ANO I - edição 3
Ago/Set 2014 - GAZETA DO ADVOGADO: A REVISTA DE QUEM PENSA DIREITO
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Entrevista: Maria Elizabeth Teixeira Rocha Capa
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Sumário ENTREVISTA.........................................................06
Entrevista
Maria Elizabeth Teixeira Rocha: Temos que mostrar quem somos
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FÓRUM DE IDEIAS................................................14 Fim da discriminação tributária
CAPA.......................................................................18
Fórum de Ideias
Quem quer ser juiz leigo?
PARLATÓRIO........................................................25
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CARREIRA.............................................................26 Um mergulho no mais humano dos direitos
PERFIL....................................................................28
Capa
William Douglas
OPINIÃO.................................................................32 Marcello Rodante: Divórcio Colaborativo: Nova Opção
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CHARGE E FRASES..............................................34
CARTA DOS LEITORES
Perfil
Para a satisfação de nossos leitores, a Gazeta do Advogado abrirá espaço, a partir da próxima edição, para que você possa sugerir, criticar e comentar as publicações anteriores. Envie um e-mail para
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Expediente CARTA AO LEITOR O acúmulo de processos é o grande gargalo do Judiciário brasileiro. As razões são as mais diversas, do excesso de recursos à carência de mão-de-obra. Cada vez mais demandados pelo cidadão, os magistrados não conseguem se livrar dos estoques, por mais que trabalhem. E foi para aliviar o problema que surgiu a figura do juiz leigo, um advogado com poder para realizar audiências e alinhavar acordos. Os tribunais vinham selecionando os seus a partir de critérios definidos por eles mesmos. Mas o Conselho Nacional de Justiça decidiu estabelecer um padrão. O modelo de contratação, porém, vem recebendo críticas e, a julgar pelo pleito em andamento no Rio de Janeiro, afastando candidatos. Todo mundo se acostumou a associar a imagem de estouro da boiada quando se pensa em concurso público no Brasil. Esqueça! A seleção para os 200 juízes leigos do TJRJ atraiu menos de 2 mil candidatos, causando estranhamento na própria direção do órgão. Poucos se dispuseram a encarar uma atividade sem remuneração fixa ou qualquer outro benefício trabalhista, ainda que por um trabalho temporário. Não há absolutamente nada de irregular no concurso do TJRJ, que segue estritamente as determinações do CNJ. A pergunta que fica é por que uma atividade tão importante, apontada por muitos como panaceia para o mal da morosidade, não mereceu a deferência de oferecer, pelo menos, os benefícios trabalhistas mais elementares? É essa discussão que nossa reportagem de Capa quer levantar.
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www.gazetadoadvogado.adv.br EDIÇÃO Débora Diniz
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REPORTAGEM Nádia Mendes
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Mas nem tudo é decepção para a advocacia. Acaba de ser sancionada a lei que permite a inclusão da atividade no SuperSimples, uma medida com potencial para aliviar o bolso do advogado e aumentar significativamente o número de escritórios no País. Esta edição mostra como foi a tramitação no Congresso e o que muda a partir de agora. E por falar em concursos, a Gazeta do Advogado apresenta uma autoridade no assunto: o juiz federal William Douglas, considerado o guru dos concurseiros, personagem da seção Perfil. Aprovado em sete concursos depois de amargar sucessivas reprovações, ele passou a dedicar boa parte do seu tempo a ajudar aos que querem melhorar seu desempenho, seja por meio de palestras ou de livros que vendem como água. Outra autoridade destacada nesta edição derrubou um tabu. Nova presidente do Superior Tribunal Militar, Maria Elizabeth Teixeira Rocha é a primeira mulher a ocupar o posto em 206 anos da Corte. E chega com ideias progressistas, como a inserção irrestrita de gays e mulheres nas forças armadas e a abertura dos arquivos da ditadura. Que bons ventos a tragam. Boa Leitura!
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EDIÇÃO DE ARTE Natalia Sttrazzeri
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A EDITORA
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Entrevista: Maria Elizabeth Teixeira Rocha Fotos: Plínio Xavier - STM
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“Temos que
mostrar quem somos” Por Débora Diniz
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or mais paradoxal que pareça, a Justiça Militar foi uma das poucas trincheiras de resistência à ditadura. Graças a liminares expedidas em habeas corpus pelos ministros do Superior Tribunal Militar (STM), muitos presos políticos ganharam a liberdade antes que pudessem ser levados para os porões do regime. É essa história que Maria Elizabeth Teixeira Rocha, recém-empossada presidente da Corte, quer contar à sociedade. “Existe um desconhecimento muito grande, inclusive por parte dos operadores do Direito”, lamenta. Primeira mulher a ocupar o cargo em 206 anos de existência da Corte, a ministra chega à Casa com ideias que em nada lembram o perfil normalmente atribuído aos homens da caserna: defende a abertura dos arquivos da ditadura, é favorável ao ingresso das mulheres nas Forças Armadas de forma
irrestrita e acha “inadmissível” que homossexuais ainda sejam impedidos de se assumir nos quarteis. Doutora em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Maria Elizabeth leciona desde os 23 anos e possui vasta produção acadêmica. O Direito, como ela diz, está no próprio DNA.
Qual o sentimento de ser a primeira mulher a presidir a mais alta corte da Justiça Militar? É um desafio muito grande, mas, ao mesmo tempo, me sinto muito honrada. Tenho a consciência da responsabilidade que é ser a primeira mulher à frente de uma corte que é ainda um reduto de homens. Além de as Forças Armadas serem uma instituição muito masculina, apesar de já terem mulheres em suas fileiras, o Superior
Tribunal Militar teve a sensibilidade de indicar, no Dia Internacional da Mulher, em 2007, uma mulher para compô-lo. É a corte mais antiga do Brasil e nenhum outro chefe de estado tinha se dado conta da importância da questão de gênero ali. É uma alegria porque a corte tem uma tradição muito grande, uma jurisprudência, ao contrário do que muitas pessoas pensam. Jurisprudência essa que sempre fortaleceu o Estado Democrático de Direito, na medida em que sempre defendeu a democracia, nos mais duros anos de regime militar. Defendeu a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, o direito de greve, enfim, todo esse plexo de garantias hoje consagradas, mas que foram arrancadas a duras penas do Poder Judiciário naquele período da nossa história. Acredito que isso faz parte de um movimento irreversível
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Fotos: Odair Freire - STM
Entrevista: Maria Elizabeth Teixeira Rocha
de empoderamento feminino. Não tenho a menor dúvida de que as mulheres têm alcançado espaços públicos e privados cada vez maiores e que isso é consequência inevitável do fortalecimento dos direitos individuais e dos direitos humanos.
A maioria das pessoas não sabe que a Justiça Militar assegurou os direitos de muitos presos políticos durante a ditadura. A que podemos atribuir esse desconhecimento? A sociedade civil não conhecer eu até posso entender, já que não existe o conhecimento técnico sobre o Poder Judiciário em geral, mas dentro da própria sociedade jurídica, os operadores do Direito muitas vezes desconhecem o papel da Justiça Militar. Nós somos confundidos com as justiças militares estaduais, que também têm um papel muito importante, mas que tem uma jurisdição completamente diferente da nossa. A justiça estadual julga os crimes somente dos militares estaduais, ou seja, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros (não julga Polícia Civil). A Justiça Militar da União julga
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civis e militares pelos crimes contra as instituições militares, ou seja, Marinha, Exército e Aeronáutica, e contra a administração militar. Para além dessa questão, a Justiça Militar teve papel primordial para a garantia do estado de direito nos anos de chumbo. A primeira liminar em habeas corpus foi dada pelo STM e serviu de precedente para o Supremo Tribunal Federal. Antes mesmo de julgar o habeas corpus, o juiz concedeu uma medida liminar, antecipando a decisão de mérito. Com isso, o STM salvou muitas vidas, como foi dito pelos próprios advogados que atuaram nesse período, como Luiz Cláudio Fragoso, Técio Lins e Silva e o Dr. Sobral (Pinto).
