Revista Gazeta do Advogado - 2º Edição

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ANO I - edição 2

Mai/Jun 2014 - GAZETA DO ADVOGADO: A REVISTA DE QUEM PENSA DIREITO

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Capa

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ANO I - edição 2

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Sumário ENTREVISTA.........................................................06 Luis Roberto Barroso: Vocação para o protagonismo

GAZETA ONLINE..................................................13

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FÓRUM DE IDEIAS................................................14 A Constituição da Internet

CAPA.......................................................................18 Quanto custa advogar no Brasil

PARLATÓRIO........................................................25

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CARREIRA.............................................................26 Um mercado (ainda) cheio de energia

PERFIL....................................................................28 José Carlos Barbosa Moreira

OPINIÃO.................................................................32 Sandra Leis: A nova geografia dos acordos comerciais

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CHARGE E FRASES..............................................34

CARTA DOS LEITORES Para a satisfação de nossos leitores, a Gazeta do Advogado abrirá espaço, a partir da próxima edição, para que você possa sugerir, criticar e comentar as publicações anteriores. Envie um e-mail para

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contato@gazetadoadvogado.adv.br

Design: Natalia Sttrazzeri GAZETA DO ADVOGADO Publicação Mensal Envie Sugestões: contato@gazetadoadvogado.adv.br Capa: Montagem sobre foto de Mailson Santana

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Expediente CARTA AO LEITOR A despeito da evolução tecnológica e das diversas atividades por ela ocasionadas, a tradicional advocacia continua sendo a carreira dos sonhos de milhares de jovens no Brasil. Mas não é fácil. Além de uma graduação complexa e do temido Exame da Ordem, quem deseja advogar deve estar preparado para arcar com a pesada anuidade do órgão de

Gazeta do Advogado Ltda. CNPJ 10.992.108/0001-61 Fone: (21) 3172-8980 comercial@gazetadoadvogado.adv.br

classe, que pode chegar a R$ 992, como cobra a seccional de Goiás. Para quem acha pouco, basta lembrar que é mais que o salário mínimo. Nesta edição, a Gazeta do Advogado mostra o que pensam os advogados a respeito da cobrança, alvo de um Projeto de Lei que pode flexibilizála para estagiários e recém-formados. Como não poderia deixar de ser, ouvimos também as justificativas da OAB, entidade que representa não apenas o interesse da categoria, mas de toda sociedade brasileira.

www.gazetadoadvogado.adv.br EDIÇÃO Débora Diniz

ddiniz@gazetadoadvogado.adv.br

REPORTAGEM Nádia Mendes

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O interesse da sociedade, aliás, é o fio condutor da carreira do ministro do STF Luis Roberto Barroso, entrevistado desta edição. Egresso da

SUPERVISÃO DE LOGÍSTICA

advocacia, ele fala sobre a trajetória profissional até o ingresso na

lsouza@gazetadoadvogado.adv.br

Leonardo Alves

Corte, onde protagonizou alguns dos mais ruidosos julgamentos nos últimos anos – quer na tribuna destinada à defesa, quer na cadeira de magistrado. Barroso é ex-aluno do jurista José Carlos Barbosa Moreira,

COMERCIAL

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considerado um dos maiores processualistas do Brasil, personagem escolhido para a seção Perfil.

DIREÇÃO DE ARTE Natalia Sttrazzeri

Nas próximas páginas, você também vai saber um pouco mais sobre a Constituição da Internet, como vem sendo chamada a Lei que estabelece o Marco Civil, assunto que esteve no centro das atenções

PROJETO WEB Alan Quidornne

nos últimos meses. Outro tema que movimentou a pauta recente é o setor de petróleo e gás, que deixou de ser apenas assunto econômico para invadir de vez as páginas de política. Apesar dos escândalos

TIRAGEM

20.000 exemplares

recentes, o mercado de trabalho na área continua sendo um dos mais atraentes para diversos profissionais, inclusive os advogados, como mostramos na seção Carreira. Boa leitura!

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A EDITORA

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Entrevista: Luis Roberto Barroso Fotos: Carlos Humberto - STF

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Por Débora Diniz e Nádia Mendes redacao@gazetadoadvogado.adv.br

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s julgamentos ocorridos no Supremo Tribunal Federal (STF) têm atraído os olhos do Brasil. Temas polêmicos dividem opiniões e torcidas, dominando a pauta nacional. Nos últimos anos, algumas das questões mais relevantes tiveram como ponto em comum a presença do jurista Luis Roberto Barroso, um fluminense de Vassouras que em junho completa seu primeiro ano como ministro da Corte. Antes de ocupar a cadeira de ministro, advogou causas como o fim do nepotismo no Poder Judiciário – que acabou impactando em todo serviço público –, a autorização para pesquisa com células tronco embrionárias, a união homoafetiva e o

pedido de extradição do italiano Cesare Battisti. Foi na condição de advogado que sua presença se tornou frequente nas sessões do STF. Para alguém sempre tão presente sob os holofotes, o ingresso na magistratura não poderia ser diferente. Barroso chegou ao Supremo para ocupar a vaga de Carlos Ayres Britto em pleno julgamento da AP 470 – o conhecido mensalão. Já na estreia, se destacou por declarações como a de que “é no mínimo questionável a afirmação de se tratar do maior escândalo político da história do País” e comparações entre o desvio do mensalão – estimando em R$ 150 milhões – e outros episódios recentes de corrupção, como o escândalo

do Banestado, em 2003, com a “remessa fraudulenta para o exterior de mais de R$ 2 bilhões”. Mestre pela Yale Law School, nos Estados Unidos; doutor e livredocente pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pós-doutorado na Harvard Law School, Barroso é professor titular da Uerj e visitante da Universidade de Brasília (UnB), com vasta produção acadêmica. Aos 56 anos, 32 dos quais dedicados à advocacia, o ministro falou à Gazeta sobre as peculiaridades da transição para a magistratura, defendeu a boa relação entre advogados e juízes e comentou temas como as reformas dos códigos de processo civil e penal; corrupção e, como não poderia deixar de ser, o mensalão.

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Entrevista: Luis Roberto Barroso de vista geral, vamos ter que fazer duas coisas que, de certa forma, impactam a advocacia. A primeira é passar, em algum lugar próximo, por um processo de desjudicialização. A vida brasileira se judicializou excessivamente. Há uma litigiosidade muito grande e isso produz um congestionamento quase insuperável no Poder Judiciário. De modo que, no futuro próximo, o bom advogado, o grande advogado vai ser aquele que conseguir evitar uma demanda. Os advogados vão ter uma atuação negocial e mediadora talvez mais relevante que o litígio propriamente dito. Que os problemas sejam resolvidos sem a propositura de ações, seja pelas formas tradicionais de arbitragem, mediação e conciliação, seja pela negociação entre advogados.

Como é ser ministro do STF depois de tanto tempo atuando como advogado? São muitas as mudanças na passagem da advocacia para a magistratura. Talvez a mais notável seja a de que um advogado, na fase da vida em que eu estava, escolhe a sua própria agenda. Houve uma época em que eu já podia selecionar um pouco as questões que me interessavam. Com um juiz é exatamente o contrário. O magistrado tem que decidir todas as questões que são distribuídas a ele. Portanto, aumenta não apenas o volume como a qualidade do trabalho. A magistratura hoje, infelizmente, é uma atividade que se mecanizou excessivamente, ao passo que

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a advocacia ainda consegue ser um pouco mais artesanal. Essa é a grande distinção que eu sublinharia.

