Facta #1

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Governo de Minas e

Apresentam

REVISTA DE

gambiologia * * * * * * * * * * * * * facta.art.br * * * * * * * * * * * * *

Arte • Gambiarra • Tecnologia • DIY • Cultura pop tupiniquim Colecionismo • Design sustentável • teoria e prática Hacker




ÍNDICE • INDEX

4 10 AAntropofagia no século XXI

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O maior autor de eletrônica do Brasil fala exclusivamente a Facta

30 32 34 38 40 49 53 55 56/61


Aprenda, no Laboratório de Gambiologia, a construir uma luminária que não precisa de energia elétrica para funcionar por

Um conto cyberpunk em 4 episódios por


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A CIÊNCIA DO

APOCALIPSE por Fred Paulino

Todas as coisas são nascidas desta única coisa por adaptação.

A

formação da cultura brasileira e de outros países de terceiro mundo tem sido, desde sempre, influenciada pela necessidade de lida com certa carência material, dificuldade na aquisição de recursos e restrito acesso à educação. São altos os preços cobrados por produtos tecnológicos, livros, eventos culturais... Mas o fato é que tal carência nos impeliu a criar um senso peculiar de improvisação, cujo resultado muitas vezes atende pelo nome de gambiarra. Essa prática, tradicional no país e tão ilustrativa do que se entende por “brasilidade” (ao ponto de ser confundida frequentemente com o maldito “jeitinho brasileiro”), vai, no entanto, muito além do senso comum, das pequenas soluções necessárias no cotidiano, como um bombril colocado na antena para melhorar o sinal da TV ou as alças das havaianas arrebentadas presas com clipes. A gambiarra, se pensada de forma mais livre no contexto contemporâneo, aplica-se a inúmeras outras paragens e universos, como da tecnologia (na programação de software, por exemplo, é comum o uso de recursos menos formais para solução de bugs) ou das artes plásticas. Este último, especialmente, talvez pela demanda excessiva por tecnologia e interatividade, passa a incorporar cada vez

mais soluções precárias, buscando privilegiar a sensorialidade mais do que soluções estéticas “bem acabadas”. E com a carência de recursos sendo, ao menos temporariamente, superada por nosso espasmo de desenvolvimento econômico1, o fato é que a gambiarra me parece hoje (e não só na arte brasileira) muito mais uma opção. Opção essa que, naturalmente dialogando com as tecnologias deste tempo, desponta talvez como uma forma de desprendimento criativo, ou libertinagem visual, que parte das estratégias de adaptabilidade citadas acima para tensionar o status quo das Artes ao mundo real. Somado a isso, vivemos um período de prováveis mudanças na geopolítica global e de ansiedade em relação ao futuro do planeta, seja devido às alarmantes condições climáticas, à emergência de conflitos locais reverberados pelas nações mais influentes – que validam a ideia de “terrorismo” –, ou às previsões catastróficas, do frustrante bug do milênio ao fim do calendário Maia. Nesse contexto, enfim, pode ser que o Brasil, junto com o resto da periferia global, possua diferenciais adaptativos e criativos que nos possibilitem finalmente converter 1 Fiquemos atentos para que a ilusão de uma enxurrada de dólares enviados ao Brasil às vésperas de grandes eventos esportivos pasteurizados não nos surrupie certas peculiaridades. 2 Por isso a nave que ilustra a capa desta edição, profanação da barca de Iemanjá especialmente produzida pelo Coletivo Gambiologia, é uma paródia da arca de Noé que remete também às Grandes Navegações. Ela sai do Brasil em direção a uma ex-colônia genérica, levando a cultura de inovação e as estratégias de sobrevivência mais que características de Pindorama.

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o complexo terceiromundista a uma situação de “recolonização” às avessas2. Seria essa nossa habilidade com o improviso o grande diferencial para uma situação extrema, como por exemplo o fim do mundo?

da arte brasileira atual que se vale da precariedade como recurso, em um contexto digital. Uma produção que, diga-se, ainda é majoritariamente exibida apenas em um circuito dito “alternativo” (é curioso observar como no Brasil o que é “arte contemporânea” Facta nasce no dia 1º do mês de dezembro raramente se mistura com a “arte digital”). do ano de 2012 DC. A poucos dias, segundo Assim, na Gambiólogos houve uma intenção alguns, da data derradeira no calendário curatorial de agrupar os trabalhos a partir de Maia. O nome desta publicação vem do seu formato, método de produção, materiais, ditado em latim: “Facta non verba”, tradu- recursos, que remetiam diretamente à cultura zido em inglês como “ deeds, not words” e em digital e/ou da gambiarra. É essencialmente português do Brasil para algo como “ações, nisso que esta publicação avança. Pretendenão palavras”3. Apesar da sonoridade mos agora reunir parceiros de outras práticas próxima a “ facto” (fato), que por sua vez criativas, que vão além da atuação em galeforma a expressão “de facto” (“na prática”, rias com seus “objetos”, ou que tampouco se ou “na teoria”), esta publicação não pretende autointitulam artistas. Para tanto, convido ser um informativo de caráter jornalístico. colaboradores de áreas diversas, como mesPropomos aqui uma publicação ensaística tres de eletrônica popular, comunicólogos, sobre Gambiologia, ou mais precisamente, poetas, ilustradores, fotógrafos, arquitetos, o que dela deriva4. O que quero dizer é que, ativistas, artesãos ou simplesmente curioapesar de Facta ter surgido a partir das ações sos com a Gambiologia. Em quatro edições do Coletivo Gambiologia (que formo junto (a revista já nasce morta?), abordaremos de com Lucas Mafra e Ganso5) e tratar de temas forma livre um tema específico, ou provocação, que diretamente tangenciam nossa produção, que costurará práticas tão diversas, sempre ela não se pretende um projeto autoreferen- tangenciando a cultura da gambiarra neste cial. Pelo contrário, o que nos interessa aqui nosso tempo mediado – e pautado – pela é pensar a gambiologia como cena, território tecnologia. Pensaremos de forma mais de influência, ou zona autônoma temporária. ampla a gambiologia que é substantivo comum e internacional: um inusitado e Este projeto surge como consequência direta peculiar abecedário, ou framework, como bem da exposição coletiva Gambiólogos (2010), apontado pelo amigo João Wilbert. quando reunimos em BH algumas deze- Ciência • Fantasia • Tecnologia • Eletrônica • nas de artistas apresentando trabalhos no Faça-você-mesmo • Cotidiano • Precariedade • conceito: “a gambiarra nos tempos do digital”. Gambiarras • Design sustentável • Foi uma experiência rica para compar- Cultura pop tupiniquim • Colecionismo • tilhar ideias comuns com um segmento Pirataria • Teoria e prática hacker 3 O que é, aliás, grotescamente paradoxal considerando-se esse volume impresso contendo 110 páginas. 4 deriva sf (der regressiva de derivar) 1 Náut. Desvio do rumo, abatimento. 2 Náut. Flutuação do navio ao sabor da corrente ou do vento. O navio vogava à deriva. 3 Náut. Movimento unidirecional ou correnteza fraca da água superficial oceânica, devido a vento ou diferença de temperatura. 4 Aeron. Deslocação lateral de um avião em vôo, devida a correntes de ar. 5 Desvio lateral de um projétil, causado por fatores estranhos, tais como vento ou resistência do ar. 6 Ling. Direção determinada que norteia a evolução da língua. À deriva: à desgarrada; ao sabor da corrente: O barco andava à deriva. (definição segundo o dicionário Michaelis online: www.michaelis.com.br) 5 E que surgiu de um contexto gestado coletivamente no Estúdio Osso durante o festival Arte.mov (2008).

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* A CIÊNCIA DO APOCALIPSE *


“St John's Vision of Christ and the Seven Candlesticks”, Albrecht Dürer


Curiosamente, esses conceitos parecem fazer sentido especial nos dias de hoje, em que o fim dos tempos parece estar mesmo próximo. E se considerarmos que ADAPTABILIDADE tem a ver com SOBREVIVÊNCIA, esse repertório pode ser o kit de primeiros socorros para o Apocalipse, mito habitante do imaginário humano há milênios. O Livro da Revelação na Bíblia6, em todo seu simbolismo, contém passagens que seriam nefastamente aplicáveis hoje como: “e toda a terra, maravilhada, seguia a besta”, “e ninguém pode comprar ou vender se não tiver a marca, ou o nome da besta, ou o número do seu nome”, “aqueles que adoram a besta e sua imagem (...) não terão descanso dia e noite”, “os comerciantes da terra se enriqueceram com seu luxo desenfreado”. E uma última, mais gambiológica: “a cidade não precisa de sol nem de lua para ficar iluminada” (o que me faz lembrar da satisfação que foi saber que, em meio ao furacão Sandy em NYC, amigos passaram horas tendo como única fonte de luz a lanterninha feita de embalagem MM’s da Gambiologia, um dos projetos presentes nesta edição). Mas seja pelo incômodo das pessoas com o rumo destrutivo da nossa sociedade, ou por um instinto naturalmente humano de curiosidade com o incerto, o fato é que o

Ilustrações de Jonas De Ro, Tokyo Genso e Vladimir Manyuhin são exemplos do vasto acervo imagético disponível sobre o fim do mundo

apocalipse é pop. Ele está por toda parte. Centenas de artistas já interpretaram o fim dos tempos, de formas diversas, desde a idade média. É célebre a gravura “The Horsemen of the Apocalypse”, de Albrecht Dürer (149798), mostrando os quatro cavaleiros – ou seriam pilotos? Ninguém menos que a Tate Modern exibiu, durante três meses entre 2011 e 2012, a exposição “Apocalypse”, do obscuro pintor oitocentista John Martin. Chegamos ao ponto de a sentença “Risks to civilization, humans, and planet Earth” existir como verbete da Wikipedia. Isso sem contar o fato de respeitados filósofos contemporâneos não se conterem em refletir – pertinentemente, diga-se – sobre o assunto. Como Agamben, em Profanações (2007)7: "Tudo o que agora nos aparece envilecido e de pouco valor é a fiança que deveremos resgatar no último dia, e quem nos guia para a salvação é precisamente o companheiro que se perdeu pelo caminho". E mais diretamente no que dito por Žižek (2012)8: “O sistema capitalista global se aproxima de um ponto zero apocalíptico, e seus ‘quatro cavaleiros do Apocalipse’ são a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual e a luta vindoura por matérias-primas, comida e água) e o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais.”


Mas o sucesso absoluto do fim do mundo não vem só das interpretações catastróficas sobre calendários, ou previsões proféticas deste ou daquele, mas também da constatação cotidiana de que as coisas no mundo andam mesmo estranhas. Furacões que outrora despontavam secularmente se repetem e se fortalecem a cada ano, chegando cada vez mais perto dos grandes centros. O calor é crescente por todo lado, mas poucos estão dispostos a abrir mão do conforto de seu carro do ano. O desenvolvimento tecnológico chegou a tal ponto que somos, por um lado, seduzidos pela sereia da conexão interplanetária, mas por outro é comum observar uma insatisfação generalizada com a obrigação da conexão fulltime. São mais difíceis o isolamento, a introspecção, e a privacidade é cada vez mais uma falácia. A necessidade de manter-se atualizado em uma ciranda de consumo, além de estimular bolhas econômicas por todo lado, reafirma um modus perverso de globalização.

Além de pautas próprias, teremos referências, inspiração, conteúdo nonsense e principalmente proposições abertas aos colaboradores, que embarcaram na provocação e arriscam temas e conteúdos de forma totalmente livre. E um conteúdo exclusivo online, complementar à versão impressa.

Facta atreve-se a ser uma “revista de invenção”. Penso que os textos sobre arte e cultura, talvez especialmente do lado de cá das Minas, andam impregnados demais de academicismo, citações filosóficas, catedráticas, metodologias... Acabam assim por carecer de certo tipo de PROVOCAÇÃO e RISCO, que a meu ver são imprescindíveis, em se tratando de criatividade. A própria arte contemporânea parece excessivamente conformada em validar um discurso conceitual que vem de fora, seja do ambiente curatorial das galerias ou dos guichês da lei de incentivo. Facta faz questão de ser abundante em incertezas, viagens e contradições. A começar deste editorial. Que me perdoem nossas “cabeças de planilha”, mas viver no Finalmente, e por tudo isso, o fim dos século XXI exige certa dose de exoterismo. tempos soa gambiológico por demais, e por isso o tema desta primeira edição é Disso sairão admiráveis adaptações 9 “Gambiologia, a Ciência do Apocalipse”. das quais aqui o meio é dado . Não se pretende aqui algum consenso. Pelo contrário, incentivaremos o compar- 6 BÍBLIA, O Apocalipse. Bíblia Sagrada, Trad. De Mateus Hoepers. São Paulo: Editora Vozes, 1996. p. 1452, 1453, 1456, 1460. tilhamento de ideias não-conclusivas como 7 AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 35. 8 ŽIŽEK, Slavoj. Vivendo no fim dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 11. forma de geração de um imaginário visual. 9 “Hermes Trismegisto e sua Celeste Tábua de Esmeralda”, de Jorge Ben (1974).

* A CIÊNCIA DO APOCALIPSE *

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THE SCIENCE OF

APOCALYPSE by Fred Paulino

So all things have their birth from this one thing by adaptation The formation of Brazilian and other third world countries' culture have always been influenced by the need to deal with certain material deprivation, difficulty in acquiring resources and limited access to education. The prices charged for technology, books, and cultural events are high... But the fact is: this deficiency prompted us to create a unique sense of improvisation, which the result often goes by the name of “gambiarra” (makeshift). This practice, traditional in the country and so illustrative of what is meant by “Brazilianness” (to the point of being often confused with the damned “Brazilian way”), goes, however, far beyond the common sense, of small solutions needed in everyday life, such as a steel wool placed on an antenna to improve TV signal or the straps of an havaianas flip-flop mended with paper clips. If we take the makeshift more freely, in the contemporary context, it applies to many other sites and universes, such as technology (software programming, for example, where it is common the use of less formal resources in the solution of bugs) or in the Fine Arts. This later, especially, perhaps by the excessive demand for technology and interactivity, is increasingly incorporating precarious solutions, seeking to privilege sensoriality more than “well finished” aesthetic solutions. And with the lack of resources being, at least temporarily, overcome by our spasm of economic development1, the fact is that the makeshift seems to me today (and not only in Brazilian art) much more of an option. Being this option one that is naturally converging with the technologies of our time perhaps emerges as a form of creative detachment, or visual profligacy, which departs from the adaptability strategies mentioned above to tension the status quo of the Arts to the real world. Added to all this, we go through a period of possible changes in global geopolitics and of anxiety in regards to our planet’s future, due to alarming weather conditions, the emergence of local conflicts reverberated by the most influential nations – that validate the idea of “terrorism” – or because of catastrophic predictions from the frustrating bug of the millennium of the end of the Mayan calendar. In this context, ultimately, it may be that Brazil, together with the rest of the global periphery, obtain adaptive and creative differentials that allow us to finally convert the complex of a Third World situation into a “recolonization” in reverse2. Would our ability to improvise be the great differential to an extreme situation, such as the end of the world?

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Facta is born on December 1st in the year 2012 AD. A few days before, according to some, the ultimate date of the Mayan calendar. The name of this publication comes from the Latin saying “Facta non verba”, translated toEnglish as “deeds, not words” and in Brazilian Portuguese to something like “actions, not words.”3 Despite of its sounding close to “facto” (fact), which forms the expression “de facto” (“in fact”), this publication is not intended to have an informative journalistic nature. We propose here an essay type of publication on Gambiologia (“makeshiftology”), or more precisely, of what comes from it4. What I mean is that although Facta have arisen from the actions of the Gambiologia Collective (which is formed by Ganso, Lucas Mafra and I5) and despite of it addressing issues that are directly tangent to our production, it is not intended to be a self-referential project. Rather, what interests us here is thinking the Gambiologia as a scene, territory of influence, or temporary autonomous zone. This project comes out as a direct result of the collective exhibition Gambiólogos (2010), when we gathered in Belo Horizonte some dozens of artists presenting works on the concept: “makeshifting in a digital era.” It was a rich experience to share common ideas with a segment of the current Brazilian art that relies on precariousness as a resource, within a digital context. A production which, we shall point out, is still mostly just exhibited in a namely “alternative” circuit (it's curious to notice how in Brazil what is “contemporary art” rarely mingles with “digital art"). Thus, at Gambiólogos there was an curatorial intention on grouping the works according to their shape, production method, materials, resources, which referred directly to digital culture and/or the makeshift practice. It's essentially on this that this publication progresses. Now we intend to bring together partners from other creative practices that go beyond galleries, with its “objects”, or even people who do not name themselves artists. Therefore, I invite collaborators from diverse areas, as popular electronics masters, communicologists, poets, illustrators, photographers, architects, activists, artisans or simply ones who are curious about Gambiologia. In four editions (is this magazine born already dead?), we'll discuss freely a specific theme, or provocation, which sews such diverse practices, always tangent to the culture of makeshift in our time, mediated – and guided – by technology. We'll think more broadly about the gambiologia that is an international and common noun: an unusual and peculiar alphabet, or framework, as well put by my friend João Wilbert. Science / Fantasy / Technology / Electronics / Do-It-Yourself / Everyday Life / Precarious / Gambiarra / Collectionism / Sustainable design / Tupiniquim Pop Culture / Piracy / Hacker theory and practice

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Interestingly, these concepts seem to make special sense nowadays, when the end of times seem to be rather close. And if we consider that ADAPTABILITY has to do with SURVIVAL, this register can be a first-aid kit for the Apocalypse, myth that inhabits human imaginary for millennia. The Book of Revelation in the Bible6, in all its symbolism, contains passages that would be ominously applicable to today, such as: “And the whole earth was amazed and followed after the beast”, “and no one can buy or sell unless he/she has the mark, that is, the name of the beast or the number of his name”, “they have no rest day and night, those who worship the beast and his image”, “and the merchants of the earth are waxed rich through the abundance of their delicacies”. And still a last quote, more gambiological: “And the city has no need of sun or moon to shine on it” (which reminds me of the satisfaction of knowing that amid the hurricane Sandy in NYC friends spent hours with the sole light source of the Gambiologia's torch made from MM’s packing, one of the projects we present in this issue). But being because of the discomfort of people with the destructive direction of our society, or because of a natural human instinct of curiosity with the uncertain, the fact is that the apocalypse is pop. It is everywhere. Hundreds of artists have already interpreted the end of times, in various forms, since the Middle Ages. The engraving The Horsemen of the Apocalypse by Albrecht Dürer (1497-98) showing the four horsemen – or would they be pilots? – is famous. None other than the Tate Modern exhibited, for three months between 2011 and 2012, the exhibition Apocalypse, by the obscure nineteenth-century painter John Martin. We have reached the point where the sentence “Risks to civilization, humans, and planet Earth” exists in Wikipedia. Not to mention the fact that respected contemporary philosophers do not withold from reflecting on – rightly, we shall say – on the subject. As Agamben in Profanazioni (2007)7: “All that now appears to us debased and of little value is the bond that we must rescue on the last day, and who guides us to salvation is precisely the fellow who got lost along the way.” And more directly as told by Žižek (2012)8: “The global capitalist system is approaching an apocalyptic zero point, and his 'four horsemen of the Apocalypse' are the ecological crisis, the consequences of biogenetic revolution, imbalances of the system itself (intellectual property issues and the upcoming struggle for raw materials, food and water) and the explosive growth of social divisions and exclusions”. But the absolute success of the end of the world comes not only from catastrophic interpretations about calendars, or prophetic predictions of this or that, but also from the observation of everyday things, that the world is rather becoming strange. Hurricanes that before would happen occasionally are now recurring and becoming stronger each year, drawing closer to the big cities. The heat is rising everywhere, but few are willing to give up the comfort

of their car of the year. Technological development has reached a point where we are on one hand seduced by the mermaid of interplanetary connection, but on the other hand it is common to note a widespread dissatisfaction for the obligation of a fulltime connection. Isolation, introspection and privacy are increasingly a fallacy. The need to keep up in a maelstrom of consumption, besides stimulating economic bubbles everywhere, reaffirms a perverse modus of globalization. Finally, for all that, the end of times sounds very gambiological, thus the theme of this first issue is “Gambiologia, the Science of Apocalypse.” A consensus is not intended here. Instead, we encourage the sharing of non-conclusive ideas as a way of generating a visual imagery. Besides independent agendas, we have references, inspirations, nonsense contents and mainly propositions opened to collaborators, who embarked on the provocation, venturing themes and contents in a totally free manner. And we also present an exclusive online content, supplement to this printed version. Facta is intended to be an “invention magazine”. I think the writings on art and culture, perhaps especially on this side of the world in Minas Gerais are way too impregnated with the academic tradition, philosophical quotes, methodologies ... Ultimately, it ends up lacking a certain kind of RISK and PROVOCATION, which are, from my point of view, essential when it comes to creativity. The very own contemporary art seems overly conformed to validate a conceptual discourse that comes from outside, being it in the curatorial environment of galleries or in the desks of government incentive policies. Facta makes a point in being abundant in doubts, trips and contradictions. Starting with this editorial. May our “worksheet minds” forgive me, but living in the twenty-first century requires a certain amount of esotericism.

From this are and do come admirable adaptations whereof the means is here in this.9 1 Let

us be careful that the illusion of a flood of dollars sent to Brazil on the eve of major pasteurized sporting events doesn’t scrounge us from certain peculiarities. 2 That is why the vessel that illustrates this issue cover, desecration of Yemanja's barge specially produced by the Gambiologia Collective, is a parody of Noah's ark, which also refers to the Great Navigations. It leaves Brazil towards a generic excolony, carrying the culture of innovation and survival strategies, features that belongs to the Pindorama. 3 What is grotesquely paradoxical considering that this volume contains 110 pages. 4 drift

(drift from) 1 Deviation of course, drift down. 2 Flotation of ship with the flow or wind. The ship floated adrift. 3 Unidirectional movement or weak stream of surface ocean water due to wind or temperature difference. 4 Lateral displacement of an airplane in flight due to air currents. 5 Lateral deviation of a projectile caused by external factors, such as wind or air resistance. 6 Determined direction that guides the evolution of language. Adrift: straying, with the flow: The boat went adrift. (according to the online Michaelis dictionary: www.michaelis.com.br with free translation by this translator). 5 The collective emerged from a context at Osso Design gestated collectively during the Arte.mov festival (2008). 6 Bible, Revelation. Holy Bible, Trad. Matthew Hoepers. São Paulo: Editora Vozes, 1996. p. 1452, 1453, 1456, 1460. 7 AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 35. 8 ŽIŽEK, Slavoj. Vivendo no fim dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 11. 9 “Hermes Trismegisto e sua Celeste Tábua de Esmeralda”, by Jorge Ben (1974).

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Facta - revista de gambiologia #1 Dezembro/2012

Capa: Escultura "A Arca de João Baptista" (2012), do Coletivo Gambiologia (Fred Paulino, Lucas Mafra e Paulo Henrique Pessoa "Ganso") Fotos por Nidin Sanches Fotos making of por Erick Ricco (Apiário) Publicação aperiódica Tiragem: 1720 exemplares Contatos / contacts: editor@facta.art.br producao@facta.art.br redacao@facta.art.br www.facta.art.br www.gambiologia.net Este trabalho está licenciado em conformidade com a Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 3.0 Brasil. Para ver uma cópia da licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/br


FICHA TÉCNICA CREDITS concepção e edição

produção

EDITOR

production

Fred Paulino

Fernanda Salgado

CONSELHO EDITORIAL

assistente de produção

Fernando Rabelo Lucas Mafra Paulo Henrique Pessoa "Ganso" Rodrigo Minelli

Gabriella Araujo

editorial board

REDAÇÃO writer

Daniel Barbosa VERSÃO PARA INGLÊS english version

Lu Tanure projeto gráfico art director

Xande Perocco design

graphic design

Fred Paulino Xande Perocco desenvolvimento web web development

Paulo Barcelos

production assistant

assessoria jurídica legal advice

Diana Gebrim - Diversidade conteúdo audiovisual audiovisual content

Apiário assessoria de imprensa press agency

Noir Comunicação Total impressão print

Imprimaset COLABORADORES #1 COntributorS #1

Alexandre Telles • Bárbara Pontello Carlos M. Teixeira • Conrado Almada Desali • Felipe Fonseca • GlermSoares Lu Tanure • Marcus Bastos Newton C. Braga • Roberto Bellini Thiago Carrapatoso


QUEM FAz

FACTA Apiário

Espaço de criação e cultivo de ideias, dedica-se à produção e concepçãode trabalhos artísticos e comerciais, filmes, vídeos, animações, ilustrações, fotografias, escritos e sons de variadas espécies. Apiário is a space for creation and the cultivation of ideas. It is dedicated to conceiving and producing artistic and commercial works, films, videos,animations, illustrations, photographs, writings and sounds of varied species.

Alexandre Telles

Apesar de questionar o serviço que a Comunicação presta à sociedade, é comunicólogo dedicado. Situação que classifica como “sobrevivência econômicado mais adaptado”. While questioning the service Communication provides to society, he is a dedicated communicologist. He qualifies this situation as "economic survival ofthe fittest."

Bárbara Pontello

24 anos, designer, ex-estagiária da Gambiologia e parceira do projeto. Gambióloga de coração, desenvolveu a lanterninha de MM's. Adora caveiras e brilho. Sempre antenada às tecnologias e inovações. 24 years old, designer, former intern at Gambiologia and partner in the project. Gambiologist at heart, she has developed the MM's flashlight. She loves skulls and glitter. She is always attuned to technologies and innovations.