Mas o AI-5 cassou o habeas corpus para crimes políticos... Essa foi uma maneira de cercear a liberdade dos presos políticos e impedir que eles tivessem algum recurso processual para ir ao Tribunal. Quando o AI-5 estendeu a impetração do habeas corpus para crimes políticos, o STM criou o Direito de Petição, que não existia. Era como se fosse um
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substituto do habeas corpus e foi um instrumento que também salvou vidas. Na medida em que o comandante tinha que prestar contas de um preso político que estava em uma dependência militar, esse preso não podia morrer, não podia desaparecer. Sabiam onde ele estava. Outro exemplo significativo foi a instituição da Lei de Segurança Nacional, que vedava qualquer tipo de manifestação e a liberdade de expressão. O STM se pronunciou no sentido de que palavras danosas que poderiam provocar incômodo sobre aquelas pessoas não poderiam configurar crime contra Segurança Nacional, defendendo com isso o direito da imprensa e a liberdade de expressão. A greve por melhoria salarial, vedada por lei, também não constituiria crime contra a Segurança Nacional.
Antes mesmo do golpe de 64, o STM protagonizou alguns episódios importantes de preservação dos direitos políticos. Como foi essa atuação? Infelizmente, o Brasil sempre viveu surtos institucionais com períodos de normalidade e ditadura. Durante a ditadura de Vargas, que foi duríssima e que hoje é esquecida, o STM, que era sediado no Rio, concedeu liminar para Luiz Carlos Prestes e João Mangabeira, deputado federal na época e que tinha sido preso por um voto de minerva do Tribunal de Salvação Nacional de Vargas. Normalmente o voto de minerva é para beneficiar o réu, nunca para prejudicar. Não sei como os advogados, que eram pessoas que lutavam em prol da liberdade, descobriram isso, porque a votação era secreta, correram para o STM e este concedeu a ordem de livramento para João Mangabeira. Ele
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faz um discurso muito bacana, quando reassume as funções de parlamentar no Congresso, e exalta o papel da Justiça Militar: “finalmente fui julgado por uma corte de Justiça”. Uma coisa muito interessante que eu descobri por acaso e que só sei porque também sou professora e gosto de pesquisar documentos históricos é o manifesto, assinado por unanimidade pelos ministros militares, contra as torturas e sevícias praticadas no regime. Nenhum tribunal do país, nenhuma corte de justiça se pronunciou nesse sentido. O único tribunal que teve coragem de se posicionar contra a tortura e as sevícias foi o STM.
O que pode ser feito para aproximar a Corte da sociedade? Eu tenho um projeto muito grande que é o de resgate da memória do STM e a necessária transparência. Tenho nove meses de mandato e um objetivo primordial que é digitalizar nossos processos históricos que começam em 1808, no Império, até os dias atuais, tendo como marco a promulgação da Constituição de 1988. Nesse período, temos documentos da Confederação do Equador, do Movimento Tenentista, da Intentona Comunista, da Revolução de 30, documentos do Império, enfim um acervo muito bacana que eu quero resgatar e colocar à disposição dos pesquisadores, dos jornalistas, para que eles possam então conhecer a nossa história. Esse é o primeiro passo: mostrar quem nós somos, mostrar a nossa cara. Também queremos promover exposições com o áudio das defesas que ocorreram durante o regime ditatorial, temos as sessões secretas e as sessões abertas. Todas as gravações abertas, que eram feitas em rolo, já estão em mídia digital. Já as sessões secretas, que devem
somar umas 2 mil horas de gravação, têm a voz de Sobral Pinto, José Carlos Dias, Elano Cláudio Fragoso, Técio Lins e Silva, Fernando Fragoso, todos esses grandes advogados que subiram na tribuna para lutar pela liberdade no Brasil. Só nós temos essas vozes. Vamos licitar para converter tudo em mídia digital para que essa memória não se perca. Quero colocar isso no nosso museu, junto de todo aquele mobiliário do Império, e colocar fones para que os estudantes ouçam as vozes da defesa do Brasil, além de colocar essa mídia no nosso site para quem quiser acessar.
O que significa uma mulher chegar à presidência da mais alta corte militar no ano do cinquentenário da ditadura? Acho que é a história que está sendo construída de uma forma diferente. Isso representa o fortalecimento da democracia, na medida em que uma mulher passa a ser presidente de uma corte militar e uma presidente da república que foi guerrilheira hoje é a chefe das Forças Armadas. Isso tem um significado muito grande. Esses 50 anos representam o resgate da memória que deve ser preservada para que a história não se repita. É um sinalizador de que devemos fortalecer a democracia e
“Acho que é a história que está sendo construída de uma forma diferente. Isso representa o fortalecimento da democracia, na medida em que uma mulher passa a ser presidente de uma corte militar e uma presidente da república que foi guerrilheira hoje é a chefe das Forças Armadas”
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Entrevista: Maria Elizabeth Teixeira Rocha seguir adiante. Por outro lado, também serve para reconhecer o papel das Forças Armadas como instituições de defesas do Estado que não têm rigorosamente nada a ver com o legado das gerações anteriores e seguir a nossa trajetória em prol da democracia, dos direitos civis e dos direitos humanos. É uma sincronia política que realmente sinaliza que a história está mudando para melhor e que somos nós que devemos construíla. Uma frase de Karl Marx diz que os homens é que constroem a sua própria história. Nós estamos construindo a história do Brasil de amanhã.
Qual sua opinião a respeito da abertura dos arquivos da ditadura? É favorável? Claro! Aliás, não temos que ser a favor ou contra. Hoje há uma lei [da transparência] que determina que todos os documentos devem ser abertos. Chiadeira, protesto, incômodos não tem como impedir. A sociedade não é homogênea, nunca vai ser e acho até bom que haja essas vozes dissidentes para que haja debate e a dialética se instale. A unanimidade é perigosa. Arquivo tem que ser aberto e, sinceramente, nenhuma instituição pública pode se furtar a essa determinação. A questão hoje é saber se ainda há alguma coisa a mais a ser descoberta e onde ela está.
A sociedade tem a visão de que a Justiça Militar é corporativista. A que podemos atribuir essa imagem? É uma grande injustiça, fruto do desconhecimento. Existe um estudo da Fundação Getúlio Vargas que indica que a Justiça Militar é uma das mais duras e uma das que mais condenam. O código militar é diferenciado do código penal comum porque tutela bem sobre hierarquia e disciplina, que são
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previstos constitucionalmente como os pilares das Forças Armadas, que não podem se desorganizar porque homens que portam as armas da nação têm de estar submetidos a uma escala de comando rígida. Um pequeno desvio que na sociedade civil não é nem criminalizado é a questão da maconha. Segundo a nova lei antidrogas, a pessoa que usa psicotrópicos, cigarro de maconha e etc. fora do quartel não deve sequer ser penalizada. Dentro do quartel, a postura é diferente. Já julguei um caso que considero bastante grave de um garoto de 18 anos, um menino que está prestando o serviço militar obrigatório, que encosta um civil na parede e fuma um cigarrinho de maconha. Acho isso gravíssimo! Ele vai estar de sentinela de um quartel, segurando um fuzil e não vai estar com os seus sentidos devidamente no lugar. Não sou da teoria do encarceramento, acho que o direito penal deve intervir minimamente e que prisão é só para psicopata, isto é, gente que não pode viver em sociedade e tem que ser segregada. Acredito muito no direito penal garantido, que reabilita, que ressocializa o detento. Isso sim é importante. Já o direito militar
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“Arquivo tem que ser aberto e, sinceramente, nenhuma instituição pública pode se furtar a essa determinação. A questão hoje é saber se ainda há alguma coisa a mais a ser descoberta e onde ela está”
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tem uns vieses diferenciados exatamente porque a gente tem armas e a sociedade civil não pode ficar exposta ao caos de homens armados.
