ANO I - edição 4
Nov/Dez 2014 - GAZETA DO ADVOGADO: A REVISTA DE QUEM PENSA DIREITO
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Entrevista: Mรกrlon Reis Capa
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Sumário ENTREVISTA.........................................................06
Entrevista
Márlon Reis: O juiz que anda tirando o sono da classe política
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FÓRUM DE IDEIAS................................................14 Entre a celeridade e o engessamento
CAPA.......................................................................18 Do papel para a tela, uma transição complicada
Fórum de Ideias
PARLATÓRIO........................................................25
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CARREIRA.............................................................26 Profissão Paralegal
PERFIL....................................................................28 Silvia Correia
Capa
OPINIÃO.................................................................32
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Aborto: O custo da criminalização
CHARGE E FRASES..............................................34
CARTA DOS LEITORES
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Expediente CARTA AO LEITOR Criado para modernizar o Judiciário brasileiro, o Processo Judicial Eletrônico (PJe) entrou de vez na rotina dos operadores do Direito. Mas as constantes falhas no sistema, aliadas às dificuldades de adaptação e de acessibilidade, cercam o processo de críticas. Ninguém duvida que, em plena era digital, é natural que o papel seja cada vez menos usado em todas as atividades – o que, obviamente, inclui a jurídica. Só que toda mudança estrutural deve ser precedida do devido preparo, com testes que identifiquem possíveis falhas. A ausência dessa etapa é a principal crítica das fontes ouvidas em nossa reportagem de Capa. Terminado o processo que elegeu um terço do Senado, deputados federais e estaduais e os chefes do Executivo, a Gazeta do Advogado traz uma entrevista com o juiz maranhense Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa e do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Após afastar da disputa candidatos condenados por crimes contra a administração pública, o magistrado se lança agora em uma nova cruzada: a Reforma Política. Autor do livro “O Nobre Deputado”, protagonizado por um parlamentar fictício que personifica a figura do político corrupto, o juiz é alvo da ira de alguns parlamentares, que ingressaram com uma representação no CNJ contra o autor da obra. Mas ele não se intimida. E na conversa que você verá nas próximas páginas, antecipa as pretensões políticas de Cândido Peçanha, o nobre deputado que inspira o livro, e faz uma análise do atual cenário político brasileiro.
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A seção Perfil apresenta a advogada trabalhista Silvia Correia, uma jovem voz que encara o Direito como uma missão muito além da simples solução de conflitos, mas como um importante veículo de transformação social. Procuradora da Infraero e professora, ela influencia uma nova geração de advogados em concorridos cursos e palestras. Transformação também é a palavra que define o processo em curso na Justiça Trabalhista, com a chegada dos Recursos Repetitivos. Há quem considere o mecanismo nocivo, por engessar uma área que tem na individualidade uma das suas principais características. Na defesa, estão aqueles que vêem no mecanismo um importante instrumento de celeridade.
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Entrevista: Márlon Reis Fotos: Divulgação/MCCE
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Por Débora Diniz
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ândido Peçanha é um deputado federal em seu terceiro mandato, falastrão, festeiro e sem qualquer escrúpulo. Vem se perpetuando no poder graças ao clientelismo, à compra acintosa de votos e, claro, a uma lábia que convence qualquer interlocutor. Cândido Peçanha é um personagem fictício, criado pelo juiz maranhense Márlon Reis e apresentado em detalhes no livro O Nobre Deputado. Tem também um perfil no Facebook que já conta com mais de 6 mil seguidores, onde ostenta sua riqueza e comenta a atuação de colegas. Mas qualquer semelhança com fatos reais não terão sido mera coincidência. O personagem é fruto de anos de pesquisa sobre o sistema eleitoral brasileiro e encarna relatos verídicos colhidos pelo magistrado. “A pesquisa foi feita para minha tese de doutorado, mas aí pensei que o material era rico demais para não
expor de maneira mais ampla para as pessoas”, diz o juiz. Daí surgiu o livro, que lhe rendeu muitos leitores, admiradores e uma representação no Conselho Nacional de Justiça pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, inconformado com os relatos, que, supostamente, colocariam todos os parlamentares no mesmo patamar. A representação, é claro, já provocou a reação de entidades em defesa do juiz, que lançaram notas de repúdio. A da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) é contundente. “É notória a pretensão de tais agentes em moldar o CNJ como um verdadeiro Departamento de Ordem Política e Social, de triste memória neste país. (...) Não aceitamos censura ou repressão, não aceitamos a interdição do debate pela mordaça. A democracia não pode prescindir da voz de todos”, diz o texto. Márlon nasceu há 43 anos no Tocantins, mas adotou o Maranhão, para onde se mudou
ainda na adolescência. Formou-se aos 24 anos em Direito pela Universidade Federal do Estado e quatro anos depois já integrava a magistratura local. Em 2002, idealizou e fundou, junto com outras lideranças sociais, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que deflagrou a iniciativa popular que resultou na Lei da Ficha Limpa, cuja petição reuniu 1,6 milhão de assinaturas e hoje é um divisor de águas do cenário eleitoral brasileiro. Agora, a cruzada do magistrado é pela Reforma Política, que entre as principais medidas prevê o fim do financiamento das campanhas por empresas. A iniciativa popular já tem mais de 500 mil assinaturas. Sobre Cândido Peçanha? “Ele acaba de ser reeleito, novamente com recorde de votos.” Nesta entrevista à Gazeta do Advogado, o magistrado conta como o nobre deputado chegou lá outra vez.
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Entrevista: Márlon Reis
“Em um país de matiz clientelista como o nosso, que sobrevive ao passar do tempo, o dinheiro que irriga as campanhas serve também para propiciar a compra do apoio político que está muito presente em todas as disputas de mandato” 8
Como o senhor avalia o cenário eleitoral após a Lei da Ficha Limpa? Houve mudanças? A Lei da Ficha Limpa tem um forte conteúdo legal, mas também um forte conteúdo de reflexão no campo ético e, nesses dois fatores, ela tem uma incidência. Nós observamos uma aplicação bastante razoável, achamos que tem pontos a serem aprimorados na interpretação perante os tribunais, mas vimos uma boa aplicação da lei nessas eleições, com a afetação não só de um número significativo de pessoas, como também o alcance de políticos poderosos que muitos até julgavam imbatíveis, inalcançáveis. Mas também tem esse aspecto da reflexão cultural e ética que o processo de consolidação da Lei da Ficha Limpa tem propiciado: uma reflexão cada vez maior sobre o perfil esperado dos candidatos. Vimos que, apesar do clamor da sociedade por mudanças, alguns figurões da política notadamente ligados a processos, com históricos de corrupção e atitudes pouco recomendáveis eticamente falando, saíram vitoriosos das eleições. Há uma dissonância entre esse desejo de mudança e a realidade das urnas? Há certa dissonância propiciada pelo sistema eleitoral, sistema esse que favorece os que têm grande financiamento de
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campanha e conseguem desequilibrar o jogo. Há uma compilação de fatores externos à Lei da Ficha Limpa que faz com que os que têm menos escrúpulos tenham mais facilidade de alcançar mandatos por grandes falhas contidas no sistema. A primeira delas é a doação empresarial, que permite a empresas que contratam o Poder Público ou que pretendem contratar influenciarem o jogo eleitoral. O financiamento determina a capacidade de propaganda efetiva das campanhas, mas não é só isso. Em um país de matiz clientelista como o nosso, que sobrevive ao passar do tempo, o dinheiro que irriga as campanhas serve também para propiciar a compra do apoio político que está muito presente em todas as disputas de mandato. O que faz com que os mais bem aquinhoados tenham uma vantagem comparativa imensa em relação aos demais.
Em uma proposta de Reforma Política, quais são os itens que o senhor considera indispensáveis? O senhor defende o financiamento público? Eu defendo o modelo misto, como vem sendo empregado e proposto pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, que é um grande movimento surgido para buscar a reforma política pela iniciativa popular, que nós do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral integramos. Defendemos uma alternativa mista que envolve financiamento público, mas também a possibilidade de cidadãos fazerem, por via eletrônica, pequenas doações até o montante de um salário mínimo, tudo isso com fortes regras de auditoria e com divulgação em tempo real na internet para facilitar a fiscalização.