Carlos M Teixeira

Arquiteto (UFMG), mestre em urbanismo (Architectural Association) e sócio do estúdio Vazio S/A. É autor de “História do Vazio em BH” (Cosac Naify), “Entre: Architecture from the Performing Arts” (Black Dog), e outros. Architect (UFMG), Master in Urbanism (Architectural Association) and a member of Vazio S/A studio. He is the author of “História do Vazio em BH” (History of the Void in BH) published by Cosac Naify, "“Entre: Architecture from the Performing Arts” (Black Dog), and others.

Conrado Almada

Formado em Comunicação e natural de Belo Horizonte. Artista audiovisual, trabalha em diferentes suportes, do papel ao vídeo. He graduated in Communications and is born in Belo Horizonte. Audiovisual artist, he works in different media, from paper to video.

Daniel Barbosa

Jornalista cultural, trabalha no "O Tempo" e tem passagens pelo Hoje em Dia, Gazeta Esportiva Online (SP) e revista Palavra. Atuou como curador em programas como Natura Musical, Música Minas e Vozes do Morro. Toca na banda de hardcore Vulgaris. Cultural Journalist, he works ar "O Tempo” and has worked at Hoje em Dia, Gazeta Esportiva Online (SP) and Palavra magazine. He has served as a curator in programs such as Natura Musical, Música Minas and Vozes do Morro. He plays in the hardcore band Vulgaris.

Desali

Artista gráfico criador de imagens satíricas e iconoclastas em diversas linguagens. Prolífico produtor de pinturas, assemblages, serigrafias, quadrinhos e fotografias. Organiza e é curador da exposição Piolho Nababo. Graphic artist and creator of satirical and iconoclastic images in various languages​​. Prolific producer of paintings, assemblages, serigraphs, comics and photographs. He organizes and is the curator of the exhibition Piolho Nababo.

Felipe Fonseca

Pesquisador e articulador de projetos relacionados a redes de produção colaborativa e livre, mídia independente, software livre e apropriação crítica de tecnologia. Researcher and articulator of projects related to collaborative and free production networks, independent media, free software and critical appropriation of technology.

Fernanda Salgado

Produtora cultural e roteirista audiovisual. Graduada em Radialismo (UFMG) e Mestre em Artes (UFMG), é sócia-fundadora da Apiário. Coleciona histórias, personagens e narrativas. Cultural producer and screenwriter. She graduated in Radio, TV and Film (UFMG) and Master of Arts (UFMG). She is a founding member of Apiário and collects stories, characters and narratives.

Fernando Rabelo

Artista, filmmaker, ilustrador, pesquisador em tecnologia, professor na Universidade Federal do Recôncavo Baiano. Artist, filmmaker, illustrator, technology researcher, Professor at the Universidade Federal do Recôncavo Baiano.

Fred Paulino

Cientista da computação, designer, artista e gambiólogo. Realiza desde a década de 90 projetos criativos como Mosquito, Osso Design, Graffiti Research Lab Brasil e Coletivo Gambiologia. É editor da Facta. Computer scientist, designer, artist, gambiologist. He carries since the 90’s creative projects such as Mosquito, Osso Design, Graffiti Research Lab Brazil and the Gambiologia collective. He's the editor of Facta.


Gabriella Araújo

Graduanda em artes plásticas pela Escola Guignard/UEMG, é artista e videomaker. She is an undergraduate student at the Guignard Fine Arts school / UEMG. She is an artist and videographer.

Glerm Soares

Glerm Soares nega o Bóson de Higgs. No momento trabalha juntando colaboradores para construção de um (des)Acelerador de Partículas para compilar uma máquina que possa deter o Fim Do Mundo, outra vez. Glerm Soares denies the Higgs boson. At the moment he is joining collaborators for building a (dis) Particle Accelerator so to put together a machine that can stop the End Of The World, again.

Lu Tanure

Formada em Comunicação Social (UFMG) com Mestrado em Artes (Universidade do Texas). Mãe amorosa de Leonardo, atua como produtora, escritora, documentarista e tradutora. Gambióloga de coração, é responsável pela versão inglesa da revista Facta. She graduated in Social Communications at UFMG and holds a Master of Arts from the University of Texas. Loving mother of Leonardo, she serves as producer, writer, filmmaker and translator. Gambiologist at heart, she is responsible for the English version of the magazine Facta.

Lucas Mafra

Designer de produtos, artista de dispositivos, hobbysta em eletrônica, PC’s hacking, DIY e gambiarras tecnológicas Products Designer, device artist, hobbyist in electronics, PC hacking, DIY and technology makeshifts.

Marcus Bastos

Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, onde também é professor da Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital. Atua como artista, curador e pesquisador nas áreas de convergência entre arte, design, audiovisual e mídias digitais. Ph.D. in Communications and Semiotics at PUC-SP, where he is also a Professor of Graduate Studies in Technology of Intelligence and Digital Design. He acts as an artist, curator and researcher in the areas of convergence between art, design, audiovisual and digital media.

Newton C. Braga

Autor de mais de uma centena de livros sobre eletrônica, publicados no Brasil e exterior, professor e mantenedor do site www.newtoncbraga.com.br, onde estão disponíveis milhares de artigos interessantes para gambiarras. Author of over a hundred books on electronics, published in Brazil and abroad; professor and maintainer of the site www.newtoncbraga.com.br, where thousands of items are available for interesting hacks.

Paulo Barcelos

Paulo Barcelos é um tecnologista que pesquisa maneiras de se utilizar o conhecimento técnico como uma forma de expressão e como conectar seres humanos e máquinas de maneiras mais significativas. Paulo Barcelos is Brazilian creative technologist that researches ways to use open technologies as a tool for expression and how to connect people and machines in more meaningful ways.

Paulo Henrique Pessoa “Ganso”

Artista gráfico, designer de luminárias, diretor de arte, colecionador de coleções. Graphic artist, designer of lamps, art director, collector of collections.

Roberto Bellini

Roberto Bellini foi presenteado aos 33 anos com uma série de espasmos físicos e surtos visionários que o deixaram completamente convencido de sua própria irrelevância. Depois de se recuperar com ajuda farmacológica, chegou a conclusão de que é o filho caçula do deus Sol. Roberto Bellini was presented with a series of physical spasms and visionary bursts at the age of 33 that left him completely convinced of his own irrelevance. After recuperating with pharmacological help, He reached the conclusion that He is the youngest son of the Sun god.

Rodrigo Minelli

Artista, professor e curador, idealizador de projetos coletivos de experimentação e reflexão sobre arte eletrônica como o “FAQ” e Festival “ARTE.MOV”. Artist, Professor and curator. He is the creator of collective projects of experimentation and reflection on electronic art such as the "FAQ" and "ARTE.MOV" Festival.

Thiago Carrapatoso

Especialista em Comunicação, Arte e Tecnologia e mestrando em Estudos Curatoriais, em NY. Foi pesquisador pela Funarte e ganhador de um prêmio para pesquisas dado pela Fundação Bienal de São Paulo. Specialist in Communications, Art and Technology and a Master student in Curatorial Studies in NY. He has been a Funarte researcher and awarded a research grant given by the São Paulo Biennal Foundation.

Xande Perocco

Azucrinista que fAZ questão de perder seu tempo entre desenhar letra, e avacalhar tudo que é possível como seu alter-ego Azucrina! Azucrinist who makes sure to waste his time between drawing letters, and mess up everything that is possible as his alter-ego Azucrina!



“The Great Day of His Wrath”, John Martin


O ritual de antropofagia. À direita, Hans Staden (de barba): "Viagem ao Brasil", 1557


90 anos após a Semana de Arte Moderna de 1922, as práticas antropofágicas ainda vicejam como traço genuíno da identidade brasileira.

"Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o”.

testemunha apenas o céu azul, o sol e um misterioso cacto verde”, nas palavras da professora Maria Augusta Fonseca, em texto para a “Brasilianas”, da USP). Tal teorização, naturalmente, convergia com as proposições Oswald de Andrade sintetiza, no “Manifesto modernistas. Pois que a dupla chegou ao de Antropofagia”, publicado na primeira Manifesto. edição, em maio de 1928, da “Revista Antropofágica” – que ele mesmo capitaneou A “Revista de Antropofagia”, que traz ao lado de Raul Bopp e Antônio de Alcântara o “Manifesto” já na terceira página, foi Machado –, o que, possivelmente, é a mais lançada em São Paulo, divulgando editoriais notável singularidade da cultura brasileira: pontiagudos, textos ficcionais, comentários a capacidade de deglutição de todo e qualquer fortuitos e artigos provocadores. De maio de material constituinte do ambiente, com senso 1928 a fevereiro de 1929 a publicação circulou crítico e capacidade seletiva, e a habilidade como periódico, totalizando dez números, inata para transformar isso em algo novo, cada um com oito páginas. Numa primeira com traços da identidade nacional. Tudo etapa, os editoriais assinados por Antônio de com um caráter irreverente, panfletário e, Alcântara Machado focalizavam questões de ao mesmo tempo, poético. ordem social e política. Oswald e Bopp eram presenças constantes, como colaboradores. Como em toda biografia que se preze, a de Oswald teve suas pinceladas de drama e No primeiro número, no meio da página romance, o que, naturalmente, se refletiu que traz o “Manifesto”, está o desenho em seu legado intelectual. A ideia do “O Antropófago”, de Tarsila, que segue as “Manifesto de Antropofagia” vinha sendo linhas de seu óleo sobre tela “O Abaporu”. de alguma forma gestada desde a Semana de No texto para a “Brasilianas”, Maria Augusta Arte Moderna, em São Paulo, 1922, mas só Fonseca detalha que “com o intuito de arejar chegou ao papel seis anos depois, em função ideias, provocar, agitar, propunha-se então do que talvez fosse um simples carinho de a descida às nossas matrizes recalcadas, sua esposa, Tarsila do Amaral, com quem se sem descartar o avanço técnico do mundo casara em 1926. contemporâneo, e em paridade com as ideias de Marx, Freud e dos surrealistas’”. Presenteado por ela com o quadro “O Abaporu”, Oswald e Raul Bopp acharam Com a separação de Oswald e Tarsila de teorizar sobre a imagem (“aquele estranho em 1929, contudo, o próprio autor se homem pintado, de pés enormes fincados na incumbiu de tirar foco e importância do seu terra, cuja pequena cabeça parece apoiar-se “Manifesto”. Evidentemente, não só pelo melancolicamente em uma das mãos, cercado episódio passional. por um ambiente seco e quente, tendo como

* DEVORA TEU SEMELHANTE *

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Antropofagia em dois tempos: desenho de Tarsila do Amaral (1929) e ilustração de Helder Aragão para o manifesto manguebit "Caranguejos com Cérebro" (1994)

Como relata a Enciclopédia Itaú Cultural de cultura brasileira de absorver o que interessa Artes Visuais, “a partir dos anos 1930, com o – incluindo o seu semelhante d’além-mar e o agravamento da situação econômica e social, que dele vier -, reprocessar e apresentar algo com o craque da Bolsa de Nova York em mais genuinamente próprio, verde e amarelo. 1929, do qual Oswald de Andrade é uma das Daí firmou-se como traço autóctone o que se vítimas, e a instauração do período getulista diz por aí, no grande caldeirão do banquete (1930-1945), a questão do ‘moderno’ como canibal que é a web: “atualizar o ambiente tensão entre o nacional e o internacional toma artístico brasileiro, colocando-o em contato outros rumos, sendo discutida em termos com as diversas linguagens das vanguardas diversos, pelo menos até o fim dos anos 1960. europeias, e ao mesmo tempo voltar-se para a Oswald renega o ‘sarampão antropofágico’ apreensão do Brasil, em um projeto consciente durante os anos 1930, voltando a ele de criação de uma arte brasileira autônoma”, somente no fim da década de 1940. A ideia ou que “a reivindicação antropofágica podia ser vista como a metáfora de antropofagia como procedimento estético só é O traço de identidade do que devia ser repudiado, conscientemente retomada nacional ao mesmo tempo assimilado e superado em em meados dos anos 1960, selvagem, anarquista e lírico favor da independência com a montagem da peça mostrou-se mais duradouro cultural do país”, e que ela, a antropofagia, “lança mão da ‘O Rei da Vela’, pelo Teatro Oficina, e com o movimento tropicalista, entre paródia, do riso e da anarquia para realizar 1967 e 1968”. O traço de identidade nacional a ‘canibalização’ cultural das nossas fontes ao mesmo tempo selvagem, anarquista e primitivas reprimidas”; e mais: que “é com lírico que Oswald tinha identificado, afinal, esse mesmo espírito de ‘canibalismo’ cultural mostrou-se mais duradouro do que ele e autonomia criativa, deglutindo informações tão díspares como a música pop e o samba, próprio, talvez, pudesse imaginar. que o tropicalismo vai produzir suas canções O tropicalismo, com efeito, é uma e marcar, de forma original, sua presença no reafirmação dessa capacidade intrínseca da cenário cultural brasileiro”. 20

* DEVORA TEU SEMELHANTE *


Na esfera da música, o desdobramento que ecoava do Velho Mundo e dos Estados mais evidente, ou o contexto musical que Unidos. O panorama atual indica que a mão mais herda esse legado antropofágico talvez da via parece ter se invertido. O rock, o funk, seja o de Recife, Pernambuco, na primeira o hip hop, o reggae, enfim, os gêneros e metade da década de 1990, com a eclosão referências musicais “importados” de que os do manguebit. Estão ali as referências do mangueboys se valeram em suas composições pop, do rock, do soul e do funk, da música não são novidade – estão na música brasileira, eletrônica, importadas ou desenvolvidas devidamente absorvidos, desde Roberto nas mais insuspeitas periferias brasileiras, Carlos e a Jovem Guarda, desde Tim Maia, devidamente cozidas com os víveres dos Thaíde e DJ Hum, Gil. O que há de novo mangues, com a batida do na música pop recifense maracatu, com as cirandas, dos anos 1990 é o Recife. Decerto que foi sob os cavalos-marinhos, a inspiração antropofágica O foco, aqui, é a música, estética, a geografia e o mas vale, naquela cena e que Fred Zeroquatro sotaque que dão identidade para o que dela derivou, em escreveu o manifesto à terra de seus criadores. qualquer linguagem artística. Decerto que foi sob inspiração antropofágica, direta ou indiretamente, que Fred Zeroquatro, líder do Mundo Livre S/A, escreveu o manifesto “Caranguejos com Cérebro”, alicerce teórico do manguebit. Ali fala-se em retroalimentação da matéria orgânica do mangue, o que, talvez, expresse uma nova realidade do que foi o cerne antropofágico. Para Oswald e os seus, estar inserido na modernidade significava estar aberto, com olhar crítico, selvagem, para o

E cabe dizer que esse espírito antropofágico contemporâneo e de mão dupla estava ou está expresso no teatro de José Celso Martinez Corrêa, nas instalações de Hélio Oiticica, no cinema de Glauber Rocha, nos textos de Torquato Neto. Nas aspirações de Ariano Suassuna com o movimento armorial? Em Gaby Amarantos? Em Arthur Omar? Transformar um eMac obsoleto em espremedor de frutas (de preferência genuinamente brasileiras, como umbu, cajá, siriguela) seria uma expressão antropofágica? DB iPhone 6: smartphone da Armadura Gambiológica (2008) Foto: Daniel Mansur


Performance “Canibal�, de Marco Paulo Rolla. Foto: Ding Musa

por Marcus Bastos


“Desconfiar do estalo / antes de utilizá-lo Mas se for impossível / de todo aboli-lo Desconfiar do estalo / e transformar / o estalo em estilo” Carlito Azevedo em artigo publicado no Caderno Videobrasil 2, Ricardo Rosas afirma que a gambiarra é “usada para definir uma solução rápida e feita de acordo com as possibilidades à mão”, o que tem “um sentido cultural muito forte, especialmente no Brasil”. Nos anos 2000, aconteceram vários festivais e publicações, e surgiram obras de artistas que reiteram a percepção de Rosas, um dos principais críticos de cultura digital brasileiros – além de midiativista atuante, que infelizmente faleceu de forma prematura. De Jarbas Lopes a Fred Paulino, passando pelos coletivos Re:combo e Metareciclagem, ou nomes como pan&tone e Paulo Nenflídio, uma parte significativa da produção que inaugura o século XXI explora o improviso transformado em estilo. Mas seria um engano considerar este “sentido cultural”, que destaca-se no Brasil, como algo particular do país. Em âmbito internacional, práticas como o DIY, a eletrônica de garagem, o circuit bending e o hacking exploram a reutilização, a reconfiguração, o deslocamento e a ressignificação como ponto de partida para reinventar a relação entre linguagens e tecnologias. Neste contexto, o remix e a gambiarra são algumas das formas com que mundo contemporâneo busca equalizar os exageros de um capitalismo fora do controle, num momento de reconfiguração intensa da geopolítica internacional. Setenta e seis anos depois que Oswald de Andrade leu, na casa de Mário de Andrade, para seus colegas de modernismo, o "Manifesto Antropófago" – publicado naquele mesmo ano de 1928 na "Revista de Antropofagia" – um acontecimento disperso propõe atualizar suas ideias, em um Brasil que passava das reminiscências da ditadura militar à eleição de Lula para a Presidência. Em 2004, o Digitofagia propôs discutir estas gambiarras digitais num formato de compartilhamento entre pares e sem hierarquia, que reuniu (algo mais raro do que deveria ser) intelectuais, ativistas, participantes de movimentos sociais, artistas, críticos, gestores, etc. Idealizado e organizado por Ricardo Rosas, Giseli Vasconselos, Lucas Bambozzi, Pixel, Ricardo Ruiz, Sandra Terumi e Tatiana Wells, e articulado a partir de uma rede de discussão que gerou um livro eletrônico durante o processo (o "Digitofagia Cookbook"), foi um momento de síntese e prospecção: ao mesmo tempo em que agrupou uma série de discussões sobre a relação entre cultura digital, arte, política e antropofagia (desdobrando um foco de debates que, desde o Midia Tática Brasil, em 2003, se organizava em eixos de discussão cada vez mais estruturados), estabeleceu um ponto de partida para encontros como os vários Submidialogia, e exposições como Gambiólogos (2010).

* ECOS ANTROPOFÁGICOS (COM DELAY DIGITAL) *

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Não cabe eleger fatos ou obras marcantes deste período em que os desejos comuns espalham-se por espaços públicos cada vez mais escassos, e os debates acirrados servem como uma espécie de prelúdio à polarização de um mundo em que Primavera Árabe e movimentos Occupy dividem a arena com o fantasma de SOPAs, PIPAs e afins. Os ecos da antropofagia

na cultura digital reverberam como afetos de micropolítica, num registro em que grupos e posturas importam mais do que tais ou quais partes (e que os acontecimentos e disrupções surgem como formas de ressignificar o fluxo espesso da rotina, um pouco como em Maio de 68, mas de forma difusa, e desinvestida de discursos centralizadores).

Se fosse possível contar a história contemporânea em pílulas, certamente “menos é mais” e “não confie em ninguém com mais de 30” definiriam momentos chave. Talvez, diante da superexposição cotidiana e da batalha por visibilidade numa rede em que não se mede qualidade ou credibilidade (mas o número de seguidores), caiba remixá-los como um slogan síntese para o século XXI: se menos é mais, não confie em ninguém com mais de trinta amigos no Facebook.

Não por acaso, ao final de uma década de devoração, o anonimato tornou-se uma bandeira e um diferencial em meio à saturação de perfis, conexões e cutucadas.

Ponto arbitrário de uma trajetória que só é possível entender coletivamente, navegando pelas páginas que registram os vários e múltiplos lances de devoração espalhados pela Internet (para isso, vale conferir os sites como Midia Tática Brasil, Digitofagia, Centro de Mídia Independente, Baixa Cultura.org e Gambiologia.net, entre outros). Seria paradoxal, neste contexto, resgatar um momento tão marcante quanto pouco lembrado desta trama que envolve antropofagia e tecnologia (ou, jogar nele alguns holofotes resultaria em desastrada anti-homenagem, que toma como parâmetro as mesmas regras de visibilidade que levaram ao formato do anonimato como crítica do contemporâneo)? Caranguejo Solar (2009), de Paulo Nenflídio, é parte de uma série de "animais tecnofágicos"

mimoSa, projeto da Rede Metareciclagem: computador ambulante que "reapropria-se criativamente da tecnologia para revelar lugares, pessoas e suas histórias"


Em 21 de Agosto de 2003, é lançado o LURC. A Licença de Uso Completo do Re:combo propõe um documento que “tem como objetivo criar uma base de trabalho liberal que seja coerente com a nossa ideia de Generosidade Intelectual, em detrimento à Propriedade Intelectual”, remetendo a um “tempo em que a música era tocada apenas por prazer, e a sua criação, até então, era coletiva, fosse nas aldeias européias do século XVI ou nas ocas cerimoniais do Brasil pré-1500”. Uma versão dos debates sobre direitos autorais em sintonia evidente com o matriarcado de pindorama, de bárbaros tecnizados, oswaldiano. Não fazem dez anos que os corredores do MIS abrigaram alguns dos debates mais marcantes sobre os elos entre passado, presente e futuro de um Brasil marcado pela lógica da devoração antropofágica, em que “só me interessa o que não é meu”. Mas qual o sentido deste interesse pelo “que não é meu”, em um país que critica (de forma legítima, consistente e necessária) a retirada do Creative Commons de um site de Ministério, mas não discute porque uma licença semelhante e contemporânea, inventada no nordeste do país, raramente é lembrada, nas histórias recentes sobre a cultura digital pontobr? No Brasil 2.0, de pré-sal e

prosperidade anunciada, é preciso pensar como seria a antropofagia 2.0. Tupi or not tupi ainda é uma questão.

PS.: Vale apontar um elemento significativo para pensar a relação com o outro, marcante no Brasil tanto sob o signo da Antropofagia quanto no "Nacional por Subtração" de Roberto Schwartz: a fase antropofágica de Oswald de Andrade surge em suas viagens à Europa, quando conhece a revista Canibale, editada por Francis Picabia, num momento em que as vanguardas artísticas exploravam o primitivo e o estrangeiro como formas de buscar discursos diferentes da linguagem européia predominante.

Das Coisas Quebradas, instalação de Lucas Bambozzi (2012): máquina que devora celulares


90 years after the 1922 Week of Modern Art, anthropophagic practices still flourish as a genuine trace of Brazilian identity. “ I asked a man what the Law was. He told me it was the guarantee of the exercise of possibilities. This man was called Galli Mathias. I ate him.” Oswald de Andrade summarizes in the "Manifesto de Antropofagia" (Anthropophagy Manifest), in the first edition of the "Revista Antropofágica" (Journal of Anthropophagy) published in May of 1928 - which himself captained next to Raul Bopp and Antonio de Alcântara Machado – what is possibly the most notable uniqueness of Brazilian culture: the ability to swallow any constituent material of the environment, with a critical thinking and selective capacity, and the innate ability to transform it all into something new, with traces of our national identity. All with an irreverent character, pamphleteer and, at the same time, poetic. As in any worthwhile biography, Oswald’s had its touches of drama and romance, which, of course, was reflected in his intellectual legacy. The idea of this Manifesto de Antropofagia somehow had been gestating since the Modern Art Week in São Paulo, 1922, but it only got down to paper six years later, due to what might had been a simple love of his wife, Tarsila do Amaral, whom he married in 1926. Gifted by her with the painting O Abaporu (The Abaporu), Oswald and Raul Bopp found to theorize about the image (“that painted strange man, huge feet firmly planted on earth, whose small head seems to lean gloomily on one hand, within a dry and hot environment, having as his witness only the blue sky, the sun and a mysterious green cactus “, in the words of Professor Maria Augusta Fonseca in a text for the Brasilianas collection at USP). This theoretization, of course, converged with the modernist propositions. Therefore they arrived at the Manifesto. The “Journal of Anthropophagy”, which brings the “Manifesto” in its third page, was launched in Sao Paulo. It presents spiky editorials, fictional texts, random comments and provocative articles. From May 1928 to February 1929 it circulated as a periodical in a total of ten numbers, each 26

with eight pages. In its first stage, the editorial signed by Antônio de Alcântara Machado focused on issues of social and political order. Oswald and Bopp were constant presences as collaborators. In its first number, in the middle of the page with the Manifesto, there is the drawing O Antropófago, by Tarsila, following the lines of her oil on canvas O Abaporu. In her text for the Brasilianas, Maria Augusta Fonseca explains that “with the purpose of airing ideas, provoke and stir, they proposed the descent to our repressed matrixes, without discarding the technical advancement of the contemporary world, and related to the ideas of Marx, Freud and the Surrealists.” With the separation of Oswald and Tarsila in 1929, however, the very own author undertook to take focus and importance of his “Manifesto”. Evidently, not only due to his passionate episode. As reported by the Itaú Cultural Encyclopedia of Visual Arts, “from the 1930s on, with the worsening of economic and social situation, with the ace of the New York Stock Exchange in 1929, of which Oswald de Andrade is one of the victims, and the establishment of the Vargas period (1930-1945), the question of the ‘modern’ as a tension between the national and international took other directions, being it discussed in different terms, at least until the late 1960s. Oswald denies the ‘cannibalistic sarampão’ during the 1930s, returning to it only at the end of the 1940s. The idea of cannibalism as a aesthetical procedure is only consciously resumed in the mid-1960s with the assembly of the play "O Rei da Vela" (The Candle King), by Teatro Oficina, and with the Tropicalia movement, between 1967 and 1968”. The trait of a national identity at the same time wild, anarchic and lyrical identified by Oswald, after all, proved more enduring than himself, perhaps, could imagine.