Mas não existe certa condescendência do militar ao julgar seus pares? A corte é formada em sua maioria por militares e os militares têm a visão diferenciada, muito mais rígida. Quanto mais alta é a patente, maior o rigor do julgamento. Recentemente, fui relatora de um processo de estelionato cometido pelo coronel de uma provisão de suprimentos, que era o chefe da quadrilha. A pena foi extremamente rigorosa. Nos últimos dados sobre a credibilidade das instituições no Brasil, as Forças Armadas vieram em primeiro lugar, antes mesmo da Igreja Católica. Apesar do regime militar e da ditadura, que faz parte de outro viés, têm a respeitabilidade da sociedade. A Justiça Militar da União tem consciência disso, até porque a sua maioria é formada por militares e eles têm o cuidado de salvaguardar essa imagem diante da sociedade e da própria Força. Aquele que erra dentro das Forças Armadas deve que saber que terá uma punição. E quando ele é punido, o outro vai pensar duas vezes antes de errar.
Por que, apesar dos avanços na sociedade, a participação da mulher nas Forças Armadas ainda é menor quantitativamente? Creio que é menor qualitativamente também. Ainda há uma grande trajetória a seguir para a efetiva igualação das mulheres. A Aeronáutica foi pioneira e as mulheres podem pilotar caças, que é a destinação final da Força Aérea. Na Marinha e no Exército isso não acontece. No Exército elas não podem ser cavaleiras, nem infantes e nem artilheiras. Na Marinha, não podem nem ser fuzileiras
e nem entrar para a Armada Naval, sequer podem entrar para a Escola Naval. Vejo aí uma discriminação de gênero com relação à mulher nas Forças Armadas e na sociedade como um todo. É um trabalho em favor da igualdade de gêneros que vai demandar tempo e políticas públicas do chefe de estado, que é o chefe maior das Forças Armadas, para que essas diferenciações sejam suprimidas. Alguns podem dizer que devido ao porte físico mais delicado as mulheres não podem ser artilheiras, não podem pegar no fuzil, mas isso não é verdade. As mulheres vão para frente de batalha em Israel, elas estão lá em Guantânamo, então, dizer que elas estão despreparadas fisicamente para atuarem em determinadas áreas é um grande equívoco. O progresso tem que acontecer paulatinamente, mas esses espaços que ainda não são ocupados por nós devem, ao longo do tempo, ter uma política revertida ao nosso favor.
verdade, não há lei que determine que o homossexual não possa ingressar nas Forças Armadas. Não tem e não poderia ter porque confronta diretamente o princípio da isonomia e da igualdade previstos na Constituição. Na medida em que os homossexuais são impedidos de servir à pátria como qualquer outro cidadão brasileiro, você está dizendo em última análise que existe cidadão de primeira e segunda classe. Tenho julgado no sentido de defender o direito a sua identidade e de brigar contra a exclusão, os americanos chamam de discurso do ódio, onde a sociedade está desigualando o cidadão e o isolando de um convívio fraterno presente nos preâmbulos da Constituição. Essa política que prevalece tacitamente no Brasil era a que prevalecia expressamente nos EUA, a política do “não pergunte, não responda” onde o homossexual podia ingressar nas Forças
E qual a sua opinião sobre a presença de homossexuais? É incrível que no século XXI a gente ainda esteja discutindo a igualdade de direitos das pessoas em razão da sua orientação sexual e de gênero! Isso é realmente incrível e mostra como a civilização ainda está atrasada. Eu sempre defendi nos meus votos e agora falo abertamente nos meus discursos que ninguém pode ser discriminado em razão da sua orientação sexual. Isso faz parte da sua vida privada e o Estado não tem que se comportar como um patrulhador para segregar minorias. É importante que haja um discurso por parte do chefe de Estado no sentido de que essa política de discriminação dos homossexuais seja revogada. Na
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Entrevista: Maria Elizabeth Teixeira Rocha esfera pública nas áreas de Direitos Humanos e Direito Internacional. Acho que consegui fazer uma junção entre o espírito do magistrado e do advogado. A imparcialidade, fundamental para decidir, e o espírito que o advogado tem para defender suas ideias e a justiça.
Qual é o legado que a senhora espera deixar ao fim do mandato?
Armadas, mas não podia se assumir. O Obama cumpriu uma promessa de campanha e conseguiu revogar isso dentro do Congresso. No Brasil, é uma luta que toda a sociedade civil tem que empreender para que seja extirpada. Isso é inadmissível.
Como está sendo a transição da advocacia, sua origem no Direito, para a magistratura? Sou a terceira geração de advogados na família. Meu avô foi advogado, meu pai e eu, com muito orgulho. Posso dizer que a principal diferença entre as funções é a imparcialidade, porque o advogado pode tomar partido, pode defender as suas ideias independentemente da condição do réu, seja ele culpado ou inocente. A parcialidade é a característica que mais me atingiu em um primeiro momento. E como sou extremamente garantista, eu só julgo com base nas provas que estão no processo. É aquilo: “se não
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está nos autos, não está no mundo”. Intimamente, posso até achar que o réu é culpado, mas, se não tiver provas suficientes para condenar, eu não condeno. Ao mesmo tempo, defendo com unhas e dentes o meu ponto de vista, uma importante característica do advogado. Eu trouxe da advocacia esse espírito de embate, de luta. Advogados e juízes estão em posições diferentes dentro do processo, mas o objetivo é comum: a realização da justiça. A experiência da advocacia foi muito importante e trago isso no meu DNA. Primeiro, por ser filha e neta de advogados, e segundo porque tive uma proximidade muito grande com a OAB e o IAB. Sempre convivi muito com eles na faculdade de Direito – eu leciono desde os 23 anos –, e na tribuna. Eu nunca fui uma advogada privada, na verdade, só no início da minha carreira. Sempre fui uma advogada pública. Era procuradora federal, fui aprovada em primeiro lugar, e sempre trabalhei na
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O maior legado é reverter a ideia equivocada que a sociedade civil e mesmo o meio jurídico têm da Justiça Militar da União. Quero mostrar a importância dessa justiça para o Estado Democrático de Direito, porque é uma justiça que defende a estabilidade do regime e do estado como um todo na medida em que consegue controlar com celeridade homens armados. Nossos processos levam mais o menos oito meses entre a primeira e a segunda instância, é célere porque é especializada. Quero aproximar a sociedade civil da Justiça Militar porque nos enclausuramos durante muito tempo. Temos que mostrar quem nós somos. Quando as pessoas tiverem contato com as nossas decisões, lerem e ouvirem nossas defesas, se convencerão por elas mesmas da importância que essa justiça tem para a história do Brasil. Hoje os desafios são diferentes. Não temos mais a decretação de guerras, mas enfrentamos a ameaça do terrorismo, dos narcotraficantes e é necessário ter Forças Armadas bem aparelhadas. Hoje o papel dos militares é muito maior do que defender nossas fronteiras. Hoje defendemos o meio ambiente, fazemos o serviço de ajuda humanitária, atendemos às populações ribeirinhas. A Justiça Militar é importante para controlar esses homens armados em uma sociedade civil desarmada.
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F贸rum de Ideias Foto: Shutterstock
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Fim da discriminação tributária Advocacia é uma das 140 atividades beneficiadas pela Lei que diversifica o acesso ao Simples Nacional, sancionada em clima de vitória histórica
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oram dois anos de tramitação até que, finalmente, o Congresso Nacional aprovasse o projeto de Lei Complementar 201/2012, que amplia o universo de atividades e serviços aptos a serem enquadrados no Simples Nacional – ou Supersimples. No total, são 140 novas atividades, como dentistas, corretores, profissionais de saúde e os advogados, categoria que mais se mobilizou pela aprovação da lei. Com a inclusão no regime diferenciado de
tributação, bancas com faturamento de até R$ 3,6 milhões pagarão alíquota única de 4,5% a 16,85% de tributos. O Simples Nacional é um sistema de tributação diferenciado para as micro e pequenas empresas que reduz em até 40% a carga tributária e unifica oito diferentes impostos em uma única alíquota. A lei também diminui o tempo para abrir uma empresa de 127 para cinco dias e cria um Cadastro
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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“Chamo esse projeto de universalização do Simples”, resumiu a presidente Dilma Rousseff na cerimônia de sanção da lei”
Único Nacional, reduzindo trâmites burocráticos. Antes da ampliação, empresas prestadoras de serviços decorrentes de atividade intelectual, de natureza técnica, científica e desportiva ficavam excluídas do modelo, uma espécie de discriminação tributária que causava grandes prejuízos a diversos profissionais. Agora, o critério deixa de ser a atividade exercida e passa a ser o porte e o faturamento da empresa. Estudos realizados pela OAB Nacional mostram que a inclusão da advocacia no Supersimples deve favorecer a geração de mais de 420 mil empregos com a criação das novas sociedades. Ganha também o governo federal, que verá um aumento expressivo com a formalização dos profissionais.
