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Unidade 1 – Pré-Modernismo
1902 – “OS SERTÕES” DE EUCLIDES DA CUNHA E “CANAÔ DE GRAÇA ARANHA.
Fonte: www.infoescola.com/historia/guerra-de-canudos
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1.1. Contexto
As primeiras décadas do século XX não registram muitas transformações no Brasil. A abolição da escravatura e a mudança de Império para república pouco alteraram as estruturas básicas do país, pois a economia ainda demonstrava uma dependência externa e um domínio interno dos grandes produtores de café.
Pequenas mudanças acontecem no processo de urbanização, o no crescimento industrial e os imigração começam a chegar de diversos países. Fortalece-se a classe média, fazendo emergir uma classe popular insatisfeita e disposta a revoltas irracionais como, por exemplo, a rebelião contra a vacina obrigatória representada na charge ao lado.
Acontecem confrontos como a Revolta da Armada, e no meio rural, lutas entre coronéis em determinadas regiões até a verdadeira guerra civil - que se trava no Rio Grande do Sul - entre republicanos e maragatos, além da guerra de Canudos (1896-1897, a fotografia acima flagra a rendição dos conselheiristas em 2 de outubro de 1897) e do Contestado (1912).
1.2. Características
Convencionou-se chamar de Pré-Modernismo, no Brasil, o período entre 1902 e 1922, ou seja, os vinte anos que antecedem a Semana de Arte Moderna, marco do Modernismo brasileiro.
Esse período não pode ser considerado uma escola literária propriamente dita, uma vez que não é possível agrupar escritores que manifestem características comuns em relação à temática ou ao tratamento com a linguagem.
O movimento é marcado tanto pela presença de resíduos culturais do século XIX como pela busca de novas formas de expressão do século XX, mas principalmente a manifestação do desejo individual de redescobrir, de maneira crítica, o Brasil esquecido, ignorado, doente, mas que precisa ser mostrado, discutido, interpretado.
O Pré-Modernismo é uma fase de transição e, por isso, registra:
a) Um traço conservador - a permanência de características realistas / naturalistas, na prosa, e na poesia um caráter ainda parnasiano ou simbolista. - Realistas e naturalistas: escritores cujos procedimentos literários são tipicamente realistas (objetividade, verossimilhança, crítica social, análise psicológica, etc.) - Parnasianos: ainda imperantes, com suas ideias formalistas, sua concepção da literatura como "sorriso da sociedade", sua linguagem retórica e bacharelesca. Olavo Bilac era o "príncipes dos poetas" idolatrado. - Simbolistas: grupo que ainda sonha com neves e neblinas e escuta os doces sons da poesia, marcada pelo subjetivismo.
b) Um traço renovador - a renovação revela-se no interesse com que os novos escritores analisavam a realidade brasileira de sua época: a literatura incorpora as tensões sociais do período. O regionalismo persiste nesse momento literário, mas com características diversas daquelas que o animaram durante o Romantismo: o escritor não deseja mais idealizar uma realidade, mas denunciar os desequilíbrios dessa realidade. - Intérpretes do Brasil: os escritores valem-se da literatura, para questionar a realidade brasileira e debater o seu futuro.
Autor: Augusto Dos Anjos
FONTE: https://pt.wikipedia.org/ wiki/Augusto_dos_Anjos VIDA: Augusto Carvalho Rodrigues Dos Anjos nasceu em 28 de abril de 1884 no Engenho Pau D’arco, localizado na Vila do Espírito Santo, Paraíba. Augusto dos Anjos viveu nesse lugar até os 24 anos, quando a propriedade teve que ser vendida para o pagamento de dívidas. Em 1903 matriculou-se na Faculdade de Direito de Recife, formando-se bacharel quatro anos depois. Apesar da formação acadêmica, preferiu exercer as funções de professor no Liceu Paraibano. Em 1910 casou-se e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde continuou lecionando. Dois anos depois publicou o livro de poesias “Eu”, que causou enorme polêmica devido a sua linguagem “malcriada”, se comparada às obras Parnasianas do mesmo período. Em 1914 transferiu-se para o Estado de Minas Gerais, onde assumiu a direção de um grupo escolar na cidade de Leopoldina. Ainda nesse ano apanhou uma forte gripe, que o levou a morte a 12 de novembro de 1914.
OBRA: Eu (1912)
Augusto dos Anjos é um caso à parte na poesia brasileira. Destaca-se em sua poesia a temática da morte, a angústia do ser humano e o uso de ousadas metáforas indicariam a tendência simbolista. O poeta mistura estilos, desde uma linguagem corrosiva, o uso de coloquialismo e a incorporação à literatura de todas as "podridões" da vida. Pode-se destacar sonetos como Versos íntimos, que desenvolve esse tipo de linguagem.
Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro da tua última quimera. Somente a Ingratidão - esta pantera Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera! O Homem que, nesta terra miserável, Mora entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera
Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!
A VISÃO DA VIDA E DA MORTE
A sua obsessão pela morte pode apresentar: podridão da carne, ambientes mórbidos, cadáveres fétidos, corpos decompostos, vermes famintos e fedor de cemitérios. O poeta é dominado pelo niilismo e questiona a falta de sentido da experiência humana e verte um nojo amargo e desesperado pelo fim sem glórias a que a natureza nos reserva.
Hidra: serpente gigantesca morta por Hércules. Clepsidra: relógio de água. Necrófagas: aqueles que se nutrem de substâncias em decomposição. Podre meu Pai! A Morte o olhar lhe vidra. Em seus lábios que os meus lábios osculam Microorganismos fúnebres pululam Numa fermentação gorda de cidra.