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O voto hoje é precificado. O político já sabe quando ele tem que gastar para cada voto que ele vai disputar? Exatamente. Há um tabelamento que curiosamente vem sendo percebido até mesmo pelos veículos de imprensa que chegam a divulgar o preço do voto em determinadas regiões. Eu estou trabalhando com dados divulgados na imprensa do custo político, e a mercantilização do processo eleitoral é muito forte e muito gritante, especialmente na disputa para os cargos legislativos. Tem menos incidência e menos influência sobre a disputa nos cargos no Executivo estadual e federal, mas ainda é o que marca profundamente as eleições para deputado federal, distrital e estadual.
Quanto custa um voto? Isso varia de acordo com a região. Curiosamente, quanto mais pobre a região mais caro o voto. Uma relação inversa ao que aparentemente poderia sugerir a comercialização. Isso se dá porque a disputa pelo voto comprado é mais intensa, já que essa é a principal forma de obtenção de votos. Isso faz com que o mercado se inflacione. Nas minhas pesquisas e observações, eu encontrei uma variação este ano entre R$ 50 e R$ 200 o voto.
Esse dinheiro é entregue efetivamente ao eleitor, como se estivesse comprando um produto, ou o senhor coloca nessa conta o que é investido em divulgação de campanha, por exemplo? Esse é efetivamente o custo do voto comprado, mas não quer dizer que ele chegue até o eleitor. Esse é o valor pago aos chefes políticos locais que vão operar a compra do voto. Grande parte do valor vai, sim, para o eleitor,
mas parte significativa é retida pelo chefe político local como remuneração pelo seu trabalho. A compra de votos não é uma relação comercial, ela nem se parece com isso, apesar da sugestão dada pelo nome, não pode ser comparada com a relação contratual de alguém que pretende comprar ou vender um produto. Na verdade, trata-se de usar o dinheiro para irrigar as relações de clientelismo, que já existem antes e sobrevivem às eleições, com os chefes locais que mantém com os eleitores relações de dependência. O dinheiro de campanha tem duas funções: cobrir eventualidades, isto é, necessidades eventuais dos eleitores, e reafirmar o poder econômico do candidato para impressionar o eleitorado e obter o voto pela via da sugestão por tratar-se de um candidato poderoso que poderá dar cobertura para esse mesmo eleitor no futuro, caso necessário.
No seu livro, o senhor fala sobre as emendas que são liberadas exclusivamente para as prefeituras aliadas e isso já é senso comum. O que precisaria ser feito para que essa relação mudasse e os parlamentares não tivessem tanto poder para definir qual é a prefeitura que vai ser beneficiada por um recurso público, que deveria ser repartido entre todos?
de definir a execução das obras é por natureza do Poder Executivo, que deve fazer isso se valendo do mecanismo do planejamento definindo prioridades de acordo com regras de gestão, que deve necessariamente envolver a participação da sociedade, ouvir a sociedade em instrumentos, como, por exemplo, o orçamento participativo, que é uma decorrência da nossa Constituição e da Lei de Responsabilidade Fiscal que expressamente fala da necessidade de ouvir a sociedade. Os parlamentares deveriam ter um papel que lhes é deferido, reconhecido no mundo inteiro, que é de legislar, isto é, operar em abstrato, e fiscalizar as contas do Executivo. Então, sobre elas se deve debruçar a reforma política no futuro. Agora, os parlamentares querem agravar mais ainda essa discussão tornando a liberação da verba das emendas obrigatória. Dessa forma, os parlamentares terão poder que nunca tiveram de liberar até R$ 600 milhões em um mandato para influenciar o voto em suas bases eleitorais. Essa é a quebra do princípio da igualdade e a distorção do papel do parlamento que vai se eleger na condição de construtor de obras.
Há uma grave distorção no papel do parlamento brasileiro. Quando se outorga a parlamentares o papel de definir a execução de obras, eles atuam como despachantes de interesses locais. Isso é algo que a Ciência Política chama de pork barrel, que, na verdade, é a incidência do interesse absolutamente paroquial sobre o interesse geral da sociedade de que haja um orçamento construído em bases mais racionais e abstratas. O papel
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Entrevista: Márlon Reis Só uma reforma poderia mudar esse sistema ou existe outro tipo de mecanismo? É absolutamente discutível a emenda que está em andamento com a finalidade de propor a emenda impositiva. Por isso é perfeitamente possível que o STF venha a se pronunciar sobre o assunto, desde que seja provocado. Mas, acredito que uma revisão da relação entre os poderes demandará uma sensível alteração da Constituição Federal, o que dependerá do aprimoramento da qualidade do nosso Congresso. Eu não acredito que o Congresso composto como é hoje venha a promover qualquer tipo de limitação aos poderes do parlamento. Por isso, sempre partimos de uma mudança das leis eleitorais, não considerando que seja suficiente, mas por considerar que seja o ponto de partida. Enquanto não tivermos eleições minimamente republicanas, não teremos um Congresso igualmente republicano.
Qual tem sido o papel do Judiciário nesse contexto todo? O Judiciário tem sido muitas vezes chamado a se pronunciar sobre essa balança existente entre os Três Poderes da República e muitas vezes já teve oportunidade de se pronunciar em definitivo sobre temas de grande relevância política. Como foram os casos da verticalização e da fidelidade partidária e, mais recentemente, do reconhecimento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Agora mesmo, há um tema sob julgamento no Supremo que é da mais alta envergadura, que é a apreciação da constitucionalidade ou não das doações empresariais, matéria na qual o Supremo formou uma maioria de votos, já sendo seis pela inconstitucionalidade das doações por empresas frente a argumentos como, por exemplo, o de que pessoas jurídicas não são titulares de direitos políticos. Não
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é possível que entes constitucionalmente destituídos de qualquer direito na seara política, como é o caso das empresas, possam influir, distorcendo de maneira tão absoluta e significativa, as eleições, como hoje acontece.
A imprensa ainda influencia o resultado das eleições no Brasil? A imprensa influencia sim, mas hoje ela é mais plural do que foi há poucos anos. Incluo aí as novas mídias, que tornaram o processo muito mais complexo. Algo afirmado hoje por um grande jornal pode ser desmentido e contestado com eficiência em poucas horas, graças às redes sociais. Por isso creio que é preciso compreender bem o momento atual, mas ainda há muitas coisas a se pensar em relação à democratização das comunicações. Um grande exemplo é a grande frequência com que grupos políticos detêm meios de comunicação, principalmente nos estados. Essa é uma relação absolutamente prejudicial à República e deve ser encerrada. Toda a fiscalização para que nem mesmo por meio de terceiros seja possível que alguém que exerça mandato político tenha
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“Eu não acredito que o Congresso composto como é hoje venha a promover qualquer tipo de limitação aos poderes do parlamento. (...) Enquanto não tivermos eleições minimamente republicanas, não teremos um Congresso igualmente republicano”
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propriedade de meio de comunicação. Isso em geral causa um imenso atraso nas nossas relações políticas. É preciso democratizar as concessões públicas para que mais grupos tenham acesso à abertura de canais de TV, inclusive de incidência local, e para que alternativas de programação sejam apresentadas à sociedade.
Como o senhor vê a alternância de poder no seu estado? Que recado o Maranhão está dando para o Brasil? Sou um grande observador dos cenários eleitorais e não me importo muito com o conteúdo das alternativas políticas que foram selecionadas pelo povo. Aqui no Maranhão, em 2014, eu comemoro um novo tipo de voto e novas motivações para o voto. É possível identificar claramente uma desconexão entre a vontade das lideranças políticas locais institucionalizadas, especialmente no âmbito das prefeituras, e a vontade do eleitor, que escolheu quem bem quis. Esse é um fator que eu observei bastante sob a perspectiva da Sociologia nesse ano e acho que foi um grande diferencial, que inclusive propiciou essa opção pela mudança na orientação política do governo estadual.
Um juiz irá governar o Maranhão. Isso tem um simbolismo especial para o senhor? Eu acredito que as credenciais do governador eleito, Flávio Dino, não poderiam ser melhores, pela experiência que ele acabou tendo nos Três Poderes não só como magistrado, mas também como membro do Legislativo. Por ter sido deputado federal, e pelo exercício de um cargo importante no Executivo federal (ele foi presidente da Embratur) chega com uma boa bagagem. Como maranhense que sou, só posso desejar boa sorte e que ele corresponda à esperança que a população maranhense depositou nas suas propostas.