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A alta carga tributária existente até aqui era a principal responsável pelo baixo índice de advogados integrados formalmente às bancas, algo em torno de 5% dos 126 mil profissionais. Os outros 95% trabalham por conta própria ou são empregados de empresas diversas. A ampliação do modelo simplificado de tributação vai beneficiar, principalmente, o jovem advogado e os escritórios de pequeno porte, que devem saltar dos atuais 20 mil para algo em torno de 126 mil nos próximos cinco anos, segundo estimativas da OAB. A Lei foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff na primeira semana de agosto. Durante a solenidade, o presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ressaltou
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que a mudança representa “ganhos em eficiência, a partir da desburocratização; em justiça, com o estímulo ao pequeno empreendedor; em racionalidade, com a simplificação; em incentivo ao crescimento, com a redução da carga tributária; e, sobretudo, em justiça social, valorizando a capacidade de trabalho e de iniciativa do brasileiro”. Não foi por acaso que a aprovação do PLC em votação plenária no Senado, no dia 16 de julho, ocorreu em clima de festa. De autoria do deputado Vaz de Lima (PSDBSP), o texto cria uma nova tabela para serviços, onde aparecem as atividades agora incluídas. A tabela entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 2015.
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“É uma data histórica. A OAB-RJ trabalhou muito para que este dia chegasse. É uma melhoria financeira que fará diferença no cotidiano dos advogados. Foi uma luta que englobou toda a moralização da entidade, passando pelo aprimoramento do Exame de Ordem, a reestruturação dos serviços prestados e chegando ao Simples, que é um avanço real para o dia a dia do advogado”, comemorou o presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz.
importantíssimos à economia do país tais como advogados, fisioterapeutas, corretores de diversos segmentos, entre outros. Além da ampliação dos limites para o enquadramento das empresas no Simples, em 2012, reduzimos alíquotas e contribuímos para esses 9 milhões de micro e pequenos empresários, número que, tenho certeza, aumentará exponencialmente”, previu a presidente Dilma Rousseff ao sancionar a lei.
Pelo regime de lucro presumido, modelo de tributação ao qual os escritórios estavam inseridos até aqui, a carga tributária chegava a 11,3%, somando-se Imposto de Renda, CSLL, PIS e Cofins, de acordo com cálculo do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo. Para os autônomos, a mordida podia chegar a 27,5% sobre os rendimentos – teto da taxação do Imposto de Renda.
O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) preparou uma simulação, disponível no site da entidade, em que é possível calcular se a inclusão no Supersimples é mesmo a melhor opção para o escritório. Para fazer a simulação, basta inserir as informações sobre a faixa de faturamento da empresa, mão-deobra utilizada e a margem de lucro do negócio para verificar a redução nas alíquotas de imposto.
“Esta sanção é o reconhecimento a uma enorme massa das classes de trabalhadores brasileiros. A sociedade precisava de uma resposta do Parlamento sobre a questão, pois estamos aqui falando de trabalhadores
Uma banca com receita bruta anual de R$ 180 mil, por exemplo, pagaria 4,5% no modelo simplificado. Pela tributação baseada no lucro real, a alíquota subiria para 8,77%; no lucro presumido, a mordida seria ainda maior: de 11,33%.
Sócia de um escritório em Niterói (RJ), a advogada Odete Talask concorda que a inclusão da advocacia no Simples Nacional, com a consequente redução da burocracia e da carga tributária, vai beneficiar principalmente as pequenas bancas e os advogados iniciantes. “No que tange ao meu escritório, ele também será bastante beneficiado pela medida.” (DD)
“Esta sanção é o reconhecimento a uma enorme massa das classes de trabalhadores brasileiros. A sociedade precisava de uma resposta do Parlamento sobre a questão”
SIMPLES – O QUE MUDOU
ANTES
DEPOIS
O critério de adesão era a atividade exercida Empresas prestadoras de serviços decorrentes de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, entre outras ficavam excluídas
O critério passa a ser o porte e o faturamento da empresa Profissionais como médicos, advogados, jornalistas e várias atividades do setor de serviços passam a ser contemplados
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Foto: Mailson Santana
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Baixa procura pelo concurso do Tribunal de Justiça do Rio mostra desconfiança dos advogados com uma atividade sem remuneração definida ou qualquer benefício trabalhista Por Débora Diniz e Nádia Mendes redacao@gazetadoadvogado.adv.br
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Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro dará posse a 200 novos juízes leigos nos próximos dias. Em um cenário de excessiva demanda e acúmulo de estoque, eles são vistos como remédio para aumentar a celeridade dos processos nos juizados especiais, de longe um dos mais demandado pela população. Mas o interesse pelo concurso foi menor que o esperado. O motivo pode estar no modelo de contratação, definido por resolução do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que não prevê vínculo empregatício e estabelece o critério da produtividade para a remuneração. “Recebemos cerca de 1.700 inscrições para o concurso e confesso que esperava mais, já que é possível acumular a função com a advocacia. Imaginei que mais advogados fossem se interessar em ter essa experiência diferenciada, além de uma complementação de
renda. E como as vagas eram para advogados com mais de dois anos de atuação, poderiam ser preenchidas por profissionais no início da carreira”, diz a desembargadora Ana Maria de Oliveira, presidente da Comissão Judiciária de Articulação dos Juizados Especiais, responsável pelo concurso no TJRJ. Outro fator que gerou a expectativa de um grande número de inscritos foi o fato de ser esse o primeiro certame aberto a todos os advogados.
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Foto: Mailson Santana
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“A forma de
remuneração tem que ser discutida. A remuneração
por produtividade
pode acarretar que a qualidade do serviço seja questionada”
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Antes, apenas alunos e egressos da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) podiam participar. Mas poucos se dispuseram a ocupar um cargo sem benefícios trabalhistas e com remuneração variável. “Eu não fiz esse último concurso porque alguns aspectos me incomodam. Não ter vínculo de trabalho com o Tribunal – com férias, 13º salário, estabilidade – e não ter um salário exato no final do mês é bem complicado. Se eu ficar doente, faltar e não fizer conciliações eu não vou receber. Se eu quiser tirar férias, eu comunico que não venho, mas sei também não vou receber. Isso é ruim”, justifica Igrayne Cardoso Nascimento Lima.
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Desde janeiro de 2012, Igrayne é juíza leiga do IV Juizado Especial Cível. Ela faz audiências duas vezes na semana, mas conta que tem trabalho para todos os dias. “Hoje eu fiz 30 audiências de instrução e julgamento e dez acordos”, disse, no dia desta entrevista. “Levo os processos para casa e faço os projetos de sentença. Ando com uma mala de processos. Dá muito trabalho, mas é bem gratificante e eu gosto muito, principalmente porque sinto que estou ajudando as pessoas que foram prejudicadas pelas empresas. Fico feliz quando posso dar uma indenização a elas. Quero ser juíza e gosto de conduzir audiências”.