Sob o olhar de magistrado, quais são os avanços ainda necessários no Judiciário e no ordenamento jurídico brasileiro? Embora tenha me tornado juiz agora, passei quase toda a minha vida atuando entre o Judiciário e a vida acadêmica. Portanto, o Judiciário não é propriamente uma novidade para mim. O Brasil é uma democracia relativamente jovem, em que as instituições ainda estão sendo construídas. Portanto, existe muito ainda o que fazer e o que aprimorar. Do ponto

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“No futuro próximo, o bom advogado vai ser aquele que conseguir evitar uma demanda. Os advogados vão ter uma atuação negocial e mediadora talvez mais relevante que o litígio propriamente dito”


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Outra mudança à qual teremos que nos submeter, talvez essa um pouco mais penosa para a advocacia, é acabar com a cultura de que todos os processos precisam terminar nos tribunais superiores. O acesso à Justiça se realiza em dois graus de jurisdição: o primeiro e o segundo. No Brasil, no geral, é exercido pelos juízes de Direito, pelos Tribunais de Justiça, pelos juízes federais e pelos tribunais regionais. No mundo inteiro, a excessão é que as causas sejam alçadas ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal. Como nós criamos uma cultura de que tudo deve chegar a esses dois tribunais superiores, também esses tribunais têm um processo de congestionamento que compromete a qualidade do trabalho. Em médio prazo, vamos ter que radicalizar os filtros de acesso aos tribunais superiores.

Os códigos estão em processo de reforma. Quais mudanças são mais urgentes? Em relação ao Código de Processo Civil, tenho expectativa elevada de que ele seja capaz de dar mais racionalidade ao sistema judicial em geral. Acho que a importância que se está dando aos precedentes é um avanço importante. Na cultura jurídica brasileira vamos ter que aprender a trabalhar com precedentes, o que não é da nossa formação, nem da nossa tradição. De modo que o Código de Processo Civil já está alçado a um debate público mais amplo. Ele foi elaborado, já tramitou na Câmara, está indo agora para o Senado. Quanto ao Código Penal, tenho a melhor impressão possível da comissão que o elaborou, mas para ser absolutamente sincero, como não fazia parte da minha rotina de vida, nem como advogado

nem como professor, nesse momento eu ainda não sou uma pessoa familiarizada com as inovações que estaria trazendo. Se for promulgado, eu prometo que vou estar em dia.

O senhor é favorável às reformas política e eleitoral? De alguma forma, elas podem se refletir no STF? A reforma política não está diretamente conectada com demandas judiciais. O país precisa de uma reforma política para funcionar institucionalmente melhor. O sistema político brasileiro, tanto o sistema eleitoral quanto o sistema partidário, são fontes de muitos problemas. O sistema eleitoral é protagonista de um modelo em que o custo das eleições é exorbitante, que passou a dar uma centralidade muito grande ao dinheiro na disputa política do Brasil. E como o financiamento eleitoral passou a ser imprescindível para campanhas bem sucedidas, a verdade é que, infelizmente, está por trás de boa parte dos casos de corrupção

que existem no país, inclusive os que chegam aqui no Supremo Tribunal Federal. Embora eu ache que precisemos colocar no debate formas de modificar o sistema eleitoral para barateálo, como a votação em lista, como a fórmula do voto distrital misto, que são experiências bem sucedidas em outros países do mundo, no tocante ao sistema partidário, acho que precisamos criar um modelo capaz de proporcionar uma maior autenticidade programática dos partidos e diminuir o nível de facilidade com que se criam legendas no Brasil. Portanto, sou a favor de regras sobre fidelidade partidária e sou a favor do que se denomina de cláusula de desempenho. Além de ser igualmente a favor da proibição de coligação nas eleições proporcionais. Todas essas medidas que, de certa forma, vão neutralizar um pouco essa atomização do quadro partidário do Brasil. A reforma política é importante para as instituições em geral e para devolver ao Legislativo a centralidade que eu acho que ele deve ter na vida política brasileira.

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Entrevista: Luis Roberto Barroso

Como advogado, o senhor aceitava defender algumas causas por paixão, sem cobrar por elas. O que o motivava? Um pouco antes de vir para o Supremo, eu já dividia a minha vida profissional entre assuntos que aceitava e tratava por motivos estritamente profissionais, portanto, recebendo honorários, e questões que eu fazia por convicção filosófica, de pro bono. A questão da interrupção da gestação de fetos anencefálicos foi uma ação que eu fiz pro bono, a proibição do nepotismo no Poder Judiciário, que eu fiz para a Associação dos Magistrados Brasileiros, foi pro bono, a defesa das pesquisas com células tronco embrionárias também. São questões que eu acho que ajudaram a avançar em alguma medida o processo social e o nível de cidadania no Brasil. A questão das uniões homoafetivas, embora eu não tenha cobrado, eu fiz porque, além de ser advogado privado, eu era procurador do Estado do Rio, e fiz a pedido da Procuradora-Geral do Estado.

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Ultimamente, havia duas áreas que eu já cogitava atuar pro bono: a universalização do saneamento básico, que considero a principal política pública de saúde no país, e a reforma do sistema penitenciário, que hoje é um espaço particularmente problemático da vida brasileira. Os presos são uma minoria totalmente subrepresentada, portanto, o processo político majoritário, o processo eleitoral, o Congresso, não tem particular atenção, eu diria, para essas questões, talvez fosse preciso judicializá-las em alguma medida para superar a inércia. De fato que há uma agenda, para qualquer advogado que queira atuar em questões pro bono. Acho que há áreas em que há demandas sociais importantes. Sobretudo o advogado que atinge um determinado patamar deve dar certa contrapartida para a sociedade. Quem tem sucesso, de certa forma, foi ajudado pelo país em que vive, e retribuir um pouco do que recebeu faz parte da cidadania. No meu caso particular, vir para o Supremo é uma forma de servir ao país, de retribuir

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o que eu recebi ao longo dos anos. Estudei em escola pública no primário, no ginásio, cursei uma faculdade pública extraordinária, que foi a Uerj. Acho que esta ideia ainda não se arraigou no Brasil, a ideia da filantropia, a ideia de que quem foi abençoado pelo sucesso deve dar de volta certa contrapartida para a sociedade.

Como o senhor avalia a relação da magistratura com a advocacia? Aqui no Supremo Tribunal Federal a relação é muito boa, tem advogados de ótima qualidade. Existe advogado de todo tipo, eu preciso dizer com franqueza, mas há muitos advogados de muito bom nível aqui no Supremo, de modo que tanto a relação pessoal como a profissional aqui, em geral, são muito boas. Faz parte da cultura brasileira o advogado despachar com o juiz ou com o ministro. Quando eu era advogado, muitas vezes dizia para o cliente que não havia esta necessidade, mas o cliente sempre tem a expectativa de que deve haver despacho com o juiz


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e o advogado normalmente procura atendê-la. Eu mesmo procuro atender aqui no meu gabinete o máximo de advogados que consigo, mas às vezes a fila foge de controle. Tem dias que eu separo algumas manhãs só para atender advogados, quer dizer, é um trabalho difícil. Eu daria um conselho, estando agora do outro lado, que é um pouco o que eu fazia: o juiz, de todos os níveis, tem um volume de trabalho muito grande. Quando o advogado despacha com o juiz, de certa forma, ele consegue tirar o seu processo do bolo. Na hora que vai despachar com o juiz, ele tem que ser capaz de dizer, de preferência em um bom parágrafo, qual é a questão de fato relevante para o seu caso e qual é a sua tese jurídica. Às vezes a falta de objetividade faz com que os despachos sejam menos produtivos do que poderiam ser. Isso da parte do juiz. Da parte do advogado, a pior coisa que existe na relação com o juiz é o que a gente chamava de “juizite”, é o juiz que se acha melhor do que o advogado e, em nenhuma hipótese, ele é melhor do que o advogado. São dois profissionais que desempenham funções diferentes, mas que são essenciais para a justiça, o juiz não é mais importante, nem o advogado é mais importante. O juiz deve ter, evidentemente, uma postura de altivez e independência, mas sempre de cortesia com o advogado, porque sem advogado não há justiça.