Ainda temos muitas resistências às críticas por parte do Legislativo. Prova disso é a representação que o senhor está respondendo no CNJ. Como o senhor vê essa reação? Há uma forte presença no meio político brasileiro, não posso dizer que é unânime, de pessoas que não vivem no século XXI. Estamos na época das grandes liberdades, especialmente no campo da reflexão, e não faz sentido que alguém sequer suponha a possibilidade de buscar qualquer tipo de punição na esfera administrativa ou qualquer esfera para alguém que exerceu o direito à liberdade do pensamento. Eu considero extremamente lastimável isso, não por conta do meu caso pessoal, pois sei que não poderá jamais redundar em qualquer tipo de punição para mim por conta das garantias constitucionais que qualquer cidadão dispõe. Lamento pelo próprio parlamento, que ainda é dirigido por pessoas que, apesar de estarem na casa máxima de proteção das liberdades cívicas, ainda age como se estivéssemos em pleno período de ditadura militar.
meu. Eles tiveram um longo direito de resposta no Jornal Nacional e tiveram todos os veículos de comunicação ligados à Câmara de Deputados para emitir os seus pronunciamentos, o que de fato fizeram. Aí está o contraditório, aí eles deviam ter parado. Eu falei e eles rebateram, mas eles não se contentaram. Depois de usar espaços privilegiadíssimos dos quais eu não disponho, decidiram partir para que eu fosse punido por falar, essa é uma atitude extremamente incompatível com a atividade parlamentar.
Como surgiu a concepção do livro? Como foi a pesquisa? De onde surgiu o personagem? A ideia surgiu quando eu estava fazendo pesquisas para um projeto no âmbito do Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento e do Ministério da Justiça chamado Pensando o Direito e resolvi fazer um quadro, mostrando que os assaltos a banco no Maranhão
O senhor acha que isso representa o pensamento dominante ou é isolado? Eu não poderia afirmar, mas acho que se trata de um pensamento dominante nas cúpulas partidárias. Isso ficou bem claro no episódio do lançamento do meu livro “O Nobre Deputado”, onde quase todos os líderes fizeram questão de usar a palavra para dizer que eu deveria ser punido e rechaçado por escrever um livro. Muitos líderes se sucederam no microfone durante mais de uma hora, demonstrando grande incômodo e insatisfação com a minha publicação. Curiosamente, eles deveriam ter observado o seguinte: eles têm o poder de fala infinitamente maior do que o
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Entrevista: Márlon Reis e Eleições Limpas, cujo site é reformapoliticademocratica.org.br. Estamos coletando assinaturas para uma nova iniciativa popular, prevendo a mudança no modelo de financiamento de campanha, a simplificação do processo eleitoral para que os eleitores tenham mais domínio, para que os eleitores saibam o que estão fazendo ao votar para deputado, dentre outras medidas democratizantes.
O que o senhor pode dizer ao cidadão comum que quer atuar como um agente de transformação nesse contexto todo? aumentam nos anos eleitorais. Comecei a fazer as primeiras entrevistas e decidi seguir nesse caminho. Desde então, fiz várias entrevistas com políticos do mundo real que aceitaram, com a garantia do anonimato, falar sobre práticas que eles utilizam para obter o voto. Daí que veio o material para escrever o livro. A pesquisa foi feita para minha tese de doutorado, mas aí pensei que o material era rico demais para não expor de maneira mais ampla para as pessoas, foi assim que decidi escrever o livro.
As práticas descritas no livro são reais? São todas reais. Em algumas situações, como dá para perceber no livro, eu crio a história para contar como ela seria. Todos contam como se dá a compra do apoio político. Então, eu simulo uma conversa de negociação entre o chefe político e o candidato com a finalidade de permitir que o leitor visualize com mais facilidade como isso se dá, tudo com a orientação dos entrevistados. As conversas não necessariamente correspondem a reproduções textuais.
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As conversas não, mas as práticas são reais? Uma das mais chocantes é a interferência de um membro do Tribunal de Contas na eleição, chantageando um prefeito para que ele apoie uma candidata à deputada. Aquilo me foi relatado por todos os ouvidos. Eles disseram que é frequente a existência de membros de tribunais de contas que se valem de seu poder, que foi ampliado pela Lei da Ficha Limpa, já que os tribunais têm grande poder de definir quem vai ser e quem não vai ser candidato pela via da rejeição de contas. Eles se valem desse poder para fazer chantagem. Isso foi muito chocante para mim.
O senhor teve participação decisiva na Lei da Ficha Limpa. Mas e agora? Como o senhor pretende continuar a atuação como militante da ética na política e no processo eleitoral? Estou muito empenhado na nova campanha de iniciativa popular que o MCCE apoia, que é a Coalizão pela Reforma Política Democrática
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A primeira coisa é acreditar na política. Há uma força muito grande feita principalmente por quem pratica a corrupção para tentar igualar todos os políticos. Não é verdade. A política em sua essência é algo bom e aqueles que praticam a corrupção são usurpadores do espaço político. É preciso acreditar na democracia, participar, se engajar em movimentos de transformação e nunca desistir do processo democrático.
O Cândido Peçanha foi reeleito? Foi reeleito com uma grande margem de votos. Recordista de votos mais uma vez.
E quais são as pretensões do deputado? Temos um novo livro à vista? Sim, já tenho uma encomenda da minha editora para continuar a epopeia do Cândido Peçanha. Ele quer seguir sua carreira política. Já que é muito ambicioso, ele procurará dar passos mais ousados na política. Ele sonha ser governador do seu estado.
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F贸rum de Ideias Foto: Flickr/TST Oficial
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Entre a celeridade e o engessamento Lei que instaura os recursos repetitivos na Justiça Trabalhista entra em vigor cercada de dúvidas e críticas de especialistas, que temem prejuízos à independência judicial
A
entrada em vigor da Lei 13.015/2014, que define regras sobre recursos na Justiça Trabalhista e instaura os recursos repetitivos, divide opiniões no meio jurídico. Com a lei, os recursos terão mais dificuldade para chegar ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). O que para alguns significa celeridade, para outros significa uma possibilidade de engessamento da Justiça Trabalhista.
As mudanças começam nos Tribunais Regionais. A lei impõe aos TRTs que universalizem suas jurisprudências, deste modo, nenhum processo chegará ao TST se divergir da “jurisprudência já uniformizada do Tribunal Regional do Trabalho de origem”. Internamente, os tribunais deverão realizar um controle das decisões divergentes e eliminá-las, prevalecendo sempre a compreensão das maiorias. Caso seja constatada
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Fórum de Ideias não chegarão à apreciação do TST. Ou seja, você constrói uma jurisprudência das maiorias sem a possibilidade de uma discussão em Brasília de teses que, embora minoritárias, podem ser interessantes para a jurisdição”.
Guilherme Feliciano, da Anamatra, receia que nova lei gere um engessamento da Justiça do Trabalho
Foto: Flickr/Anamatra
Entretanto, Feliciano acredita que essa uniformização nos tribunais regionais tem um ponto positivo: o acesso ao TST ficará mais restrito. “Hoje nós temos o TST atolado de recursos de toda ordem e, até mesmo pela sistemática recursal que estava em vigor até então, havia uma relativa facilidade para que as questões chegassem à Brasília e a ideia não é essa. Em uma instância recursal extraordinária é fundamental que apenas extraordinariamente os casos cheguem”, ressalta.
“Hoje nós temos o TST atolado de recursos de toda ordem e, até mesmo pela sistemática recursal que estava em vigor até então, havia uma relativa facilidade para que as questões chegassem à Brasília e a ideia não é essa” 16
a existência de decisões atuais e conflitantes sobre o tema objeto de recurso de revista no mesmo TRT, este auto retornará ao TRT de origem para que seja feita a uniformização da jurisprudência. Juiz titular do TRT da 15ª Região e diretor de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano alerta que a decisão pode ocasionar um “engessamento” da Justiça do Trabalho. “Pode violar seriamente a independência judicial: a turma – e o relator – ver-se-á instada a julgar de certo modo, acompanhando a maioria, ainda que assim não compreenda. E, na prática, reduz-se drasticamente o campo de debate, uma vez que teses minoritárias intrarregionais, ainda que melhores,
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Com a nova lei, haverá um volume menor de casos chegando ao TST o que significará mais prestígio para as decisões das instâncias ordinárias e também um alívio para a Corte, que hoje tem grande dificuldade de julgar a quantidade de recursos que chegam. Atualmente, o TST faz mutirões periódicos para que os desembargadores cuidem do volume enorme de agravos que tramitam sem solução. Segundo o último relatório Justiça em Números, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o TST iniciou o ano de 2013 com mais de 216 mil processos e durante o ano ingressaram na Corte quase 240 mil novos processos. Com mais de 211 mil processos julgados, a conta não fecha e o Tribunal começou 2014 com o saldo estimado de mais de 263 mil processos.