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Igrayne Cardoso conduz audiência de conciliação no IV Juizado Especial Cível
Só que vocação não bastou para atrair Igrayne e outros candidatos ao concurso. Presidente da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OABRJ), Felipe Santa Cruz ressalta que não é contra o certame, mas aponta alguns critérios que precisam ser mais bem analisados. “A forma de remuneração tem que ser discutida. Alguns colegas advogados ressaltam que a remuneração por produtividade pode acarretar que a qualidade do serviço seja questionada. Os profissionais podem ficar pressionados e, assim, a qualidade cai.” O concurso, destaca Santa Cruz, é um passo importante, já que é muito melhor a avaliação objetiva do que a
utilização de critérios subjetivos na escolha de ocupantes de uma função tão importante para o Tribunal. Mas é necessário cautela. “Esses juízes estarão tratando de dramas que envolvem vidas, é preciso ter jeito para tratar dessas pessoas, que muitas vezes não têm instrução. A remuneração por meta não pode transformar esse trabalho, que é muito válido, em uma linha de montagem, desvalorizando esse papel”. Ana Maria discorda. “Hoje a atuação do juiz leigo é fundamental, ele é um multiplicador da figura do juiz. Nós temos juizados onde entram 1.500 novas ações por mês e todos os processos têm audiência marcada. O risco de mecanização não é só do juiz leigo, é de todos nós, já que o numero de processos distribuídos é muito grande.” O controle de qualidade do trabalho é feito pelo juiz togado, que é quem recebe o projeto de sentença do juiz leigo e, se eventualmente não concordar com ele, pode proferir outra sentença ou retornar o projeto para que o leigo faça a devida adequação. O concurso em andamento – lançado em janeiro e já na fase final – foi feito para o preenchimento de 200 vagas, que poderiam classificar até 250 candidatos para atuação na cidade do Rio de Janeiro (Comarca da Capital) e cidades do interior como Niterói, São Gonçalo, Duque de Caxias, Volta Redonda e Itaboraí, além de vagas para a atuação como Itinerantes. O exercício da função é temporário. São dois anos de atuação, que podem ser renovados por mais dois anos.
Para a advogada trabalhista Sônia Mascaro, o problema da seleção está no fato de não haver vínculo empregatício ou estatutário entre o juiz leigo e o Tribunal. “Existem dois regimes de contratação: a Consolidação das Leis do Trabalho (celetista) e o estatutário, estabelecido pela Lei n.º 8.112. Se existe habitualidade na prestação de serviço, é preciso que exista algum tipo de vínculo. Se o juiz leigo irá trabalhar por dois anos, durante esse tempo ele terá regularidade de trabalho mediante subordinação ao Tribunal, se existe uma obrigação, logo, deveria ter algum tipo de vínculo trabalhista”, adverte Sônia.
“Se o juiz leigo vai trabalhar por dois anos, durante esse tempo terá regularidade de trabalho mediante subordinação ao Tribunal. Se existe uma obrigação, logo deveria ter algum tipo de vínculo trabalhista”
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Capa Foto: Mailson Santana
A desembargadora Ana Maria de Oliveira
O Rio de Janeiro já conta com a atuação dos juízes leigos desde muito antes da resolução. O primeiro concurso foi realizado em 2005, exclusivamente para alunos e ex-alunos da Emerj. Com a resolução do CNJ, a função foi estendida a todos os advogados interessados. O juiz leigo precisa ser advogado há mais de dois anos. Ele vai conduzir as audiências e elaborar um projeto
“É como se fosse um trabalho autônomo. A pessoa trabalhou e vai receber pelo que produziu, numa regra do jogo que é colocada para eles. O juiz leigo não vai ocupar um cargo de juiz e, sim, uma função no Tribunal”
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A desembargadora Ana Maria volta a destacar que o exercício da atividade de juiz leigo está regulamentado na resolução do CNJ. “É como se fosse um trabalho autônomo. A pessoa trabalhou e vai receber pelo que produziu, numa regra do jogo que é colocada para eles. O juiz leigo não vai ocupar um cargo de juiz e, sim, uma função no Tribunal”, ressalta.
Auxiliares da Justiça A figura dos juízes leigos como auxiliares dos juízes togados é estabelecida pela própria Lei 9.099/95, que cria os Juizados Especiais – antes chamados de juizados de pequenas causas. Mas a função só foi regulamentada com a Resolução nº 174 de 2013, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo a Resolução do CNJ, os juízes leigos são considerados auxiliares da Justiça e devem ser recrutados entre advogados com mais de dois anos de experiência. A contratação é realizada por meio de processo seletivo público de provas e títulos.
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de sentença que vai ser homologado pelo juiz togado. “Se nessa audiência acontecer um acordo, ele vai elaborar as cláusulas (do acordo) com as partes e submetê-las ao juiz para homologação. Durante a audiência, ele pode ouvir as testemunhas e os depoimentos pessoais. Não é um cargo, é uma função que ele exerce e que tem uma remuneração por produção”, explica a desembargadora. Hoje, esse valor é de R$ 22 por projeto de sentença ou acordo homologado. Ou seja, se o projeto não resultar em homologação ou sentença, o juiz leigo não recebe nada por ele. O edital do concurso prevê que cada leigo deve realizar, no mínimo, 80 audiências e igual número de projetos de sentença por mês. Se cumprir esse piso, receberá R$ 1.760. A remuneração máxima não pode ultrapassar a do chefe de Serventia, em torno de R$ 10 mil brutos. “Eles vão receber o que produzirem, não existe um valor que eles recebam independente da produção. Não acho que esse seja o valor ideal, mas no Rio de Janeiro nós temos um volume muito
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grande de processos. Se for pensar por um processo só é pouco, mas tem que pensar que o universo é muito grande”, pondera Ana Maria. O juiz leigo não precisa abrir mão do trabalho como advogado para exercer a função nos Juizados Especiais. Ele só fica impedido de advogar na comarca que trabalhe como juiz leigo. Com isso, consegue conciliar o seu dia-a-dia de trabalho com o juizado, onde não precisa estar todos os dias e
tampouco cumprir uma carga horária pré-estabelecida. Precisa, apenas, atingir a meta de quantidade. A desembargadora acredita que a oportunidade de atuar como juiz leigo pode ser um diferencial na carreira do advogado. “Quando foi implantada a atuação do juiz leigo no Rio de Janeiro, se imaginou um formato em que essa função seria exercida por alunos e exalunos da Emerj não para privilegiar o aluno da Escola, mas porque
acreditávamos que alguém que está estudando numa escola de magistratura queira ser juiz. Como juiz leigo, ele exerce o trabalho de juiz, mas não produz a sentença, a sentença dele está sendo objeto de homologação. É como se fosse um estágio, um treinamento.” O desinteresse pelo certame do TJ sinaliza que os advogados talvez prefiram fazer esse treinamento em um emprego formal, com garantias. Ou dedicar o tempo à preparação para o concurso de juiz – com toga, benefícios e remuneração garantida.
Um estoque difícil de reduzir Com a contratação dos juízes leigos, o Judiciário espera atenuar um problema crônico nos juizados especiais: o acúmulo de processos. Dados do CNJ mostram que, em 2012, os juizados especiais do Rio de Janeiro receberam mais de novos casos. No mesmo período, foram julgados pouco mais de – ou seja, seria necessário praticamente um ano sem novos processos para que todos pudessem ser julgados. Como isso não é possível, hoje os juizados acumulam um estoque de pouco mais de processos a espera de julgamento.
803 mil
846 mil
595 mil
A Constituição de 1988 - não por acaso chamada de Constituição Cidadã - ampliou o acesso da população à Justiça. Antes praticamente restrito à solução de conflitos entre duas partes, o Judiciário passou a ser acionado por pessoas dispostas a assegurar direitos, como fornecimento de medicamentos, vaga para os filhos na escola e até mesmo redução da passagem do ônibus. O dano moral, até então discutido apenas por iniciados, passou a ser um tema de domínio público. Um avanço, sem dúvida, mas que trouxe como efeito colateral o aumento considerável dos processos sob a responsabilidade de um número de magistrados que não cresceu na mesma proporção. Os mesmos dados do CNJ sobre o Judiciário fluminense mostram que cada magistrado
lotado em um dos juizados especiais do Rio de Janeiro julgou, em média, processos em 2012.
8.815
Criados pela Lei 9.099/95, os Juizados Especiais têm a função de promover a conciliação, processo, julgamento e execução nas causas de sua competência. Eles podem ser Cíveis ou Criminais, com processos orientados pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. A competência dos Juizados Especiais Cíveis se restringe a causas cíveis de menor complexidade, por exemplo, aquelas cujo valor não exceda o salário mínimo. Já os Juizados Especiais Criminais têm competência para conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, como contravenções penais e crimes a que a lei atribui pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa. Os processos julgados nessa esfera objetivam que, sempre que possível, seja feita a reparação dos danos sofridos pela vítima e aplicação de penas não privativas de liberdade.