Tropicalism, in effect, is a reaffirmation of this intrinsic ability of Brazilian culture to absorb what matters – including from suchlikes overseas and what comes from them – reprocess and present something more genuinely owned, in green and yellow. From there it was established itself as a native trace, as some say in this great cauldron of cannibal feasts that is the web: “upgrade the Brazilian artistic environment, putting it in touch with the various languages of the European avant-gardes, while at the same time going back to the roots of Brazil, in a conscious design to create an autonomous Brazilian art”, or even that “the cannibalistic claim could be seen as a metaphor for what was to be repudiated, assimilated and overcome in favor of the cultural independence of the country” and that it, the anthropophagy, “makes use of parody, laughter and anarchy to perform the cannibalization of our repressed primitive cultural sources”, and further: that “it is with this same spirit of cultural ‘cannibalism’ and creative autonomy, swallowing information as diverse as pop music and samba that tropicalismo will produce their songs and mark, in a very original manner, its presence in the Brazilian cultural scene”. In the realm of music, the most evident consequence, or the musical context that most inherits this legacy is perhaps the one of Recife, Pernambuco, in the first half of the 1990s, with the emergence of manguebit. There are the references of pop, rock, soul and funk, electronic music, imported or developed in the most unsuspecting Brazilian peripheries, properly cooked with the mangrove life, the beat of maracatu, with its cirandas, and cavalos-marinhos, as well as with the aesthetics, geography and accent that give identity to the land of their creators.

Certainly Fred Zeroquatro, leader of the band Mundo Livre S/A, was inspired by Antropophagy, directly or indirectly, when he wrote the manifest "Caranguejos com Cérebro" (Crabs with Brain), theoretical foundation of the manguebit movement. There he speaks on feedback loops of mangrove organic matter, which perhaps expresses a new reality of what was the core of anthropophagy. For Oswald and his fellows, to be inserted in modernity meant to be open, with a wild and critical eye, to what was echoing from the Old World and the United States. The current situation indicates that the hand of the road seems to have been reversed. The rock, funk, hip hop, reggae, and finally all the genres and musical references “imported” in which the mangueboys relied on their compositions are not new, they are in Brazilian music properly absorbed since Roberto Carlos and the Jovem Guarda, since Tim Maia, Thaíde and DJ Hum, Gil. What’s new in the pop music of Recife of the 1990’s is the very own Recife. Our focus here is in music, but it is appropriate for that scene and for what was derived from it, in any artistic language. And it should be said that this two-way contemporary anthropophagic spirit was or is expressed in the theater of José Celso Martinez Corrêa, in the installations of Hélio Oiticica, the cinema of Glauber Rocha, the writings of Torquato Neto. In the aspirations of Ariano Suassuna in his armorial movement? In Gaby Amarantos? In Arthur Omar? Turning an obsolete eMac in a citrus press (preferably genuinely Brazilian such as, umbu, caja and siriguela fruits) would be an anthropophagic expression?

* DEVOUR YOUR SUCHLIKE *

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Marcus Bastos

“Distrust snap / before using it But if it is impossible / abolish it all Distrust snap / and transform / the snap in style” Carlito Azevedo In an article published in the Caderno Videobrasil 2, Ricardo Rosas says the gambiarra is “used to define a fast made and according to the possibilities at hand,” which has “a very strong cultural sense, especially in Brazil.” In the 2000s, there was the emergence of several festivals, publications, and works of artists confirming this perception of Rosas, one of the leading critics of Brazilian digital culture - in addition to being an acting midiativist, who sadly passed away prematurely. From Jarbas Lopes to Fred Paulino, through the collective Re: combo and MetaReciclagem or names such as Pan&tone and Paulo Nenflídio, a significant part of the production that inaugurates the XXI century explores improvisation transformed in style. But it would be a mistake to consider this “cultural sense” that stands out in Brazil as something special of the country. Internationally, practices such as DIY, garage electronics, circuit bending and hacking exploit reuse, reconfiguration, displacement and redefinition as a point of departure to reinvent the relationship between languages and technologies. In this context, the remix and gambiarra (makeshift) are some of the ways in which the contemporary world seeks to equalize the excesses of an out-of-control capitalism at a time of intense reconfiguration of international geopolitics. 76 years after Oswald de Andrade read, in the house of Mario de Andrade, for his modernism colleagues, the Antropophagic Manifest - published that same year of 1928 in the Journal of Anthropophagy - a dispersed event proposes to update their ideals in a Brazil that was passing through the reminiscences of a military dictatorship to Lula’s election to presidency. In 2004, Digitofagia proposed to discuss digital hacks in a digital format for sharing between peers and without hierarchy, which brought together (something rarer than it should be) intellectuals, activists, participants in social movements, artists, critics, managers, etc. Conceived and organized by Ricardo Rosas, Giseli Vasconselos, Lucas Bambozzi, Pixel, Ricardo Ruiz, Sandra Terumi and Tatiana Wells, and articulated from a network of discussion that led to an eBook during the process (Digitofagia Cookbook), it was a moment of synthesis and prospection: while it grouped a series of discussions on the relationship between digital culture, art, politics and anthropophagy (unfolding a focus of discussions that since the Tactical Media Brazil, in 2003, which organized itself more and more in structured threads), established a point of departure for meetings in various events such as Submidialogia and exhibitions such as Gambiologos (2010). 28


It isn’t our aim to elect or point to remarkable works of this period in which common wishes are spread through public spaces, increasingly scarces, and the fierce debates serve as a kind of prelude to the polarization of a world where the Arab Spring and Occupy movements share the arena with the ghosts of SOPAs, PIPAs and the like. The echoes of anthropophagy in digital culture reverberate as affections of micropolitics, in a record in which groups and attitudes matter more than such or such parts (and that events and disruptions arise as ways to reframe the dense flow of routine, a little like May 68, but diffusely, and divested of centralized speeches). If it were possible to tell contemporary history in pills, certainly “less is more” and “Do not trust anyone over 30” would define key moments. Perhaps, given the daily overexposure and the struggle for visibility in a network where quality or credibility is not measured (but the number of followers), a remix would fit for a synthesis slogan of the XXI century: if less is more, do not trust anyone with more than 30 friends on Facebook. Not by chance, in the end of a decade of devouring, anonymity has become a banner and a diferential in the midst of satured profiles, connections, and pokes. Arbitrary point of a trajectory that can only be understood collectively, navigating through pages that record the various and multiple devouring bids spread across the Internet (for this, it is worth checking sites like Midia Tática Brasil, Digitofagia, Centro de Midia Independente, Baixa Cultura.org and Gambiologia.net, among others). It would be paradoxical, in this context, to rescue a moment as remarkable as little-remembered of this plot involving anthropophagy and technology (or to throw some light on it would result in a disastrous anti-tribute, which takes as parameters the same visibility rules that led to the format of anonymity as a criticism of the contemporary)? On August 21, 2003, LURC is released. It is the "Complete License Agreement Re:combo" and it offers a document that “aims to create liberal work base that is consistent with our idea of intellectual generosity, in detriment of Intellectual Property,” referring to a “time when the music was played only for pleasure, and its creation, up to that point it was collective, being it in the sixteenth century European villages or in ceremonial hollows of pre-1500 Brazil”. A version of the debate on copyright aligned with the Pindorama matriarchy, of technical barbarians, Oswaldian. It hasn’t been ten years that the corridors of MIS housed some of the most striking debates on the links between past, present and future of a Brazil marked by the anthropophagic logic in which “just interests me what is not mine.” But what’s the point of interest in “what is not mine” in a country that criticizes (in a legitimate, consistent and necessary manner) the removal of the Creative Commons license from a Ministry website, but does not discuss why a similar and contemporary license, invented in the northeast of the country, is rarely remembered in recent stories about our digital .br culture? In Brazil 2.0, of pre-salt enterprizes and announced prosperity, we must think how the 2.0 anthropophagy would be. “Tupi or not Tupi” is still an issue. PS. It is worth pointing out a significant element to consider the relationship with the other, striking in Brazil both under the sign of anthropophagy as in the "National Subtraction" by Robert Schwartz: the anthropophagic stage of Oswald de Andrade comes from his trips to Europe, when he becomes familiar with the Canibale magazine, edited by Francis Picabia at a time when the artistic avant-garde explored the primitive and foreign as ways of seeking different discourses of those of the dominant European language.

* ANTROPOPHAGIC ECHOES (WITH DIGITAL DELAY) *

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OUÇA ONLINE

Texto e ilustração por Glerm Soares A primeira década do movimento dos Sem Satélite. Uma década depois do manifesto original. O que é o Movimento dos Sem Satélite? Escrevo de um ponto equidistante desta trajetória. De um Não-Lugar que não se aponta no Global Position System dos protocolos industrializados. Um desinteresse pragmático por uma tecnocracia que ainda assim está aqui a publicar-nos, a localizar-nos, a significar-nos, No velho sistema de calendários, fronteiras, lastro. Um desinteresse simulado? Bailar sobre os astros sem sair do lugar quem ainda pode flutuar? Nós somos um ponto de vista singular dentro da cultura Phreaker que dentro das B.B.S. dos primeiros modems elegeu por seleção natural a camada TCP/IP como língua franca. Protocolos como IRC, como um porto-seguro para aplicar o Teste de Turing em qualquer nova gíria que pudesse sugerir a chegada de uma nova geração de autômatos. Uma horda veio, sedenta pelas imagens, pronta para a troca de arquivos audiovisuais e a digitalização do legado de Gutenberg:

A continuidade da episteme que foi salva nas bibliotecas desta Babel dos escribas que continuam a nos traduzir aprumando em nossas orlas. Enough! Basta! Onde estão nossos Device Drivers? Gritávamos quando nos encontrávamos sem fronteiras numa Escandinávia tão próxima do kernel do nosso sistema quanto do Aquifero Guarani que navegamos para chegar até a borda do novo Cine Kurumin. Xingu. E na velha e canônica península ibérica novamente estamos nós naquele velho portal do esquecimento, Orbitando Satélites, entre a queda do Império Alfabetizado e a descoberta da nau à deriva que nos conduz de volta ao lar dos náufragos Àqueles que há muitos anos navegam sem bússola, sem mapas, só pelo cheiro do vento. Seriam capazes de arrancar da lua a bandeira daqueles mercenários que narravam épicos em nome de um reino qualquer.

* LASTRO PHREAKER APRUMA ORLAS DE DEVICE DRIVERS *

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Text and illustration by Glerm Soares The first decade of the movement of the Satelliteless. One decade after the original manifest. What is the Satelliteless Movement? I write from an equidistant point from this trajectory. From a Non-Place, not pointed in the Global Position System of industrialized protocols. A pragmatic disinterest for a technocracy which is still here to publish us, to locate us to give us meaning. In the old system of calendars, borders, ballasts. A simulated disinterestedness? To dance on stars without leaving our places – who can still float? We are a unique point of view within the Phreaker culture that inside the B.B.S.'s of the first modems elected, by natural selection, the TCP/IP layer as bridge language. Protocols such as IRC, like a safe harbor to apply the Turing Test in any new slang that might suggest the arrival of a new generation of automatons. A horde came, hungry for images, ready for the exchange of audiovisual archives and the digitization of the Gutenberg’s legacy: The continuity of the episteme that had been saved in the libraries of this Babel of the scribes who continue to translate us, bedecking on our shores. Enough! Basta! Where are our Device Drivers? We shouted when we use to meet without borders in a Scandinavia as close to the kernel of our system as to the Guarani Aquifer, which we navigate to reach the edge of the new Cine Kurumin. Xingu. And in the old and canonic Iberian Peninsula, here we are again in that old portal of oblivion. Orbiting Satellites, between the fall of the Literate Empire and the discovery of the adrift ship, which leads us back to the home of the castaways Those who are sailing for many years without a compass, without maps, only by the smell of the wind. Would them be able to pull of the moon the flag of those mercenaries who narrated epics on behalf of a random kingdom. 32


MUTIRÃO DO FIM DO MUNDO 21 de dezembro de 2012. Mi$tici$mo$ ressucitam culturas ancestrais para evocar a crença no fim do mundo. Contagem regressiva para o apocalipse da Terra agonizante. A dominação humana sobre a natureza e as máquinas chegarão enfim ao seu destino distópico? Quantos mundos cabem no mundo? Quantos inícios comportam um fim? Quais relógios medirão os novos aions?

Máquina que vai Metareciclar o Fim do Mundo no dia 21 de Dezembro de 2012, em um ritual aberto e em diferentes locais.

Lançamos hoje uma chamada universal para um Mutirão Anti-Fim do Mundo. Um esforço coletivo de desenho do que seria o "nosso mundo" e uma arqueologia da metareciclagem, a partir de seus registros públicos. Buscamos peças, códigos, textos, imagens, sons e todo tipo de mandinga para compilar uma

No dia 13 de dezembro iniciaremos um encontro para a compilação final e construção da Máquina Anti-Fim do Mundo, e no dia 21 de Dezembro de 2012 a Máquina será ligada, revertendo a entropia do Universo e resultando em sabe-se lá o que, mas ainda há a esperança de nossa re-invenção.

Trechos de emails // palavraschave // títulos de threads // álbuns de imagens // links para vídeos e códigos para visualização de dados // filtros de RSS de nossos sites, blogs e mailings lists.

Paisagem de mundo com seus planos de imanência no contorno da geografia semilógica. Oh, o que desejam estas tais “máquinas de reapropriação tecnologica para transformação social”? A ti dedicamos esta tríade para conceber-te:

(1) P rocessamento de Linguagem Natural e Visualização de Dados em cima de nossas listas, canais e outros registros escritos. (2) S uas sugestões e novos textos, imagens e ideias em feedback loop. (3) ( des)Encontros virtuais e presenciais, culminando no conjuro da Máquina. Estamos na lista metareciclagem@lists.riseup.net e canal IRC #metareciclagem alem de blogs, bots e telefones e endereços com CEP e nome de rua certinhos.

Traga seu (des)Acelerador de Partículas!


Texto e ilustraçþes por Fernando Rabelo

"Toda sociedade economicamente dependente subproduz cultura alienada."

Lucia Santaella

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Gostaríamos de inaugurar essa sessão sobre as ironias da tecnologia, ou seja, tudo aquilo que não será propaganda e nem propagado pela indústria de consumo dos aparelhos eletrônicos e informáticos. Aqui veremos os erros, as anomalias, os defeitos e as ciladas que a tecnologia nos " impõe", simplesmente pelo fato de confiarmos demais nos seus botões e benefícios – fatos que só podem ser tratados com certa dose de ironia. Abordaremos não só a questão técnica, os bugs, mas também o aspecto social, político e humano, principalmente no Brasil. Que atire o primeiro bit quem nunca dependeu da tecnologia e na "hora H" ela falhou, ou não atendeu conforme a necessidade.

A impressora estragou, o torpedo chegou tarde, a máquina de lavar jorrou água e o HD apagou todos os seus dados. Isso não é hipotético, pode acontecer com qualquer um de nós. Queiramos ou não, os erros fazem parte desse meio imprevisível, mas poucos tocam no assunto. Para iniciar a conversa, é bom recordarmos de conceitos críticos que estão inseridos em nossa “tecnovida”, pois sem eles corremos o risco de tornar-nos cegos e fiéis compradores, enfrentando filas surreais por um mero aparelho velho, pois já saiu da fábrica. Os pensamentos do filósofo Vilém Flusser e a sua incrível e ainda atual filosofia da caixa preta servem para lembrarmos que “a máquina deve agir em função do homem em todos seus aspectos sociais e culturais” e “o homem não pode ser escravo da máquina”. A filosofia propõe um olhar crítico e, por que não irônico, ao modelo tecnológico industrial para tentar “libertar o homem de um mundo programado, no qual se encontra preso a regras e obrigações”.

Como sabemos, a tecnologia e a indústria modelam as relações humanas e sociais, o que gera, em cada país, valores determinados e determinantes. Importantes trechos e citações de “A Revolução da Micro Eletrônica”, de Francisco A. Queiroz, tocam justamente nesta corrente de pensamento das mágicas soluções tecnológicas. Uma nova tecnologia vem empacotada de promessas transformadoras que nunca acontecem de fato. Segundo Queiroz, “tudo veio carregado de promessas no sentido de integrar o país, erradicar o mal crônico do analfabetismo através da teleducação, da Universidade do Ar, constituindose, em suma, estes meios, em veículos de entretenimento, educação e informação. Na prática tornaram-se mais veículos de entretenimento e propaganda voltada para o consumo… Esses meios se constituíram em grandes empresas controladas pelo setor privado, não obstante, no caso, por exemplo, da radiodifusão (rádio e TV), ser uma concessão pública”. Se olharmos hoje para o índice de analfabetismo no país, é fato que nenhuma destas “novas” tecnologias, como tablets ou netbooks, serviram para melhorar essa estatística. Ironicamente, nenhuma

* tecIRONIAs *

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tecnologia é criada como alternativa acessível para alfabetização e uso nas escolas. Somos totalmente estimulados pela mídia que divulga orgulhosa suas notícias: que o Brasil é o primeiro país em número de acesso às redes sociais, é um dos maiores compradores de aparelhos de telefonia móvel do mundo e uma economia emergente que recebe cada vez mais investimentos internacionais. O fato é que nunca confrontamos esta visão com a falta de incentivo à criação de nossas próprias tecnologias. Exportamos o que é essencial e importamos lixo. Como diz o Mundo Livre S/A, “o que era velho no norte se torna novo no sul”.

As ironias escondidas debaixo dos tapetes Uma matéria do jornal Estado de São Paulo mostra que existe uma contradição em relação aos números da ciência e tecnologia no Brasil, pois somos o 11º maior produtor de ciência do mundo, com cerca de 2,4% dos artigos publicados nas principais revistas científicas mundiais. No entanto, não estamos nem entre os 23 principais produtores de tecnologia. O Brasil teve a sexta escola técnica do mundo, em Santa Rita do Sapucaí - MG, em 1950. Hoje em dia, vemos disputas estaduais para abrigar uma duvidosa montadora internacional como a Foxconn, alvo de críticas internacionais por suas relações de trabalho forçado e altos índices de suicídio.


"Exportamos o que é essencial e importamos lixo" Somos esmagados (ou apagados) pelo poder das indústrias internacionais e pela falta de apoio do governo. Um dos casos, dentre outros vários, é o exemplo do Fat Mac, um computador criado através de engenharia reversa no Brasil em 1985, apenas um ano depois do lançamento do Macintosh. Este jamais chegou a entrar em produção comercial, por pressão da Apple Computer e do governo dos Estados Unidos, que queixaram-se de violação de direitos autorais junto ao governo brasileiro.

Para fechar os primeiros casos de ironia envolvendo as tecnologias e mostrar que a questão tem raízes profundas, segue outro exemplo do livro “A Revolução da Microeletrônica”: o gaúcho Roberto Landell de Moura foi pioneiro em experimentos de radiotelegrafia no mundo, nos anos de 1893 e 1894. No entanto, ninguém o reconhece pelos livros de história ou de inventos porque Marconi, um italiano, registrou antes a patente, baseado em suas experiências realizadas entre 1895 e 1897. Em 1901, Landell já recomendava a utilização das Outro caso aconteceu com a Gurgel, ondas curtas para aumentar a distância das fabricante de carros com uma linha de pesquisa transmissões, o que Marconi declara inútil, inovadora, voltada para utilização de recursos só vindo a reconhecer seu erro em 1924. locais. A indústria produziu aproximadamente 43 mil veículos genuinamente brasileiros Outra ironia nesse mesmo caso: Marconi durante seus 27 anos de existência e construiu conseguiu apoio da marinha italiana, carros eletrônicos, como o Itaipu E150. que concedeu os navios solicitados para A empresa solicitou apoio financeiro quando seu experimento, enquanto a marinha o governo Collor liberou a entrada das brasileira negou vários pedidos de Landell. montadoras internacionais. Sem dar a mesma Mais curiosidades sobre esse “sacerdote atenção e apoio à indústria nacional, em 1994 da tecnologia” serão resolvidas em outras foi decretada sua falência. Ironicamente, páginas desta revista. sua patente foi vendida em 2004 por apenas R$ 850,00.

COLABORE

Como dissemos, a ideia principal dessa seção é tratar sobre as tecIRONIAs da nossa vida. Se você quiser contar algum caso sobre esses erros, anomalias, defeitos ou ciladas que a tecnologia nos “impõe”, envie um e-mail para ti@facta.art.br

* tecIRONIAs *

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Text and illustrations by Fernando Rabelo

“Every economically dependent society produces alienate subculture” Lucia Santaella We would like to inaugurate this session on the ironies of technology, ie, everything that is not propaganda and not spread by the industry of consumer electronics and computing. Here we'll see errors, deficiencies, defects and pitfalls that technology “imposes”, simply because we rely too much on its buttons and benefits. Facts that can only be dealed with with a certain dose of irony. We will discuss not only technical issues, bugs, but also social, political and human aspects, especially in Brazil. Throw the first bit the one who had never depended on technology and in the X minute it failed or didn’t function as needed. The printer broke, the text message arrived late, the washing machine gushed water and the hard drive erased all your data. This is not hypothetical; it can happen to anyone of us. Wether we like it or not, mistakes are part of this unpredictable environment, thus only a few touch on this subject. To begin our conversation, it is worth recalling the critical concepts embedded in our “technolife” because without them, we run the risk of becoming blind and faithful buyers, facing surreal rows for a mere old machine, because it had already left the factory. The thoughts of the philosopher Vilém Flusser and his incredible and still current philosophy of the black box serves to remind us the machine “must act for man in all its aspects, both social and cultural” and “... man can not be a slave of the machine.” Philosophy offers a critical and, why not, ironic point of view to the industrial technological model, trying to “liberate man of a given world, in which he is attached to rules and obligations.” As we know, technology and industry shape human and social relations, which generates, in each country, certain values, determined and determinants. Important excerpts and quotes from “The Micro Electronics Revolution”, by Francis A. Queiroz, play exactly this stream of thought; the magic of technological solutions. A new technology comes packaged with transforming promisses that never actually happen. According to Queiroz, “... all this came full of promises to integrate the country, eradicate the chronic problem of illiteracy through 38

tele-education, the University of Air, all these things became, in short, vehicles of entertainment, education and information. In practice, they became more vehicles of entertainment and advertising aimed at consuming... These media became large companies controlled by the private sector, even that in the case of broadcasting (radio and TV) being a public concession...”. If we look today for the illiteracy rate in the country, the true is that none of these “new” technologies, such as tablets or netbooks, served to enhance it. Ironically, no technology is created as an affordable alternative to literacy and for use in schools. We are fully encouraged by the media that proudly announces the news: Brazil is the first country in number of access to social networks; it is one of the biggest buyers of mobile devices in the world and an emerging economy that gets more and more international investment. The fact is that this vision has never confronted the lack of incentive to create our own technologies. We export what is essential and import trash, as band Mundo Livre S/A says, “what was old in the north becomes new in the south.”

Ironies hidden under the carpet A report published on the Estado de Sao Paulo newspaper shows that there is a contradiction in the statistics of Science and Technology in Brazil, because we are the 11th largest producer of science in the world with about 2.4% of the published articles in major worldwide scientific magazines. However, we are not even among the 23 main producers of technology. Brazil had the 6th Technical School of the world in Santa Rita do Sapucaí - Minas Gerais in 1950. Today, we see weird state contests to house a dubious international automaker such as Foxconn, target of international criticism for its labor relations and high suicide rate. We are crushed or deleted by the power of international industries and lack of government support. One of the cases, among many others, is the example of Fat Mac, a computer created through reverse engineering in Brazil in 1985, just one year after the launching of Macintosh.

* techIRONIEs *


This never came into commercial production due to pressure from Apple Computer and the U.S. government that complained of copyright infringement with the Brazilian government. Another case happened to Gurgel, a car manufacturer with a line of research focused on innovative use of local resources. It produced approximately 43,000 vehicles genuinely Brazilian during its 27 years of existence and built electronics cars such as the Itaipu E150. The company requested financial support when the Collor government opened the country to international automobile manufacturers. Without the same attention and support to domestic industry, in 1994 it was declared bankrupt. Ironically, its patent was sold in 2004 for R$ 850.00. To close these first cases of irony involving technology, and to show that it has deep roots, there is this other example from the book “The Micro Electronics Revolution�. The Brazilian Roberto Landell de Moura was a world pioneer in radiotelegraphy experiments in the years of 1893 and 1894. But nobody knows him from history books or from his inventions because Marconi, an Italian, filled a patent based on his experiments, which he performed in the years of 1895 and 1897. In 1901, Landell already recommended the use of short waves to increase transmission distance, which Marconi declares useless, just coming to recognize his mistake in 1924. In this same story, another irony is that Marconi was granted support from the Italian navy, that provided him with ships for his experiment, while the Brazilian navy denied several requests for Landell’s.

Collaborate! If you have any tecIRONY to share, please send an email to ti@facta.art.br.


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ONLINE

Lucas Mafra, Newton C. Braga e Fred Paulino Foto: Erick Ricco

O grande mestre da eletrônica no Brasil e colaborador da Facta fala exclusivamente à revista sobre tecnologia, obsolescência, ficção científica e, claro, o fim do mundo. Newton de Carvalho Braga é a maior

sumidade

em

Eletrôni-

ca do Brasil e certamente uma

Esse paulistano de 66 anos, que começou a se envolver com esse universo quando ainda tinha 13, dirigiu revistas como “Eletrônica Total” e “Experiências e Brincadeiras com Eletrônica”; publicou 140 livros, sendo boa parte no exterior, em países como Estados Unidos, Turquia e China; coordena o Instituto que leva seu nome e mantém o caudaloso site newtoncbraga.com.br; leciona Tecnologia, Eletrônica, Mecatrônica e Telecomunicações e segue produzindo textos, experimentos e projetos.

das maiores do mundo.

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A despeito disso tudo, na entrevista que concedeu a Fred Paulino e Lucas Mafra, da Facta, Newton Braga diz que está aposentado. Ao mesmo tempo, comenta que está com mais de 5 mil artigos prontos, que estão sendo processados para, ao longo dos próximos anos, serem postados em seu site. É com empolgação que ele fala do ensino da eletrônica, do interesse dos jovens pela área, e também de nomes referenciais para sua própria formação. Confira a seguir como foi a conversa, realizada na escola de segundo grau Mater Amabilis, em Guarulhos - SP, onde o mestre leciona.