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Ainda no âmbito do TST, a nova lei trouxe uma novidade à esfera trabalhista que já é velha conhecida na esfera civil, só que ela chega com um nome diferente – e algumas particularidades. Desde 2004, com a Reforma do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) adota a Repercussão Geral para a padronização de procedimentos. Com a Repercussão Geral, o STF seleciona os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica, que transcendam os interesses subjetivos da causa, além de uniformizar a interpretação constitucional sem exigir que decida múltiplos casos idênticos sobre a mesma questão constitucional. Na Justiça Trabalhista a lei implanta os Recursos Repetitivos. O novo artigo 896-B da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe que são aplicáveis ao recurso de revista, no que couber, as normas do Código de Processo Civil (CPC) relativas ao julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. A regulamentação da lei feita pelo TST por meio do Ato 491 define os parâmetros em que os recursos repetitivos serão usados. “Somente poderão ser afetados recursos representativos da controvérsia que sejam admissíveis e que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida”. Caso uma Turma do TST entenda que é necessária a adoção dos recursos repetitivos, o presidente deve submeter a proposta de afetação do recurso de
revista ao Presidente da Subseção de Dissídios Individuais I. O subprocurador-geral do trabalho Ricardo Macedo acredita que a mudança dará mais racionalidade e celeridade às decisões do TST, já que muitos recursos já serão resolvidos nos TRTs. “As matérias acabam se repetindo e quando for julgado um recurso repetitivo, outros trezentos, quatrocentos processos semelhantes serão resolvidos. Isso fará com que casos iguais não apareçam ‘picados’, será resolvido em bloco”, ressalta. Feliciano aponta outra mudança fundamental que a lei traz. “A decisão proferida em recurso repetitivo não deve ser aplicada em casos em que se demonstrar que a situação de fato ou de direito é distinta das presentes no processo julgado sob o rito dos recursos repetitivos”. A nova lei traz também uma importante inovação na ordem jurídica brasileira: o TST passa a ter o poder legal de modular, no tempo, os efeitos da alteração de suas consolidações jurisprudenciais. “Assim, o TST poderá dizer, a certa altura, que uma interpretação anterior dada uniformemente a certa lei federal trabalhista não era a mais justa; e que, nada obstante, até a data daquele julgamento, valerá mesmo a interpretação ‘injusta’, para todos os efeitos, a bem da segurança jurídica. Poder crucial de interferência no plano do direito intertemporal, que já gerou polêmicas no âmbito do STF e as gerará, agora, no âmbito do TST”, pondera Feliciano. (NM)
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Implantado há três anos na Justiça do Trabalho, sistema de peticionamento eletrônico se universaliza e gera dúvidas e problemas para advogados, que reclamam da introdução do modelo sem o devido tempo de adaptação Nádia Mendes
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riado para dar mais celeridade e modernizar a Justiça brasileira, o peticionamento eletrônico mudou a rotina dos chamados operadores do Direito, mas ainda divide opiniões. As principais críticas residem na dificuldade de dominar diferentes sistemas e nas falhas frequentes que, em vez de acelerar, retardam o trabalho. A promessa é que os problemas sejam resolvidos com a unificação proposta pelo Conselho Nacional e Justiça (CNJ), por meio do Processo Judicial Eletrônico (PJe). Mas o caminho
é longo e as dificuldades de adaptação estão tirando o sono de advogados e magistrados. Atualmente existem 46 sistemas de peticionamento eletrônico rodando no Brasil. Entre eles estão o E-STJ, do Superior Tribunal de Justiça; o Projudi, dos Tribunais de Justiça Estaduais e o PJe-JT, da Justiça do Trabalho. Cada um desses sistemas tem características próprias: rodam em navegadores específicos e tem uma forma diferente de
fazer o peticionamento. “Fica muito difícil para a Ordem treinar os advogados de todo o país em 46 sistemas diferentes”, dispara Luis Cláudio Allemand, presidente da Comissão Especial de Direito da Tecnologia e Informação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Desde 2011, a Justiça do Trabalho utiliza o processo eletrônico, chamado de PJe-JT, que não aceita mais o uso de papel para petições iniciais. O CNJ
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Capa Foto: Mailson Santana
advocacia, tem que ser muito melhorado. O sistema não atende à usabilidade, não é fácil de operar; não atende à acessibilidade, ao Estatuto do Idoso e às regras de acessibilidade em especial para deficientes visuais e não atende, ainda, às regras de interoperabilidade, ou seja, que o sistema tem que conversar com qualquer outro sistema. Não são regras da Ordem, são regras básicas para o desenvolvimento de software”, adverte.
começou a unificar os sistemas por meio da Resolução nº 185 de 18 de dezembro de 2013 e instituiu o PJe como sistema único de processamento de informações e prática de atos processuais no país. Assim, o PJe vem se tornando uma das principais ferramentas de trabalho para os advogados, já que a partir da adoção deste, não é mais possível protocolar novos processos por meio não eletrônico. Para Rubens Curado, membro da Comissão de Tecnologia da Informação e Infraestrutura do CNJ, a grande quantidade de sistemas computacionais
de administração e controle processual utilizados no país dificulta muito a atuação dos advogados públicos e privados. “O PJe é uma proposta do CNJ para uniformizar o acesso ao serviço prestado pelo Judiciário, em todos os ramos de Justiça e em todos os graus de jurisdição”, afirma. Allemand aponta diversos problemas no PJe do CNJ. Segundo ele, o PJe-JT, por estar funcionando há mais tempo, já está evoluído em algumas questões, mas o PJe do CNJ ainda tem muito o que melhorar. A plataforma é a mesma, mas as versões em uso são diferentes. “Na visão da
Curado afirma que essa é uma preocupação do CNJ e que a Resolução nº 185 considerou essas exceções e determinou auxílio técnico presencial às pessoas com deficiência e aos maiores de 60 anos. “Outros passos precisam ser dados e o Conselho tem procurado atuar propositivamente nesse tema a fim de garantir a inclusão digital de todos, indistintamente. Sobre sistemas computacionais de um modo geral, e do PJe de modo específico, acreditamos que a atuação do Conselho deve ser no sentido de buscar uma adaptação razoável para as funcionalidades já existentes e utilizar o conceito de desenho universal para as funcionalidades futuras. Nesse sentido, está em teste na Justiça do Trabalho uma nova versão do sistema, fruto do trabalho da comissão de acessibilidade criada,
“Eu prefiro o sistema da Justiça Estadual. A forma de peticionar da Justiça do Trabalho é mais trabalhosa, é preciso fornecer dados que o serventuário fazia pra gente. A implantação no TRT foi mais rápida. E a Justiça Federal está de parabéns. Pioneira e com um sistema rápido!” Fotos: Mailson Santana
Anderson Lessa advogado do Rio de Janeiro
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Magistrado cego ainda espera acessibilidade “Infelizmente, o PJe é hostil a qualquer programa que provê a acessibilidade do sistema às pessoas com deficiência sendo ela visual, auditiva ou motora, os chamados programas assistivos. Ele não funciona, simplesmente trava”, reclama o Desembargador Ricardo Tadeu da Fonseca, do TRT do Paraná e primeiro juiz cego do país. Ele acreditou que o PJe seria uma libertação, já que não precisaria mais ir aos fóruns e seria mais acessível que o processo de papel, mas o programa foi uma decepção. “A Resolução 185 do CNJ diz que os órgãos do Poder Judiciário devem providenciar auxílio técnico presencial às pessoas com deficiência, isso nos torna dependentes e nos obriga a montar o gabinete ou o escritório no saguão do Fórum, além de ferir a Recomendação 27 do próprio CNJ, que determina que o poder judiciário seja amplamente acessível”. Fonseca fez parte da Comissão de Acessibilidade do PJe da Justiça do Trabalho, que aprovou uma Carta de Princípios já assumida pelo TST. “Dizem que a próxima versão do PJe virá mais acessível, vamos aguardar”. Fonseca perdeu a visão aos 23 anos, quando cursava o terceiro ano de Direito na Universidade de São Paulo.
que objetiva superar vários obstáculos atuais”. Em relação à acessibilidade e usabilidade do sistema, ele afirma que a comissão permanente de tecnologia da informação do CNJ propôs a contratação de instituição especializada e dedicada à melhoria permanente da acessibilidade e usabilidade do sistema.
