. Ou seja, hoje reside uma população que não é a mesma que ocupou a região e lutou para conseguir os direitos adquiridos pelos processos de reurbanização e regularização. Constatamos ainda que as famílias foram para as áreas mais desvalorizadas dentro da própria região, muitas foram para os assentamentos em áreas rurais da Região Metropolitana de Campinas (em Sumaré e Limeira) e outra parcela foi para as ocupações da cidade que ainda não receberam as ações de regularização e reurbanização. 18

Quando o então prefeito Hélio de Oliveira Santos e o alto escalão da Prefeitura são indiciados por desvio de verba nas obras do próprio projeto Vip Viracopos.

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É preciso um alto senso crítico e acesso a diversas fontes de informação para a análise da reurbanização que está em processo de implantação na região. Trata-se de um projeto de reforma urbana dessa parcela do território, que, se tratando de uma cidade corporativa como Campinas, dificilmente será guiada por um objetivo maior do que a valorização da terra urbana. Nas palavras de SANTOS (1990, p. 31 e 32)

Os pobres são as grandes vítimas, praticamente indefesas, desse processo perverso. 'Num primeiro momento, para as classes trabalhadoras, as transformações revelando-se em melhoramentos, benfeitorias proporcionadoras de melhores condições de vida, são aceitas com euforia. Sempre há os que permanecem reticentes, preocupados em face da expectativa de aumento nos impostos e taxas a serem pagos (…) qualquer investimento realizado implica maior revalorização do espaço, em geral muito acima do que a parcela mais explorada da classe trabalhadora pode pagar. Ela é então expulsa para as áreas menos valorizadas, as quais, mais cedo ou mais tarde, também serão alcançadas pelas inversões capitalistas e daí nova expulsão... Assim, a cidade vai sempre expandindo, incorporando novas áreas e sempre segregando os seus moradores com a estratificação social. (SANTOS, R., 1986, p. 71 e 72 apud SANTOS, 1990)

Faz-se necessário disponibilizar aos pobres o direito de morar decentemente, a casa própria, por si só, não é necessária! Em outra passagem de SANTOS (1987) E o direito de morar? Confundido em boa parte da literatura especializada com o direito a ser proprietário de uma casa é objeto de um discurso ideológico cheio, às vezes, de boas intenções e mais freqüentemente destinado a confundir os espíritos, afastando cada vez mais longe uma proposta correta que remedeie a questão. Quando, diante da situação explosiva nas cidades e em face da proximidade de eleições, foi decidido construir casas para os mais pobres, foi para lhes dar habitações que já nasciam subnormais (...). A normalidade estabelecida para os pobres por definição oficial, aconselhada e defendida por pseudo-intelectuais, passou a autorizar a construção de habitações tão pequenas que conduzem a toda espécie de confinamentos e promiscuidades. (...). Isso justifica pensar que o raciocínio economicista e imoral tomou o lugar da cultura, que levaria a preocupações mais nobres. (...) A construção, dessa forma, de casas para os mais pobres ajuda, de fato, a viabilizar a cidade corporativa. (...) afinal, os pobres nem mesmo permanecem nas casas que fazem ou lhes fazem. E não podem manter por muito tempo os terrenos que adquirem ou lhes dão, sujeitos que estão na cidade corporativa, à lei do lucro. (SANTOS, 1987, p. 45 e 46).

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CORRÊA (2001), ao analisar esse processo progressivo de urbanização, comum em favelas e periferias urbanas, escreve que tais ações reproduzem uma cidade dentro da outra “com microambientes diferenciados. Sua população não se caracteriza pela homogeneidade do nível de renda.” (p. 164). Ou seja, para que a expulsão dos mais pobres não ocorra é preciso lidar com essa heterogeneidade dos lugares. As diferenças dentro das desigualdades sociais (SPÓSITO, 2011; SERPA, 2011). Retomando as palavras de ARROYO (1996, p. 81) “Um território em transição, seria um território que busca uma nova organização, uma nova ordem. (...). Os objetos, as técnicas, as informações, as redes, se inventam (criam), se constroem, se usam, para perpetuar essa estrutura social hegemônica, para manter o status quo, enfim para reproduzir o presente.” (grifo do original). Para isso é preciso que o objetivo não seja expulsar os pobres dessas futuras áreas valorizadas, como fica claro nas palavras de SANTOS (1987, p. 84) “Nos últimos decênios, porém, o jogo dos fatores do mercado é ajudado por decisões de ordem pública, incluindo o planejamento, as operações de renovação urbana e de remoção de favelas, cortiços e outros tipos de habitação subnormal.”.

4. Considerações finais Ao reconstituirmos a gênese do processo de urbanização de Campinas, notamos como é intrínseco aos momentos de modernização do parque industrial campineiro, com o objetivo de incorporar mais a cidade ao modo de produção flexível, o acirramento da pauperização da população local expondo sérios problemas, dentre os quais destacamos os relativos à moradia urbana. Esse grave problema urbano por não ser priorizado nas agendas políticas municipais e estaduais, que se comprometem com a devida seriedade com os projetos que dizem inserir mais a cidade na globalização, torna-se cada vez mais difícil de solucionar. Os processos corretivos, de reforma e regularização urbana, precisam ser feitos de modo permanente e em busca de restabelecer valores perdidos. Para tal, essa dotação de recurso nas regiões urbanizadas e reurbanizadas deve ser constantemente revista através, principalmente, da comunicação com a população local e da seriedade com a realização dos projetos por parte do poder público. Ao mesmo tempo, a população que é atingida pelo descaso do governo com os problemas da moradia urbana se organiza e realiza ações, como a de ocupação e de 19


construção de um lugar, para viver e sobreviver. Nos casos que expomos nesse trabalho há conquista por parte da população que, levando em consideração as devidas críticas, está conseguindo normatizar a terra urbana de Campinas e adquirir o direito, pelo menos, do terreno em que vive.

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