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Foto: Claudio Belli/Valor/Folhapress
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Parlatório Fábio Trad, relator do projeto
Foto: Reinaldo Ferrigno/Agência Câmara
De olho no Congresso
Ainda sob a euforia da ampliação do Supersimples para a advocacia, a OAB já tem uma nova cruzada a empreender no Congresso Nacional: o Projeto de Lei 5.749/2013, recém-aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Para quem não ligou o nome à pessoa, trata-se do projeto que possibilita a atuação de bacharéis em Direito sem aprovação no exame da Ordem como advogados paralegais.
Mais do mesmo
Membros do Conselho Federal da OAB já avisaram que vão mobilizar as seccionais a pressionar deputados e senadores pela rejeição do projeto, de autoria de Sérgio Zveiter (PSD-RJ). O relator, Fábio Trad (PMDB-MS), diz que não vê motivo para alvoroço, já que o PL apenas regulamenta atividades que já são exercidas. A conferir.
Ficha Limpa O início do período eleitoral agita os escritórios de advocacia. Até outubro, todas as atenções estarão voltadas aos candidatos e, em tempos de ficha limpa, qualquer descuido pode custar à cassação da candidatura. Os advogados envolvidos em campanhas têm um trabalho árduo para manter tudo na legalidade. As principais demandas dizem respeito à prestação de contas, à contratação de serviços e ao material de campanha. Quem quiser saber quanto custam os honorários para essa consultoria terá que esperar a prestação de contas dos candidatos após o pleito. As cifras são guardadas a sete chaves, mas informações de mercado dão conta de que ultrapassam sete dígitos.
Do outro lado De 24,9 mil candidatos nas eleições de 2014, 1.429 se declaram advogados. É a terceira profissão com mais representantes, atrás apenas de empresário e professor. Na disputa pela presidência, dois candidatos – Eymael e Luciana Genro – são advogados.
Patente Alta
A publicação “Intellectual Asset Management”, do IP Media Group, divulgou em junho o ranking anual de firmas de Propriedade Intelectual que atuam na área de patentes, conhecido por “IAM Patent 1000”. O Daniel Advogados mais uma vez foi citado entre os melhores escritórios do Brasil. Na mesma publicação, o sócio Alexandre Fukuda Yamashita foi indicado na categoria processamento de patentes.
Foto: Claudio Belli/Valor/Folhapress
O novo CEO, Alfredo Ferrari (à esquerda) com Carlos Fernando Siqueira Castro, presidente do escritório
Essa é minha vida... Após mais de 16 anos na Nextel, o executivo Alfredo Ferrari assume o cargo de CEO do Siqueira Castro Advogados, considerado o maior escritório full service de advocacia da América Latina. Ferrari deixou o posto de vice-presidente de Novos Negócios e Assuntos Corporativos da
empresa de telecomunicações para liderar a implantação de um novo modelo de gestão e de governança corporativa no escritório de Direito Empresarial.
...esse é o meu mundo Ao comentar os objetivos do escritório, Ferrari deixa claro a que veio: incrementar a receita e melhorar as margens operacionais. “Para tanto, iremos revisar nossos processos internos, estabelecer metas claras, focar ainda mais na qualidade dos serviços prestados.” Tudo sob a mais perfeita ótica empresarial.
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Carreira
Foto: Shutterstock
Criado há 17 anos, o Ibdfam reúne profissionais da área, oferece cursos de capacitação, realiza congressos e seminários além de atuar como Amicus curiae em causas que envolvem o Direito de Família no Supremo Tribunal Federal (STF). “Até pouco tempo, a maioria das leis e os próprios profissionais que atuavam nessa área tinham uma visão apenas patrimonial, o mais importante era a proteção aos bens da tradicional família patriarcal no país. Mas muito já mudou. Hoje o Ibdfam reúne quase oito mil membros de todas as regiões. São advogados, promotores, juízes, desembargadores, psicanalistas, enfim, profissionais que lutam cotidianamente para combater o atraso, o preconceito e a exclusão”, conta Cunha.
Área de Família pode ser uma boa opção para advogados, mas requer atualização permanente e muita disposição para ouvir
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ma área para quem gosta de desafios e de lidar com a diversidade do ser humano. Esse é o Direito de Família – ou das Famílias, que é assim chamado, no plural, porque plurais também são as composições desse universo na sociedade contemporânea. Com um campo vasto de atuação, abrange desde pensão alimentícia, divórcio, investigação de paternidade, guarda, convivência de filhos, adoção, alienação parental, abandono afetivo, partilha e sucessões.
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Para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), Rodrigo da Cunha, é o mais humano dos direitos. “Nós que trabalhamos com o Direito de Família, somos como sacerdotes e psicanalistas, profissionais da escuta. O Direito de Família está em constante evolução na sociedade contemporânea. É preciso compreender que todas as famílias, quer queiram, quer gostem ou não, devem ser amparadas pelo Estado Brasileiro”.
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Entretanto, as leis não acompanharam a evolução dos costumes e das novas configurações familiares. Na atuação do Direito de Família, os principais instrumentos são a inovação dos princípios constitucionais e a jurisprudência. Por isso é importante que o profissional que deseja se especializar na área se atualize permanentemente. “Ler muito, especialmente artigos e livros de pensadores com uma visão mais inovadora. Mas também saber cuidar de si mesmo, olhar para dentro, para que possa estabelecer uma boa relação com os clientes”, aconselha Cunha. O mercado é bem receptivo a novos advogados, principalmente profissionais que tenham uma visão mais ampla e
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humanista. Mas está também cada vez mais competitivo e exigente. Além do conhecimento técnico, o interessado deve ser sensível às particularidades da área, e especialmente às necessidades do sujeito. “O nosso trabalho impacta profundamente a vida das pessoas. É sempre muito doloroso para os envolvidos um divórcio ou a perda de um familiar, só para exemplificar. Antes de tudo, é preciso ter muita paciência e saber ouvir”, indica Cunha. Gustavo Kloh é professor da FGV Direito Rio e advoga há dez anos. Para ele, existem três aspectos positivos principais no Direito de Família: é um mercado que não sofre a influência de crises econômicas, portanto é estável; está em expansão com o reconhecimento de novas famílias; e, por ter aspecto pessoal, é uma área muito boa para quem está no começo de carreira. Mas ele ressalta um ponto negativo. “Essa área sofre em razão da proletarização da profissão e
achatamento dos honorários. Jogam os honorários para baixo e assim desvalorizam a profissão”, critica. Rodrigo da Cunha admite que as principais dificuldades encontradas pelos advogados especialistas ainda estão atreladas à demora em oferecer soluções para os clientes. “O Poder Judiciário infelizmente ainda é moroso, mas acredito que muitas demandas em breve serão solucionadas por meio da mediação, para a resolução de conflitos, ou nos cartórios, dando mais agilidade”, Cunha acredita que a tendência no Direito de Família é a desjudicialização. Segundo ele, o primeiro passo para ser bem sucedido é gostar do que faz. Depois, estar inteiro naquilo que faz. “É uma área apaixonante e uma dica é não ficar restrito apenas ao Direito. O que contribuiu muito para o meu trabalho nestas três décadas em que tenho atuado como advogado foi o estudo da psicanálise”. Ele ressalta a
importância de se manter atualizado e sempre estar estudando, mas adverte que só o conhecimento técnico não garante o sucesso profissional. “É preciso ter senso de administração e organização. Mas é preciso também lembrar sempre da velha fórmula de Aristóteles: conhece-te a ti mesmo. Isto pode nos dar um equilíbrio interno e uma segurança, que naturalmente o cliente saberá. É importante também que separemos as questões objetivas das subjetivas para atuarmos melhor em nossa profissão. A nossa profissão é também um trabalho de ajuda às pessoas que nos procuram”, assume. “Mas acho que quem melhor sintetiza isto é Fernando Pessoa: Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui / Sê todo em cada coisa. / Põe quanto és / No mínimo que fazes. / Assim em cada lago a lua toda / Brilha, porque alta vive.” (NM)