País continental Allemand levanta outra situação complicada a respeito da implantação de um sistema eletrônico de peticionamento em todo o país. “Os gestores do PJe se esqueceram que o Brasil é continental. Nós temos problemas sérios de infraestrutura no país. E como você quer implantar um sistema que demanda uma tecnologia de ponta? No papel é uma coisa, na vida real é outra. Na resolução do
CNJ existem critérios mínimos pra atender a implantação nos tribunais. Mas existem comarcas em que a internet tem a velocidade muito baixa. É preciso olhar não apenas a condição dos tribunais, mas também a dos Estados, ver se existem regiões carentes de infraestrutura que não permitem a implantação”, critica. Allemand também reclama da forma de implantação do sistema e o fato de ser obrigatório o peticionamento apenas em meios eletrônicos. “A implantação do sistema tem que ser de forma gradual e segura, fazendo uma transição que permita ao advogado garantir ao jurisdicionado um amplo acesso ao Poder Judiciário. O amplo acesso ao Judiciário é um
“Os gestores do PJe se esqueceram que o Brasil é continental. Nós temos problemas sérios de infraestrutura no país”
“Antes de implantar o sistema, deveriam ter feito testes. O sistema não funciona, a gente perde prazos. Todos os dias tenho que olhar o sistema porque não tem publicação no diário eletrônico, não sai no Diário Oficial, não sou intimada eletronicamente. Fora que as peças se perdem.” Bruna Reis advogada do Rio de Janeiro
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Capa direito fundamental e que não é a OAB que garante, quem garante é o próprio Judiciário. E o PJe é um sistema do Judiciário, um dos órgãos da República, para a nação brasileira. É uma coisa muito grandiosa. Não adianta querer fazer isso como se fosse a implantação de um equipamento em um tribunal. Tem que ter gestão, tem que ter governança. A implantação deveria ter sido feita nos mesmos moldes do que ocorreu com a Receita Federal com a declaração de imposto de renda”, analisa. A forma de implantação é amplamente criticada pelos advogados, mas não é a única objeção ao PJe. As quedas frequentes do sistema e a instabilidade prejudicam diretamente o trabalho dos advogados. O professor da FGV Direito Rio Luiz Guilherme Migliora acredita que a ideia de peticionar eletronicamente é muito boa, mas a execução é falha. “Para protocolar um único documento, às vezes ficamos mais de três horas tentando. Isso é enlouquecedor, tira o sono do advogado. Fica parecendo que era mais fácil ir ao Fórum”.
Período de adaptação As advogadas Isabela Valentim e Rafaela Fonseca são da área trabalhista e atuam juntas no Veirano Advogados. Isabela concorda que a ideia é boa, mas
que existem problemas na implantação. “O PJe diminui custos, deixa o processo mais próximo do advogado. Facilita muito o nosso trabalho poder acessar o processo a qualquer momento do dia”. Segundo a advogada, o sistema passou por um período de muita instabilidade, mas está melhorando a cada versão. Isabela diz que pôde contar com a razoabilidade do juiz nos casos em que o PJe esteve fora do ar e ela não conseguiu protocolar. “Teve uma situação em que o PJe estava indisponível e eu realmente não consegui protocolar a defesa antes da audiência, mas contei com a razoabilidade do juiz, que foi coerente e me deu um prazo maior para eu protocolar. Se as instabilidades forem acompanhadas de uma razoabilidade do juiz, a gente tende a se adaptar melhor. É novo para a gente e é novo para eles também”, comenta. Em agosto, o sistema do PJe-JT do Rio de Janeiro ficou mais de 15 dias fora do ar. Se o sistema fica indisponível por mais de uma hora é emitida uma certidão que comprova a indisponibilidade e pode ser usada como prova para prorrogar os prazos. “Toda vez que você tenta acessar o PJe e não consegue, ele lança uma página dizendo que está fora do ar. É só dar print-screen e mostrar para o juiz que quando tentou, o sistema
Fotos: Mailson Santana
“A Justiça tem que evoluir, mas isso foi feito a toque de caixa, foi jogado para o advogado. O sistema cai e dá vontade de socar o computador, mas ele não tem culpa! É uma falta de respeito! Eu sinto falta de mais suporte das subseções.” Flávia Gonçalves advogada de Nova Iguaçu
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“Teve uma situação em que o PJe estava indisponível e eu realmente não consegui protocolar a defesa antes da audiência, mas contei com a razoabilidade do juiz, que foi coerente e me deu um prazo maior para eu protocolar.”
Foto: Mailson Santana
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As advogadas Isabela Valentim e Rafaela Fonseca acreditam que a dificuldade de adaptação faz parte do processo de mudança.
estava indisponível. Também existe um calendário de indisponibilidade, que serve como prova para prorrogar os prazos, mas ele não aparece automaticamente no sistema”, diz Isabela.
certo controle. Quando você passa para o novo, fica sempre na expectativa ‘será que eu to acompanhando direito? ’Dá aquela sensação que você está esquecendo alguma coisa, mas faz parte da mudança”.
Rafaela acredita que mudanças sempre
Curado, do CNJ, confirma os benefícios do processo eletrônico “Processo eletrônico significa, acima de tudo, maior celeridade, racionalidade,
são complicadas e é preciso se adaptar. “Você está há tanto tempo acostumado com o papel que, querendo ou não, tem
transparência e publicidade dos atos processuais. Significa, também, economia de recursos materiais e de espaços físicos, além de conforto e redução do tempo das pessoas, inclusive advogados, que atuam interna e externamente no Judiciário. Todos ganham com o processo eletrônico”.
“Eles poderiam introduzir de maneira lenta, a substituição foi muito brusca. Se a mudança tivesse sido feita de forma gradativa, os advogados estariam mais preparados.”
“Os juízes não são flexíveis em relação a prazo, acho que caso esteja fora do ar, deveriam aceitar papel. A Justiça do Trabalho é pior que a Estadual.”
Márcio Britto advogado do Rio de Janeiro
Luiz Carlos Azevedo advogado do Rio de Janeiro
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Parlatório Foto: Wilson Dias/Abr
Dr. Deputado Federal Dos 513 eleitos para integrar a Câmara dos Deputados a partir de 2015, 87 declaram-se advogados. Quatorze são do PMDB, partido que mais elegeu candidatos, seguido pelo PT, com 13, e do PSDB, com 12. São Paulo é o maior colégio eleitoral e possui o maior número de parlamentares na Câmara e elegeu 13 dos advogados deputados. Minas Gerais, segundo maior colégio, vem logo depois com 11, entre eles Rodrigo Pacheco, Conselheiro Federal da OAB. O Rio de Janeiro elegeu dez. Amapá, Amazonas e Tocantins foram os únicos estados em que nenhum advogado foi eleito. O cálculo é do site Justificando.
Nobre ajuda O resultado mostra uma bancada respeitável numericamente. O que pode ser de grande valia para a OAB em suas demandas legislativas.
Um Prêmio Jabuti para a Editora FGV
Barreto Advogados amplia seu escritório
O livro “Como decidem as cortes?: para uma crítica do direito (brasileiro)”, de José Rodrigo Rodriguez, editado pela FGV Editora, ficou em primeiro lugar no Prêmio Jabuti 2014, na categoria Direito. Em sua 56ª edição, a premiação, considerada a mais importante do mercado editorial brasileiro, recebeu 2.240 inscrições.
Aliás...
A obra vencedora apresenta, entre outros aspectos, as feições mais marcantes da racionalidade jurídica no Brasil e as características mais gerais do modo de pensar e agir de juízes, advogados, promotores e outros agentes que atuam nesse campo.
A Barreto Advogados, especializada em Direito do Trabalho, amplia em 20% seu espaço no Centro do Rio de Janeiro e tem expectativa de novas contratações. A banca conta ainda com um escritório em Macaé.
Cristiano Barreto, sócio da banca, foi condecorado com Grau Comendador na Ordem do Mérito Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT/RJ). A solenidade de entrega da condecoração aconteceu em 21 de novembro, no Prédio-Sede do Tribunal Regional. A Ordem do Mérito Judiciário do TRT/RJ é entregue em homenagem a juslaboralistas eminentes e personalidades que tenham prestado serviços relevantes à cultura jurídica e à Justiça do Trabalho.