Há quem defenda uma reforma da Constituição. O que o senhor acha dessa ideia? Sou contrário a uma reforma ampla e difusa da Constituição. A Constituição de 1988 tem servido bem ao país em geral. Ela comporta reformas pontuais, uma reforma política, uma reforma tributária,

mas eu não penso em uma reforma da Constituição, não vejo essa necessidade.

Existe uma queixa generalizada entre aposentados e pensionistas da previdência quanto à redução dos benefícios. Algumas demandas, certamente, chegarão ao Supremo. Qual a sua avaliação? Nesta área, as notícias, no geral, são ruins. Bom, a primeira noticia é boa: as pessoas estão vivendo muito mais e, portanto, passaram a depender mais da previdência, porque ficam aposentadas por mais tempo. Essa é a parte boa. A parte ruim é que os sistemas de previdência estão se tornando de difícil sustentabilidade, de modo que é difícil imaginar uma reforma da previdência que venha para incrementar benefícios. Portanto, colocar reforma da previdência na agenda hoje em dia, provavelmente, será para reduzir benefícios. É triste dizer isso, mas este é o processo no qual todo o mundo está passando. A idade mínima seria certamente uma tendência e acho que vamos caminhar cada vez mais para um modelo que seja essencialmente contribuitivo. O sistema brasileiro ainda tem muitos espaços de solidariedade na área de previdência, na área de assistência social. Acho que é uma necessidade brasileira, o Brasil ainda é um país relativamente pobre, embora seja a décima economia do mundo, ainda tem uma população que precisa de assistência social bastante abrangente. Mas é preciso, em matéria de previdência, não esquecer o que nós chamamos de justiça intergeracional. Quanto mais benefícios você cria para uma geração, mais ônus você estará criando para a próxima. Portanto é preciso encontrar o ponto justo de equilíbrio nessa matéria também.

Não dá para fugir do tema corrupção, que pauta o cotidiano brasileiro. O senhor diria que os casos aumentaram ou apenas são mais conhecidos do que eram no passado? Quando se trata de corrupção, eu acho que um dos melhores remédios que há é transparência e liberdade de expressão. Eu tenderia a achar que hoje em dia há mais percepção, mais visibilidade e aparecem mais casos de corrupção porque o Brasil é um país mais democrático. Portanto, não acho que, necessariamente, tenha aumentado o nível de corrupção, por mais que ache que temos um sistema eleitoral que estimula, quando não a corrupção, pelo menos o aparelhamento. Há uma cultura brasileira de loteamento de cargos públicos que eu acho que é muitas vezes prima da corrupção. O sistema de licitação brasileiro tem uma

“Hoje em dia há mais percepção, mais visibilidade e aparecem mais casos de corrupção porque o Brasil é um país mais democrático. Não acho que, necessariamente, tenha aumentado o nível de corrupção”

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Entrevista: Luis Roberto Barroso também nessa matéria, acho que o mensalão foi mais uma questão de visibilidade do que de implemento. O que eu quero dizer é que o país deixou de tolerar certas práticas e o Judiciário conseguiu reagir de maneira eficiente, dando uma resposta que a sociedade queria. Destacaria que o Direito Penal no Brasil sempre foi muito seletivo, sempre foi um direito para os pobres. Pela primeira vez, a Justiça conseguiu condenar pessoas que estavam postas em escalões mais elevados da sociedade.

lei excessivamente rígida e detalhista que impede as pessoas honestas de serem eficientes, mas não consegue coibir a corrupção. Em alguns espaços da vida brasileira, o interesse público perdeu lugar para o balcão de negócios. De novo associaria isso à necessidade de uma reforma política. Acho sempre muito ruim uma crítica difusa à corrupção, as coisas funcionam melhor quando se aponta exatamente onde ela está, qual é a sua causa e qual é a solução possível. Melhor que um discurso difuso anticorrupção, que cria a sensação de que ninguém presta e nada vale a pena, é que se descubram os casos pontuais e se proponham as soluções adequadas. Além disso, temos um sistema penal que, de uma maneira geral, tem sido incapaz de combater de forma eficiente a corrupção e outros problemas no Brasil.

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Somos ainda um país em desenvolvimento, que tem feito muitos progressos em muitas áreas. E para, comparativamente, não ter só uma visão negativa, os níveis de corrupção no Brasil não são piores, pelo contrário, são melhores talvez de que muitos países que estejam na mesma situação, como China, Rússia, Índia. Não que eu queira achar que ser lanterninha desse torneio seja grande vantagem, mas acho que temos avançado, não na velocidade desejável, mas na direção certa.

Que lições o julgamento do mensalão deixou para o país? Foi um marco? Foi um marco para o país por muitas razões. Em primeiro lugar, colocou na luz do dia e com visibilidade nacional que o sistema político brasileiro fomenta a corrupção. Eu, de novo e

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Isso tem um valor simbólico importante e, portanto, acho que o mensalão pode ser um marco se houver consequência a ele. A principal consequência que eu acho que se deve dar é a de fomentar uma reforma política, criar um pouco a percepção de que o Direito Penal no Brasil tem sido tradicionalmente um Direito Penal de classe e que nós também precisamos enfrentar isso.

“Pela primeira vez, a Justiça conseguiu condenar pessoas que estavam postas em escalões mais elevados da sociedade. Isso tem um valor simbólico importante”


Gazeta Online

GO - R$ 992,00 DF - R$ 600,00

Os advogados de Goiás pagam a maior anuidade da OAB no país. São R$ 992, bem acima dos R$ 600 do Distrito Federal. Confira o ranking completo e o montante arrecadado em cada seccional no nosso site.

Território legal O Marco Civil chegou para disciplinar o ambiente virtual, trazendo um pouco de ordem ao território livre da internet. Veja a íntegra do projeto, aprovado por unanimidade no Congresso, apesar da polêmica.

No centro da polêmica Foro: Nelson Jr./STF

A atuação do ministro Luis Roberto Barroso no julgamento da Ação Penal 470, o chamado Mensalão, dividiu opiniões. Confira como foram seus votos – em vídeo e por escrito – sobre embargos de declaração, quando destacou a necessidade de reforma política; cabimento dos embargos infringentes; cumprimento imediato das penas e acolhimento dos embargos infringentes

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Sortearemos entre os fãs da nossa página no facebook um exemplar autografado do livro “Curso de Direito Constitucional Contemporâneo”, do ministro Luis Roberto Barroso. Gostou? Curta a Gazeta do Advogado no facebook e fique por dentro das últimas notícias do mundo jurídico. Em 1º de julho anunciaremos o ganhador.

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F贸rum de Ideias Foto: NIC.br/ Luis Vinhao e Fernando Torres

A presidente Dilma Rousseff sanciona o Marco Civil no NETMundial 2014

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A Constituição

da Internet Primeira lei geral que regula a rede, o Marco Civil tem a difícil missão de manter o ambiente virtual democrático, livre e neutro Por Nádia Mendes

nmendes@gazetadoadvogado.adv.br

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m 24 de junho, entra em vigor no Brasil a Lei 12.965, o chamado Marco Civil da Internet, que estabelece direitos e deveres dos usuários da rede no país. Com a nova lei, as informações sobre o que o usuário faz no ambiente virtual não poderão ser salvas pelo provedor e vendidas a empresas de marketing. Porém, os dados do usuário (IP) e horário de navegação deverão ser guardados por período determinado pelos provedores (Gmail, Facebook, Yahoo...) com sigilo e segurança garantidos e só poderão ser entregues a terceiros em caso de ordem judicial. Também será proibida a venda de pacotes de dados diferenciados para utilização de sites específicos. Além disso, o internauta será responsabilizado judicialmente pelo conteúdo indevido que postar ou compartilhar, ficando as demandas sob competência dos Juizados Especiais. O processo de construção do Marco Civil foi pioneiro. Desde outubro de 2009, quando se iniciou a consulta pública

online, foram apresentadas mais de 2.300 contribuições de brasileiros de como deveria ser uma internet livre e democrática. A plataforma em que eram apresentadas as sugestões teve mais de 60 mil visitas. A consulta ficou a cargo da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e contou com o apoio do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Foram realizadas sete audiências públicas e ouvidos mais de 600 especialistas. O objetivo era construir um consenso, um projeto que apenas beneficiasse os usuários de internet. Até as redes sociais foram palco para apresentação de propostas. “Sugestões dadas pelos internautas por meio do twiter foram incorporadas ao projeto. Acho que esse foi o primeiro projeto de lei que teve sugestões pelo twitter”, lembra o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto, que foi aprovado com 440 votos pela Câmara dos Deputados em 25 de março. “Esse processo de ouvir muito todo mundo foi o que garantiu a nossa vitória quase unânime”, acredita.