Quando o senhor começou a publicar revistas, na década de 60, a sustentabilidade ainda não era uma questão. Como o senhor acha que esse panorama mudou e qual a relação disso com a evolução da tecnologia analógica para digital?

Eu acho que a convivência de tecnologias antigas e novas ainda é válida. Quando eu ensino, gosto de partir da tecnologia velha e gradativamente ir chegando à tecnologia nova. E eu falo de uma coisa muito importante que existe hoje, que é a obsolescência, não só da tecnologia, mas do profisOs jovens só dependem de você mostrar o sional. Antigamente um engenheiro saía da caminho, certo?! É o que a gente faz aqui na Universidade e já tinha aprendido tudo Escola. Eu falo muito para eles da evolução o que ele precisava para trabalhar a vida rápida da tecnologia, que é rumo a ciências inteira. Hoje em dia, o engenheiro sai da como a plasmônica ou a nanotecnologia, e universidade e a cada dois anos, ele perde eu mostro que quando saírem da Faculdade, 50% da capacidade de concorrer no mercado. daqui a cinco, seis ou sete anos, eles vão Ele fica 50% obsoleto. A necessidade é de encontrar um mundo diferente de hoje. você se atualizar sempre. Isso acontece com a A mudança é muito rápida. E eles vão estar tecnologia também, em termos de uso, certo?! num lugar em que precisarão ter consciência Você fica com seu celular um ano e ele já está em relação ao ambiente em que vivem. ultrapassado. O seu computador, em um ano É tudo questão de a gente se ele já está ultrapassado. Sua preparar ao longo do tempo, Hoje em dia, o engenheiro máquina fotográfica, em um para ir enfrentando os sai da universidade e a cada ano tem que comprar outra. problemas à medida em que dois anos, ele perde 50% Então a tendência do futuro eles surgirem. E eles estão da capacidade de concorrer é muito interessante, ela foi surgindo. Temos que fazer no mercado explorada num livro do Cris um aproveitamento melhor Anderson, que é o “Cauda da energia. Aqui na escola vamos ensinar Longa”, e um outro livro, o “Free”, que é aos alunos a calcular o consumo de energia “O Mercado do Grátis”. A tecnologia hoje em casa e depois, eles vão ter que fazer um evolui tão rápido que os bens de consumo estão projeto para cortar esse consumo, trocando tendendo ao preço zero. É o caso do celular: lâmpadas, modificando hábitos. Até usando todo ano você pode trocar o seu por um novo, algumas coisas alternativas. Por exemplo, usando os pontos, sem pagar nada. Isso aí vai montar um timer para quando eles entrarem tender para tudo, porque vão sendo criandos em casa, a luz da varanda apagar sozinha e novos modelos de produtos, que as pessoas economizar energia. vão assimilando e deixando os outros de lado. Mas existe uma teoria, que é a do enxame. Qual a sua opinião sobre a obsolescência O enxame se alonga, então tem aqueles que programada, os produtos que já são feitos vão na frente e os que vão atrás. Quando muda para durarem pouco? E como o senhor acha a tecnologia, os da frente avançam um pouco, que se dá o diálogo entre as tecnologias que mas os de trás continuam na mesma, quer hoje nos são oferecidas e as antigas, que dizer, sempre existe um mercado para todos. eram mais duradouras? Eu estive no Nordeste no final do ano passado e me surpreendeu, por exemplo, o fato

* ENTREVISTA NEWTON C. BRAGA *

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de você andar por aquelas cidades do interior Eu vou falar cinco nomes, e te pergunto: se o e ver todo mundo com antena parabólica, mas senhor pudesse voltar no tempo e conversar naquele modelo antigo, certo?! Eles estão um com algum deles, qual o senhor escolheria e passo atrás da gente, da TV por assinatura. por que? Einstein, seu xará Newton, Tesla, Se você vai para o interior de São Paulo, Thomas Edison e Benjamin Franklin. você vai encontrar – eu fiquei surpreso! – em muitas fazendas, os peões, a maioria deles, com Olha, todos deram a sua grande contribuição televisão valvulada, aquela televisão da tecno- para a Ciência e eu gostaria, no fundo, de logia dos anos 60 e 70, e está lá funcionando. conversar com todos, mas tem um nome que E você encontra ainda o técnico trabalhan- você não colocou, que é o Landell de Moura, do no conserto dessas TVs. As tecnologias vocês já ouviram falar dele? O padre Landell antigas convivem com a de Moura, brasileiro, invennossa. Você ainda vê a car- Não é simplesmente o tou o rádio antes do Edison, de uma antes do Marconi. Antes roça andando na via pública, aparecimento apesar de todo mundo ter tecnologia nova que vai do Marconi anunciar ao carro. Você vai ver o sujeito, descartar a anterior mundo o seu rádio, o padre ainda, que não tem o teleLandell de Moura transmifone celular. Não é simplesmente o apareci- tia sinais e mensagens da avenida Paulista, mento de uma tecnologia nova que vai des- aqui do Colégio São Luiz, até o Seminário cartar a anterior. E existem os casos, às vezes, de Santana. Ele tinha invenções incríveis! em que a anterior é até melhor. Se você pega, O problema é que ele não foi reconhecido, por exemplo, a própria tecnologia da fotogra- mas agora estão começando a resgatar suas fia; até há pouco tempo havia o convívio da patentes nos Estados Unidos e ele deve, em fotografia em papel com a digital, porque as breve, ser considerado o nosso patrono das máquinas fotográficas digitais não estavam Telecomunicações. E vou contar uma história suficientemente avançadas. Você não tem muito interessante: tenho um amigo que nunca o descarte total das tecnologias antigas entrevistou um cara que foi coroinha nas quando uma nova é criada. missas do Landell de Moura. Ele conta Nem Einstein...

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nem Newton...

* ENTREVISTA NEWTON C. BRAGA *

nem Tesla...


que o padre improvisava, fazia umas gam- E em relação ao seu acervo, seu histórico? biarras fantásticas, montava equipamentos A gente sabe que o senhor tem um cuidatransmissores de rádio. Ele chegou a mon- do especial com o site, para potencializar tar um equipamento transmissor de TV na a divulgação, mas e a preocupação em ter época em que o Edison não tinha inven- um espaço físico, onde suas experiências, tado o rádio. Puseram fogo no laboratório seu projetos, possam ser montados dele porque disseram que ele tinha parte e disponibilizados? com o diabo (risos). Dizem que ele entrava na missa com uma caixinha, punha essa Aqui em São Paulo existe um projeto em caixinha no altar e começava o sermão. andamento, que é a construção de um Aí, de repente, ele ia na caixinha e falava. museu de tecnologia, na Barra Funda. Acontece que isso aí foi Os organizadores querem no começo do século XX, O padre improvisava, me dar uma sala, com o meu umas gambiar- nome, e também para outras então ainda não tinha nada fazia de tecnologia. Nunca nin- ras fantásticas, montava pessoas que contribuíram guém teve coragem de equipamentos de rádio para a tecnologia no Brasil, perguntar o que tinha na como o professor Zuffo, da caixinha. Quando ele morreu, descobri- Escola Politécnica, o Etevaldo Siqueira, que ram: ele tinha inventado o gravador antes do vocês devem conhecer do jornal “Estado de Edison! Ele gravava os sermões. Isso São Paulo”, que cobre tecnologia, e o nosso antes do Edison inventar o gravador, astronauta, o Marcos Pontes. Eu planeantes do Marconi inventar o rádio. Então jo colocar à disposição o meu acervo de realmente ele foi injustiçado. Agora estamos livros e também muitos dos projetos que resgatando sua imagem. Existe aqui em São eu fiz na minha vida e que estão monBernardo do Campo um museu Landell de tados, funcionando. É minha intenção Moura. Eu gostaria de ter tido a oportuni- deixar isso para as gerações futuras. Eu dade de conversar com ele, deve ter sido uma acho que vale a pena, afinal de contas, pessoa fantástica! durante toda a minha carreira eu vendi nem Edison...

nem Franklin:

o brasileiro Landell de Moura

* ENTREVISTA NEWTON C. BRAGA *

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quatro milhões de livros, então tem muita gente que eu sei que está hoje na eletrônica por minha causa. Eu encontro em toda parte e isso pra gente é uma satisfação. Eu gostaria, ainda, de encaminhar muita gente para esse mundo fantástico da tecnologia. Mesmo quando a gente monta um aparelhinho simples, de tecnologia ultrapassada, com um jovem de 12 ou 13 anos, e ele vê aquilo funcionar, aquilo é o inicio do caminho, o que eu quero mostrar para muitos ainda.

de novo para pegar os insetos do meio-dia e depois fazia um levantamento para ver seus hábitos. E o sujeito, quando descia, estava todo picado. O que é óbvio, não é? Então ele pegou um projeto meu e automatizou o sistema. Assim, o sujeito só subia de manhã para pôr e de tarde para pegar. Às vezes os leitores me mandam histórias por e-mail, cartas. Existe uma história muito interessante, que mostra o lado humano, às vezes, do trabalho que a gente faz. Eu recebi uma carta de um sujeito de uma favela do Rio de Qual é o seu projeto eletrônico ou o seu Janeiro e ele me fala assim: “olha, professor, o projeto de vida mais bem-sucedido e, por senhor salvou a minha vida. Porque eu estava outro lado, o mais mal-sucedido? no mundo das drogas, aí eu comecei a mexer com eletrônica, eu gostei, eu aprendi, hoje Olha, eu não sei se tem mal-sucedido, eu tenho uma oficina e sou bem-sucedido”. porque às vezes quem monta não conta (que Ele me agradecia por ter salvo a vida dele! deu errado). Mas eu tenho Então você vê que a gente alguns projetos que me cau- Eu gostaria, ainda, de às vezes também tem essas saram uma surpresa muito encaminhar muita gente satisfações, que mostram grande. Entre projetos para esse mundo fantástico que o trabalho da gente bem-sucedidos tem um que, da tecnologia não é só técnico. É também certa vez, eu estava lá na bastante humano, e a gente editora e recebi o telefonema de um às vezes tem essa satisfação. engenheiro brasileiro que trabalha na NASA. Ele falou “olha, Newton, eu tenho a satisfação Não sei se o senhor viu aquela máquina de informar que nós conseguimos solucionar mais inútil do mundo, que você liga e ela se o problema de um satélite americano usando autodesliga? um circuito seu. E hoje você pode dizer que você tem um circuito no espaço”. Isso ai é uma Esse projeto era de um amigo da gente, satisfação muito grande! Um outro também o senhor Frank, que escrevia todo 1º de que a gente resolveu, que – é até engraçado abril na “Saber Eletrônica”. Lembro de um os projetos que as pessoas fazem baseados nos artigo que ele escreveu com o pseudôniprojetinhos que a gente publica – foi um timer mo de Aldo Vilela, que ensinava a fazer de sequencial. Um professor da Universi- coisas mirabolantes, mas que o sujeito chegadade da Amazônia precisava colher amostras va no fim e descobria que aquilo tudo não de insetos no alto das árvores da floresta, funcionava! Eles chegaram a fazer, por então ele mandava um sujeito subir com uma exemplo, um toca-discos em que não era caixinha e às 9h e ele abria e fechava a o disco que girava, mas a agulha, com um caixinha, para pegar os insetos das 9h. Daí, carrinho. E teve gente pedindo o esquema! ao meio-dia, ele abria e fechava a caixinha Quem fazia muito isso – não sei se vocês já 44

* ENTREVISTA NEWTON C. BRAGA *


Foto: Fred Paulino

"Eletrônica é gambiarra." ouviram falar, é um cara que também me inspirou bastante – era o Hugo Gernsback. Ele foi o fundador da revista “Radio Electronics” nos Estados Unidos. Ele era fantástico, foi quem descobriu o Asimov. O Isaac Asimov começou a escrever com ele. E ele tinha esse costume, de fazer, todo dia 1º de abril, um artigo sobre projetos incríveis de coisas incríveis, como, por exemplo, um amplificador cujo nível de ruído era zero! Aí você examinava o circuito, o sinal entrava e saía por um fio! Quer dizer, não tinha amplificação também né?! (risos) Não tinha ruído mas não tinha amplificação. E ele fazia essas coisas terríveis. O Hugo previu coisas fantásticas do futuro na época dele, que hoje estão acontecendo na tecnologia. Ele foi amigo de personalidades importantes, como o Lee De Forest, que, graças ao Hugo, ganhou o Prêmio Nobel pela invenção da válvula.

ficção científica. Eu tenho todas as obras do Asimov e do Arthur Clarke. Inclusive eu gosto também de escrever um pouco. Eu tenho um personagem, que é o Professor Ventura, um personagem de ficção científica e eletrônica, mas as aventuras dele são mais humorísticas. Como o senhor relaciona a eletrônica com a gambiarra? Eletrônica é gambiarra. A maioria dos profissionais de eletrônica, mesmo os avançados, quando fazem um projeto, eles começam com a gambiarra. Eles penduram tudo. É a montagem em ponte, a montagem em matriz, a improvisação das ligações, isso é comum na eletrônica. Ao desenvolver um projeto, nós temos, normalmente, uma fase que passa pela gambiarra.

Falando de Asimov, o senhor gosta de O senhor acha que o Brasil e outros ficção científica? E tem algum outro hobby? países do terceiro mundo, por já termos naturalmente o hábito de conviver com a A minha principal literatura é realmente a improvisação (muitas vezes por falta de

* ENTREVISTA NEWTON C. BRAGA *

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recursos), estariam mais aptos a adquirir os conhecimentos de eletrônica?

Asimov. Vocês devem estar percebendo que, cada vez mais, o humano se integra com a tecnologia. Os aparelhos eletrônicos estão Olha, a vantagem do brasileiro é a capacidade chegando cada vez mais perto da gente e já de improvisação pela falta de recursos. Isso estão entrando na gente. Um cientista russo também a gente observa no terceiro mundo, chamado (Alexander) Oparin escreveu um China, Rússia e Índia, né?! Se você olhar o livro chamado “A Evolução da Vida”. Nesse público, por exemplo, eu tenho muito contato livro ele fala que, no universo, as formas com leitores desses países, e você vê que o inteligentes só podem ser feitas de dois tipos nível de trabalho, de conhecimento e de téc- de matérias: o carbono e o silício, porque nica deles é o mesmo que o nosso. Isso então são os únicos que permitem a ligação dá um pouco de vantagem, por exemplo, tetravalente, que formam matéria orgânica, em relação ao americano. e que podem se autoreproO americano, quando A vantagem do brasileiro é duzir. A natureza trouxe a precisa de uma determinada a capacidade de improvisa- gente através do carbono. coisa para o seu projeto, ele ção pela falta de recursos E estamos começando a compra pronto. O brasileiro explorar o silício. Os chips tem que montar, porque não vai achar. estão se tornando inteligentes, menores, Então isso aí nos dá uma vantagem. Tem que já estão sendo implantados nas pessoas. fazer uma gambiarra! Então eu acredito que a próxima fase da evolução da humanidade é rumo à transO senhor acha que quem tem aptidões ferência do carbono para o silício. Daqui a eletrônicas está mais bem preparado para cem anos, os seres humanos vão ser 90% de o fim do mundo? silício! Carbono vai ser, talvez, só o cérebro. Vai haver uma substituição. E quem sabe, Olha, não sei não. O fim do mundo é muito talvez, no futuro, até o cérebro?! Hoje já se relativo, né?! Eu tenho uma opinião que é um fala em vida artificial, então talvez o que pouco de ficção, que daria até um livro do se chama de “fim do mundo” seja o fim da

Biblioteca nerd: algumas das milhares de publicações capitaneadas por Newton C. Braga, entre livros, revistas e manuais

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humanidade de carbono. Nós partiríamos para uma humanidade de silício. Mas seria um transição lenta, natural, que a gente mal perceberia. Então é tecnologia. Quem está na tecnologia vai estar preparado para o fim do mundo, ou melhor, vai ser responsável pelo fim do mundo do jeito como a gente conhece.

coisa: o ser humano é analógico, então a nossa interface com o mundo digital ainda é analógica! Na realidade, o ser humano é analógico, então nunca houve uma fuga do analógico. O que houve foi que o pessoal concentrou mais a atenção na área digital. Eu sempre alertei que sem a eletrônica analógica, a digital não funciona. Nesse momento O senhor acredita em forma de energia in- mesmo, a minha voz analógica está entrando finita, em moto perpétuo? pelo microfone analógico da gravação, e aí vai ser processado analogicamente para poder Não. A gente fala sempre na morte térmica entrar no circuito digital. Aí, se ele quer do universo, porque a energia no universo ouvir a minha voz, ela tem que ser converé limitada. Eu acredito que, cada vez mais, tida em analógica para ir no fone de ouvido. nós possamos explorar melhor novas formas Então o analógico nunca morreu. O pessoal de energia, como a fusão à frio, que é uma descuidou um pouco dele ao longo dos anos, fonte infindável de energia. Talvez quando mas agora está voltando com mais intennós dominarmos melhor a física quântica, sidade. E eu sempre fui mais do analógico. talvez as energias disponíveis Se vocês olharem no meu de outras dimensões... Quem está na tecnologia site, vão ver que é quase Porque já se fala nisso, né?! vai estar preparado para o 70% da matéria. Sem conMas realmente, dentro do fim do mundo, ou melhor, hecer a eletrônica analógica, nosso universo a energia é vai ser responsável pelo fim você não consegue enfinita. Quando o universo se do mundo. tender a eletrônica digital. formou, ele se formou a São inseparáveis. partir de uma explosão que continha uma quantidade finita de energia, e é essa que nós A gente comentou aqui sobre o rapaz temos que aproveitar. E o moto perpétuo, que conserta antena pirata, sobre formas é lógico que não existe, porque não se pode alternativas de gerar energia em casa, para criar energia. ser auto-sustentável e não precisar mais de pagar uma empresa para nos prover Parece estar havendo um “revival” da desses serviços, ou pelo menos reduzir eletrônica analógica, talvez até pelo fato de esses custos. Isso me parece ser uma muitas pessoas já estarem cansadas de tanta estratégia da cultura hacker. São formas de alta tecnologia. O senhor tem acompanha- remar contra a maré, digamos. O senhor do isso? acha que essa noção de “hackeamento” perpassa a eletrônica? A eletrônica analógica nunca esteve fora. Quando surgiu eletrônica digital, havia até A noção de hacker na eletrônica realmente uma tendência lá nas publicações em que eu existe, porque os bens de consumo, os apaestava de transformar a revista numa revista relhos e certos serviços, eles tendem a zero. de eletrônica digital. Mas eu mostrei uma Mas existe uma coisa que nunca vai perder

* ENTREVISTA NEWTON C. BRAGA *

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Foto: Erick Ricco

"A minha presença ninguém pirateia" o valor, que é o conhecimento de cada um. Vocês não podem, por exemplo, piratear a minha presença aqui, porque eu sou eu. Quando faço uma palestra, eu cobro, porque é a minha forma de sobrevivência. Tem muita gente que está percebendo isso. Tivemos o exemplo de um conjunto musical americano que pôs as músicas para vender na internet, mas o pessoal pirateava e ninguém pagava. Eles estavam ficando loucos da vida, até que um dia pensaram o seguinte: “vou colocar as minhas músicas todas de graça, mas eu vou vender o meu show, porque a minha presença ninguém pirateia”. Então a tendência é essa. Mesmo em eletrônica. No meu site eu coloco todos os artigos que eu tenho de graça, mas há certos conhecimentos que vão com a minha presença, uma aula minha, e é ai que eu ganho um pouco. Para concluir, o senhor já avistou algum OVNI com seus projetos de eletrônica paranormal? Olha, eu fazia parte de um grupo de pesquisa chamado APEX (Associação de Pesquisas Exológicas) e até foi muito interessante, 48

porque nesse grupo eu tive a oportunidade de conhecer e conversar com o Steven Spielberg. Quando fez o “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, ele veio ao Brasil para lançar o filme. E foi a nossa Associação que o trouxe. Depois eu conheci o (J. Allen) Heinek, que foi um outro pesquisador importante, e eu sempre me interessei pelo fenômeno, mas sempre do ponto de vista da tecnologia. Eu participava do grupo porque todos pessoas de formação tecnológica, e mesmo científica, muito elevada. Nós tínhamos pesquisadores que eram meteorologistas, nós tínhamos pilotos de avião, médicos, então todos eles procuravam, nos fenômenos paranormais, soluções científicas. E a solução científica passa pelo uso de algum equipamento e era eu quem projetava. Eu tive a oportunidade de ver coisas muito diferentes. OVNI eu nunca vi, mas eu vi, por exemplo, nas gravações paranormais, nós tínhamos uma pessoa que pesquisava isso, uma escritora famosa brasileira, Hilda Hilst, eu vi gravações que ela fazia, em que você ouvia claramente vozes. Inclusive no meu livro “Eletrônica Paranormal” eu falo dela.

* ENTREVISTA NEWTON C. BRAGA *


A great Brazilian master of electronics speaks exclusively to Facta about technology obsolescence, science fiction and, of course, the end of the world. Newton de Carvalho Braga is the greatest mastermind in Electronics from Brazil and certainly one of the greatests in the world. This 66 years old man from Sao Paulo, who first became involved with this universe when he was 13, had directed magazines such as “Eletrônica Total” and “Experiências e Brincadeiras com Eletrônica”, having published 140 books, most of them abroad, in countries such as the United States, Turkey and China. He coordinates the Institute that bears his name and keeps the mighty website www.newtoncbraga.com.br. He teaches Technology, Electronics, Mechatronics and Telecommunications, continuing to produce texts, experiments and projects. Despite all this, in the interview he gave to Fred Paulino and Lucas Mafra for Facta, Newton says he’s retired. At the same time, he comments he has over 5,000 articles ready for being processed over the next few years to be posted on his website. It is with excitement that he speaks of teaching electronics and the interest of the young generation to this area, and also of names of references for his own training. Check out how the conversation went at Mater Amabilis High School in Guarulhos, where the master teaches. When you began publishing magazines in the 60s, sustainability wasn’t an issue yet. How do you think this scenario has changed and what is its relation with the evolution of analog to digital technology? Young people only depend on you to show the way, right?! It’s what we do here in this school. I lecture them on the rapid evolution of technology, which is towards sciences such as plasmonics, nanotechnology, and I show that when they leave College, five, six or seven years from now, they will find a different world then this of today. The change is very fast. And they will be in a place where they will need to be conscious about the environment in which they live. It’s all a matter of us preparing ourselves over time, to go facing problems as they arise. And they are arising. We have to make a better use of energy. Here at school we teach students to calculate the energy consumption at home and then they make a project to decrease this consumption; changing light bulbs, changing habits. This is very interesting. Even using alternative devices, for example, setting a timer for when they come home the porch light would automatically turn off after a while and save power alone. What is your opinion on planned obsolescence, products that are made to last just a while? And how do you think is the dialogue between current technologies and those older one, which were more durable? I think the juxtaposition of old and new technologies is still valid. When I teach, I like to go gradually from old to new technology. And I speak of a very important matter that exists today, which is the obsolescence not only

of technology, but also the professional's. Back then, an engineer used to leave the University with all necessary knowledge for his entire life work. Today, an engineer leaves the university and loses 50% of his/her capacity to compete in the market in every two years. He/She becomes 50% obsolete. There is the necessity for a constant update. This also happens with technology, in terms of use, right?! You stay with your cell phone for a year and it is already outdated. Your computer is already outdated in a year. Your camera, in a year you have to buy another. So the trend of the future is very interesting, it was explored in a book by Chris Anderson, which is “The Long Tail”, and in another book, which is “Free: The Future of a Radical Price”. What is happening? Technology today evolves so fast that consumer goods prices are tending to zero. This is the case of cell phones: every year you can swap yours for a new one, using dots, without paying anything. This is the tendency for everything because new models of products are being created and people are assimilating these and leaving the older ones aside. But there is a theory that is of the swarm. The swarm stretches, so there are those who go ahead and those who go after them. When technology changes, the ones in front advance a bit, but the ones in the back remains in the same place, so there is always a market for everyone. I’ve been in the northeast of Brazil at the end of last year and I was surprised, for example, by the fact that you walk through those small towns in the countryside and you see many people with a satellite dish, but the old model, right?! They are a step behind us, who have cable TV. If you go to the countryside of Sao Paulo, you will find – I was surprised! – on many farms the peasants, most of them, with flat valved TV, that television technology of the ‘60s and ‘70s, and it is there working. 49