Foto: Ari Kaye
João Basílio, Ana Basílio e Bruno di Marino
38 anos em plena ascensão
Um dos maiores escritórios da América Latina, o TozziniFreire Advogados completa 38 anos e comemora o aumento de 25% no faturamento de 2013, em relação ao ano anterior. Com crescimento bem superior ao da economia do País no mesmo período, o escritório atribui o resultado, principalmente, à dedicação de seus profissionais e à busca incessante por excelência na qualidade técnica e no atendimento aos clientes. “Nossos resultados confirmam o reconhecimento do mercado”, afirma Fernando Eduardo Serec, CEO e sócio do escritório.
Bruno di Marino lança primeiro livro em Ipanema
Os advogados João Basilio e Ana Basilio prestigiam o lançamento do primeiro livro do advogado Bruno Di Marino “Mito e Direito – a festa de Eros”, realizado na Livraria da Travessa de Ipanema. Através da obra, o autor pretende retomar a tradição grega do uso do mito como uma narrativa que organiza um conhecimento sobre a realidade, reunindo fundamentos racionais e emotivos.
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Carreira
Foto: Shutterstock
de importância de causas. A matéria precisa ser analisada do ponto de vista do cidadão, que é o que mais interessa à advocacia, à cidadania e ao Estado brasileiro. Assim como não há cidadão de primeira e de segunda classe, também não pode haver advogados de primeira e de segunda classe, um aprovado no Exame de Ordem e outro não. Quem seria escolhido para representar o cidadão? Não há como diferenciar um ato processual como mais importante ou menos importante. Tal medida causaria prejuízo irreparável no direito de defesa. Como não há cálculo absoluto sobre qual causa é mais importante, o ‘paralegal’ é, na ordem jurídica, inadequado do ponto de vista do cidadão”, afirma.
Nova carreira deve ser alternativa para os bacharéis que não têm registro na OAB. Matéria vai para o Senado
“A grande questão da formação jurídica é que, mesmo graduado, sem o Exame de Ordem, o bacharel em Direito não tem profissão” 26
A
aprovação do Projeto de Lei 5.479/13 pela Comissão de Constituição de Justiça da Câmara dos Deputados causou furor no mundo jurídico e gera muita controvérsia. Trata-se do projeto que cria no Brasil a profissão de paralegal, um grau intermediário entre o advogado e o estagiário, que seria ocupado pelos quase cinco milhões de bacharéis em Direito que não logram êxito no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado, se posicionou contra o projeto de lei. Segundo ele, a figura do paralegal causa prejuízo irreparável no direito de defesa do cidadão. “Não há cidadãos de primeira linha e de segunda linha, assim como não pode haver diferenciação
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Para Leonardo Rabelo, coordenador do curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida, a função do paralegal já existe na prática. “Quem conclui o curso e não passa no exame da OAB trabalha nos escritórios como assessor jurídico, assistente jurídico ou consultor jurídico. Faz a elaboração de peças, mas não advoga. Essa lei vem para regulamentar uma situação de fato”, ressalta. Rabelo ainda acredita que os bacharéis serão os principais beneficiados caso a lei seja aprovada. “A grande questão da formação jurídica é que, mesmo graduado, sem o Exame de Ordem, o bacharel em Direito não tem profissão. A criação da profissão de paralegal dará dignidade a essas pessoas, um sentimento de pertencimento a uma categoria”. O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, é a favor do projeto, porém com ressalvas. “No Rio de Janeiro, apenas 8% dos inscritos são aprovados no Exame de Ordem. O que significa a existência de um grande contingente de bacharéis
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incapaz de exercer a sua condição de estagiário e tampouco advogar. O objetivo do paralegal – que em nada se assemelha ao modelo americano e que eu prefiro chamar de ‘residência jurídica’ – seria a tentativa de solucionar este imbróglio, propondo a ampliação de um período de estágio por até dois anos, facultando ao bacharel à continuidade do exercício de atividades jurídicas”, recomenda. O coordenador estadual do Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito no Rio de Janeiro, Vanderson Claudino, expõe que a posição do movimento sobre a lei é de neutralidade. “Nosso maior desejo atualmente é o fim da taxa de inscrição do Exame de Ordem e, no futuro, a extinção do exame”. Santa Cruz ressalta que a seccional fluminense é totalmente a favor da realização do Exame de Ordem e o classifica como uma conquista que qualifica de forma meritocrática a excelência dos candidatos e, consecutivamente, dos profissionais advogados. “A residência do paralegal é uma forma de o bacharel ampliar o aprendizado, o que permite a preparação de profissionais cada vez mais qualificados e aptos a passar no Exame”, completa. Ele acredita que o período de dois anos – portanto, seis Exames de Ordem Unificados – é suficiente para que o bacharel adquira experiência sob a supervisão técnica de um advogado regularmente habilitado e obtenha a aprovação no Exame de Ordem. Luciane Matias Bauman, advogada e sócia do Matias Advogados Associados, ressalta que o modelo americano é totalmente diferente do que pretendem implantar no Brasil. “Nos Estados Unidos existe um curso específico para ser paralegal, uma espécie de
curso técnico. Lá eles fazem pesquisas, jurisprudência, a parte administrativa jurídica e existe um teste que qualifica o paralegal. Aqui não está sendo feito assim. Eu atualmente contrato assistentes jurídicos, que são regidos pela CLT e acompanhados por um advogado. O mercado apresenta essa demanda”. Luciane acredita que o ideal seria a criação de uma nova profissão, que atenderia a um grupo que não tivesse tanto tempo para se dedicar a um curso de Direito e quisesse ser paralegal. “A prova da OAB hoje é essencial. Infelizmente existem pessoas que não estão preparadas para advogar. Por isso acredito que, da mesma forma que um estagiário para ser contratado por um escritório tem que estar regularmente matriculado em um curso superior, um paralegal poderia estar vinculado a um curso preparatório para o Exame de Ordem. É preciso que, caso a lei seja aprovada, eles sejam incentivados a não parar de estudar, já que eles só poderão ser paralegais por um período e depois disso voltam pro limbo dos cinco milhões que não foram aprovados. Se uma nova profissão fosse criada seria diferente”, adverte. Trabalhando há dois anos como assistente jurídico no Matias Advogados Associados, Carlos Renato Bittencourt seria considerado paralegal caso a lei já tivesse sido aprovada. Ele se diz favorável à limitação de tempo, pois acredita que é razoável para se preparar para o Exame de Ordem ou para um concurso público. Na lei original, o paralegal atuaria por tempo indeterminado, mas no texto que será submetido à aprovação do Senado Federal, o período de atuação foi limitado para três anos. Bittencourt acredita que essa limitação do prazo impede a criação da figura do “quase-advogado”.
“A residência do paralegal é uma forma de o bacharel ampliar o aprendizado, o que permite a preparação de profissionais cada vez mais qualificados e aptos a passar no Exame” “A lei beneficiará quem aproveitar a oportunidade para estudar para a prova da OAB ou para concursos. Ela dará oportunidade de crescimento à pessoa que está sem vez na própria área”, comenta. Relator da lei, o deputado federal Fábio Trad ressalta o reconhecimento que será dado aos bacharéis e que estes auxiliarão o trabalho do advogado. “Ganham os advogados, os paralegais, a Justiça e a própria OAB, que aumentará o seu repasse”. O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, desconhece a informação de que o paralegal também pagaria uma anuidade proporcional ou teria uma carteirinha. “A OAB/RJ entende que o projeto busca uma solução imediata para milhares de bacharéis que não conseguem a aprovação e precisam de estímulo para continuar no mercado, mas sem perder o foco da aprovação do exame”. (NM)
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Foto: Alina Massuca
Perfil: Silvia Correia
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Procuradora, advogada e professora, Silvia Correia exemplifica como pensam algumas das novas cabeças do Direito, que ainda sonham com um modelo de Justiça em que os cidadãos tenham, de fato, tratamento justo e igualitário Por Nádia Mendes
nmendes@gazetadoadvogado.adv.br
N
o momento em que o país clama por renovação, há quem acredite na força do Direito como instrumento de mudança social. Uma dessas vozes é a de Silvia Correia, advogada trabalhista que dedica boa parte do seu tempo à formação de jovens colegas em disputados cursos e palestras no Rio de Janeiro. Um dos últimos, ministrado na OAB/RJ, teve lotação esgotada a duas semanas do início. De uma família sem tradição na advocacia, Silvia é um dos exemplos de profissionais que galgam cada degrau da carreira por seus próprios méritos. A motivação, obviamente, passa pelo sucesso pessoal, mas também inclui uma boa dose de certeza do papel do operador do Direito como agente de transformação.