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Fórum de Ideias Foto: Gustavo Lima - Assessoria

rede. “A internet possibilita que, além de consumidores de comunicação, também possamos ser produtores e difusores de informação”, comemora. Ekman salienta que pela primeira vez na história se tem a chance concreta de permitir que o conjunto da sociedade participe de forma isonômica da comunicação social, aquela que atinge todo o conjunto da sociedade. “O Marco Civil garante a neutralidade de rede, que obriga as empresas que controlam a infraestrutura da rede a serem neutras em relação aos conteúdos que por elas trafegam. A neutralidade é um princípio fundamental para manter a rede livre e com iguais condições entre os múltiplos produtores de conteúdo que dela participam”, avalia.

Alessandro Molon (PT - RJ), relator do Marco Civil na Câmara dos Deputados

Depois da aprovação na Câmara, o projeto seguiu para o Senado Federal, onde tramitou em caráter de urgência e foi aprovado sem mudanças. A sanção da presidente Dilma Rousseff aconteceu durante o NETmundial, encontro multissetorial global que discutiu o futuro da governança da internet. A decisão, que ocorreu sem nenhum veto ao texto aprovado no Congresso Nacional, foi publicada no Diário Oficial da União de 24 de abril.

O melhor para o usuário Segundo Molon, o texto que foi sancionado pela presidente é completo, neutro e garante a proteção do usuário de internet. “O texto está ainda melhor do que quando entrou na Câmara”, salienta. Para ele o principal ganho com o Marco Civil é a igualdade entre

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os cidadãos. “Será ilícita a diminuição de velocidade em favor do que esteja sendo usado. Uma pessoa não poderá pagar a mais para assistir vídeos ou fazer downloads. Não existirão pacotes de acordo com o que o usuário vá utilizar na internet. Isso deve aumentar a qualidade da navegação”, acredita. Para o Intervozes, movimento que luta pela democratização do direito à comunicação no Brasil e que costuma ter uma postura crítica em relação às políticas públicas apresentadas para a área, a aprovação do Marco Civil é uma vitória histórica para a democracia brasileira e um evento importante no cenário mundial. Pedro Ekman é coordenador da instituição e acredita que os ganhos com a lei serão sentidos claramente por todos os usuários da

Um ponto, porém, ainda carece de regulamentação. Ekman acredita que o Artigo 15 seja o maior problema no texto. “Esse artigo obriga que os registros de informações do que fazemos na internet sejam guardados pelo provedor da internet. Entendemos que ele fragiliza as garantias à privacidade que o próprio Marco Civil estabelece. Esperamos que a regulamentação deste artigo restrinja ao máximo o alcance desta medida desproporcional e leis específicas, como a de Proteção de Dados Pessoais, possam reverter o quadro de vigilância em massa esboçado na infeliz redação deste artigo”, ressalva. A respeito das críticas de que o Marco Civil seria uma manobra para que o governo controle a internet, o deputado Molon é

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categórico “Não existe isso no projeto. Quem diz que há no projeto brechas para censura diz por desinformação ou por má-fé. O projeto garante a total liberdade de expressão e exclui toda forma de censura no ambiente da rede”. E completa: “Os brasileiros poderão, ainda, pedir que as redes sociais, como Facebook e Twitter, retirem seus dados por completo da rede. Estão respaldados para isso. A privacidade está protegida. Os dados de navegação não poderão ser mais grampeados e vendidos”.

Pornografia de vingança Por uma solicitação da bancada feminina da Câmara, o Artigo 21 prevê que um provedor de internet que disponibilizar materiais contendo cenas de nudez ou atos sexuais de caráter privado, sem a autorização de qualquer um dos

participantes, deverá ser responsabilizado. Quando receber uma notificação para a retirada desse conteúdo do ar, esta terá que ser feita imediatamente. Esse artigo foi pensado para prevenir casos de pornografia de vingança, quando um dos parceiros divulga imagens da intimidade do outro devido ao término de um relacionamento. Em 2013, duas garotas brasileiras cometeram suicídio após terem vídeos íntimos divulgados por ex-parceiros. “Os homens divulgam esses materiais de suas ex-companheiras e elas ficam taxadas para sempre. É tudo reflexo do machismo da sociedade. É importante proteger as mulheres desse tipo de agressão. Mas é importante ressaltar que apenas nesse caso específico o conteúdo será retirado da rede, para proteção da vítima de pornografia de vingança”, esclarece Molon. Em relação a outros crimes cometidos no ambiente virtual, Molon explica que o

Marco Civil não é um projeto criminal, é um projeto civil e que os crimes cometidos na internet são julgados de acordo com o Código Penal. “O Marco Civil é um projeto de princípios. É um primeiro projeto geral da internet, uma espécie de Constituição. Ainda existem muitos desafios pela frente”, afirma.

“O Marco Civil é um projeto de princípios. É um primeiro projeto geral da internet, uma espécie de Constituição.”

ENTENDA O MARCO CIVIL Neutralidade: Um provedor de internet não poderá limitar a velocidade dos dados de acordo com o conteúdo. Ao contratar um pacote, existirá a liberdade de utilizar com o que quiser: vídeos, downloads, streaming, sites de notícias; independentemente de o site gastar mais ou menos banda.

Privacidade: As operadoras de internet e os sites serão obrigados a manter em um banco de dados o registro dos serviços prestados: IP do usuário e horário que utilizou a internet. Mas NÃO poderá armazenar – e muito menos vender – as informações pessoais do usuário. Ao excluir um perfil de uma rede social, o internauta poderá pedir que todos os dados sejam excluídos.

Liberdade: Os usuários – e não o provedor de internet ou o site – serão totalmente responsabilizados pelos conteúdos divulgados na internet. Em caso de postagens ofensivas, é preciso que a vítima entre com uma ação judicial para a retirada do conteúdo do ar. A exceção está nos casos de nudez, em que a vítima pode pedir diretamente ao site que retire o conteúdo e, se não for retirado o mais rápido possível, o site pode ser responsabilizado. Esse ponto esclarece a ideia de que a lei seria uma forma de censurar o ambiente da internet.