ESPECIALIZE-SE Eventos realizados pelo Ibdfam: https://www.ibdfam.org.br/eventos Especialização em Direito Civil – Ênfase em Família e Sucessões: Faculdade IDC | Carga Horária: 360h/a Curso ministrado em Porto Alegre – RS | Informações: https://www.idc.edu.br/ Pós-Graduação em Direito de Família e Sucessões: Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Jurídicas – CBEPJUR (Certificado emitido pela UCAM – Universidade Cândido Mendes) | Carga Horária: 360 h/a | Curso ministrado no Rio de Janeiro - RJ Informações: (21) 2203-0153/1230 Curso de Prática Civil em Família e Sucessões 2014: Cers | Curso Online | Carga Horária: 11 aulas de 2h30min Informações: http://bit.ly/cursodireitodefamilia
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Foto: Mailson Santana
Perfil: William Douglas
Juiz, escritor e palestrante, Willian Douglas garante encontrar tempo para sua verdadeira vocação: ser feliz
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Conhecido como guru dos concurseiros, o juiz federal William Douglas já vendeu mais de 700 mil livros e atraiu um milhão de pessoas às suas palestras Por Nádia Mendes
nmendes@gazetadoadvogado.adv.br
“E
u colecionei um número grande de reprovações em concursos e não tinha como desistir, já que não conhecia outro caminho melhor para resolver minha vida profissional”. Assim William Douglas, juiz titular da IV Vara de Niterói (RJ) desde 1997, começa a desenhar sua trajetória de sucesso. O magistrado ganhou visibilidade ao ser aprovado em primeiro lugar em vários concursos públicos. O Guru dos Concursos, como é chamado, falou à Gazeta do Advogado como faz para conciliar a rotina de servidor público, autor, palestrante, ter tempo para família e, claro, para ser feliz. A história começa com o William “concurseiro”, recém-graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Depois de ser reprovado em seis concursos, ele procurou pessoas
que já tinham sido aprovadas para ouvir orientações, mas ninguém estava disposto a ajudar. “Eu invariavelmente recebia respostas como ‘vai estudar, se vira, dá teu jeito’. Ninguém te ensina como passar. O professor te ensina a matéria que vai cair, só isso”, lembra William. Depois de “dar um jeito” e superar as dificuldades, ele foi aprovado em sete concursos, quatro deles em primeiro lugar. E assim como procurou ajuda, foi procurado por quem tinha dúvidas na hora de estudar. William optou por passar adiante a experiência que teve. Assim nasceu o livro “Como passar em provas e concursos”, que foi rejeitado por todas as editoras que William o levou. “A solução foi eu mesmo publicar o livro”, conta William que já publicou mais de 30 livros e que tem uma editora, a Impetus.
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Foto: Mailson Santana
Perfil: William Douglas
“Como passar em provas e concursos” se tornou um best-seller. Está atualmente na 28ª edição com mais de 185 mil exemplares vendidos. Por causa dele William foi entrevistado pelo Jô Soares, participou do Fantástico e deu diversas entrevistas. “O livro acabou gerando a figura que depois foi gentilmente denominada Guru dos Concursos, que acabou se construindo sem que fosse um plano meu”, reflete. Para ele, a espiritualidade tem papel fundamental em toda sua vida. “Tudo isso surgiu da aplicação prática de um versículo da Bíblia. Não tenho vergonha de me declarar cristão”, completa. Antes de assumir como juiz federal, William passou por vários cargos, entre eles o de defensor público e de delegado de polícia. Ele conta que ingressou na Justiça Federal cheio de ideias, mas que não viu abertura para que elas fossem executadas. Decidiu, então, tomar conta da IV Vara Federal de Niterói (RJ), que foi por ele inaugurada. “Minha lógica no Judiciário é deixar o trabalho sempre em dia. Por isso estamos em primeiro lugar em produtividade entre as congêneres. Produzimos bem acima da
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O juiz em seu gabinete, na IV Vara Federal de Niterói
média e isso é resultado de um trabalho de equipe que dura vários anos”, elogia. Ele também elogia a “equipe” que tem em casa. “Estou no segundo e, se Deus quiser, último casamento”, ri. “Dá bastante trabalho. Mas eu dou mais trabalho pra ela do que ela pra mim”. Ele ressalta que reserva um tempo para ser marido e pai dos três filhos. Uma menina de 12 anos e dois meninos, um de sete e outro com cinco anos. “Procuro viajar, estar junto, brincar, montar Lego, procuro ser pai”. Ele assume que periodicamente pergunta à esposa e aos filhos se ele está se fazendo presente. “Às vezes ela diz que eu estou bem e às vezes diz que estou devendo, se eu estiver devendo eu resolvo esse problema pontual”, conta. Além do trabalho de palestrante, autor e juiz William dedica um tempo para participar do movimento negro. “A minha lógica é que o problema racial
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não é um problema só do negro, é um problema de qualquer pessoa que queira justiça social. Aparentemente eu não sou diretamente prejudicado, mas essa foi a causa que eu elenquei para lutar. Então faço parte do Educafro. Minha causa é a inclusão racial e social. Já participei de duas audiências públicas no Senado defendendo as cotas”. William conta que conheceu a atuação do Educafro logo quando lançou “Como passar em provas e concursos”, começou fazendo Foto: Acervo Pessoal
O magistrado em mais um dia de despachos
ANO I - edição 3 Foto: Acervo Pessoal
palestras e se apaixonou pela causa. Além das palestras, a parceria resultou na doação de mais de 20 mil livros e em um programa que vende suas obras a preço de custo. William comenta que fica feliz em fazer a diferença na vida das pessoas. “Tenho 225 mil fãs no Facebook, eu não faço viagem sem tirar fotos com alguém que já leu o livro ou já me viu no Youtube. É comum estar no avião e ver alguém lendo um livro da minha autoria”. Segundo ele, esse assédio não o incomoda, pelo contrário, ele incentiva que as pessoas deem a ele esse retorno. “Eu prefiro administrar o problema do sucesso do que o problema do fracasso. Ruim seria se eu trabalhasse tanto e não tivesse reconhecimento”, reflete. Ainda sobre reconhecimento, ele conta uma história que o emociona muito. Um casal de empresários tinha sido processado pelo não recolhimento de contribuição previdenciária e, ao analisar o processo, ele viu que o casal havia sofrido uma injustiça e os absolveu. Anos depois, ele descobriu
que o filho desse casal resolveu fazer faculdade de Direito e fez questão de estagiar na IV Vara. “Ele disse que aqui foi o primeiro lugar no serviço público que os pais dele foram tratados com dignidade. A vida dele mudou. Ele vai fazer um concurso, ser um juiz, um promotor ou um advogado e vai ser alguém muito útil, porque ele é incomodado com a injustiça. Ele vai fazer o trabalho sempre de maneira apaixonada. Fico muito emocionado de saber que meu trabalho como juiz mudou uma trajetória”. William atribui o sucesso que tem em todas as áreas da vida em ser apaixonado por tudo que faz. “Se eu fosse ser só juiz ou só palestrante ou só escritor, se eu elegesse uma coisa só para me dedicar eu seria muito melhor. Mas eu ia deixar de me realizar e de realizar coisas em outras áreas”, afirma. Segundo William, ele tem um sistema de produção que não visa a perfeição. “Não faço livro para ele ser revolucionário, faço para resolver problemas. Se ele resolve o problema proposto eu boto o livro na rua. Eu não tenho medo de errar, não tenho medo de fazer projeto que dá errado. Já estou acostumado a errar, não é nenhum drama pra mim”. Assim como é a produção de livros, ele afirma que faz o mesmo no trabalho como juiz. A opção é sempre pelo mais prático. “Eu penso sempre ‘vamos resolver o problema dessa pessoa, para fazer a vida dela andar e para o processo sair daqui’. E com isso me sobra tempo pro outro processo. Eu não vou fazer uma sentença com 40 laudas para que achem que eu sou um sábio e grande entendedor de Direito, para que me elogiem. Eu faço uma sentença de quatro ou cinco laudas, que resolvem o problema e parto pra
Versão palestrante do magistrado: motivação
outro processo. O cuidado que eu tenho é que a minha produção como juiz esteja sempre acima da média, para que o fato de eu ter outras atividades não prejudique o jurisdicionado”. A lógica no trabalho também serve para algumas regras no casamento. Segundo William é mais importante discutir o que faz feliz do que estar certo. “Aceito que minha opinião seja vencida se a coisa vai funcionar. Essa lógica vai gerando uma vida bastante produtiva. Eu tenho uma vida agradável, eu curto minha vida, namoro minha mulher, brinco com meus filhos, vou à igreja, torço pelo Fluminense e pelo Brasil. Eu gosto muito de escrever, me considero um homem feliz e realizado, mas ainda tenho o que realizar. Gosto de fazer todas essas coisas que faço, ainda não sei o que vou ser quando crescer, quando eu souber eu deixo de fazer tudo isso e me dedico a uma coisa só”, brinca.