Formada em Direito com apenas 21 anos de idade, ela conta ter se apaixonado à primeira vista pela área trabalhista, devido à “importância medular para a sociedade e economia do país”. Hoje, aos 39, Silvia já acumula 18 anos de experiência na área e diz acreditar que somente “com a união harmoniosa entre capital e trabalho, o Brasil poderá ser verdadeiramente uma grande potência”. Desde 2004, Silvia é Procuradora no contencioso trabalhista da Infraero e atua na defesa dos interesses da empresa em processos trabalhistas. E diz se sentir abençoada por poder trabalhar em sua especialidade. “Eu tenho a oportunidade de trabalhar com o que gosto: Direito Material e Processual do Trabalho. Lamentavelmente, há muitos profissionais que trabalham em atividades, áreas, linhas
de atuação completamente diversas da sua formação pela dependência econômica, e muitas das vezes sem prazer”. Há 13 anos dá aulas de Direito Material e Processual do Trabalho e de Direito Previdenciário. Ser professora é uma atividade que ela exerce com muita paixão. Cita a poetisa goiana Cora Coralina para definir o que pensa sobre a docência: “feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”, e completa que acha fantástico dividir o conhecimento e contribuir para o conhecimento dos outros. “Nas minhas aulas, gosto de trazer leveza e cordialidade. Tento apresentar o tema indicando seus conceitos legais, sua interpretação jurisprudencial e sua aplicação prática sem segredos. O ‘pulo
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Perfil: Silvia Correia do gato’ é dito sem rodeios. É muito bom mostrar ao aluno as soluções jurídicas e os meios para alcançá-las. Melhor ainda quando o aluno, tempos depois, vem contar com orgulho que obteve sucesso num caso prático a partir do que aprendeu nas aulas. Esse é o salário moral”. E essa relação com os alunos é constante, mesmo depois que as aulas terminam. Silvia ainda mantém contato, por e-mail, com mais de mil ex-alunos, a quem procura responder aos questionamentos quase diários.
Foto: Acervo Pessoal
Formatura em Direito, aos 21 anos
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Foto: Lula Aparício (OAB-RJ)
Por acompanhar de tão perto o desenvolvimento de novos advogados, ela defende que a formação em Direito é belíssima e extremamente rica, mas precisa estar de acordo com a realidade da sociedade e do universo jurídico. “O processo é só uma peça dentro de uma engrenagem. Temos leis em excesso e soluções de menos apara atender às diferenças sociais e econômicas de nosso povo. Temos penas e multas para uma série de ilícitos, e pouca efetividade. Eis o grande problema: ganha-se, mas não se leva, nem se satisfaz”, critica.
Em palestra na OABExpo
Para mudar o cenário atual, ela sugere que a nova geração de advogados use o conhecimento absorvido para lutar de forma digna por justiça. Ela acredita que a forma de revolucionar e trazer novas ideias para o Direito é através do conhecimento. “É preciso enxergar, aprender com boas práticas, bons exemplos, estudá-los, adaptá-los à nossa realidade e aplicá-los. Cabe ao advogado criar e oferecer soluções adequadas em cada caso que atuar, esforçando-se efetivamente e com comprometimento para resolver a lide, e não eternizá-la”. Essa necessidade de mudanças no Direito é reflexo da transformação que a sociedade precisa. “O povo que saiu às ruas está no limite da exaustão. Já não tolera a corrupção endêmica, o desprezo, o abismo social e a injustiça”, reflete. “Ninguém ignora que políticos, jornalistas e magistrados, sob o pretexto dos poderes que lhes são próprios, fazem o que querem, como e quando querem. Assim, notícias condenam inocentes a não serem esquecidos.
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Leis libertam culpados e chancelam suas fraudes. Sentenças convalidam o erro de modo irreversível. A liberdade legislativa, a liberdade de imprensa e o poder jurisdicional, harmônicos entre si, soterram a mínima concepção de verdadeira igualdade” critica. Para Silvia, dentre os Poderes do Estado, o Judiciário é o mais próximo do cidadão, pois os jurisdicionados podem ver, ouvir e falar com os magistrados cuja decisão interferirá diretamente em suas vidas. Ela ainda ressalta que é preciso resgatar a confiança no Judiciário. “Se é garantia constitucional o tratamento justo e igualitário, a esperança deveria estar na Justiça, ainda que ela esteja lenta, cega, surda e muda”, dispara. “Somente o trabalho sério, comprometido, e a postura humana podem reacender a credibilidade. O poder de decidir não quer dizer decidir de qualquer jeito. Austeridade não se confunde com arrogância. Seriedade não quer dizer superioridade. E o poder de decidir não é o poder de livre agir”, filosofa.
ANO I - edição 4 Foto: Infraero
Procuradora da Infraero, Sílvia posa com aeroporto ao fundo
Silvia ainda defende que uma reforma do Judiciário deve passar pela alteração dos critérios para o concurso de ingresso da Magistratura. “Experiência profissional advocatícia, idade mínima e conhecimentos acadêmicos devem ser prestigiados no critério de seleção. A qualidade de seus membros cuidará de promover a renovação necessária em sua atuação”. Ela integrou a lista sêxtupla do Quinto Constitucional para o TRT da 1ª Região por três vezes, indicada pela OAB/RJ. Em 2013, integrou em primeiro lugar com a maioria dos votos dos desembargadores do TRT do RJ e defende a importância do Quinto como forma de permitir que haja nos tribunais do país uma visão realista e atual dos litígios e da atuação forense. “A prática advocatícia, aliada à formação acadêmica e à docência é o somatório minimamente razoável para se garantir acessos qualitativos às vagas do Quinto Constitucional. Até porque é crucial que o magistrado tenha experiência no fórum e conheça bem todo o caminho processual e as teses jurídicas que possam surgir dos debates nos autos”, completa.
Foto: Francisco Teixeira (OAB-RJ)
Como debatedora, em evento de 2012
Com uma rotina assim tão cheia, ela procura conciliar as funções de procuradora, advogada e consultora trabalhista, professora, coordenadora acadêmica de cursos jurídicos e palestrante convidada de eventos jurídicos com atividades prazerosas, para manter a qualidade de vida. Nas poucas horas vagas, Silvia diz priorizar o bem-estar, encontrar pessoas queridas e cuidar de si mesma. E sempre encontra tempo para a família, em especial o filho, de cinco anos. “Adoramos jogos de adivinhação e memorização,
mas tudo que causa risadas já vale. O contato com a alegria e o afeto de uma criança é uma catarse”, diz. Outra atividade que tem presença certa na vida de Silvia é a corrida. “Amo correr. É um hobby e um cuidado com o corpo que estimula desafios e renova a mente. Atualmente, meus percursos ficam entre 6 e 10 km. Participo de corridas até duas vezes por ano e tenho algumas medalhas”, se orgulha. Mesmo já tendo alcançado muitas metas sendo tão jovem, ela diz que ainda tem muitos sonhos. “Sou apenas uma advogada que trabalha muito e que tem muitos sonhos. Aliás, meus sonhos já alcançaram o status de utopia”, ri. “Quero contribuir para uma Justiça melhor e ver o resultado disso, ainda que de uma forma bem pequena. Enquanto isso, minha meta se resume a conseguir mais tempo livre sem deixar de fazer o que tanto gosto. Como diz o escritor uruguaio Eduardo Galeano, ‘para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar’, ou seja, os sonhos e utopias que sempre estão à nossa frente, parecendo que jamais serão alcançados, servem para nos fazer caminhar em sua direção, para nos fazer seguir em frente. E assim lá vou eu. Seguindo”.
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Opinião: Reis Friede
Aborto: O custo da Foto: Divulgação
criminalização Reis Friede*
U
ma sociedade que se pretende democrática não pode “criminalizar” um desejo legítimo de não ter filhos indesejáveis, até porque a simples proibição não possui a efetividade de evitar a prática, como bem demonstram os assustadores números envolvidos: apenas entre 2004 e 2013, cerca de 9 milhões de mulheres interromperam a gestação no Brasil, conforme dados da Organização PanAmericana de Saúde. Dados da Pesquisa Nacional de Aborto, PNA, também indicam que, no Brasil, uma em cada cinco mulheres com até quarenta anos já fizeram aborto, comumente realizado nas idades que compõem o centro do período reprodutivo feminino, isto é, entre 18 e 29 anos. A pesquisa aponta também que a religião não é um fator importante para a diferenciação das mulheres no que diz respeito à realização de tal prática, uma vez que reflete a composição religiosa do país: a maioria dos abortos foi feita por católicas, seguidas de protestantes e evangélicas e, finalmente, por mulheres de outras religiões ou sem religião, (DINIZ & MEDEIROS, 2014).