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Obter a carteira da OAB não é só um sonho acalentado por bacharéis, mas requisito obrigatório para o exercício profissional. O problema é o preço da anuidade, que chega a ser maior que o salário mínimo Por Débora Diniz e Nádia Mendes redacao@gazetadoadvogado.adv.br

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advocacia é uma das carreiras mais cobiçadas do mundo. Todos os anos, milhares de jovens chegam ao mercado de trabalho trazendo sob seus

ternos e tailleurs a esperança de alcançar reconhecimento e estabilidade financeira. Mas o desgastante TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) e o temido Exame da Ordem estão longe de ser os últimos obstáculos. Quem passa na peneira das provas se vê, então, diante de mais um desafio: o pagamento da anuidade do órgão de classe, espécie de carimbo no passaporte para o exercício

profissional. O valor varia de R$ 600 a R$ 992, dependendo da seccional. Com regras definidas no Estatuto da OAB, a anuidade é prérequisito para a obtenção da cobiçada carteira. O órgão deve “promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil”. Quando houver mais

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Capa de mil inscritos, a seccional tem a prerrogativa de criar as “Caixas de Assistência dos Advogados”, dotadas de personalidade jurídica própria. A Lei estabelece, ainda, que “compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas”. Não é difícil encontrar críticos ao valor cobrado. Uma rápida pesquisa na internet mostra diversas publicações questionando a cobrança, tanto pelo valor quanto pela obrigatoriedade. É o caso de uma postagem do blog Exame da Ordem, de 3 de dezembro do ano passado, que já no título manda o recado: “Acha a inscrição no Exame da OAB cara? Prepare seu bolso para as anuidades!”.

Fotos: Mailson Santana

O primeiro usuário a comentar o post exemplifica a dificuldade encontrada por muitos para custear a profissão. “No meu caso, que advogo muito

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pouco (sou mais professor que advogado) e tenho uma causa só, sai caro”, diz André Luiz Greff, do Mato Grosso do Sul. Ele conta que usou parte do 13º salário para pagar a anuidade atrasada de 2013, mas não começou a pagar a parcelada de 2014. Ao solicitar o novo cartão da Ordem – indispensável para advogar, já que o cartão dá acesso à assinatura digital – descobriu que terá de pagar à vista o valor integral da anuidade de 2014. “Recebi uma carta da OAB dizendo que tenho débitos pendentes. O débito é a parcela de 89,30 de janeiro e não vão me dar o cartão novo até que quite 2014! Pra piorar, uma vez quitando 2014, ainda tenho de pagar nova assinatura digital em abril de 2014, mais 150 reais, imagino”, reclama Greff em seu comentário. Logo em seguida, a jovem advogada Jéssica Martins, de Goiás, fala da dificuldade de quem ainda está longe

do conforto das altas remunerações que a carreira pode proporcionar. “Esse foi meu primeiro ano como advogada, paguei minha anuidade em 12 parcelas de R$ 72. Achei muito caro para quem está começando na profissão.” Casos como o de Jéssica inspiraram o deputado federal e advogado Rodrigo Grilo (PSL/MG) a propor o Projeto de Lei 3837/12, que isenta estagiários e recém-formados do pagamento da anuidade. A cobrança só passaria a valer 18 meses após a colação de grau. O texto do PL, que aguarda parecer das comissões de Tributação e de Constituição e Justiça da Câmara, diz que a autonomia excessiva tem levado às vezes à fixação de valores de contribuição que não levam em conta a diversidade de situações financeiras com que lidam os profissionais, especialmente aqueles que mal ingressaram no mercado profissional.

“Acho que é unânime. É um absurdo o que eles cobram e a assistência oferecida. Minha maior reclamação é em relação à Cdap (Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/RJ). Sou criminalista e às vezes chego na delegacia e não tem ninguém e eu não tenho acesso ao meu cliente. Por essa assistência que eles oferecem, a anuidade poderia ser de 1 real.” Ronaldo Ferreira de Sousa advoga há quatro anos

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desses valores.” A

Comissão

Câmara

de Tributação

nomeou

o

da

deputado

Guilherme Campos como relator do parecer, mas Dr. Grilo diz que espera também o posicionamento dos

COMPARAÇÃO COM OUTROS CONSELHOS (Valor Integral)

Conselho

“Fui motivado por minha própria experiência profissional. Quando era estagiário, tinha a renda como estagiário. Depois, não tinha mais a bolsa, nem receita e a primeira coisa que recebi foi o boleto da OAB. Recém-formado, sem cliente, sem escritório e já devendo”, lembra Dr. Grilo, como é conhecido na vida parlamentar. O objetivo do PL, explica, é dar condições para que o jovem advogado ingresse no mercado de trabalho. “Levando em conta que são profissionais que têm remuneração mínima – quando têm – os valores praticados são altos, se aproximam muito do salário mínimo. E os profissionais não veem retorno

Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio de Janeiro (OAB/RJ)

R$ 867,72

Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj)

R$ 561,00

Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-RJ)

R$ 413,21

Conselho Regional de Odontologia (CRA-RJ)

R$ 388,45

Conselho Regional de Administração (CRO-RJ)

R$ 312,00

interessados: os acadêmicos de direito. É dos campi, aliás, que vem um dos grandes contrassensos apontados pelo parlamentar. Muitos alunos dependem de financiamento para estudar, como Fies. “Não tem sentido o governo dar esse financiamento e a OAB cobrar para que ele se torne um advogado”, argumenta.

Comparado a outros conselhos de classe, o valor da carteira da OAB também é salgado. No Rio de Janeiro, onde a anuidade de 2014 está fixada em R$ 867,72, os médicos pagam R$ 561 à sua entidade equivalente. Engenheiros e arquitetos destinam um pouco menos – R$ 413,21 ao Crea-RJ. Melhor ainda para os administradores, que têm anuidade de R$ 312 devida ao CRA.

“A estrutura oferecida é muito boa, mas a observação às prerrogativas deveria ser um pouco melhor” Fábio Moraes Exerce a advocacia há três anos

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Capa “Alguns advogados procuram o sindicato com dificuldade para pagar a anuidade e o sindicato presta orientação. A procura é grande. Orientamos que o colega procure a OAB/ RJ para resolver o problema de inadimplência.”

O presidente do Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro, Álvaro Quintão, que também é Conselheiro Seccional da OAB/RJ, concorda que em comparação a outros conselhos de classe a anuidade é realmente alta e que existem algumas ações judiciais questionando esse valor. Mas, ainda assim, acredita que o valor se justifica pelos serviços prestados e que existe uma preocupação em observar se o valor pago pelos advogados é devolvido em serviços. No entanto, Quintão sabe que alguns colegas advogados sentem dificuldade em pagar a anuidade e que ela poderia ser adequada e revista. “Alguns advogados procuram o sindicato com dificuldade para pagar a anuidade e o sindicato presta orientação. A procura é grande. Orientamos que o colega procure

a OAB/RJ para resolver esse problema de inadimplência. Os novos advogados pagam um valor diferenciado. Acho que a anuidade atende a categoria”, afirma. O advogado Luiz Cláudio Alves discorda dessa posição. Militante na advocacia há 14 anos, ele acredita que a anuidade está muito exagerada. “Eu não sinto o cuidado da OAB em relação aos inscritos. Tem ônibus, tem estrutura, ótimo, mas esses serviços não justificam o valor cobrado. Mais importante que a infraestrutura é o respeito pela categoria. Eu não me sinto abraçado quando realmente preciso da OAB”, desabafa. Presidente da Comissão Tributária do Conselho Federal da OAB, Jean Cleauter Simões Mendonça justifica a cobrança com o argumento de ser esta a única forma de assegurar a defesa isenta da sociedade e das

“O valor cobrado é razoável, são muitos os benefícios oferecidos. Acredito que os valores possam ser revistos para os recém-formados por que para quem tá começando é tudo mais difícil”. Sandro Bittencourt Conselheiro da Subseção de Nova Iguaçu

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“Acho que a anuidade do estagiário poderia abaixar um pouco, apesar da contrapartida ser boa, é um pouco puxado ainda.” Weliton Teixeira Dias Estagiário


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prerrogativas do advogado. “O custeio da Ordem deve ser assegurado pelos próprios advogados. Não é viável que esse pagamento seja feito pelo governo, por exemplo.” Desta forma, prossegue o advogado, membro da seccional do Amazonas, a Ordem pode cumprir de forma independente o seu papel, com ações como a que propõe o congelamento da tabela de descontos do Imposto de Renda, a ampliação do SuperSimples para advogados e outras categorias profissionais ou, ainda, o projeto do Código de Defesa do Contribuinte. Mendonça rebate as críticas de que a OAB seja um órgão arrecadador. “Se fosse assim, acabaríamos com o Exame da Ordem, incrementando o número de associados em milhares de novos advogados.” Mas há controvérsias, uma vez que a inscrição para o exame rende à OAB cerca de R$ 200 por candidato. A cada tentativa.