And you still find the technician working on fixing these TV’s. The old technologies coexist with ours. You still see the wagon riding on public roads, despite everyone having a car. You will see people who still doesn’t have a cell phone. It is not simply the rising of a new technology that will discard the previous one. And there are cases, at times, when the former is even better. If you take, for example, the technology of photography itself, until recently there were photography on paper co-existing with the digital, because digital cameras were not sufficiently advanced. You never have the discard of all old technology when a new one is created. The swarm stretches, then you have those who go ahead and the ones who go behind. I’ll tell you five names and ask: if you could go back in time and talk to one of them which one would you choose and why? Einstein, your namesake Newton, Tesla, Thomas Edison and Benjamin Franklin. Look, they all gave their great contribution to science and I would like, in fact, to talk to all of them, but there is a name that you did not put in this list that is Landell de Moura, have you heard of him? Father Landell de Moura, Brazillian, invented the radio before Edison, before Marconi. Before Marconi announced his radio to the world, Father Landell de Moura transmitted signals and messages here at Paulista Ave., from Sao Luiz College to Santana Seminar building. He had incredible inventions. The problem is that he wasn’t recognized, but now we are beginning to recover his patents in the United States and he should soon be considered the patron of our Telecommunications. And I will tell you a very interesting story: I have a friend who interviewed a guy who was an altar boy at Landell de Moura masses. He tells us the priest improvised, that he made some fantastic makeshifts, that he mounted radio transmitters equipments. He even set up a TV transmitting equipment at the time that Edison had not invented the radio. They set his lab on fire because they said he had part with the devil (laughs). But he was also a very strong personality. This Landell de Moura, they say he entered the mass with a small box. He put the box on top of the altar and began the sermon. Then, suddenly, he would stop his sermon and go to the box and speak. Well, it turns out it was there in the early twentieth century, when there were nothing of technology yet. Nobody had the courage to ask what was in that box. When he died, they found out: he had invented the recorder before Edison! He recorded his sermons. This before Edison invented the recorder and before Marconi invented the radio. So he was really wronged. Now we’re rescuing his image. There is here in São Bernardo do Campo a museum Landell de Moura. I wish I had had the opportunity to talk to him, he must have been a fantastic person! And in relation to your collection, you history? We know that you have a special care of your site, to enhance 50

disclosure, but what about the concern of having a physical space where your experiences, your projects can be assembled and made available? Here in Sao Paulo there is an ongoing project that is the building of a museum of technology, in Barra Funda. The organizers want to have a room with my name, and also with the names of other people who have contributed to technology in Brazil, such as Professor Zuffo of the Escola Politécnica, Etevaldo Siqueira, whom you should know from the “Estado de Sao Paulo” newspaper for his writings about technology, and our astronaut Marcos Pontes. I plan to make my collection of books and also many of the projects I’ve done in my life available to the public and that are still assembled and working. It is my intention to leave that for future generations. I think it’s worth it, after all, throughout my career I’ve sold four million books, so a lot of people are in electronics inspired by me, I know that. I find them everywhere and this is a satisfaction for me. I still would like to introduce many people to this fantastic world of technology. Even when we assemble a simple gadget, using outdated technology, with a young guy of 12 or 13 years old, and he sees that working, this is the start of the path and I want to show it to many still. What is the electronic project or life project that you consider to be the most successful and, on the other hand, what is the most unsuccessful? Look, I don’t know if I have an unsuccessful one because sometimes those who mount does not tell (that it went wrong). But I have some projects that caused a very big surprise on me. Among successful projects, I have one that once I was there at the publisher and received a call from a Brazilian engineer working at NASA. He said “look, Newton, I’m pleased to report that we managed to solve the problem of an American satellite using one of your circuits. And now you can say you have a circuit in space.” That is a great satisfaction! Another one we solved - it’s funny the designs people make based on little projects we publish - was a sequential timer. A professor at the University of Amazonia needed to take samples of insects in the treetops of the forest, so he sent a guy up with a box at 9am and he opened and closed the box, to catch the insects at 9am. Then, at noon, he opened and closed the box again to catch the noon insects and then he did a survey to see their habits. And the guy, when he would do down the trees, he would be all stung. What is obvious, isn’t it? So he took one of my projects, a sequential timer and automated the system. Thus, the person only went up in the morning to install it and then in the end of the day to catch it. Sometimes readers send me stories by e-mail, letters. There is a very interesting one, showing the human side of the work that we do. I received a letter from a guy in a favela in Rio de Janeiro and he wrote: “Look, professor, you saved my life. Because I was in the drug world, so I

* INTERVIEW NEWTON C. BRAGA *


started tinkering with electronics, I liked it, I learned it and today I have a workshop and I am successful”. He thanked me for saving his life! So you see, which show that the work we do is not only technical. It is also very human, and sometimes we have this satisfaction. I don’t know if you saw that most useless machine in the world, the one you turn it on and it turns itself off? This project was of a friend of mine, Mr. Frank, who used to write for “Saber Eletrônica” every April 1st. I remember an article he wrote under the pseudonym Aldo Vilela that taught how to do fancy stuff, but the guy would come to the end and find out that the whole thing did not work! They came to do, for example, a record player that wasn’t the record that span, but the needle with a cart. And some people asked for the schematics! Who did that too - I don’t know if you have heard of him, is a guy who also inspired me a lot - Hugo Gernsback. He was the founder of “Radio Electronics” magazine in the United States. He was fantastic and he was the one who discovered Asimov. Isaac Asimov began writing with him. And he had this habit of writing, on every April 1st , an article on amazing projects of amazing things, like, for example, an amplifier whose noise level was zero! Then you would examine the circuit, the signal came and went by a thread! I mean, no amplification as well right?! (laughs) There was no noise but also no amplification. And he did these terrible things. Hugo predicted great things for the future in his time, things that are happening in technology today. He was a friend of important personalities such as Lee De Forest, who, thanks to Hugo, won the Nobel Prize for the invention of the valve. Speaking of Asimov, do you like science fiction? And do you have any other hobbies? My primary literature is really science fiction. I have all the works of Asimov and Arthur Clarke. I even like to write a bit. I have a character whom is Professor Ventura, a science fiction and electronics character, but his adventures are more humorous. How do you relate electronics with makeshifts? Electronics are makeshifts. Most electronics professionals, even the most advanced ones, when they do a project, they start with a makeshift. They hang everything! It is the bridge circuit, the matrix circuit, improvisation in connecting things; this is common in electronics. When developing a project, we typically have a phase that involves doing a makeshift. Do you think that Brazil and other third world countries, for already having the habit of dealing with improvisation - often due to lack of resources - would be

more apt to acquire the knowledge of electronics? Well, the advantage of Brazilians is their ability of improvisation due to lack of resources. We also observe this in other third world countries, China, Russia and India, right?! If you look at the public, for example, I have a lot of contact with readers from those countries, and you see that the level of work, knowledge, and their technique is the same as ours. This gives us some advantage, for example, in relation to the Americans. The Americans buy the final product when they need a certain thing for their projects. The Brazilian has to assemble it because we can’t find the thing. So that gives us an advantage there. You have to do a makeshift! Do you think those who have electronic skills are better prepared for the end of the world? Look, I don’t know. The end of the world is relative, right?! I have an opinion that is a bit of fiction that would fit as a book by Asimov. You must be realizing that, increasingly, the human is integrated with technology. So the electronics are getting closer to us and are already entering in us. There was a physicist, in reality he was a Russian biologist, a Russian scientist named Oparin who wrote a book called “The Origin of Life.” In this book he says that, in the universe, the intelligent forms may be made up of only two types of materials: carbon and silicon, because they are the only ones that allow for tetravalent connection forming organic material, which can reproduce themselves. Nature brought us through the carbon. And we are beginning to explore the silicon. The chips are becoming intelligent; they are becoming smaller and are already being implanted in people so I believe that the next stage of human evolution is towards the transfer of carbon to silicon. In a hundred years humans beings will have 90% of silicon! Carbon will be, maybe, just the brain. There will be a replacement. And who knows, maybe in the future even the brain?! Today people already talk about artificial life then maybe the so-called “End of the World” is the end of the carbon humanity. We would depart for a silicon humanity. But it would be a slow transition, natural, that we would barely notice. So this is technology. Who is in technology will be ready for the end of the world, or rather, will be responsible for the end of the world the way we know it. Do you believe in infinite energy, in perpetual motto? No. We always talk in the thermic death of the universe, because the energy in the universe is limited. I believe that, increasingly, we can explore new forms of energy, such as the cold fusion, which is an endless source of energy. Maybe when we master quantum physics better, perhaps the energies available from other dimensions... Because there is people talking about it, right?! But in fact, within

* INTERVIEW NEWTON C. BRAGA *

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our universe the energy is finite. When the universe was formed, it graduated from an explosion that contained a finite amount of energy, and it is this that we must take a hold of. And the perpetual motto, it is logical that there it doesn’t exist, because you can’t create energy. It seems to be having a “revival” of analog electronics, perhaps because many people are already tired of high technology. Are you following this? Analog electronics has never been out of date. When digital electronics came up, there was even a trend in publications in which I was to turn the magazine into a magazine of digital electronics. But I showed one thing: humans are analog, so our interface with the digital world is still analog! In reality, humans are analog, so there has never been an escape from analog. What happened was that people focused more attention in the digital realm. I always warned that without analog electronics, digital does not work. At this very moment, my analog voice is coming through an analog microphone and will be processed analogically to enter into the digital circuit. Then, if you want to hear my voice, it must be converted to analog to go on the headset. Then the analog never died. People neglected it a bit over the years, but it is now returning with more intensity. And I’ve always been more analog. If you look at my website, you’ll see that analog is almost 70% of the matter there. Without knowing analog electronics you can’t understand digital electronics. They are inseparable.

Finally, have you spotted any UFOs with your paranormal electronics projects? Look, I was part of a research group called APEX (Ufology Research Association) and this was very interesting because in this group I had the opportunity to meet and talk with Steven Spielberg when he made “Close Encounters of the Third Kind” and came to Brazil to release the movie. And our Association brought him. Then I met (J. Allen) Heinek, who was another important researcher, and I have always been interested in the phenomenon, but always from the point of view of technology. I participated in this group because they were all people with technological training, and very high scientific knowledge. We had researchers who were meteorologists, we had airline pilots, doctors, so they were all looking for scientific solutions in the paranormal phenomena. And the scientific solution passes through the use of some equipment and I projected them. I had the opportunity to see many different things. I never saw an UFO, but I heard, for example, in the paranormal recordings – we had a person who researched this, a famous Brazilian writer, Hilda Hilst, I listened to recordings she made where you could hear voices clearly. I even talk about her in my book “Eletrônica Paranormal”.

We commented here about the guy who fixes pirate antennas, on alternative ways to generate power at home, to be self-sustaining and no longer need to pay a company to provide such services, or at least reduce these costs. This seems to be the strategy of hack culture. These are ways of going against the tide, so to speak. Do you think this notion of “hacking” permeates electronics? The term hacker in electronics really exists because consumer goods, equipment and certain services, they tend to zero. But there is one thing that will never lose value, which is the knowledge of each of us. You can’t, for example, pirate my presence here, because I’m me. When I give a lecture I charge, because it’s my way of survival. There are many people who are realizing that. We had the example of an American musical group that uploaded the songs to sell online but people were hacking it and nobody paid for it. They were going crazy until one day they realized: “I’ll put all my songs for free, but I’ll sell my concert because my presence no one pirates.” So this is the trend. Even in electronics. On my site, I place all items that I have for free, but there are certain skills that go with my presence, my class, and that’s where I make a little.

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* INTERVIEW NEWTON C. BRAGA *


Conheça a curiosa história do padre gaúcho que, ainda no século XIX e antes de Marconi, inventou um aparelho de rádio, mas posteriormente caiu no anonimato. Nascido em 21 de janeiro de 1861, em Porto Alegre, o padre Roberto Landell de Moura construiu o primeiro aparelho sem fio para a transmissão de mensagens, em 1892, alguns anos antes de Marconi começar seus primeiros testes na Itália. Dois anos depois, ele realizou a primeira transmissão pública por meio de ondas hertzianas (na época chamada landellianas), entre o alto da Avenida Paulista e o alto de Sant’Anna, em São Paulo, cobrindo uma distância de oito quilômetros. Entre 1903 e 1904, Landell de Moura conseguiu, nos Estados Unidos, as patentes de três inventos. Quando saiu de Porto Alegre, em 1879, Landell de Moura transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde passou alguns meses antes que seu irmão, Guilherme, que pretendia seguir carreira eclesiástica e estava a caminho de Roma, o convenceu a ir junto e também abraçar o sacerdócio. Na Itália, ele frequentou a Universidade Gregoriana, como aluno de física e química, matérias para as quais mostrava inclinação desde criança. Landell de Moura foi ordenado sacerdote em 1886.

Em 1893, alguns anos depois de voltar da Itália, já morando em Campinas (SP), começou a desenvolver suas ideias sobre transmissão sem fio, cujos princípios foram enunciados por ele mesmo: 1. “Todo movimento vibratório que até hoje, como no futuro, pode ser transmitido através de um condutor, poderá ser transmitido através de um feixe luminoso; e, por esse mesmo fato, poderá ser transmitido sem o concurso desse agente”.

“Todo movimento vibratório tende a transmitir-se na razão direta de sua intensidade, constância e uniformidade de seus movimentos ondulatórios, e na razão inversa dos obstáculos que se opuserem à sua marcha e reprodução”. 2.

“Dai-me movimento vibratório tão extenso quando a distância que nos separa desses outros mundos que rolam sobre nossa cabeça, ou sob nossos pés, e eu farei chegar minha voz até lá”.

3.

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Este último princípio, naturalmente, provocou a ira de muitos paroquianos e autoridades eclesiásticas, já que insinuava a existência de vida em outros mundos e em outros planos. Seu laboratório foi, mais de uma vez, destruído. Paciente, ele reconstruía tudo e seguia com seus estudos, chegando, inclusive, a idealizar o Teletipo, o controle remoto e uma forma de transmissão de imagens – isso décadas antes do aparecimento da televisão. Em 1900, finalmente, sempre perseguido por toda sorte de vexames e dificuldades financeiras, Landell de Moura consegue obter uma patente brasileira. Mesmo com ela, não conseguiu avançar com suas pesquisas no Brasil e partiu, em 1901, para os Estados Unidos, para tentar patentear seus inventos. Somente após três anos de muitas batalhas e burocracia ele conseguiu a patente para três de suas principais criações: o telefone sem fio, o telégrafo sem fio e o transmissor de ondas. Com o sentimento de dever cumprido, Landell de Moura voltou ao Brasil em princípios de 1905. No retorno ao Rio de Janeiro, solicitou ao então presidente da república, Rodrigues Alves, dois navios para demonstrar seus inventos – basicamente, a possibilidade de comunicação a qualquer distância, sem a necessidade de um meio 54

condutor palpável. Um oficial de gabinete do presidente, ao saber que o padre falava em transmissão a qualquer distância e até “entre mundos”, aconselhou o presidente a não permitir o experimento, achando que o padre era maluco. Diante da negativa disfarçada da Secretaria da Presidência da República e da dúvida que se lançava sobre a legitimidade de seus inventos, profundamente abalado, completamente desiludido, o padre Landell de Moura, num ímpeto de irritação, destruiu seus aparelhos e encaixotou seus livros, cadernos e documentos, resolvido a voltar-se exclusivamente a o sacerdócio. DB Referências: ALCIDES, J, “PRA-8 - O Rádio no Brasil”. Fatorama, Brasília, Brasil (1997). ALENCAR, M. S., “O Fantástico Padre Landell de Moura”. Artigo para jornal eletrônico na Internet, Jornal do Commercio On Line, Recife, Brasil (2000). ALENCAR, M. S., “Historical Evolution of Telecommunications in Brazil”. Project 2002-076 - Final Report, IEEE Foundation, Piscataway, USA (2003). ALENCAR, M. S., ALENCAR, T. T. & LOPES, W. T.~A. , “What Father Landell de Moura Used to Do in His Spare Time”. In Proceedings of the 2004 IEEE “Conference on the History of Electronics”, publicado em CD, Bletchley Park, England (2004). ALMEIDA, B. H., “O Outro Lado das Telecomunicações - A Saga do Padre Landell”. Editora Sulina, Porto Alegre, Brasil (1983). AVELLAR, T. S., “Organização das Telecomunicações no Brasil”. Palestra proferida durante o “I Encontro Regional de Comunicações e Microondas”, UFPB, Campina Grande (1985). CARNEIRO, G., “Brasil, Primeiro - História dos Diários Associados”. Fundação Assis Chateabriand, Brasília, Brasil (1999). FORNARI, E., “O Incrível Pe. Landell de Moura”. Editora Globo, São Paulo, Brasil (1960). FORNARI, E., “O Incrível Pe. Landell de Moura”. Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, Brasil (1984). NASCIMENTO, A. & REIS, M. S, “Subsídios para Saldar uma Dívida”. Tipografia Costa Carregal, Porto, Portugal (1982). OAKENFULL, J.C., “Brazil in 1911”. Butler & Tanner, “Frome and London”, London, Great Britain (1912). Fonte: pesquisa de Marcelo S. Alencar, Waslon T. A. Lopes e Thiago T. Alencar para Instituto de Estudos Avançados em Comunicações (Iecom), da Universidade Federal de Campina Grande (PB), com base nas referências bibliográficas indicadas.

* O GÊNIO ESQUECIDO *


THE FORGOTTEN GENIUS

FATHER LANDELL DE MOURA Meet the curious story of a priest from southern Brazil who invented the radio before Marconi in the nineteenth century but fell into anonymity. Born on January 21 of 1861 in Porto Alegre, Father Roberto Landell de Moura built the first wireless device for transmitting messages in 1892, some years before Marconi began his first tests in Italy. In 1894, he performed the first public broadcast via radio waves (called landellianas at the time) between the top of Avenida Paulista and the top of Sant’Anna, in Sao Paulo, covering a distance of eight kilometers. Between 1903 and 1904, Landell de Moura succeeded in getting patents in the U.S. for three inventions. When he left Porto Alegre in 1879, Landell de Moura moved to Rio de Janeiro, where he spent a few months before his brother, William, who intended to follow an ecclesiastical career and was on his way to Rome, persuaded him to go along and he also joined the priesthood. In Italy, he attended the Gregorian University, as a student of physics and chemistry, subjects he had showed inclination since childhood. Landell de Moura was ordained in 1886. In 1893, a few years after returning from Italy, while living in Campinas (SP), he began to develop his ideas on wireless transmission, which principles were set out by him: 1. “Aby vibrational movement that, until today, as well as in the future, can be transmitted through a conductor, can be transmitted through a light beam, and, by that fact, can be transmitted without the help of its agent.” 2. “Every vibrational movement tends to be transmitted in direct proportion to its intensity, the consistency and uniformity of its undulations, and in the inverse reason of the opposing obstacles to its march and propagation.” 3. “Grant me a vibrational movement so long as the distance that separates us from these other worlds which roll over our heads or beneath our feet, and I will make my voice reach there.” This last principle, of course, has angered many parishioners and church authorities, as hinted at the existence of life on other worlds and other realms. His laboratory was destroyed more than once. Patiently, he rebuilt everything and went on with his studies, even reaching the idealization of Teletype, remote control and also a way of transmitting images – all that decades before the advent of television.

In 1900, finally, after being pursued by all sorts of abuse and financial difficulties, Landell de Moura was able to get a Brazilian patent. Even with this on hand, he could not proceed with his research in Brazil and in 1901 he left to the United States to try to patent his inventions. Only after three years of many battles he got the paperwork done for his three main creations: the cordless phone, the wireless telegraph and the waves transmitter. With a sense of accomplishment, Landell de Moura returned to Brazil in early 1905. On his return to Rio de Janeiro, he asked the president in charge, Rodrigues Alves at that time, for two ships to demonstrate his inventions – basically, the ability to communicate over any distance without the need for a conductive palpable medium. An officer of the president’s office, knowing that the priest spoke in transmission over any distance and even “between worlds”, advised the president not to allow the experiment, pointing that the Father was nuts. Given the negative disguise by the Secretariat of the Presidency and the doubt cast on the legitimacy of his inventions, deeply shaken, completely disillusioned, Father Landell de Moura, in a burst of anger, destroyed his equipments and boxed his books, notebooks and documents, resolved to return exclusively to priesthood. References ALCIDES, J, “PRA-8 - Radio in Brazil.” Fatorama, Brasilia, Brazil (1997). Alencar, M. S., “The Fantastic Father Landell de Moura.” Electronic journal article to the Internet, Journal of Commerce Online, Recife, Brazil (2000). Alencar, M. S., “Historical Evolution of Telecommunications in Brazil.” Project 2002-076 - Final Report, IEEE Foundation, Piscataway, USA (2003). Alencar, M. S. ALENCAR, T. T. & LOPES, W. T. ~ A. “What Father Landell de Moura Used to Do in His Spare Time.” In Proceedings of the 2004 IEEE “Conference on the History of Electronics”, published on CD, Bletchley Park, England (2004). ALMEIDA, B. H., “The Other Side of Telecommunications - The Saga of Father Landell.” Publisher Sulina, Porto Alegre, Brazil (1983). Avellar, T. S., “Organization of Telecommunications in Brazil.” Speaking at the “First Regional Meeting of Communications and Microwave”, UFPB, Campina Grande (1985). Carneiro, G., “Brazil, First - History of Daily Associates.” Chateabriand Assisi Foundation, Brasilia, Brazil (1999). FORNARI, E., “The Incredible Father Landell de Moura.” Editora Globo, Sao Paulo, Brazil (1960). FORNARI, E., “The Incredible Father Landell de Moura.” Army Library Press, Rio de Janeiro, Brazil (1984). BIRTH, A. & REIS, M. S, “Grants to Pay off a debt.” Typography Carregal Costa, Porto, Portugal (1982). OAKENFULL, J.C., “Brazil in 1911.” Butler & Tanner, “Frome and London”, London, Great Britain (1912). Source: research by Marcelo S. Alencar, Waslon T. A. Lopes and Thiago T. Alencar for the Institute of Advanced Studies in Communications (Iecom), Federal University of Campina Grande (PB) based in the indicated references.

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Se existe um componente que oferece mil e uma possibilidades para a criação de gambiarras, seu nome é LED, ou diodo emissor de luz. Disponível em diversas cores e formatos, ele tanto pode ser alimentado por pilhas, baterias e dínamos e abre uma ampla gama de possibilidades para os criadores das mais interessantes gambiarras. Neste artigo mostraremos como usar LEDs em 110V ou 220 V.

O

s LEDs são dispositivos semicondutores da família dos diodos, ou seja, operam com baixas tensões e conduzem a corrente num único sentido. Se bem que tenham sido criados com a finalidade básica de produzir pequenas intensidades de luz em circuitos de sinalização de baixa tensões, hoje existem LEDs de todos os tipos, tamanhos e cores e até lâmpadas formadas por LED de alto brilho, como a da figura 1.

Como Funciona um LED LED é a abreviação de Light Emitting Diode ou Diodo Emissor de Luz, e seu princípio de funcionamento pode ser entendido a partir da análise do que ocorre com a estrutura da figura 2, quando uma corrente elétrica a percorre. Nesta estrutura, temos uma junção PN, ou seja, um diodo semicondutor comum. Quando uma corrente atravessa a junção, o processo de recombinação dos portadores de carga faz com que ocorra um estímulo e 56

Figura 1 - Uma lâmpada de LEDs para a rede de energia

CORRENTE

+ P N

EMISSÃO DE RADIAÇÃO INFRAVERMELHA

Figura 2 - Emissão de radiação por uma junção PN percorrida por uma corrente


Figura 3 – Espectro estreito de uma junção PN

emissão que se concentra principalmente na faixa do infravermelho. Uma característica importante observada nessa radiação é que, em lugar de sua freqüência ser aleatória, como no caso da lâmpada incandescente que se espalha pelo espectro, ela tem uma freqüência muito bem definida, que depende do tipo de material usado no semicondutor, conforme mostra a figura 3. Podemos dizer que, diferentemente de uma lâmpada comum, a radiação emitida neste caso é “sintonizada”, já que tem freqüência única. Para os diodos comuns de silício, onde foi descoberto o fenômeno, a intensidade de radiação emitida é muito pequena e praticamente não há utilidade para ela. No entanto, foi descoberto também, que se fossem usados outros materiais semicondutores, e ainda fossem acrescentados dopantes especiais, era possível emitir luz com maior intensidade e em diversas faixas do espectro. Os primeiros diodos emissores de luz criados foram então de um material denominado Arseneto de Gálio e Arseneto de Gálio com Índio (FgaAs e GaAsI) emitindo radiação principalmente na faixa dos infravermelhos. O passo seguinte foi a criação de materiais capazes de emitir radiação com comprimentos de onda cada vez menores até cair na parte do espectro visível. Surgiram então os primeiros LEDs capazes de emitir luz no espectro visível, na região do vermelho.

*

Observe que a cor da luz do LED não vem do plástico que o envolve. A cor da luz depende da pastilha do material semicondutor usado. Se um LED usa plástico vermelho, é porque este plástico tem a mesma cor da luz emitida e não é ele que determina essa radiação. LEDs com plástico transparente ou branco podem emitir luzes de diversas cores...

Os LEDs podem ser encontrados em uma infinidade de formatos e cores, o que possibilita sua instalação em diversos tipos de gambiarras.

Características Elétricas Os LEDs se comportam como diodos enquanto que as lâmpadas incandescentes representam cargas resistivas não lineares. Analisando características dos LEDs de diferentes cores, vemos que o ponto em que eles começam a conduzir pode variar conforme sua cor. A figura 4 (na página seguinte) mostra isso. Enquanto um diodo de germânio começa a conduzir com 0,2V e um diodo de silício com 0,7 V, um LED vermelho comum precisa de pelo menos 1,6 V para começar a conduzir e um LED azul pelo menos 2,7 V.

GAMBIARRAS COM LEDs

*

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Figura 4 – Curvas dos diversos tipos de LEDs. Observe as tensões de condução.

Nas aplicações que usam baterias, a alimentação de LEDs com maiores tensões Conforme podemos ver pelas curvas exige circuitos especiais. características, a tensão de ruptura inversa de um LED é relativamente baixa, algo em Deve ser ligado um resistor em série para torno de 5 V para os tipos comuns. Isso siglimitar a corrente e reduzir a tensão ao valor nifica que devemos tomar cuidado para que que o LED precisa. O valor desse resistor mais de 5V no sentido inverso não apareça dependerá da corrente que desejamos para o sobre um LED quando o alimentamos com LED e da tensão disponível. O cálculo pode corrente alternada. Isso pode ser evitado com ser feito de maneira simples utilizando-se a o uso de um diodo em paralelo, conforme seguinte fórmula: mostra a figura 5.