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Na verdade, há no Brasil um quadro paradoxal, pois enquanto cerca de 800.000 mulheres, todos os anos, interrompem a gravidez, milhares de famílias aguardam nas intermináveis filas de adoção em busca da realização do sonho de ter um filho. Ao criminalizar ambas as práticas, o aborto e a adoção direta, o Estado brasileiro conseguiu alguns notáveis feitos, em um mix de ignorância e autoritarismo: por um lado, gastar mais de 140 milhões de reais por ano em internações no SUS por conta de complicações médicas em decorrência de aborto clandestino e incentivar o abandono de recémnascidos nas margens de rios (conforme noticiado constantemente) e, por outro, frustrar casais que se dividem entre gastar milhares de reais em clínicas de fertilização humana ou em morosos e cruéis procedimentos de adoção em que há muito mais candidatos do que crianças aptas para tanto. O depoimento de “X”, de 30 anos, no Jornal O Globo (de 19 de set. de 2014): “O aborto ser ou não legal não teria mudado a minha decisão. Só teria permitido que eu não corresse risco de vida como
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corri”, bem como o de Sidney Ferreira, presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, Cremerj, também ao jornal O Globo (de 25 de set. de 2014): “tenho a comentar sobre o número de mulheres que sofrem com o aborto, elas deveriam ter o direito de realizar este procedimento”, mostram que o assunto precisa ser debatido para muito além da esfera jurídica, pois os gastos com internação (sem falar das mortes e das sequelas) indicam tratar-se de um problema de saúde pública.
“Ao criminalizar ambas as práticas, o aborto e a adoção direta, o Estado brasileiro conseguiu alguns notáveis feitos, em um mix de ignorância e autoritarismo”
ANO I - edição 4
Nesse sentido, os dados da PNA indicam o uso de medicamentos para a indução do último aborto em mais da metade da amostra pesquisada e que a outra metade realizou o procedimento em condições precárias de saúde. Os números de internação pós-aborto contabilizados pela PNA são elevados, ocorrendo em quase a metade dos casos. Tal fenômeno com consequências de saúde tão importantes coloca o aborto em posição de prioridade na agenda de saúde pública do país. (DINIZ & MEDEIROS, 2014). Registre-se que a atual proibição penaliza, sobretudo, a mulher de baixa renda e de baixa escolaridade, que realiza o procedimento em condições sanitárias péssimas, colocando sua vida e sua saúde em risco. Também é oportuno consignar que há apenas quatro mulheres presas por terem abortado, o que por si só revela o quanto resta ineficaz a tipificação penal da prática do aborto. E, ainda, que o Cremerj de 2010 para cá abriu apenas 12 sindicâncias contra médicos acusados de praticar aborto no estado, sendo que a estimativa mais recente revela “que foram realizados no estado do Rio de Janeiro mais de 67 mil abortos somente no ano passado”. (O GLOBO, 25 de set de 2014). Em necessária adição, cabe ressaltar a própria incoerência da legislação penal brasileira, que – partindo da premissa que a vida (e sua proteção) inicia-se na concepção – permite a interrupção da gravidez no caso de estupro, ao incompreensível argumento que, neste caso, a gestante não poderia ser compelida a conviver, no futuro, com alguém que
foi fruto de um momento de terror; ou seja, ceifa-se uma vida por um fato que, embora terrível e lamentável, nada tem a ver com a preservação de outra vida, única hipótese admitida pelo verdadeiro direito penal (v.g., legítima defesa, estado de necessidade e a própria permissão do aborto no caso de risco de vida da gestante). Faz-se urgente e imperativo, portanto, estabelecer a necessária conciliação do reconhecido direito da mulher em não ter filhos com o imperioso direito à preservação da vida do nascituro, o que jamais será alcançado com a simples criminalização da prática do aborto (a despeito de mais de 70 anos de vigência do art. 124 do CP), que apenas tem conduzido, todos os anos, milhares de mulheres ao recurso do abortamento clandestino e inseguro, às vezes em total desespero, e com graves riscos à sua saúde, quando não conduz à sua própria morte, devido ao enorme problema que significa uma gravidez indesejada. No íntimo, não há qualquer dúvida de que todos compartilham dos mesmos valores de preservação da vida humana, seja fetal ou embrionária. A questão, portanto, é como atingir esta aspiração de forma realmente efetiva, considerando também o fato de que um número crescente de casais busca, por anos, a realização de um simples sonho de ter filhos, igualmente frustrados pelo elevadíssimo custo dos procedimentos de inseminação artificial ou pelo complexo e ineficiente sistema de adoção brasileiro, que condena os que
nele se aventuram nas intermináveis e burocráticas listas do Cadastro Nacional de Adoção a uma longa e penosa – e quase sempre frustrante – espera por uma criança disponível (destituída de poder familiar). É fato que ninguém em sã consciência acredita que a melhor forma de evitar que nossos filhos, maiores e cursando uma universidade, gazeteiem as aulas seja através de castigos que impliquem no cerceamento de suas liberdades, posto que tal procedimento seria – a exemplo da criminalização da prática do aborto – igualmente ineficaz. O que fazemos, com grande sucesso, é orientá-los e educá-los, o que igualmente pode ser feito com grande efetividade no caso do aborto, simplesmente afastando a nefasta ingerência do Estado,– com seus permanentes vícios criminalizadores de condutas –, permitindo que os milhares de casais interessados em ter filhos possam, por meio de instituições e/ ou organizações não governamentais, “adotar” o nascituro diretamente das mulheres dispostas a abortar, financiando todos os custos envolvidos em uma gravidez, demovendo-as, sem ineficazes e cruéis ameaças de punição, deste desejo que, no íntimo, não é plenamente verdadeiro, considerando que nenhuma mulher deseja realmente encerrar a vida fetal, mas, sim, apenas exercer o legítimo direito de não ter filhos. *Desembargador Federal e ex-membro do Ministério Público. Mestre e Doutor em Direito pela UFRJ. Professor titular da Universidade Veiga de Almeida e Professor e pesquisador do PPGDL. UNISUAM
REFERÊNCIAS: CASTRO, C. O.; TINOCO, D.; ARAUJO, Vera. Tabu nas campanhas, aborto é feito por 850 mil a cada ano. Rio de Janeiro: Jornal O Globo, de 19 de set. de 2014. DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo. “Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna”. Rio de Janeiro: Ciência e Saúde Coletiva, vol.15 supl.1, june de 2010. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232010000700002&script=sci_arttext. Acesso: 23 de set de 2014. TEIXEIRA, Fabio. “Cremerj: Só 12 casos de aborto em 4 anos”. Rio de Janeiro: Jornal O globo, de 23 de set. de 2014.
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Charge
Frases “Não acredito que essas eleições tenham dividido o país ao meio. Entendo que mobilizaram ideias e emoções às vezes contraditórias, mas movidas por um sentimento: a busca de um futuro melhor para o país.” Dilma Rousseff, presidente reeleita do Brasil, no primeiro
discurso após o resultado das urnas
“Tiveram toda a oportunidade, estiveram acompanhando a divulgação. Nada foi impugnado em momento algum. Perde por pouco e aí fica questionando o sistema eleitoral, que nunca foi questionado no Brasil.” Ministro João Otávio de Noronha, corregedor-geral
da Justiça Eleitoral, sobre o pedido de auditoria nas urnas feito pelo PSDB
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“Curiosamente, quanto mais pobre a região mais caro o voto. Isso se dá porque a disputa pelo voto comprado é mais intensa, já que essa é a principal forma de obtenção de votos. Isso faz com que o mercado se inflacione. Nas minhas pesquisas e observações, eu encontrei uma variação este ano entre R$ 50 e R$ 200 o voto.” Márlon Reis, juiz de Direito e um dos idealizadores da Lei da
Ficha Limpa
“Ele é juiz, mas não é Deus!” Luciana Silva Tamburini, agente da Operação Lei
Seca, ao abordar o juiz João Carlos de Souza Correa em uma blitz, sem documentos, com veículo sem placa e sem habilitação. Ela foi condenada a indenizá-lo em R$ 5 mil por dano moral
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