RIO DE JANEIRO TEM A SEGUNDA MAIOR ARRECADAÇÃO DO PAÍS

Estado

Anuidade

Advogados

Total

SP

R$ 926,00

254.680

R$ 235.833.680,00

RJ

R$ 867,72

128.630

R$ 111.614.823,60

MG

R$ 660,00

84.180

R$ 55.558.800,00

RS

R$782,39

59.930

R$ 46.888.632,70

PR

R$767,80

47.490

R$ 36.462.822,00

GO

R$992,00

24.270

R$ 24.075.840,00

SC

R$888,25

26.940

R$ 23.929.455,00

BA

R$ 650,00

30.765

R$ 19.997.250,00

DF

R$ 600,00

28.660

R$ 17.196.000,00

10º

PE

R$ 650,00

21.370

R$ 13.890.500,00

O Estatuto do Advogado prevê que, da arrecadação bruta a partir da anuidade, 10% devem ser repassados ao Conselho Federal; 3%, ao Fundo Cultural; 2%, ao Fundo de Integração e Desenvolvimento Assistencial dos Advogados e 45% para despesas administrativas e manutenção do Conselho Seccional e suas subseções. Do valor restante, são tiradas as deduções obrigatórias e metade é destinada à Caixa de Assistência dos Advogados. Na tabela considera-se o valor integral das anuidades. A quantidade de advogados é aproximada e não inclui estagiários.

“O valor cobrado não é justo. Falta assistência ao próprio advogado, defesa das prerrogativas. A estrutura oferecida não justifica o valor pago. Eu pago o proporcional, mas a diferença é muito pequena. Não vejo muitas vantagens” José Fernandes advogado há quatro anos

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Parlatório

Foto: Divulgação

Sob nova direção

José Antonio Dias Tofolli, ministro do STF, assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em concorrida solenidade em Brasília. O novo cacique da justiça eleitoral brasileira foi eleito pelos companheiros do Supremo com seis votos entre sete e sucede Marco Aurélio Mello na presidência. Terá como vice o colega de STF Gilmar Mendes, empossado no mesmo dia. O agora presidente do TSE é um defensor da biometria para a segurança do processo eleitoral como garantia de que o eleitor que comparece à urna é o mesmo que foi cadastrado.

Só para lembrar... Tofolli, de 46 anos, chegou ao STF pelas mãos do ex-presidente Lula. Antes, comandou a AGU e foi subchefe de Assuntos Jurídicos na Casa Civil. É dele um dos dois votos favoráveis à absolvição de José Dirceu no julgamento do Mensalão.

Sem lenço...

Posse na casa do saber

Brasileiro na Bolívia

O drama alunos e professores da Gama Filho e da UniverCidade não terminou com o descredenciamento. Em maio, a mantenedora Galileo Educacional enviou telegramas aos docentes da Gama Filho, informando que deveriam comparecer ao antigo campus da Piedade para dar baixa na carteira de trabalho. A Galileo culpa o MEC pela demissão em massa.

O advogado criminalista Técio Lins e Silva assumiu a presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), para o biênio 2014/2015. Lins e Silva quer ampliar a participação do IAB, conhecido como a casa do saber jurídico no país, no debate e na produção de pareceres técnicos na discussão e aperfeiçoamento de leis e proposições.

O sócio do Tauil & Chequer Advogados, Ivan Tauil, representou o Brasil no tema óleo e gás no 6º Encontro Regional Latino Americano da IFA (International Fiscal Association), que aconteceu em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. O evento teve como objetivo o estudo e promoção do direito tributário e das finanças públicas bolivianas.

Trem da Alegria

Simples assim

...e sem documento Tatiana Martins, ex-aluna da UniverCidade, encontrou diversos documentos no lixo em frente ao prédio onde funcionava o campus de Madureira. Históricos escolares e certificados de conclusão de curso estavam jogados em 14 pastas que a estudante levou para casa. Os documentos são imprescindíveis para que os alunos façam transferência para outras instituições de ensino ou comprovem a formação acadêmica.

Perto de ser votada na Câmara, a PEC que permite a efetivação sem concurso público de interinos de cartórios extrajudiciais é rejeitada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão afirma que a proposta é inconstitucional. Hoje, 4.576 dos 13.785 cartórios do País são ocupados por não concursados.

Os escritórios de advocacia que faturarem até R$ 3,6 milhões por ano poderão ser incluídos no Simples Nacional, regime de tributação que vai de 16,93% a 22,45% por mês, voltado exclusivamente para micro e pequenas empresas. Prevista pelo Projeto de Lei Complementar 221/12, a mudança foi aprovada pela Câmara e segue agora para votação no Senado. Depois, o PLC ainda precisará ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff.

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Carreira ai nd a

Um mercado cheio de energia

Foto: Divulgação/Petrobráss

Apesar de escândalos recentes envolvendo a maior empresa do país, setor de petróleo e gás continua atraente para advogados especialistas

C

om recorde no mês de março de 2014, a produção de petróleo e gás natural nos campos nacionais chegou a 2,643 milhões de barris equivalentes por dia. Em comparação ao ano anterior, é um crescimento de 14,4% na produção de petróleo e de 8% na produção de gás natural. É a segunda maior extração da história no país, atrás apenas de janeiro de 2012, quando o Brasil produziu 2,678 milhões de barris de óleo equivalente

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(BOE). Nesse cenário, o advogado especialista em petróleo e gás se mostra fundamental. O mercado de trabalho requer especialização e conhecimento do setor, principalmente da lógica e da linguagem próprias. O segmento tem oportunidades diversas. Os advogados podem trabalhar na área tributária, dando consultorias; na área de regulação – que trata dos leilões, contratos, concessões, partilhas

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e relacionamento com a Agência Nacional do Petróleo (ANP); com consultoria a empresas estrangeiras que pretendem entrar no mercado brasileiro e na área trabalhista, que tem muitas particularidades. Também tem espaço na elaboração de contratos e no uso da arbitragem O coordenador do curso de MBA em Petróleo e Gás da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Alberto Machado, ressalta que “a remuneração está acima do mercado jurídico” e que especialização é a chave para o sucesso. “Ao se especializar, o advogado vai fazer o mesmo que faz em outra área, mas com ênfase em petróleo e gás, vai fazer uma adaptação da área que já é especialista. Um advogado trabalhista, por exemplo, vai se aprofundar nos adendos específicos da CLT que dizem respeito a Petróleo e Gás, vai adaptar o seu conhecimento prévio à área. Ele já conhece o básico, é só botar um macacão e sujar um pouco a mão de óleo”, brinca. Machado afirma que é essencial entender a lógica do setor. “Se um profissional não está ambientado é muito mais difícil se firmar no mercado. É preciso que ao ingressar em um escritório especializado o profissional já saiba o papel da ANP e o que faz a Petrobras e o Ibama, por exemplo, para que não se perca tempo nisso”, completa. Independentemente de crises ou escândalos no setor, para Machado, o petróleo ainda vai ser a principal força energética no mundo por, no mínimo, 30


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anos. “Estávamos vivendo um momento de euforia não sólida, como quando se faz um bolo com muito fermento: ele cresce, mas depois murcha. Isso vai influenciar no máximo até 2015. E é bom que quem pretenda entrar na área entre agora, para que quando o negócio reaquecer, em 2016, já esteja inserido no mercado”, recomenda.