R = (V – Vd)/I

Como então ligar um LED em 110 V ou 220 V, ou seja, na tomada da rede de energia? Onde: R é a resistência que deve ser ligada em série com o LED (ohms) Uma das aplicações é como foco de luz de V é a tensão contínua de alimentação Vd é a queda de tensão no LED dada pela tabela abaixo: baixo consumo permanente para dormitórios de crianças, evitando-se assim a escuridão A potência de dissipação do resistor será total e indicando a posição do interruptor de dada por: luz. Na figura 5 damos o circuito que posP = R x I2 sibilita a ligação de 1, 2 até 3 LEDs na rede de 110 ou 220 V. Onde:

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P é a potência dissipada em watts R é a resistência em série em ohms I é a intensidade da corrente em ampères

COR

VD

INFRAVERMELHO

1,6V

VERMELHO

1,6V

LARAJA

1,8V

AMARELO

1,8V

VERDE

2,1V

AZUL

2,7V

BRANCO

2,7V

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O resistor R1, que é de pelo menos 2 watts com 22 k ohms para a rede de 110 V e 47 k ohms para a rede de 220 V, reduz a tensão e a corrente aos níveis que o LED precisa. O diodo D1 retifica a corrente, pois os LEDs só trabalham com correntes contínuas e D2 protege os LEDs contra os pulsos inversos ou problemas com D1. Na figura 6 mostramos como a montagem pode ser feita numa pequena ponte de terminais. GAMBIARRAS COM LEDs

*


Os diodos podem ser 1N4004, 1N4007, ou outros, conforme a rede de energia e os LEDs podem ser de qualquer cor ou tamanho. Durante o funcionamento o resistor R1 aquece levemente, o que deve ser considerado normal. Na rede de 110 V consumo de energia da unidade é da ordem de 1,2 watts e na rede de 220 V da ordem de 2,4 W o que representa de 1 a 2% do consumo de uma lâmpada comum.

Figura 5 – Circuito para ligar de 1 a 3 LEDs na rede de energia de 110 V ou 220 V

Lista de Materiais - diodos 1N4004, se a rede for de 110 V, e 1N4007, se a rede for de 220 V • LED1, LED2 - LEDs comuns de qualquer cor • R1 - resistor 22 k ohms x 2 W (se a rede for de 110 V) ou 47 k ohms x 2 W (se a rede for de 220 V) • Diversos - cabo de força, ponte de terminais, caixa para montagem (opcional), solda, etc. • D1, D2

Obs: mais LEDs podem ser ligados em série neste circuito, sem qualquer problema de funcionamento. Dependendo dos LEDs, a quantidade pode chegar a 20. Outro circuito interessante e de menor consumo é o que faz uso de capacitor de poliéster para reduzir a tensão da rede, aproveitandose assim sua reatância capacitiva. Esse circuito é mostrado na figura 7 (página seguinte), usando um capacitor de 1 uF para a rede de 110V e 470 nF para o caso da rede de 220V.

Figura 6 - Montagem do circuito numa pequena ponte de terminais. Os anodos devem ficar do lado esquerdo.

Podem ser alimentados de 1 a 5 LEDs de qualquer tipo ligados em série. Observe que os dois circuitos são alimentados diretamente pela rede de energia, não havendo qualquer isolamento.

Assim, nenhuma de suas partes deve ficar exposta, pois existe o perigo de choques em A montagem também pode ser feita numa caso de contacto acidental. pequena ponte de terminais e embutida na parede, conforme mostra a figura 8 (página seguinte).

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GAMBIARRAS COM LEDs

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C1

D1

110V (220V)

LEDs

1 uF 1N4004 (470 nF) (7)

D2

1N4004 (7)

Figura 7 - Circuito de menor consumo onde a redução da tensão é feita pela reatância capacitiva de um capacitor. Procure em nosso site Fontes sem Transformador para mais informações.

Lista de Materiais - 1N4004 (7) - diodos retificadores Figura 8 - Montagem do circuito com base numa pequena ponte de terminais. Observe que os catodos (lado chato) ficam para a direita. de silício • led1 a LEDn - LEDs comuns qualquer cor Sugestão de Projetos • c1 - 1 uF x 200 V (110 V) ou 470 nF x 400 V (220 V) capacitor de poliéster * Interruptores de luz sinalizados * Interruptores de campainhas iluminados * Indicação de portas de saída * Decoração de objetos e vitrines * Presépios e árvores de natal * Maquetes, Cartazes, etc. • D1, D2

Utilizando o brinde de capa da Facta e as instruções contidas nesta aula, você pode construir pequenas luminárias decorativas gambiológicas utilizando fontes AC, tomadas velhas e/ ou estragadas. Siga o esquemático abaixo e use sua criatividade!

* Algumas sugestões para uso do kit *

KIT DA

CAPA

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GAMBIARRAS COM LEDs

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If there is a component that provides a thousand and one possibilities for creating gambiarras its name is LED, or light emitting diode. Available in various colors and shapes, it can either be powered by batteries and dynamos, or by the power grid. And, fuelled by power grid, it opens a wide range of possibilities for creators of the most interesting gambiarras (makeshifts). In this article, I will demonstrate how to use LEDs in 110 V or 220 V and how to create some interesting gambiarras. LEDs are semiconductor devices of the family of diodes, in other words, they operate with low tensions and carry the current in one direction. Although they have been created with the basic purpose of producing small amounts of light for low voltage signaling circuits, there are now all types of LEDs, sizes and colors, and even bulbs made of high-brightness LEDs, as in Figure 1 . Figure 1 - A power grid bulb of LEDs

How does LED work? LED stands for Light Emitting Diode and its working principle can be understood from the analysis of Figure 2, of what happens with its structure when an electrical current travels through it. Figure 2 - Emission of radiation by a PN junction traversed by current

In this structure, we have a PN junction, that is, a common semiconductor diode. When a current passes through its junction the process of recombination of charges carriers provokes a stimulus and emission focused primarily in the infrared range. An important feature of this radiation to notice, is that instead of a random frequency, as in the incandescent bulb which spreads through the spectrum, it shows a well defined frequency, depending on the type of material used in the semiconductor, as shown in Figure 3. Figure 3 - Narrow spectrum of a PN junction

We can say that unlike an ordinary bulb, the radiation emitted in this case is “tunned�, since it has a specific frequency. For ordinary silicon diodes, where the phenomenon was first observed, the radiation emitted is very small and there is virtually no use for it. However, it was also found that if other semiconductor materials were used, and yet adding special dopants, it was possible

to emit light of higher intensity and with several bands in the spectrum. The first LEDs were then created with a material called Gallium Arsenide and also Gallium Arsenide Indium (FgaAs and GaAsI), emitting radiation mostly in the infrared range. The next step was the development of materials capable of emitting radiation with smaller and smaller wavelengths until it would fall in the visible spectrum. The first LEDs capable of emitting visible light, in the red region, were created. Note that the color of a LED light does not come from the plastic that surrounds it. The color of its light depends on the wafer of the semiconductor material used. If an LED uses red plastic, it is because this is the same color of its light, but it doesn’t determine the radiation. LEDs with transparent or white plastic can emit light of different colors... The next step was the development of LEDs with colors from smaller and smaller wavelengths in the visible spectrum.

Electrical Characteristics LEDs behave like diodes while incandescent lamps represent non-linear resistive charges. Analyzing the characteristics of different color LEDs, we observe that the point at which they begin to conduct may vary according to its color. Figure 4 shows this. Figure 4 - Curves of different types of LEDs. Note the stress of conduction.

While a germanium diode begins to conduct with 0.2 V and a silicon diode with 0.7 V, a common red LED needs at least 1.6 V to start conducting and a blue LED at least 2.7 V . In applications that use batteries, LEDs with higher voltages require special circuits. A series resistor must be connected, to limit current and reduce the tension to a value appropriate for the LED. The value of this resistor depends on the desired current for the LED and the available voltage. The calculation can be done in a simple way, using the following formula:

R = (V - Vd) / I

where: R is the resistance that must be connected in series with the LED (ohms) V is the continuous voltage supply Vd is the LED voltage drop, given in the table below I is the current in the LED

The power dissipation of the resistor is given by:

P = R x I2

where: P is the power dissipated in watts R is the series resistance in ohms I is the intensity of the current in amps

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As we can see from the curves, the reverse breakdown voltage of an LED is relatively low, somewhere around 5 V for the common types. This means that we must be careful so more than 5 V in a reverse stream does not appear on an LED when we feed it with an alternating current. This can be avoided by using a parallel diode, as shown in Figure 5. How, then, can we connect a LED at 110 V or 220 V, in other words, using the power grid? One application is a permanent focused low-light source, for children’s bedrooms, thus avoiding total darkness and indicating the position of the light switch. In Figure 5 we show the circuit that enables the connection of one, two or even three LED on a 110 or 220 V power grid. Figure 5 - Circuit to connect 1-3 LEDs on a power grid of 110 V or 220 V.

The resistor R1, which is at least 2 watts with 22 k ohms for a grid of 110 V and 47 k ohms for a 220V grid, reduces the voltage and current levels to what the LED needs. The diode D1 rectifies the current, because LEDs only work with a continuous current, and D2 protects the LEDs against reverse pulses or problems with D1. Figure 6 shows how the assembly can be made in small bridge terminals. Figure 6 - Mounting of the circuit on a small bridge terminal. The anodes should be on the left.

The diodes can be 1N4004, 1N4007, or others, according to the power supply and the LEDs may be of any color or size. During operation, the resistor R1 heats slightly, which should be considered normal. In a source of 110 V, the power consumption of the unit is of the order of 1.2 watts and with a source of 220 V it is about 2.4 W, which represents 1-2% of the consumption of a light bulb.

Materials

- 1N4004 diode if the source is of 110 V, and 1N4007 if the source is 220 V

• D1, D2

• led1, led2

– common LEDS of any color

- 22 k ohms x 2 W if the source is of 110 V or 47 k ohms x 2 W if the source is of 220 V - resistor

• r1

Another interesting circuit and with lower consumption is one that uses a polyester capacitor to reduce the voltage, thus taking advantage of its capacity of reactance. This circuit is shown in figure 7, using a 1 uF capacitor for a 110 V supply and a 470 nF for a 220 V source. Figure 7 - Lower consumption circuit where the reduction of voltage is made by the capacitive reactance of a capacitor. Search our website for Sources without Transformers for more information.

The assembly can also be made in small bridge terminals and embedded in the wall, as shown in Figure 8. Figure 8 - Mounting of the circuit based on a small bridge terminal. Note that the cathodes (flat side) are in the right.

1-5 LEDs connected in series can be fed. Note that the two circuits are powered directly from the power grid source, with no insulation. Thus, none of its parts should be exposed, as there is a shock hazard in case of accidental contact.

Materials • D1, D2

- 1N4004 (7)- retifying silicon diodes

• led1 to LEDn

In the world of gambiarras The LEDs can be found in a multitude of shapes and colors, allowing installation in various types of hacks. In the photo, some types of LEDs.

Suggested projects: • Signaled light switches • Illuminated bells switches • Indication of exit doors • Decoration of objects and windows • Nativity scenes and Christmas trees • Maquettes • Posters

• Miscellaneous - Power cable, bridge terminal, box

for mounting (optional), welding, etc..

Note: more LEDs may be connected in series in this circuit without any malfunction. Depending on the LEDs, the quantity may reach 20.

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*

- any color common LEDs

- 1 uF x 200 V (110 V) or 470 nF x 400 V (220 V) polyester capacitor

• c1

GAMBIARRAS WITH LEDs

*


laboratório de

gambiologia com

Lucas Mafra

CONTÉM

VíDEO

SAIBA

FACTA

ONLINE

MESMO

MAIS

VOCÊ

Web Aula • Eletrônica e Gambiarras Um projeto de Bárbara Pontello (Coletivo Gambiologia)

Projeto#1 Aprenda a montar uma:

Lanterninha de

Fotos: Erick Ricco

MM's

DO IT YOURSELF

Acesse já

facta.art.br

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Muitos não sabem, mas existe tensão (voltagem) na linha telefônica e podemos usá-la para construir uma luminária de emergência que funcionará quando faltar energia. O leitor pode até embutir o circuito e os LEDs dentro do próprio telefone!

Foto: Rogério Sol

V

ocê já percebeu que a linha telefônica continua funcionando quando “cai a luz”, não é verdade? Aproveitando essa vantagem (e voltagem!), podemos construir, com poucos

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componentes, uma luminária de LED que será de grande utilidade para o próprio leitor, servindo até como um ótimo projeto para presentear alguém, que ficará impressionado com a “novidade”.


_

~ ~

+

Figura 1 - pontes retificadoras e símbolo eletrônico

Figura 2 - Diodo e símbolo / Esquema da ponte retificadora com diodos

Lista de Componentes • 1 ponte retificadora 4 diodos 1N4007

(fig. 1) ou

(fig. 2) 7812 (fig. 3) • 2 Capacitores de poliéster 100nF x 250 V (fig. 3) • 16 LED´s brancos de alto brilho 5mm (fig. 4) • 1 chave liga/desliga comum (fig. 4) • diversos: solda, fios, alicate, furadeira, brocas, cola quente, etc. • 1 Regulador

A ponte retificadora (fig.1) é mais prática e exige menos soldas, mas você pode fazer uma ponte com quatro diodos 1N4007 (ou equivalente) conforme a figura 2. Os LEDs serão ligados em série, atente para a figura 4: o LED possui uma perna maior (positivo) e outra menor (negativo). Faça as ligações conforme a imagem. Os pontos cinza significam a união (solda) dos pontos ligados pelos traçados.

O regulador 7812 serve para diminuir e regular a voltagem da linha para 12 Volts. Isso nos permite ligar várias séries de quatro LEDs. O LED branco comum de alto brilho encontrado nas lojas de eletrônica geralmente é de 3 V e consome 20mA de corrente. Na ligação em série, soma-se a voltagem e mantém-se a corrente. Logo, quatro LEDs de 3 V em série precisarão de exatamente 12 V para acender, fornecidos pelo regulador.

Figura 3 - Esquema de ligação do regulador 7812 com os dois capacitores de poliéster 100nF

* LUZ DE EMERGÊNCIA VIA LINHA TELEFÔNICA *

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Figura 4 – Esquema de ligação completo.

É importante frisar que enquanto a Dicas de Acabamento luminária estiver acesa, a linha telefônica onsiga um te le fon e antigo. ficará ocupada, não sendo possível fazer ou • C O da foto é um modelo de extensão da marca receber ligações. Para voltar ao normal, basta GTE. Tente os de disco Ericsson, Siemens, desligar a luminária. Foi verificado junto CTB, etc. Os antigos têm bastante espaço à empresa de telefonia que nenhum pulso interno para abrigar os componentes. será cobrado com o telefone fora do gancho, e é exatamente isso que acontece quando a luminária está acesa, podendo ficar ligada • Para furar, use a broca correta de 5mm para metal (usamos LEDs 5mm, por tempo indeterminado. mas poderá usar o de 3mm ou até de 10mm, sempre de alto brilho) Para o leitor que está familiarizado com a eletrônica básica, a montagem deste projeto será “mamão com açúcar”. Para o iniciante, • Poderá ser acrescentada uma fonte AC de 12 V e uma chave, para chavear entre em caso de dúvida, mostre o esquema para a fonte e a linha telefônica, tendo assim uma algum técnico de eletrônica ou entre em luminária que poderá funcionar também na contato conosco pelo email diy@facta.art.br. rede elétrica. Monte o circuito prestando atenção na figura 4. Teste o funcionamento conectando • Use a imaginação e poderá ligar outras coisas ao telefone, quem sabe um radinho os dois fios indicados na linha telefônica. de pilha, amplificador pra MP3, brinquedos Caso não funcione, teste a chave liga/desliga etc. Invente! (ou elimine-a apenas para efeito de teste) e confira as ligações dos componentes e principalmente dos LEDs. Observe que na Observação: Não nos responsabilizamos por nenhum tipo de série de LEDs a perna maior é ligada com a estragos em seus aparelhos. O esquema acima foi testado e aprovado. Estamos utilizando-o até hoje com sucesso. Compartilhe suas menor do próximo. modificações conosco! 66

* LUZ DE EMERGÊNCIA VIA LINHA TELEFÔNICA *


Lucas Mafra Many don’t know, but there is tension (voltage) in a telephone line and it can be used as an emergency lamp that will work when the power supply fails. The reader may even embed the circuit and LED’s inside the phone! You have already noticed that the phone line still works when “the light falls” haven’t you? Taking this advantage (and voltage!), we can build, with a few components, a LED lamp that will be of great use to the reader, even serving as a great project for a gift to someone, who will certainly be impressed by its “novelty”.

Materials • 1 bridge rectifier (Fig. 1) or 4 1N4007 diodes (Fig. 2) • 1 7812 regulator (Fig. 3) • 2 100nF x 250 V polyester capacitors (Fig. 3) • 16 white LEDs of high brightness (5mm) (fig. 4) • on / off common switch (fig. 4) • Miscellaneous: solder, wires, pliers, drill, hot glue...

Figure 1 – Rectifier bridge and electronic symbol Figure 2 - Diode and symbol / Scheme of rectifier bridge with diodes.

The rectifier bridge (Fig. 1) is more practical and requires fewer soldering, but you can make a bridge with four 1N4007 diodes (or equivalent) as shown in Figure 2. The LEDs are connected in series, observe Figure 4: the LED has a longer leg (positive) and a shorter leg (negative), make connections according to the image. The gray dots mean the union (solder) of the points connected by tracing. The controller 7812 serves to reduce and regulate the line voltage to 12 volts. This allows us to connect multiple sets of four LEDs. The common white LED with high brightness found in electronics supplies stores are usually 3 V and consume 20mA of current. In a series connection the voltage is added and the current is maintained. Therefore, four 3 Volts LEDs in a series need exactly 12 volts to light up, provided by the regulator.

It is important to highlight that while the lamp is lit, the telephone line is busy and therefore not able to make or receive calls. To return the line to normal you may turn off the lamp. Just like when the phone is off the hook, no charges will be made by a phone company when the lamp is lit, and it can be on indefinitely, free of charges. For the reader who is familiar with basic electronics, this project will be a piece of cake. For the beginner, if you are in doubt, show this layout to some electronic technician or contact us by email: diy@facta.art.br. Figure 3 - Wiring diagram of the regulator 7812 with two 100nF polyester capacitors.

Assemble the circuit paying attention to Figure 4. Test operation by connecting the two wires indicated on the telephone line. If it doesn’t work, test the on-off switch (or eliminate it only for testing purpose) and check the connections of the components and specially of the LED’s. Note that in the series of LEDs the longer leg of one is connected with the shorter leg of the other. Figure 4 – Full wiring diagram

Tips for finishing: • Get an old phone. The one in the picture is a brand of GTE extension. Try Ericsson, Siemens, CTB, etc. The olds have plenty of internal space to house the components. • To drill, use the correct 5mm metal bit (we used 5mm LEDs, but you can use the 3 mm or even the 10 mm, high brightness) • You may add a 12 Volt source and a key to switch between the source and phone line, thus having a lamp that will also work with the power grid. • Use your imagination and you can connect other things on the phone, maybe a radio, amplifier for MP3 player, toys etc. Invent! Note: We are not responsible for any kind of damage to your appliances. The above scheme has been tested and approved. We are using it successfully today. Share your experiences with us!

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por Carlos M. Teixeira A avenida Antonio Carlos, em Belo Horizonte, teve seu número de pistas duplicado recentemente. Galpões, oficinas, barracões e casas foram demolidos para capacitá-la para o futuro “Sistema de Transporte Rápido por Ônibus”, ou BRT. Após a demolição das construções anônimas que antes a confinavam, a avenida hoje revela um desfile de tipologias bizarras; restos, sobras e acidentes que, antes escondidos, hoje desfilam com um destaque impensado. A duplicação fez o avesso virar frente e expôs o medíocre atrás do medíocre; obra como que a revelação de uma sucessão de acidentes sobrepostos, cada qual ainda mais catastrófico que o anterior.







by Carlos M. Teixeira

Antonio Carlos Avenue, in Belo Horizonte, had its number of tracks doubled recently. Sheds, garages, shacks and homes were demolished to enable it for the future "Rapid Bus Transport System" known as BRT. After the demolition of these anonymous buildings that previously confined it, the avenue of today reveals a parade of bizarre types; scraps, leftovers and accidents that were previously hidden and now "parade" with a thoughtless highlight. The doubling turn the inside out into front and exposed the mediocre behind the mediocre; as a revelation of a succession of overlapping accidents, each even more catastrophic than the last.



C

por Alexandre Telles

omo você chamaria o ambiente social em que vive? Sociedade da informação, sociedade pós industrial, sociedade do consumo, sociedade do controle, sociedade em rede? O artigo a seguir não vai chegar a uma conclusão sobre a resposta a essa pergunta, mas vai refletir, por uma ótica darwinista, a respeito da dificuldade em respondê-la. Dificuldade que indica a mais singular das características desse ambiente.

A frase de Charles Darwin, no século XIX, parece ter sido escrita para os dias de hoje.

Consumismo totalmente integrado ao nosso dia-a-dia, fácil acesso à informação e à comunicação, socialização através de redes digitais, grande poder de controle social através do monitoramento tecnológico e gestão do ambiente natural são algumas das características da sociedade contemporânea. Porém a mais singular de suas características é a instabilidade, a fluidez, a velocidade com que ela se altera, impulsionada pelas evoluções tecnológicas e científicas. Provavelmente, nunca o ambiente social foi tão instável. Há alguns milhares de anos, o homem vivia em cavernas. Hoje, graças à nossa inteligência, habilidades e capacidade de trabalhar em grupo, dominamos o ambiente natural. Não há predadores a serem temidos, a não ser os invisíveis, vírus e bactérias, adaptados aos ambientes urbanos superpovoados. Os riscos de catástrofes naturais são mínimos e, boa parte, previsíveis e contornáveis. A escassez de


alimentos pode acontecer mais por um colapso econômico que pela falta do próprio alimento. A obesidade parece preocupar mais que a fome. A longevidade já é muitas vezes tratada como um problema. Vivemos em um ambiente funcional e civilizado, moldado com o objetivo de gerar conforto e bem estar.

Mutações em um Ambiente Mutante Mesmo com todo o desenvolvimento da civilização, o chamado animal moral não contraria a lógica do processo evolutivo, baseado na competição, na superação das adversidades ambientais e na seleção dos mais aptos1. Este processo é responsável pela evolução da vida. Fez uma simples criatura, com a capacidade de se replicar, desdobrar-se em infinitas espécies distintas, graças a pequenas mutações selecionadas e acumuladas de geração em geração, até chegar a uma espécie curiosa: nós, o homo sapiens sapiens, dotada de inteligência e moralidade2 . Essas qualidades, ao contrário do que alguns pensam, não nos fizeram transcender a

Com o coelho fluorescente Alba, Eduardo Kac subverte a seleção natural, colocando em xeque os limites da engenharia genética

condição de animal e negar nossos instintos e os princípios da evolução das espécies. A Luta pela Existência, a Seleção Natural e a Sobrevivência do mais Apto3 continuam presentes em nosso dia-a-dia. Ritualizados, é claro. Ou seja, racionalizados, regulamentados e enquadrados em padrões morais definidos socialmente. Assim é nossa vida profissional, nossa formação escolar e acadêmica, a competição entre as empresas4. Sem falar nos esportes e na política. A lógica do processo evolutivo descrita por Darwin está presente no ambiente social civilizado que evoluiu ao nosso redor5 e que, hoje, muda com uma velocidade inédita. As mutações precisam acompanhar essa velocidade. Não podem se dar ao luxo de acontecer de uma geração para outra e esperar a Seleção Natural. Elas não são mais biológicas. São mutações tecnológicas. O automóvel supre a nossa necessidade de locomoção em distâncias maiores. Com os telefones celulares modernos, acessamos um universo infinito de informação ou conversamos com pessoas em qualquer parte do planeta. Internet, computadores, remédios, drogas, acesso ao conhecimento e à informação, cirurgias, engenharia genética. Todas essas tecnologias potencializam nossas habilidades naturais e nos insere competitivamente no ambiente social tecnológico. Aos poucos, em nossa Luta pela Existência, vamos nos tornando ciborgues, dependentes de tecnologias. Eduardo Kac, GFP Bunny, 2000, transgenic artwork. Alba, the fluorescent rabbit. Cortesia/courtesy Galeria Laura Marsiaj.

blublu.org


Mutações Sob Medida Mutações tecnológicas são demandadas. Surgem e se tornam obsoletas rapidamente, atendendo também a uma necessidade de sobrevivência das indústrias6 . Alteram o ambiente e evoluem para acompanhá-lo. Elas não nascem conosco. São bens de consumo: dos meios de locomoção aos computadores, dos celulares aos remédios psiquiátricos, das redes sociais digitais à engenharia genética. Superada a luta pela sobrevivência propriamente dita, parte das motivações competitivas individualistas são orientadas para o consumismo, que se torna uma forma de Seleção Natural (ou social). Um ritual competitivo. Assim, o sistema econômico capitalista mostra-se totalmente integrado à natureza humana, explorando nosso instinto de Luta pela Existência, nosso medo da exclusão pela Seleção Natural e alimentando o ciclo trabalho-consumo. Robert Wright, no livro “O Animal Moral”, sugere que o fato de vivermos em um ambiente para o qual a nossa espécie não evoluiu pode ser causa de um grande desconforto7. Hoje, mais que isso, vivemos em um ambiente social instável; em uma sociedade líquida, como diria Bauman. Imagine a tensão gerada por estarmos o tempo todo, inconscientemente, preocupados em nos adaptar a esse ambiente mutante. A busca por adaptar-se ao ambiente não é uma opção racional consciente. É instinto de sobrevivência.