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Opinião: Marcello Rodante
Divórcio Colaborativo: Foto: Divulgação
nova opção Por Marcello Rodante*
O
divórcio é um momento muito difícil para a maioria das pessoas. Aliás, há quem considere que situações de divórcio chegam a ser mais traumáticas do que a perda de entes queridos. De fato, muitas pessoas casam acreditando que os relacionamentos nascem para durar por toda uma vida e, quando se vêem diante de seu término, acabam lidando muito mal com tal situação. Justamente nessa ocasião – quando as emoções estão à flor da pele e antagônicos sentimentos ganham espaço e se embaralham – difíceis e complexas decisões têm que ser tomadas, a exemplo de definições acerca de pensão alimentícia, divisão de patrimônio, guarda e visitação de filhos. E uma das primeiras decisões que rapidamente reclamam atenção das partes se refere à própria forma de como o processo de divórcio será conduzido. Sobre este ponto, atualmente há uma nova opção aos casais e aos advogados para lidar com as questões que
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envolvem um divórcio. Trata-se das Práticas Colaborativas, que recebeu em 2013 o Prêmio Innovare na categoria advocacia, o que, por si, já demonstra seu valor, reconhecimento e importância. As Práticas Colaborativas consistem em uma abordagem de resolução de controvérsias interdisciplinar, não adversarial e extrajudicial que prestigia o diálogo produtivo e respeitoso entre as partes, na busca de acordos sustentáveis com os quais toda a família possa conviver. O processo é interdisciplinar porque são chamados a atuar advogados colaborativos, profissionais da área da saúde, financistas e especialistas em crianças e adolescentes. O processo é não adversarial e extrajudicial porque é baseado em uma seqüência encadeada de reuniões, que seguem pautas previamente definidas. Os encontros ocorrem sequencialmente e em diferentes formatos: com os advogados e seus clientes; com os advogados somente; com os advogados e os profissionais da saúde; com os profissionais da saúde e os clientes;
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“As Práticas Colaborativas consistem em uma abordagem de resolução de controvérsias interdisciplinar, não adversarial e extrajudicial que prestigia o diálogo produtivo e respeitoso entre as partes, na busca de acordos sustentáveis com os quais toda a família possa conviver”
ANO I - edição 3
com todos os envolvidos (advogados, clientes e profissionais da saúde), tudo de modo a se mapear o conflito e a se trabalhar opções capazes de se harmonizar diferenças. A ideia é que seja formada uma equipe interdisciplinar de profissionais para cada uma das partes, sendo que as equipes passam a interagir em conjunto, com um alto grau de confiança, transparência e boa-fé. Todos atuam com o mesmo foco: o redesenho estruturado da família pósdivórcio. Para isso, ambas as equipes mantêm a atenção nas necessidades e interesses das partes, objetivando sempre a construção do consenso, em coautoria. Trocas de informações, percepções, sentimentos são realizadas durante todo o percurso do processo. Buscam-se, pois, soluções alternativas mediante a expansão de possibilidades e de oportunidades, sempre mediante dinâmicas dialogadas. As práticas colaborativas se voltam para a cocriação, para a solução de problemas de forma compartilhada. Com base nisso, jogos de culpa (quem está certo e quem está errado), apontamento de dedos, estratégias de barganhas, imposições unilaterais de posições e ameaças, diretas ou veladas, não devem ter espaço, pois não auxiliam para construção de algo em coautoria. Portanto, por esse modelo, as partes passam a ter responsabilidade direta com o resultado perseguido, tornando-se protagonistas das decisões e das escolhas que são construídas; situação que permite, inclusive, o fortalecimento do próprio relacionamento posto sob discussão. Os advogados colaborativos assinam um termo que os proíbem de ingressar com ações judiciais, ou seja, eles
assumem o compromisso de tratar de todas as questões familiares fora do Judiciário; ou seja, a portas fechadas. É algo simples ou fácil de fazer? Não, de forma alguma. Mas com boa vontade, foco e compromisso é algo possível de ocorrer, mesmo para os casais que se encontram diante de uma grande crise; mesmo quando a esperança parece ter desaparecido; mesmo quando o medo e a frustração falam alto e pedem por uma batalha judicial. Nesse sentido, os profissionais da saúde, também chamados de coaches colaborativos, desempenham um papel muito importante. Eles auxiliam as partes e os próprios advogados no mapeamento dos pontos de conflito, acolhem as emoções e desenvolvem forças e competências junto com os clientes, dando sustentação emocional ao procedimento. Os coaches auxiliam as partes a ampliar e fortalecer o próprio processo de comunicação, o que se mostra útil tanto durante as tratativas colaborativas quanto posteriormente, quando o acordo de divórcio for concluído, e as partes tiverem que permanecer se relacionando. É muito comum, ao final de um relacionamento, que ambas as partes ou uma delas se veja ferida, insegura e, por isso, disposta a ingressar em uma batalha judicial, até mesmo como forma de autodefesa. No entanto, a prática vem demonstrando que a melhor forma de se lidar com questões familiares é mediante processos dialogados, ressalvadas exceções. Porém, processos dialogados também não devem ser confundidos com processos puramente negociais, na medida em que as partes, como dito,
na maioria das vezes não se encontram em condições emocionais normais, sendo necessário, antes, fortalecê-las e auxiliálas a reencontrar suas melhores e mais saudáveis expectativas. Acolher a família, compreender os interesses envolvidos, as necessidades subjacentes, trabalhar em equipe interdisciplinar e com foco no redesenho familiar é, portanto, um dos objetivos perseguidos pela metodologia das práticas colaborativas, as quais, sem dúvida, devem ser consideradas, como nova opção, em situações de divórcio. *Advogado colaborativo. Sócio de Rodante & Scharlack Advogados, Diretor do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas (IBPC). mr@rsch.com.br
“É muito comum, ao final de um relacionamento, que ambas as partes ou uma delas se veja ferida, insegura e, por isso, disposta a ingressar em uma batalha judicial, até mesmo como forma de autodefesa”
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Charge
Frases “Nós temos hoje 100 milhões de processos em tramitação no país para apenas 18 mil juízes. A razão da demora é a enorme litigiosidade” Ricardo Lewandowski, após ser eleito o novo
presidente do STF.
“Esses 50 anos representam o resgate da memória que deve ser preservada para que a história não se repita. É um sinalizador de que devemos fortalecer a democracia e seguir adiante” Maria Elizabeth Rocha, sobre assumir a presidência do
STM no cinquentenário da Ditadura Militar.
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“É uma melhoria financeira que fará diferença no cotidiano dos advogados. Foi uma luta que englobou toda a moralização da entidade, passando pelo aprimoramento do Exame de Ordem, a reestruturação dos serviços prestados e chegando ao Simples, que é um avanço real para o dia a dia do advogado” Felipe Santa Cruz, presidente da OAB/RJ sobre aprovação do Simples.
“O Brasil é um Estado laico, mas, citando um salmo de Davi, eu queria dizer que feliz é a nação cujo Deus é o Senhor” Dilma Rousseff em evento da igreja Assembleia de Deus.
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