Questões trabalhistas O advogado especialista em petróleo e gás é essencial na elaboração de contratos trabalhistas. Por manterem um regime de trabalho diferenciado nas plataformas – na maioria dos casos, ficam 14 dias embarcados e 14 dias em terra e, nos dias embarcados, trabalham 12 horas e descansam as outras 12 – é preciso que o contrato seja claro, principalmente na questão de horas-extras e adicionais de segurança. “Algumas empresas têm no contrato que nos dias em terra o trabalhador faz serviços administrativos no escritório. Tudo depende do contrato, que precisa ser feito com bastante cuidado”, pondera Machado.

Cristiano Barreto é advogado especialista em direito do trabalho para a área de petróleo e gás e confirma que a maioria dos contratos é regulada por normas coletivas de trabalho. “A Lei 5.811/72, que dispõe sobre o regime de trabalho dos empregados nas atividades de exploração, perfuração, produção e refinação de petróleo, está defasada para mundo de óleo e gás atual no Brasil. É preciso que as leis se atualizem, o Congresso Nacional não está acompanhando a evolução da área”, critica. Barreto ressalta que é importante que o advogado trabalhista que atua no setor conheça as peculiaridades da área, como jornada de trabalho diferenciada, com turnos nas plataformas de petróleo, o regime de folgas e os adicionais de segurança e insalubridade, que são específicos. “Tem que conhecer muito bem as várias categorias profissionais e, também, as atividades das empresas”, aconselha. (NM)

“É bom que quem pretenda entrar na área entre agora, para que quando o negócio reaquecer, em 2016, já esteja inserido no mercado”

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Perfil: José Carlos Barbosa Moreira

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Uma obra que atravessa gerações Considerado um dos maiores processualistas do país, o jurista influencia uma legião de alunos e admiradores com sua atuação na sala de aula, nos tribunais e na vasta produção editorial

Q

uem vê o senhor de hábitos simples, que todos os dias, pontualmente às 17

horas, faz questão de tomar o café da tarde com a companheira de uma vida inteira no apartamento mantido em uma silenciosa rua no bairro carioca de Copacabana, não imagina estar diante de um dos juristas mais respeitados do país. Aos 82 anos , José Carlos Barbosa Moreira ainda tem na leitura um

dos seus grandes prazeres, mas os antigos livros jurídicos deram lugar aos de história em sua preferência. Aposentado como desembargador do Tribunal de Justiça e como professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), formou uma legião de alunos e admiradores.

começou na zona norte do Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca, onde nasceu, cresceu e viveu até se casar. Filho de um casal de professores, teve a influência do pai para que desenvolvesse o gosto pela cultura e pela arte, principalmente a literatura e a música.

Com diversas obras, dentre elas “O Novo Processo Civil Brasileiro”, “Comentários ao Código de Processo Civil” e “Temas de Direito Processual Civil”, a produção acadêmica e literária é apenas uma das faces da trajetória do jurista, que

Já o gosto pelo direito, este surgiu quase por acaso. Ao se formar no então Ginasial, o que hoje corresponde ao Ensino Médio, sua intenção era fazer o curso para diplomatas no Instituto Rio Branco. Mas, por ter apenas 17 anos, quando a idade mínima exigida para o ingresso era 18 anos, resolveu que estudaria Direito por dois anos para depois tentar ingressar no instituto. Acabou se apaixonando pelo curso e desistiu completamente da diplomacia.

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Perfil: José Carlos Barbosa Moreira

Tornou-se bacharel pela então Faculdade Nacional de Direito, a atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1954. Iniciou a carreira como advogado, depois prestou concurso para a Procuradoria do Estado da Guanabara, e, por último, atuou como Desembargador do TJ, ocupando vaga destinada à advocacia pelo Quinto Constitucional. Ao mesmo tempo em que atuava na magistratura, lecionava na então Universidade do Estado da Guanabara, hoje Uerj. O período na docência é um dos grandes orgulhos de Moreira. Sempre homenageado como paraninfo ou patrono das turmas de Direito, ele costumava manter uma relação cordial com alunos e ex-alunos. Com alguns, mantém laços de amizade mesmo depois da formatura. Este é o caso de dois atuais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, ex-alunos que se converteram em amigos. Barroso, inclusive, o coloca como sua maior influência acadêmica e profissional. “Ele

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“Receio que se sinta decepcionado quem esperava, à vista do tema, o anúncio de novidades estrondosas. Não sou muito amigo de reviravoltas sensacionais” é o maior professor que eu já vi numa sala de aula, dentro e fora do Brasil. Ele preparava as aulas, expunha de forma bem arrumada e didática. Tinha densidade teórica, leveza na forma e senso de humor”, lembra. O ministro ainda resgata um episódio em que Moreira o surpreendeu. “Mostrei a ele os originais de um livro que escrevi e ele, por iniciativa própria, levou para a editora. Um dia me ligou dizendo que a editora iria publicar. Tenho por ele um carinho imenso”.

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Em depoimento dado à Uerj, Moreira comenta essa relação tão próxima – definida por ele como afetuosa – que mantinha com seus alunos. “Eu fazia questão de conhecê-los como pessoas, não como entidades abstratas. Então, eu me esforçava por guardar os nomes de todos”. A última turma que formou foi a de 1996, ano em que se aposentou da docência. Da magistratura, se aposentou em 1993. Moreira participou, informalmente, da comissão de revisão do anteprojeto do novo Código Processo Civil, no início dos anos 70, e publicou diversas obras sobre o tema. Lançou “Estudos sobre o novo Código de Processo Civil”, em 1974, ano em que também escreveu duas das obras que o consagraram, juntamente com os “Temas de Direito Processual”, como um dos mais importantes processualistas do país: “O novo Processo Civil brasileiro” e “Comentários ao Código de Processo Civil”. Em toda a sua obra, se sobressai o estilo elegante e conciso, simples e técnico, denso e sempre com um pouco de ironia.


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adorou estudar, sempre fez isso Professor nato, mesmo fora da sala de aula o jurista se dedicava à transmissão de conhecimento. No Tribunal de Justiça, as sessões de julgamento estavam sempre lotadas, não só de advogados interessados na sua atuação, mas de alunos, ex-alunos e admiradores, sempre atentos aos votos de Moreira, considerados verdadeiras aulas. Alguns estão, inclusive, condensados na obra “Direito aplicado I (acórdão e votos)”. Apesar de escrever sobre o futuro da Justiça em diversos livros da coleção “Temas de Direito Processual”, nunca foi adepto de novidades extravagantes. No quinto volume, no capítulo “A justiça no limiar de novo sécu-

daquelas ‘revoluções moleculares’ a que aludia Péguy, em que atuam por dentro das estruturas, tentando antes aprimorá-las que destruí-las”.

com muito gosto. E sempre

Um de seus dois filhos, Carlos Roberto Moreira, que seguiu o exemplo paterno e se tornou advogado, comenta sobre a obra rica do pai. “Suponho que o

Direito e a docência: viajar. Sobre

livro “Comentários ao Código de Processo Civil” seja seu preferido. É sua obra de maior fôlego, está na 18ª edição.” Sobre o projeto de novo CPC, que tramita no Congresso Nacional, Carlos Roberto afirma que o pai se afastou da discussão, sob o argumento de que “é tarefa das novas gerações de estudiosos se interessarem por inovações legislativas”.