As mutações não são mais biológicas. São mutações tecnológicas. 1 O espírito competitivo faz parte de todo ser vivo. A competição é um grande combustível motivacional. A colaboração e a capacidade de trabalhar em equipe são habilidades moralmente louváveis, que visam a superação de desafios comuns; mas também visam a soma de forças para competir em níveis mais elevados, como em uma guerra, por exemplo. Uma forma de ilustrar o conflito entre princípios morais e motivações competitivas pode ser encontrada na história do próprio Charles Darwin. Por mais de duas décadas, ele relutou em publicar A Origem das Espécies, pois o livro ia de encontro a princípios morais e religiosos de sua família. Finalmente, tomou a decisão de publicá-lo, quando se deparou com a possibilidade de perder a originalidade de suas ideias para outro pesquisador, Alfred Wallace, que, em 20 páginas, apresentava ideias muito semelhantes às de Darwin. 2 Há quatro bilhões de anos surgiu uma molécula com a capacidade de se replicar, da qual todas as espécies vivas hoje descendem. Era uma criatura extremamente simples, com a qual nós, homo sapiens sapiens, temos pouquíssima coisa em comum, além do fato de querermos nos manter vivos, no que Charles Darwin chamou de Luta pela Existência. Quinhentos milhões de anos atras, surgiram as primeiras criaturas terrestres: micróbios e plantas. Até então, a vida se resumia ao ambiente aquático. Depois, vieram os insetos, os anfíbios, os répteis, as aves e os mamíferos. O primeiro primata surgiu há 55 milhões de anos e os humanos há 150 mil, herdando características físicas e comportamentais de todo esse processo evolutivo. (Fonte: EVANS, Dylan; ZARATE, Oscar. Introducing Evolutionary Psychology: a graphic guide. Londres: Icon Books. 1999.) 3 Já há alguns séculos, o ambiente natural não exerce grande pressão na seleção dos humanos mais adaptados. Mesmo assim, tomei a liberdade de usar o termo original criado por Darwin em “A Origem das Espécies”. O mesmo vale para a Luta pela Existência e Sobrevivência do mais Apto. 4 A Teoria Contingencial da Administração considera as empresas como organismos e o mercado como um ambiente. As corporações seriam indivíduos em sua Luta pela Existência, passsando por processos de mutação, Seleção Natural e Sobrevivência do Mais Apto. (Fonte: MORGAN, Gareth. Imagens da Organização. Capítulo 3: A Natureza entra em Cena: as organizações vistas como Organismos. Tradução: Cecília Whitaker Bergamini, Roberto Coda. São Paulo: Atlas, 1996.) 5 "A invenção de ferramentas, do fogo, o advento do planejamento e da caça coletiva propiciaram um crescente controle sobre o meio ambiente, uma crescente proteção contra os caprichos da natureza. Como, então, cérebros de macacos se transformaram em cérebros de homens em alguns milhões de anos? Aparentemente, a resposta se deve em grande parte ao fato de o meio ambiente da evolução humana ter sido composto por seres humanos (ou pré-humanos). (...) A evolução dos seres humanos consistiu principalmente na adaptação mútua.” (WRIGHT, Robert. O Animal Moral. Tradução: Lia Wyler. Rio de Janeiro: Campus.1996, p. 10) 6 A obsolescência programada (ou obsolescência embutida) é, hoje, necessária para a sobrevivência de boa parte das empresas. Para o bem delas e da economia globalizada, não se deve contar apenas com as evoluções sócio-ambientais para que determinado produto se torne obsoleto. Os responsáveis pela produção devem planejar sua obsolescência, seja usando matéria prima de qualidade inferior, seja excluindo algum item que será incluído na versão seguinte, seja retirando peças de reposição do mercado, seja reforçando padrões estéticos por períodos de tempo, etc. 7 “Temos pelo menos um palpite seguro: qualquer que fosse o ambiente ancestral, não era muito parecido com o ambiente em que vivemos hoje. Não fomos desenhados para ficar de pé em plataformas de metrô apinhadas de gente, ou para morar em subúrbios ao lado de gente com quem nunca falamos, ou para sermos contratados ou demitidos, ou para assistir o noticiário noturno na TV. Essa disjunção entre os contextos para que fomos desenhados e a vida que levamos provavelmente é responsável por muitas psicopatologias, bem como muitos males de menor gravidade. (E, tal como no caso da importância da motivação inconsciente, em parte devemos a Freud esta observação; é o fundamento do seu O mal-estar na civilização).” (WRIGHT, 1996, p. 20)


by Alexandre Telles

What would you call the social environment in which you live? Information society, post-industrial society, consumer society, control society, network society? The following article won’t reach a conclusion on that question, but it will reflect, in a Darwinian perspective, about the difficulty in answering it. This very own difficulty indicates the most unique feature of this environment. Consumerism fully integrated into our day-to-day life, easy access to information and communication, socialization through digital networks, great power of social control through monitoring technology and management of the natural environment are some of the characteristics of contemporary society. But the most unique feature is its instability, fluidity, the speed at which it changes, driven by scientific and technological developments. Probably, social environment has never been so unstable. Some thousands years ago, humans lived in caves. Today, thanks to our intelligence, skills and ability to work in groups, we dominate natural environment. There are no predators to be feared, only the invisible viruses and bacterias adapted to crowded urban environments. The risks of natural disasters are minimal and mostly predictable and manageable. Food shortages may happen more by an economic collapse than by lack of food itself. Obesity seems more of a concern than hunger. Longevity is often even treated as a problem. We live in a functional and civilized environment, framed with the objective of generating comfort and welfare.

Mutations in a Mutant Environment Even with the development of civilization, the socalled “moral animal” doesn’t contradict the logic of the evolutionary process, based on competition, overcoming adversity and the natural selection of the most fit1. This process is responsible for life evolution. It made a simple creature, with the ability to replicate, unfold in endless different species, due to small mutations selected and accumulated from generation to generation, until the emergence of a curious species: us, the homo sapiens sapiens, with intelligence and morality2. These qualities, contrary to what some think, did not make us transcend the condition of animal and deny our instincts and principles of evolution. The Struggle for Existence, Natural Selection and Survival of the most Fit 3 are still present in our day-today. Ritualized, of course. That is, rationalized, regulated and framed in moral standards that are socially defined. 80

So is our professional lives, our school and academic lives and the competition among companies4. Not to mention sports and politics. The logic of the evolutionary process described by Darwin is present in the civilized social environment that has evolved around us5, and that now changes with an unprecedented speed. The mutations must accompany this speed. They can not afford to happen from one generation to another and wait for Natural Selection. They are no longer organic. They are technological mutations. The automobile meets our need for moving through long distances. With modern cell phones, we access an infinite universe of information or we may talk to people anywhere in the world. Internet, computers, medicines, drugs, access to knowledge and information, surgery, genetic engineering. All of these technologies enhance our natural abilities and competitively places us in a technological social environment. Gradually, in our Struggle for Existence, we are becoming cyborgs, dependents on technology.

Tailored Mutations Technological changes are demanded. They arise and become quickly obsolete, while they also comply with the need for survival of industries6. They alter the environment and evolve to accompany it. They are not born with us. They are consumer goods: from means of transportation to computers and cell phones, psychiatric drugs, online social networks and genetic engineering. Being the struggle for survival itself overcome, part of the competitive individualistic motivations are oriented towards consumerism, which becomes a form of natural (or social) selection. A competitive ritual. This way, the capitalist economic system shows itself fully integrated with human nature, exploring our instincts based on the Struggle for Existence, our fear of exclusion by natural selection, and, by doing this, feeding the workconsumption cycle. Robert Wright, in his book The Moral Animal, suggests that the fact that we live in an environment to which our species hasn’t evolved can be a cause for great discomfort7. Nowadays, further more, we live in an unstable social environment, in a liquid society, as Bauman would say. Imagine the tension generated by our being all the time, unconsciously, worried about adapting to this mutant environment. The quest for adaptation to the environment is not a conscious rational option. It’s survival instinct.


The words of Charles Darwin, in the nineteenth century, seems to have been written for today. 1 The competitive spirit is part of every living being. Competition is a great motivational fuel. Collaboration and capacity for teamwork skills are morally praiseworthy, aimed at overcoming common challenges, and they also address the sum of forces to compete at higher levels, as in a war, for example. One way to illustrate the conflict between moral principles and competitive motivations can be found in the history of Charles Darwin himself. For over two decades, he was reluctant to publish The Origin of Species, because the book went against the moral and religious principles of his family. Finally, he decided to publish it when he faced the possibility of losing the originality of his ideas to another researcher, Alfred Wallace, who, in 20 pages, presented ideas very similar to Darwin’s. 2 Four billion years ago a molecule with the ability to replicate came about, and from it all species alive today are descended. It was a very simple creature, with which we, homo sapiens sapiens, have very little in common beyond the fact that we both want to keep us alive, as Charles Darwin called the Struggle for Existence. Five hundred million years ago, came the first land creatures: microbes and plants. Until then, life was restricted to the aquatic environment. Then came insects, amphibians, reptiles, birds and mammals. The first primates appeared 55 million years ago and humans 150,000 years ago, inheriting physical characteristics and behavior of all this evolutionary process. (Source: EVANS, Dylan; ZARATE, Oscar. Introducing Evolutionary Psychology: a graphic guide. London: Icon Books.1999.)

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3 For some centuries so far the natural environment doesn’t exert great pressure on the human selection of the fittest. Even so, I took the liberty to use the original term created by Darwin in The Origin of Species. The same goes for the Struggle for Existence and Survival of the Fit. 4 The Theory of Contingency Management considers companies as organisms and the market as environment. Corporations would be individuals in their Struggle for Existence, passes through processes of mutation, Natural Selection and Survival of the Fittest. (Source: Morgan, Gareth. Images of Organization. Chapter 3: The Nature Scene enters: Organisms seen as organizations. Translation to portuguese: Cecilia Whitaker Bergamini, Roberto Coda. London: Atlas, 1996.) 5 “The invention of tools, fire, the emergence of planning and collective hunting provided an increasing control over the environment, an increasing protection against nature’s whimsies. How, then, brains of monkeys became brains of men in a few million years? Apparently, the answer is largely due to the fact that the environment of human evolution have been composed by human beings (or pre-humans). (...) the evolution of humans consisted mainly on mutual adaptation.” (WRIGHT, Robert. The Moral Animal. Translation: Lia Wyler. Rio de Janeiro: Campus.1996, P. 10.)

(6) Planned obsolescence (or built-in obsolescence) is now necessary for the survival of most industries. For their sake and the global economy’s, if the socio-environment’s changes don’t render a product obsolete, it must become obsolete otherwise, planned by those responsible for its production. This may happen by using raw materials of inferior quality, excluding any items that will be included in the next version, removing spare parts from the market, setting aesthetic standards for periods of time, etc. (7) “We have at least a safe guess: whatever the ancestral environment was, it wasn’t much like the environment we live in today. We were not designed to stand on crowded subway platforms, or to live in the suburbs, next to people with whom we never talk, or to be hired or fired, or watch the evening news on TV. This disjunction between the contexts to which we were designed and the life we live is probably responsible for many psychopathologies, as well as many minor evils. (And, as in the case of the importance of unconscious motivation, we owe partly to Freud this observation; for it is the substance of his Civilization and Its Discontents).” (Wright, 1996, p. 20)

“ o mecânico oficial do Gambiociclo ” restaura prepara conserta transforma

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SAIBA

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Foto: Tyrus Flynn


Cultura steampunk transporta a ficção científica do porvir para um passado que remonta à Revolução Industrial e à Inglaterra do período vitoriano Imagine o seguinte: uma locomotiva futurista impulsionada a vapor cruza uma Londres do período vitoriano (não se assuste com o paradoxo temporal) habitada por altivas senhoritas metidas em espartilhos e garbosos cavalheiros de coletes ornados com cartolas e monóculos – alguns com braços biônicos movidos à combustão –, vivendo numa cidade crivada de enormes fábricas e caldeiras entremeadas com improváveis engenhocas analógicas, funcionais ou não, sob um céu em que vez por outra vê-se um colossal zepelim cumprir sua rota. Pronto, você criou mentalmente um cenário steampunk. No âmbito da literatura, trata-se de um subgênero da ficção científica, que tem como fonte de inspiração primária o escritor H. G. Wells, no século XIX, e que ganhou os contornos que tem hoje sobretudo pelas mãos de alguns autores norte-americanos, a partir da década de 1980.

seu criador, um steampunker norte-americano, caminhará harmoniosamente de mãos dadas com a Armadura Gambiológica, por exemplo. Há, no cerne de ambos, algo de subversão do processo tecnológico.

Os diletantes do steampunk estão espalhados pelo mundo e o Brasil, naturalmente, guarda sua cota. Criado em 2008 com representações no Rio de Janeiro e em São Paulo, o Conselho Steampunk está presente, hoje, em outros dez estados. Em entrevista publicada no site da entidade (www.steampunk.com.br, cuja apresentação define: “steampunk é a produção de ficção científica do século XIX no século XX, através de qualquer forma de expressão), um de seus criadores, Bruno Accioly, especialista em engenharia de usabilidade e desenvolvimento de projetos para web, diz que “a imprensa ainda se fixa na questão da moda e do estilo steampunk, mas, paulatinamente, percebemos o interesse da mídia pela Da literatura para o cinema, do cinema literatura, ilustração, escultura e outras forpara o design, do design para a moda, da mas de expressão do gênero”. moda para as artes visuais, chegando até a música (de grupos como Abney Park ou Dresden Dolls), o steampunk se tornou uma cultura, irmã do cyberpunk, prima da gambiologia. Se o assunto é design ou escultura, a produção steampunk passa pelo reaproveitamento de material industrial, engrenagens antigas e da estética de antiquário para a criação de obras de feição futurista. O braço biônico que se move pela energia gerada por uma caldeira instalada nas costas de Foto: Ambassador Mann

* UM OLHAR SOBRE O FUTURO DO PRETÉRITO *


Bracelete por Erin Simonetti

Pingente por Vaughn & Sean Saball

De computadores a pendrives, de esculturas a bijouterias: a estética steampunk é mais difundida do que se imagina a ser percorrido até haver reconhecimento acadêmico acerca do potencial do steampunk como força motriz de produção cultural, popularização da história e interesse pela ciência”. Mas mesmo na esfera da Academia alguma produção já se insinua. Mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia, Danilo Fraga Dantas dá uma boa ideia do que seja o steampunk, em texto escrito para o Programa de Educação Tutorial da instituição: “É certo que Wells vivia no século XIX e sua ideia de futuro só poderia estar influenciada por essa época. Mas no início da década de 1980 surgiram alguns escritores que parecem ter suas histórias Na mesma entrevista publicada no site, ele inspiradas pela atmosfera dos livros de Wells. pondera que “ainda há um longo caminho Esses autores realizam um salto duplo – para Com efeito, uma lupa sobre a cena steampunk pode revelar um grupo de jovens paulistanos que usam nomes como Lord Fire e Jack Grave e se encontram vestidos a caráter para piqueniques em espaços públicos, ou artistas plásticos como o piauiense Braga Tepi, que se vale de aglomerados industriais para criar suas esculturas, ou ainda livros como “Steampunk - Histórias de um Passado Extraordinário”, “Vapor Punk”, “Deus Ex Machina- Anjos e Demônios na Era do Vapor” e “Steam Pink”, que são compilações de enredos do gênero publicadas no Brasil e que, segundo Accioly, já repercutem fora do país.

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* UM OLHAR SOBRE O FUTURO DO PRETÉRITO *


Escultura do escultor piauiense Braga Tepi

"Steamtop" de Jake von Slatt

steampunkcostume.com

o futuro a partir de um retorno para o passado vitoriano – e assim nasce o steampunk, que transporta as ideias e convenções da ficção científica moderna para a Inglaterra do século XIX”.

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Ele observa que o cenário pode mudar, mas a essência permanece. No cinema, um bom exemplo de deslocamento espacial da ambientação steampunk é o filme “De Volta para o Futuro III”, com seu velho-oeste tecnologicamente avançado. A locomotiva futurista que aparece no final, criada pelo Dr. Emmett Brown, aliás, é um ícone steampunk. Poderia ser ela mesma, a propósito, aquela que, na cena que abre este texto, atravessa, alguns metros acima do chão, a Londres vitoriana sonhada como adorno da ficção científica pelos steampunkers. DB

Estados brasileiros com representação do Conselho Steampunk

SP PR SC RS

RJ

Estados brasileiros com representação do Conselho Steampunk

EM MINAS gerais:

O estado também tem a sua representação do Conselho Steampunk. Criada por Bruce Lima em 2009, a entidade estadual desponta ainda timidamente, com dez membros fixos divididos entre Belo Horizonte e Governador Valadares. O perfil dos mineiros ligados ao Conselho é diverso, conforme destaca Bruce. “Há integrantes com várias ocupações diferentes no nosso grupo. Um trabalha com informática, outro com administração e por aí vai. Não tem uma área que prevaleça. A ficção científica, de modo geral, interessa a um perfil muito variado de pessoas”, diz. Funcionando provisoriamente num depósito, a Loja Steampunk de Minas Gerais segue em fase de estruturação, buscando desenvolver ações que lhe garantam visibilidade. “É uma forma de tornar essa cultura conhecida e aglutinar os interessados”, aponta Bruce. Ele diz que, até agora, a única realização do Conselho Steampunk mineiro empreendida para além de seu próprio núcleo foi uma oficina, realizada em fevereiro deste ano. “Até o momento, a Loja cumpre mais a função de ser um fórum de debates entre os integrantes do próprio grupo. Essa história é recente, mas tem muita coisa que a gente quer fazer”, aponta.

* UM OLHAR SOBRE O FUTURO DO PRETÉRITO *

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autores STEAMPUNK

Fundadores do steampunk na literatura, na década de 80

LITERATURA STEAMPUNK Alguns livros do gênero

The Difference Engine

William Gibson & Bruce Sterling The Grand Ellipse

Paula Volsky Greatwinter Trilogy

Sean McMullen Infernal Devices

K. W. Jeter Jack Faust

Michael Swanwick The Light Ages

Ian R. MacLeond Lord Kelvin’s Machine

James Blaylock A Nomad of the Time Streams

Michael Moorcock Pasquale’s Angel

Paul McAuley

Kevin Wayne Jeter (1950)

Autor norte-americano de ficção científica e horror, K. W. Jeter, como é conhecido, estudou na Califormia State University, onde fez amizade com James P. Blaylock e Tim Powers (os outros dois nomes referenciais para a literatura steampunk). Através deles, conheceu Philip K. Dick, que veio a se tornar um entusiasta de sua obra. Jeter foi o primeiro a cunhar o termo steampunk, em uma carta para a revista "Locus", em abril de 1987, para descrever a "tecnologia retrô" ou "história alternativa" presente nas obras que ele vinha publicando com Blaylock e Powers. Os mais notáveis romances steampunk de K. W. Jeter foram "Morlock Night" e "Infernal Device". James Paul Blaylock (1950)

Além de enredos steampunk, James P.

Blaylock também se tornou célebre por ambientar histórias fantásticas e fábulas, dessas que transcorrem em reinos encantados, em nosso mundo, nos dias de hoje. Ele e seu amigo Tim Powers foram orientados por Philip K. Dick.

The Practice Effect

David Brin The Steampunk Trilogy

Paul Di Filippo The Sundowners Series

James Swallow The Woman Between the Worlds

F. Gwynplaine Macintyre 88

Tim Powers (1952)

O autor, nascido em Nova York, ganhou o World Fantasy Award duas vezes, pelos romances "Last Call" e "Declare". Em suas narrativas, Powers normalmente recorre a fatos históricos, documentados, e enxerta neles elementos fantasiosos, oferecendo, também, a leitura de uma história alternativa.


CINEMA STEAMPUNK

Filmes referenciais no universo steampunk

O filme"Os Doze Macacos" de Terry Gilliam (1995): fim do mundo em estilo steampunk

os caça fantasmas (1984)

Comédia dirigida por Ivan Reitman com roteiro de Dan Aykroyd e Harold Ramis, que também participam como atores.

A Liga Extraordinária

Steamboy (2005)

Animação japonesa de Katsuhiro Otomo. A Liga Extraordinária (2002)

Longa dirigido por Stephen Norrington, com Sean Connery. As Aventuras do Barão Munchausen (1988)

Longa dirigido por Terry Gilliam. os doze macacos (1996)

Ficção científica também dirigida por Terry Gilliam, inspirada no curta-metragem La Jetée, de Chris Marker. Hell Boy (2004)

Filme adaptado da HQ homônima criada por Mike Mignola, dirigido por Guillermo Del Toro. de volta para o futuro 3 (1990)

Último filme da trilogia dirigida por Robert Zemeckis. Retorno ao Futuro do Pretérito: a locomotiva de "Back to the Future 3" é uma máquina do tempo gambiológica


Steampunk culture transports the science fiction to come to a past that dates back to the Industrial Revolution and England’s Victorian period.

and style, but gradually, we realize its increasing interest in literature, illustration, sculpture and other forms of expression of this genre.”

Imagine the following: a futuristic steam locomotive crosses a Victorian London (do not be alarmed with the temporal paradox) inhabited by proud ladies tucked into corsets and dapper gentlemen with top hats and adorned with jackets and monoculars – some with bionic arms moved by combustion – living in a city riddled with huge factories and boilers interspersed with improbable analog gadgets, functional or not, under a sky that occasionally sees a huge zeppelin fulfill its route.

Indeed, a magnifying glass on the steampunk scene may reveal a group of young people from Sao Paulo who use names like Lord Fire and Jack Grave and dresses in characters for picnics in public spaces, or artists like Tepi Braga, from Piaui state (Brazil), who uses industrial clusters to create his sculptures, or books like “Steampunk - The Story of an Extraordinary Past”, “Steam Punk”, “Deus Ex Machina - Angels and Demons in the Age of Steam” and “Steam Pink,” which are compilations of plots of its kind published in Brazil and, according to Accioly, are already being spread abroad.

Okay, you mentally created a steampunk scenario. In literature, it is a subgenus of science fiction, whose primary source of inspiration is the writer H. G. Wells, in the nineteenth century, and which got its countour largely in the hands of some American authors, from the 1980s. From literature to film, from film to design, from design to fashion, from fashion to visual arts, even to music (groups like Abney Park and Dresden Dolls), the steampunk became culture, sister of cyberpunk, cousin of gambiologia. If it comes to design or sculpture, producing steampunk passes through the reuse of industrial equipment, old gears and antique aesthetics for the creation of works of futuristic garb. The bionic arm that moves with energy generated by a boiler installed in the back of his creator, a U.S. steampunker, would harmoniously go with the Gambiological Armor, for example. There is, at the heart of both, something of subversion of the technological process. “The dilettantes of steampunk are spread around the world and Brazil, of course, keeps its quota. Created in 2008 with representatives in Rio de Janeiro and Sao Paulo, the Steampunk Council is now present in other ten states. In an interview published on the website of the entity (www.steampunk.com.br, which presentation defines “the steampunk is the production of nineteenth-century fiction in the twentieth century, through any form of expression), one of the founders, Bruno Accioly, specialized in usability engineering and project development for web, says that “the press is still fixed on the issue of steampunk fashion

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In this same interview, published on the site, he argues that “there is still a long way to go until there is academic recognition of the steampunk potential as a driving force of cultural production, popularization of history and interest in science.” But even in the realm of academia, some production is already implied. Master of Communication and Contemporary Culture at the Federal University of Bahia, Danilo Fraga Dantas gives a good idea of what steampunk is in a text written for the Tutorial Education Program of the institution: “It is true that Wells lived in the nineteenth century and his idea of the future could only be influenced by that time. But in the early 1980’s there were some writers who seem to have their stories inspired by the atmosphere of the books of Wells. These authors perform a double jump – for the future from a return to the Victorian past – and thus the steampunk was born, which carries the ideas and conventions of modern science fiction to nineteenth-century England.” He notes that the scenario may change but the essence remains. In cinema, a good example of spatial displacement of steampunk setup is the film “Back to the Future III”, with its technologically advanced old-west. The futuristic locomotive that appears at the end, created by Dr. Emmett Brown is, actually, a steampunk icon. It could be itself, by the way, that one in the scene that opens this text, and crosses, a few meters above the floor, the Victorian London dreamed by the steampunkers with the adornment of fiction.



Artivismo no subterrâneo: a organização parisiense Untergunther UX "usa, melhora e restaura a herança escondida e abandonada da cidade". http://ugwk.org

Thiago Carrapatoso Vivemos em um mundo em que, agora, quem hackeia o sistema é o próprio sistema. Criam-se leis, regras, órgãos, burocracias, tudo para adaptá-lo, o sistema, a uma sociedade. O problema é que nem ele consegue acompanhar suas próprias proposições. Os cidadãos, a sociedade, então, que um dia eram quem hackeava e iam contra o estabelecido, lutam para que esse mesmo sistema siga suas próprias regras. São os hackers do bem. A obediência civil. O papel deles é empregar táticas de guerrilha para fazer com que ele, o sistema, obedeça o que propôs. Um ativismo para garantir os direitos – e não para criá-los. Subversão afim de garanti-lo – e não destruí-lo. 92


Um grupo francês chamado UX {Urban Experiment} mapeou os túneis do subterrâneo parisiense para, entre tantas outras atividades, restaurar obras públicas que apresentam mau funcionamento. Sem consentimento de algum órgão governamental, ou mesmo da diretoria da instituição responsável, o grupo invadiu o Panthéon e restaurou um relógio centenário quebrado desde a década de 1960.

Esse caso em particular ainda tem o agravante de que, ao comunicar ao diretor da instituição de que o relógio estava por fim consertado, ele ordenou para que o quebrasse de novo. Hoje, os grupos ativistas parecem seguir uma linha não mais de desobediência, mas sim de concordância com o que está estabelecido e de uma forma bem mais ampla do que o próprio sistema pode seguir. Se em tempos atrás a tática era ser a mudança que se acreditava no mundo, atualmente concorda-se com o estabelecido – e se quer que ele funcione. É a civilidade obediente.