“Se ele se propõe a dar aula, só deve realizar esse projeto se a realização lhe for grata e agradável. Não faça nada de que não goste, porque aquilo de que não se gosta, não se

generação do universo ou mesmo

Aos que desejam se dedicar à missão de ensinar, o jurista aconselha: “Se ele se propõe a dar aula, só deve realizar esse projeto se a realização lhe for grata e agradável. Não faça nada de que não goste, porque aquilo de que não se gosta, não se faz bem”. Carlos Roberto completa sobre essa relação de mais de 70 anos de seu pai com o Direito. “O Direito foi certamente um ótimo

do País. Acredito mais na eficácia

companheiro. Meu pai sempre

lo”, avisa ao leitor: “Receio que se sinta decepcionado quem esperava, à vista do tema, o anúncio de novidades estrondosas. Não sou muito amigo de reviravoltas sensacionais: a esta altura da vida, já tendo assistido a várias que como tais se apresentavam, sei que é tão vã quão a pretensão de traçar o plano definitivo de re-

adorou ensinar”. Só uma atividade é capaz de dividir a paixão de Moreira pelo esse prazer, costumava afirmar, como conta o filho Carlo Roberto: “Sou melhor turista que jurista.” Difícil acreditar. (NM)

faz bem”

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Opinião: Sandra Leis

Foto: Divulgação

A nova geografia dos acordos comerciais Por Sandra Leis*

J

á faz quase 10 anos, mas ao ver a foto no mural da minha sala, tudo parece muito recente: lá estou eu, fazendo pose, à frente de uma barreira de policiais fortemente armados, assistindo aos protestos contra a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Terminados os trabalhos do Fórum Empresarial que ocorreu paralelamente à Reunião Ministerial da ALCA em Miami, em 2003, testemunhei, nas ruas, aquele momento épico. Épico porque, em 2004, todo aquele clima de euforia esmoreceu, até que as negociações foram definitivamente encerradas. Lembro-me, também, que foram anos intensos, desde que recebemos a minuta confidencial do capítulo de propriedade intelectual (PI) da ALCA para analisar, palavra por palavra, linha por linha. Seguíamos em frente, tropeçando nos milhares de colchetes que sinalizavam as posições divergentes dos 34 países, participava de inúmeras reuniões e

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conferências, no Brasil e no exterior. Definitivamente não podia perder a empreitada audaciosa, já abortada nos anos 80, de se criar uma área de livre comércio das três Américas, formada por países com culturas, histórias e níveis de desenvolvimento tão diferentes. Essa extrema audácia foi um dos motivos do seu fracasso. Alguns países, porém, não desanimaram e buscaram alternativas para a ALCA. Os Estados Unidos, por exemplo, negociaram acordos de livre comércio com Chile, Peru, países da América Central, Colômbia, e países fora das Américas. Mais recentemente, dois grandes acordos tomaram a cena: o TPP (parceria transpacífica) e o TTIP (parceria transatlântica de comércio e investimento). Pode-se dizer que os Estados Unidos resolveram atirar para os dois lados, ou melhor, oceanos. No TPP, Estados Unidos se unem

“Alguns países não desanimaram e buscaram alternativas para a ALCA. Os Estados Unidos, por exemplo, negociaram acordos de livre comércio com Chile, Peru, países da América Central, Colômbia, e países fora das Américas”

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a Austrália, Brunei, Malásia, Nova Zelândia, Japão, Cingapura, Vietnã, México, Canadá, Peru e Chile; no TTIP, somente Estados Unidos e União Europeia. Apesar dessa nova geografia, a história se repete, pois esses dois acordos lembram muito a estrutura do Acordo da ALCA. Todos contêm um capítulo sobre PI, abrangendo marcas, patentes, direitos de autor, desenhos industriais, indicações geográficas, variedade de plantas, proteção de dados de testes, entre outros. Embora confidencial, o capítulo de PI no TPP “vazou”. Nele há centenas de colchetes, assim como havia no Acordo da ALCA. Países divergindo por uma vírgula, uma simples palavra, que pode mudar tudo, até mesmo aprisionálos a compromissos indesejáveis. Não poderia ser diferente. Como a ALCA, o TPP congrega países de culturas, estágios de desenvolvimento e sistemas jurídicos distintos, o que acarreta divergências inevitáveis, mas não intransponíveis. Para auferir benefícios no fluxo comercial, alguns países certamente cederão na área de PI, assim como aconteceu nos acordos bilaterais citados. Um exemplo é o artigo do TPP que obriga os países membros a aderirem a dez acordos internacionais, incluindo acordos que muitos países relutam em aceitar, como o Tratado de Cingapura, na área de marcas, e o Tratado da OMPI sobre Direitos de Autor. A mesma divergência existia na ALCA, onde alguns países defendiam um texto mais flexível do tipo “se esforçarão para aderir” em vez de “se obrigam a aderir”.

Observo, contudo, algumas novidades no TPP com relação à ALCA. Para atender à modernidade, o TPP prevê um capítulo inteiramente dedicado à responsabilidade dos provedores de internet, tema tão debatido atualmente e também presente no nosso Marco Civil da Internet. Quanto ao TTIP, as negociações entre Estados Unidos e União Europeia se iniciaram em meados de 2013 e continuam. O objetivo do acordo é eliminar tarifas e outras restrições ao comércio entre as partes, como acesso a mercado, questões regulatórias, barreiras tarifárias e não-tarifárias. O acordo também engloba uma parte dedicada à PI (patentes, marcas, direitos de autor, desenhos industriais, variedade de plantas, indicações geográficas, proteção de dados de testes, segredos de negócio, etc.). Mas por que um acordo que trata de comércio e investimento teria uma sessão sobre PI? A resposta é simples: nenhuma empresa terá interesse em investir em outro país se este não lhe proporcionar um ambiente sadio para negócios, segurança e garantia de proteção dos seus direitos, inclusive direitos de PI. Não há inovação sem investimento, e a inovação cujos frutos são devidamente protegidos por um sistema eficiente de PI gera mais competitividade, novos investimentos e mais inovação. É um círculo virtuoso. Ainda que não haja consenso quanto à conveniência de se incluir PI num acordo dessa natureza, não se pode negar que comércio, investimento e PI

“Como a ALCA,

o TPP congrega países de culturas, estágios de desenvolvimento e sistemas jurídicos distintos, o que acarreta divergências inevitáveis, mas não intransponíveis. Para auferir benefícios no fluxo comercial, alguns países certamente cederão na área de PI, assim como aconteceu nos acordos bilaterais citados” Enquanto se expande essa verdadeira teia de acordos bilaterais e plurilaterais, a passos relativamente rápidos, o Acordo Mercosul-União Europeia se arrasta há anos, com mais ou menos fôlego, principalmente devido ao baixo desempenho da economia de alguns de seus membros, o que dificulta a troca de ofertas entre os blocos. Assim, não seria absurdo imaginar que os Estados Unidos cruzarão o Atlântico antes de nós. *Sandra Leis é sócia do escritório Dannemann Siemsen

são temas interligados.

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Charge

Frases “Quem diz que há no projeto brechas para censura diz por desinformação ou por má-fé. O projeto garante a total liberdade de expressão e exclui toda forma de censura no ambiente da rede.” Deputado Federal Alessandro Molon, sobre o Marco Civil

“Ah, não, porque turista tem que ter metrô que leve até dentro do estádio. Que babaquice é essa? Nós temos é que dar garantia para essa gente assistir ao jogo, comer nossa comida (...), é isso que temos que ter orgulho” Ex-presidente Lula sobre a exigência de metrô que leve até

os estádios na Copa

“Desde minha indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF) e minha aprovação no Senado eu virei a página. Eu hoje sou juiz, desde 2009 eu sou juiz, e meu compromisso é com a Constituição.” Dias Toffoli, presidente do TSE sobre o período em que foi

advogado do PT

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“Acho sempre muito ruim uma crítica difusa à corrupção, as coisas funcionam melhor quando se aponta exatamente onde ela está, qual é a sua causa e qual é a solução possível.” Luis Roberto Barroso, ministro do STF

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