Sem verbas públicas, sem cobrança de mais impostos. Só a vontade de restaurar uma obra que, por ser pública, deveria funcionar e foi esquecida pelo próprio sistema que a criou. O sistema, mesmo quando errado, tem tanto medo da mudança que prefere danificar algo O Festival BaixoCentro, que aconteceu na última semana de março de 2012, novamente do que aceitar o novo, o diferente.

Retomando a urbe: Festival BaixoCentro propôs modelo alternativo de ocupação do espaço público paulistano. Foto: Bruno Fernandes


por exemplo, prega a ocupação dos espaços públicos pelos cidadãos, tendo como ponto de partida o centro degradado de São Paulo. A cidade, metrópole, parece estar fechada, trancafiada em políticas públicas que obrigam seus moradores a ficar presos em engarrafamentos de centenas de quilômetros; construir condomínios nos quais não se precisa sair para nada; esquecer que existem vizinhos ou comunidades para fazer parte.

forma de lembrar aos moradores que a cidade pode ser usufruída. E que isto está na lei. E que as ruas, em vez de para os carros, são para dançar.

O mesmo acontece com o grupo ativista Transparência Hacker. Depois de um tempo articulando um grupo interessado em governo e dados abertos, hoje há o trabalho de se criar a cultura sobre o tema, de forma a A cidade tornou-se algo inacessível e influenciar legisladores na elaboração de leis impossível de se usufruir. sobre transparência; a compilar e divulgar padrões para facilitar a visualização e leitura O evento usou as leis vigentes para produzir dos dados por máquinas; e a articular uma cem atividades de arte de rua (seja lá qual for comunidade cada vez mais influente no tema. a definição para isso) sem pedir nenhuma autorização para os órgãos governamentais. Eles não estão preocupados em muNão é preciso. Ocupar as ruas é um direito dar a Constituição, ou algo que o valha. que o governo faz com que os cidadãos se Pelo contrário. Eles lutam para que o governo esqueçam, por impor políticas públicas e o sistema sigam as regras que eles próprios catastróficas. Organizou-se o Festival como criaram, afinal, é um direito do cidadão ter

Repaginação da cidade: intervenção durante o Festival BaixoCentro. Foto: Bruno Fernandes


acesso aos documentos, contas e dados que um órgão governamental produz. Tudo é público. E a publicização deles é um dever. Essa ideia pode gerar ainda outras atividades que, digamos, são um pouco mais subversivas, mas que são todas igualmente “do bem”. Qual a função social, por exemplo, de uma casa quando os donos estão viajando? Durante dias, e até semanas, os espaços, os móveis, os objetos, tudo ficará sem utilização. Ninguém usando, ninguém usufruindo. Mas por quê? Por que, enquanto os donos estão longe, não emprestar a casa vacante para alguém que não tem onde morar? Em troca, sua roupa estará limpa, seu rádio consertado, seu lixo retirado, tudo em perfeito estado para que se encontre o lar bem melhor do que quando se saiu. O filme coreano “Casa Vazia” mostra exatamente esse cenário. É um homem que

sai pelas ruas colando folhetos de serviços de entrega de comida nas portas das casas para identificar os imóveis vazios (se os donos estiverem viajando, o folheto continuará grudado na porta; se estiverem na cidade, o tirarão assim que o virem). O protagonista, então, entra (invade?), usufrui dos móveis e comidas, lava a roupa, limpa a casa, conserta o que estiver quebrado e, antes dos donos voltarem (espera-se!), vai embora. Não está roubando, não está danificando. Apenas usa o que não está sendo usado. Qual a diferença desse desuso para leis que são ignoradas pelo próprio sistema? Não são ambas subutilizadas?

A subversão, no fim, continua existindo, mas o que muda são as ferramentas usadas.

Quer-se ainda mudar o mundo, mas de forma que o próprio sistema consiga acompanhar a mudança. Sem juízo de valor algum, os hackers, hoje, são mais obedientes do que o próprio sistema.

Cultura digital em trânsito: Ônibus Hacker, um projeto do Transparência Hacker, durante " invasão" da Cracolândia (SP). Foto: Bruno Fernandes


Thiago Carrapatoso We live in a world where, now, who hacks the system is the system itself. Laws, rules, agencies and bureaucracies are created to suit the system to a society. The problem is that neither the system can keep up with its own proposals. Citizens and society, then, that one day were those who hacked and went against the established, are now fighting for that same system to follow its own rules. They are the good hackers. Civil obedience. Their role is to employ guerrilla tactics to make it, the system, obeys what is proposed. An activism to ensure rights – not to create them. Subversion in order to guarantee it – and not destroy it. A French group called UX {Urban Experiment} mapped the underground tunnels of Paris to, among other activities, restore malfunctioning public works. With no consent of any governmental body or the board of the responsible institution, the group broke into the Pantheon and restored a centenary clock, broken since the 1960s. Without public funds, without charging more taxes. Only the desire to restore a piece which, for it being public, should work but had been forgotten by the very system that created it. This particular case still has the further problem that, when the director of the institution was reported that the clock was finally repaired, he ordered it to be broken again. The system, even when it's wrong, is so afraid of change that is rather damages something again to accept the new, the different. Today, activist groups seem to follow a line that is no more of disobedience, but of agreement with what is established, and with a far more wide scope than the system itself may follow. If sometime ago the tactic was to be the change we believed, in today’s world the established is agreed – and it is desirable that it works. This is obedien civility. The BaixoCentro Festival, held in the last week of March 2012, for example, preaches the use of public spaces by citizens, taking as its starting point the neglected center of Sao Paulo. The city, metropolis, seems to be closed: it is locked up in public policies that require their residents to get stuck in traffic for hundreds of miles; build condominiums where one doesn’t need to go out for anything and people want to forget that there are neighbors or communities to join. The city became something inaccessible and impossible to enjoy. The event used the current laws to produce a hundred activities of street art (whatever the definition for it) without asking any government agencies for permission. 96

You do not need authorization. To occupy the streets is a right that the government makes citizens forget by imposing catastrophic policies. The Festival was organized as a way to remind residents that the city can be enjoyed. Despite it not being in the law. And that the streets are, instead of being for cars, for dancing. The same happens with the activist group Hacker Transparency. After a while articulating a group interested in government and open data, today there is a work of fostering a culture around this subject in order to influence legislators in drafting laws on transparency, to compile and disseminate information to facilitate the viewing and reading of data by machines, and join a community increasingly influential in the subject. They are not concerned with changing the constitution or something of that sort. Rather, they fight so the government follows its own rules and systems, after all, is a citizen’s right to access documents, accounts and data that a government agency produces. Everything is public. And publicizing them is a must. This idea can also generate other activities that are, to say, a little more subversive, but they are all equally good. What is the social function, for example, of a house, when its owners are travelling? For days and even weeks its space, furniture, objects, everything, will be unused. Nobody using them, nobody enjoying them. But why? Why, while owners are away, the vacant house shouldn’t be used by someone who has nowhere to live? In return, their clothes will be clean, their radio repaired, their trash removed, all in perfect condition for they finding their home better than when it was left. The Korean film “Empty House” shows exactly this scenario. It is a man who goes through the streets pasting food delivery services leaflets on doors to identify empty properties (if the owners are traveling, the leaflet continues stuck in the door but if they are in town they will take it off after seeing them) . The protagonist, then, enters (invade?), enjoys food and furniture, wash clothes, clean the house, fix what is broken, and before the owners return (we hope!), he leaves. It’s not stealing, not damaging. Only use of what is not being used. What is the difference of this use for laws that are ignored by the very own system? Aren’t they both underused? Subversion, in the end, continues existing, but what changes are the tools that are being used. Changing the world is still desirable, but in a way that the system itself can follow the change. Without any value judgment, hackers today are more obedient than the system itself.


97


Q

uase pontual. VS lembrou mais uma vez que precisava trocar a voz do sistema de navegação. Já havia cansado da simulação de Tom Zé. Mas ficaria para depois. Arrancou os fones de ouvido e deixou-os pendurados no capacete coberto de stickers coloridos. Olhou para o posto de gasolina desativado, exatamente como tinha visualizado pelo pitópe antes de sair. Apeou da bike e empurrou-a até o fim da construção, atento a eventuais olhares curiosos. Ninguém à vista, nessa manhã de domingo na zona oeste de São Paulo. Lixo dançando com o vento, cheiro de mijo, uma ou outra barata fugindo do pouco movimento. Duas câmeras no teto da cobertura do posto, uma na quina das paredes. Ativadas? Encostou a bike na grade. Puxou o cabo do dínamo, tirou os atilhos que prendiam a placa solar do bagageiro e enrolou tudo, metodicamente. Guardou-os no alforje, que soltou do quadro para passar a fita de montanhismo que o transformava em uma bolsa. Prendeu a bike com dois cadeados. Tirou o telinha do bolso da calça: três redes wi-fi criptografadas na área. Nenhuma aberta. 9h04. Ia bater no portão de garagem marrom do prédio aos fundos do posto quando a portinhola lateral se abriu. Câmeras ativadas, então. Um homem o aguardava, sorriso sere-

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no no rosto emoldurado pela barba cinzenta. Trajava calças de capoeira, chinelos de dedo e camiseta branca com um nó celta serigrafado em verde. VS reconheceu a tatuagem com três setas circulares no braço do homem, que se dirigia a ele. “Bom dia! Como você prefere ser chamado? VS? Versus? Vitorino?” “Versus está bom. E o senhor se chama...” Tentou lembrar dos nicks que conhecia de Soiranigami, mas ele foi mais rápido. “Nigami. E deixe de lado o ‘senhor’, por favor.” VS guardou os óculos espelhados dentro do capacete e seguiu Nigami para dentro. Passaram por uma pequena antessala iluminada, com um sofá de dois lugares, uma mesa e um PC, e atravessaram a cortina de plástico para o outro cômodo. Era uma mistura de oficina mecânica, marcenaria e loja de conserto de eletrônicos. “Aceita uma água ou café?” “Água, por favor.” Enquanto esperava, escaneou a sala sem janelas. Ao centro, uma grande mesa aparentando décadas de idade, no topo


da qual repousavam um multímetro, uma roda de bicicleta, uma luminária direcional, alguns equipamentos desmontados – roteadores ou hubs –, dezenas de fios coloridos, uma estrutura cúbica de MDF recortado, lâmpadas coloridas, um pitópe exibindo um terminal em tela cheia, uma lupa no suporte articulado e uma morsa. Na lateral oposta, uma bancada larga com equipamentos. Reconheceu uma máquina de cortar vinil, um torno, outro pitópe, uma impressora 3D e uma serra circular, entre outros. Abaixo da bancada, duas portas de armário e dezenas de gavetas transparentes indicavam um estoque vasto de componentes eletrônicos. As paredes laterais estavam cobertas por desenhos, recortes de revistas, guardanapos rabiscados, quatro monitores presos com fita prateada, fotos, ganchos para pendurar roupas, um ventilador apoiado em barbantes, centenas de stickers e um quadro branco repleto de códigos numéricos. Meia dúzia de bancos altos, com os assentos desgastados, se espalhavam pela sala. “Que tipo de coisa tu fazes nessa oficina, Nigami?” “Tudo que for necessário”, falou retornando da cozinha com um copo d’água. “E a vizinhança...?”

“Ah, para eles a gente conserta eletrônicos, monta sistemas de monitoramento, sensores, câmeras de vigilância. Como é meio escondido, só vem aquela quantidade de gente necessária pra não levantar muita suspeita – nem poucos nem muitos.” “Tô ligado.” “Cê é sobrinho da Wan, é?”, perguntou Nigami. “Sim, conheces minha tia?” “Conheci, num evento em Olinda. Trocamos emails de vez em quando.” “Égua, ela vai me ligar no dia que o barco atracar de novo, vou falar que te encontrei.” “Seu sotaque é diferente do dela.” “É, eu fui criado no interior do Pará. Só vivi com a Wan por um tempo, depois que meus pais faleceram.” “Sinto muito.” “Tudo bem, já faz tempo.” “Mais água, Versus?” “Não, obrigado.” 99


“Então vamos descer, que a rede tá te esperando.” Versus seguiu Nigami. Passaram pela cozinha, saíram para um pátio cercado por um muro alto azul e descascado, com uma cerca elétrica no topo. Um pequeno canteiro tinha pés de arruda, alecrim e pimenta. Entraram por uma porta de madeira e desceram uma escada levemente escorregadia. O ar estava frio e seco. “Que equipamento você trouxe, Versus?”, perguntou Nigami quando estavam nos últimos dos vinte e cinco degraus. “Trouxe um tablete, me disseram que vocês têm interface genérica.” “Claro que temos.” Havia duas portas de ferro, ambas levemente oxidadas. Nigami empurrou com força a da esquerda e apontou o sofá no fundo da sala escura. Todas as paredes eram estofadas, e recobertas com tecido preto. O cheiro era de álcool e resquícios de fumaça - uma mistura de charuto, maconha, cigarro e incenso. Em frente ao sofá ficava uma mesa, improvisada a partir de um daqueles grandes carreteis usados para transportar cabos usados em linhas elétricas. No centro da mesa-carretel, 100

um dock com interface genérica. Na parede em frente, um grande monitor cercado por um par de caixas de som. Orientado por Nigami, Versus ligou seu tablete na interface. Também recebeu dele um teclado com touchpad. “Vou explicar rapidinho, Versus. Depois que eu sair, sente-se aí e entre na rede. Você vai saber como. No começo vai parecer tempo demais sem acontecer nada. É assim mesmo. Logo alguém vai chamar você, e vocês vão conversar. Depois de terminado, eu volto aqui pra lhe buscar.” “Certo.” Versus pôs a mão no bolso. “Eu trouxe aqui um pendrive, é...” “A oferenda. Pode deixar comigo. Agradecemos muito, seja lá o que for.” Versus observou enquanto Nigami fechava a porta reforçada. A sala ficou totalmente no escuro, exceto pelos caracteres verdes sobre fundo preto no monitor ao fundo, já pareado com seu tablete. Digitou aleatoriamente no teclado e passou o dedo pelo touchpad, para testar a instalação. Tudo funcionando, como já esperava. Listou as redes disponíveis. Só existia uma, sem criptografia, chamada “Lain”. Conectou-se a ela.

* GAMBIALEPH *


“End of the ride. We have come just over six kilometers. It’s six past nive.” Almost on spot. VS reminded once more that the voice navigation system needed to be switched. He was tired of the Tom Zé simulation. But it would be for later. He snatched the headphones and let them hang on the helmet, which was covered with colorful stickers. He looked at the disabled gas station, just as he had viewed before leaving. He dismounted the bike and pushed it until the end of the construction site, paying attention to any curious eyes. No one in sight this Sunday morning in West Sao Paulo. Trash dancing with the wind, the smell of piss, one or other cockroach running away from the little movement. Two cameras on the ceiling of the gas station, one on the corner of the walls. Activated? Put the bike on the grid. Pulled the cable from the alternator, pulled the cords that held the solar panel of the luggage rack and wrapped everything methodically. Kept them in the bag, which he losened from the frame to use the mountaineering tape that turned into a purse. Held the bike with two lockers. Took the small screen from his pocket: three encrypted wi-fi networks in the area. None opened. 9:04 a.m. Was going to hit the brown garage door located on the back of the gas station when a side port opened. Activated cameras, then. A man was waiting, with a serene smile on his face framed by gray beard. He wore capoeira pants, flip-flops and a white T-shirt screen with a Celtic knot printed in green. VS recognized the tattoo with three circular arrows on the arm of the man, who turned to him: “Good morning, how do you prefer to be called? VS? Versus? Vitorino?”

the plastic curtain to the other room. It was a mixture of automobile repair shop, carpentry and electronics repair shop. “Do you accept a water or coffee?” “Water, please.” While waiting, he scanned the room with no windows. In the center, a large table appearing to be decades old. On top of it there were a multimeter, a bicycle wheel, a directional lamp, some dismantled equipment – routers or hubs – dozens of colored yarn, a cubic structure of cut MDF, colored light bulbs, showing a terminal in full screen, and an articulated lupe supported by a walrus. On the opposite side, a large table with equipment. He recognized a vinyl cutting machine, a lathe, another laptop, a 3D printer and a circular saw, among others. Below this table, two cabinet doors and dozens of transparent drawers, which indicated a vast stock of electronic components. The side walls were covered with drawings, magazine clippings, sketched napkins, four monitors attached with a silver ribbon, photos, hooks for hanging clothes, a fan supported on strings, hundreds of stickers and a whiteboard full of numerical codes. Half a dozen of hight stools with old seats were filling the room. “What kind of things do you do in this shop, Nigami?” “All that is necessary”, he said, coming back from the kitchen with a glass of water. “And the neighborhood…?”

“Versus is good. And you are called...” He tried to remember the nicknames of Soiranigami, but the man was faster.

“Oh, in their view we fix electronics, put together monitoring systems, sensors, security cameras. As it is a little hidden, only a reasonable quantity of people in order not to raise any suspicious thoughts come here – not many, not few”.

“Nigami. And leave the ‘sir’ aside please.”

“I see.”

VS put his mirrored sunglasses inside the helmet and followed Nigami inside. They passed through a small lit room, with a two-seater sofa, a desk and a PC, and crossed

“Are you Wan’s nephew?, Nigami asked. “Yes, do you know my aunt?”

101


“I met her in an event in Olinda. We exchange emails once in a while.”

“Your accent is different from hers”.

tablet on the interface. He also got a touchpad keyboard from him. “I am going to explain it quickly, Versus. After I leave, you sit there and go online. You will know how. In the beginning, it will seem a long time before anything happens. It is like that. Soon, somebody will call you and you will talk. After it is finished, I come back here to pick you up.”

“Yeap. I was raised in the interior of Pará state. I only lived with Wan for a little while, after my parents passed away”.

“Right.” Versus put his hands in the pocket. “I brought a pendrive, it is…”

“I am sorry”.

“The offering. You may live it with me. We thank you plenty, whatever it is.”

“Darn! She is going to call me when the boat lands again, I will tell her I met you”.

“It is OK, it has been a while”. “More water, Versus?” “No, thank you.” “So lets go down, the web is waiting for you.” Versus followed Nigami. They passed through the kitchen and came out in a patio, surrounded by a high peeled blue wall, with a electric fence on top. A small plat had rue, rosemary and pepper trees. They went through a wooden door and went down a fairly slippery stairs. The air was cold and dry.

Versus observed while Nigami locked the thick door. The room was totally dark, except by the green characters on the black screen of the monitor, already paired with his tablet. He typed randomly on the keyboard and ran his finger across the touchpad, to test the installation. They all work, as expected. He listed the available networks. There was only one without encryption, called “Lain.” He connected to it.

“Which equipment have you brought, Versus?”, asked Nigami when they were in the last step of those twenty five steps stairs. “I brought a tablet, they said you have generic interface.” “Of course we do.” There were two iron doors, both slightly oxidated. Nigami pushed it strongly the left one and pointed to the sofa on the back of the dark room. All walls were covered with black cloth. The smell was of alcohol and reminiscences of smoke – a mixture of cigars, pot, cigarretes and incenses. In front of the sofa there was an improvised table, made off those huge reels used to transport cables used in electric lines. In the center of this reel table there was a dock with generic interface. On the wall, in front, there was a big monitor surrounded by a pair of sound boxes. Oriented by Nigami, Versus plugged his 102

* GAMBIALEPH *

TO BE CONTINUED...


Lu Tanure Território de complexas camadas organizacionais – do pensamento, do trabalho, de atribuição de valores, a arte contemporânea nos propõe pensar as relações entre a arte e a vida, com suas características próprias do cotidiano. A criatividade nos permite experimentar a arte como fator lúdico do pensamento e da ação. E a própria ação criativa nos faz pensar sobre o Tempo. Tempos, que constituem os tempos da criação: o tempo que passa e o tempo que não passa. Agora não é o fim dos tempos. Agora é um novo tempo, apesar dos perigos: a Era Gambiolítica, ou, o Tempo Gambiolítico ou ainda, O Gambiolítico. 103


D

a mesma maneira que os proces- tradicionais instaurados, estavam presentes sos do sistema do inconsciente, também nas artes primitivas. os processos do Gambiolítico são atemporais, isto é, eles não Em ambas as práticas, encontramos uma são ordenados temporalmente, não se reflexão sobre questões sociais e as funções vêem modificados pelo tempo que se escoa. que assumiram nas definições de identidade, São tempos instauradores, de passagens. o que nos permite identificar a presença Pelo jogo de energia livre que caracteriza do caráter processual/experiencial desses seus processos Tudo se Torna e Nada Cessa. engajamentos. A reflexividade, inerente na O Gambiolítico nos apresenta um con- prática gambiológica, aponta para o caráter vite a uma reutilização das imagens, processual/experiencial do movimento que, apontando para a superficialidade do consu- a meu ver, realiza-se fundamentalmente não mo compulsivo a que o sistema capitalista nos por seus objetos, mas sim pela sinergia de molda e evocando o exercício da criação, do ser criação que o coletivo afeta. A exemplo de sujeito-autor-inventor. Existência de fluxos, Oiticica, que, para Favaretto, “não é um nuances e variações perpétuos. Ora, se tudo criador de objetos para a contemplação... se torna movimento, o próprio autor é cada mas se torna um motivador para a criação... vez um outro: descontinuidade sucessiva. Seu campo de ação não é o sistema de arte, mas a Assim, aparece uma “infinita variedade de visionária atividade coletiva que intercepta rostos”, que se torna sucessubjetividade e significação O Gambiolítico aponta social. A anti-arte, entensivamente o sujeito autor. para a inscrição do estético: dida como série de proposições Entendo a Gambiologia a arte como intervenção para a criação, tem, pois, como como retórica – de cultural princípio, a participação”. ação e movimento –, O Gambiolítico aponta cuja realização são incursões no meio para a inscrição do estético: a arte como social, produzido a partir de sua relação com a intervenção cultural. realidade. O coletivo toma toda a cultura como referência, muito como faz a arte A partir dessa perspectiva, poder-se-ia indígena em geral, que possui caráter pensar que o xamã, assim como o artisintegrado nos diversos domínios da vida ta, é motivador da experiência formativa, social. Sua natureza é múltipla, ativa, par- seja esta entendida como ação reflexiva na ticipante e coletiva. Em concordância com avaliação da existência, seja como intervenção a característica da arte contemporânea, que cultural. A busca estética regulada por abandona o estatuto de arte como “domínio padrões e estilos, e a natureza provocadora de autônomo de julgamento humano” e processos de conhecimento e reflexividade, como “um fim em si mesmo”, plasmado da presentes nas manifestações artísticas dos Renascença ao Iluminismo. Determinadas povos primitivos nos permite, então, características da Gambiologia, como o uso aproximá-la da produção artística do grafismo, de figuras totêmicas modernas, contemporânea ocidental, em especial da a utilização de cores primárias e a intenção de prática gambiológica. romper criativamente com sistemas e hábitos

104

* GAMBIOLÍTICO *


Lu Tanure Territory of complex organizational layers – of thought, labor, and values, contemporary art proposes that we consider the relationship between art and life, with its own everyday life characteristics. Creativity allows us to experience art as a ludic play of thought and action. And this very creative action makes us think about Time. Times, which are the times of creation: the passing time and the time that never passes. Now is not the end of times. Now is a new time, despite of its dangers: the Gambiolitic Age, or just that, The Gambiolitic. Alike the processes of the unconscious, the gambiolitic processes are timeless, ie they are not organized in time, neither they are modified by flowing time. It’s a foundational, of passages, time. For the play of free energy that characterizes its processes, Everything Becomes and Nothing Ceases. The Gambiolitic presents us with an invitation to re-use images, pointing to the shallowness of the compulsive consumption the capitalist system shapes, while evoking the exercise of creation, the art of being an author-inventor-being. Existence of perpetual flows, nuances and variations. Well, if everything becomes movement, the author is ever another: successive discontinuity. Thus, it appears an “infinite variety of faces,” which subsequently becomes the subject-author. I understand Gambiologia as rhetoric – of action and movement – whose realizations are ventures into the social, produced from the relationship with reality. The collective takes the whole culture as a reference, much as does primitive art, in general, which has a character built in the various spheres of social life. Its nature is multiple, active, participative and collective. In concordance with the characteristic of contemporary art, which drops the status

Tempestade Magnética Azul

Vento Lunar Branco

of art as an “autonomous domain of human judgment” and as “an end in itself,” an idea that was molded from Renaissance to Enlightenment. Certain features of Gambiologia, as the use of graphics, totemization of modern figures, the use of primary colors and the creative intention of breaking with traditional systems and habits were also present in primitive arts. In both practices, we find a reflection on social issues and the roles they assume in the definitions of identity; which allows us to identify the presence of a procedural/experiential nature in these engagements. Reflexivity, inherent in the gambiological practice, points to this procedural/experiential nature of the movement, which, in my view, takes place primarily not in the objects produced, but instead, in the creating synergy the collective affects. To the example of Oiticica, who, for Favaretto, “is not a creator of objects for contemplation... but a motivator for creation... Its field of action is not the art system itself, but the visionary collective activity that intercepts subjectivity and social significance. The anti-art, understood as a series of propositions for creation, has therefore participation as a principle.” The Gambiolitic points to the inscription of the aesthetic: art as a cultural intervention. From this perspective, one may thought that the shaman, as well as the artist, is a motivator of a formative experience, being it understood as a reflexive action in assessing the existence, whether as a cultural intervention. The aesthetic quest, ruled by standards and styles, and the provocative nature of knowledge and reflexivity processes found in artistic expressions of primitive communities allow us to bring primitive art closer to Contemporary Western art production, particularly the gambiological practice.

Lua Espectral Vermelha

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