Duras leis as que os homens e a hórrida hidra* A uma só lei biológica vinculam, E a marcha das moléculas regulam, Com a invariabilidade da clepsidra!*
Podre meu Pai! E a mão que enchi de beijos Roída toda de bichos, como os queijos Sobre a mesa de orgíacos festins!...
Amo meu pai na atômica desordem Entre as bocas necrófagas* que o mordem E a terra infecta que lhe cobre os rins!
A LINGUAGEM PRÓPRIA DAS CIÊNCIAS
A poesia de Augusto dos Anjos apresenta o uso de uma linguagem científica. Uma grande quantidade de metáforas aparece em seus versos, intensificando-lhes a genialidade ou o mau-gosto. Um exemplo da linguagem cientificista encontra-se em Psicologia de um vencido:
Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância,* Sofro, desde a epigênese* da infância, A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme - este operário das ruínas Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade orgânica da terra!
Rutilância: brilho intenso. Epigênese: início de uma célula sem estrutura.
Autor: Euclides Da Cunha
VIDA: O engenheiro, escritor e ensaísta brasileiro Euclides Rodrigues da Cunha nasceu em Cantagalo (Rio de Janeiro) em 20 de janeiro de 1866. Órfão de mãe desde os três anos de idade, foi educado pelas tias. Frequentou conceituados colégios fluminenses e, quando precisou prosseguir seus estudos, ingressou na Escola Politécnica e, um ano depois, na Escola Militar da Praia Vermelha. Em 1891, deixou a Escola de Guerra e foi designado coadjuvante de ensino na Escola Militar. Em 1893, praticou na Estrada de Ferro Central do Brasil. Quando surgiu a insurreição de Canudos, em 1897, Euclides escreveu dois artigos pioneiros intitulados “A nossa
Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/euclid es_da_cunha Vendéia” que lhe valeram um convite d’ O Estado de S. Paulo para presenciar o final do conflito. Durante quatro anos escreveria um documento amargurado sobre o conflito: Os sertões, que viria à luz em 1902. Alguns anos depois - em plena glória pública e literária - foi assassinado (pelo amante de sua esposa) por questões de honra.
OBRAS PRNCIPAIS: Os sertões (1902), Contrastes e confrontos (1907), À margem da história (1909).
AS VÁRIAS FACES DA OBRA
OS SERTÕES
Euclides tenta fundamentar de forma científica o que observara na Guerra de Canudos. Estudou Geografia, Botânica, História, Geologia, Psicologia, Sociologia, etc. Baseia-se em princípios teóricos científicos das últimas décadas do século XIX.
Os Sertões trata da campanha de Canudos em 1897, no nordeste da Bahia. Divide-se em três partes: “A terra”, “O homem” e “A luta”.
A TERRA
Nessa primeira parte predomina a visão cientificista e naturalista de Euclides da Cunha. Há uma descrição do meio físico opressor detalhadamente: a vegetação pobre, o chão calcinado, a hidrografia, a fauna, o relevo, o clima e repetição da paisagem árida. A natureza é vista de forma dramática. Veja este fragmento:
Preliminares
O Planalto Central do Brasil desce, nos litorais do Sul, em escarpas inteiriças, altas e abruptas. Assoberba os mares; e desata-se em chapadões nivelados pelos visos das cordilheiras marítimas, distendidas do Rio Grande a Minas. Mas ao derivar para as terras setentrionais diminui gradualmente de altitude, ao mesmo tempo que descamba para a costa oriental em andares, ou repetidos socalcos, que o despem da primitiva grandeza afastando-o consideravelmente para o interior. (...)
Ajusta-se sobre os sertões o cautério* das secas; esterilizam-se os ares urentes**, empedra-se o chão, gretado, recrestado***; ruge o Nordeste nos ermos; e, como um cilício dilacerador, a caatingas estende sobre a terra as ramagens de espinhos... Mas, reduzidas todas as funções, a planta, estivando em vida latente, alimenta-se das reservas que armazena nas quadras remansadas e rompe os estios, pronta a transfigurar-se entre os deslumbramentos da primavera. *Cautério: queima, corrosão; **Urentes: ardentes; ***Recrestado: requeimado
FONTE:www.mundodastribos.com /03-de-maio-dia-do-sertanejo.html
O HOMEM
A segunda parte é a mais polêmica porque nela aparecem questões relativas a formação racial do sertanejo e os problemas da mestiçagem. O escritor vê na mistura de raças um retrocesso. Acreditava que “o mestiço - mulato, mameluco ou cafuzo - menos que um intermediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores.” Os sertanejos nordestinos (embora também resulte de misturas étnicas) seriam diferentes, pois estavam muitos anos isolado no interior do país.
O Sertanejo
O abandono em que jazeram teve função benéfica. Libertou-os da adaptação penosíssima a um estágio social superior e, simultaneamente, evitou que descambassem para as aberrações e vícios dos meios mais adiantados.
Por isso, apesar de seu atraso mental, o sertanejo surge como um titã:
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos* do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno**, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. (...)
É um homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.
Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.
Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se; (...) e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro***, reponta inesperadamente o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias.
*Neurastênico: indivíduo mal-humorado e irascível; **Desempeno: elegância; ***Canhestro: desajeitado
Foto de Antônio Conselheiro morto. FONTE: http://histatual.blogspot.com.br/2010/04/antonioconselheiro-e-cidadela-de.html
A LUTA
A luta é a última parte da obra. O escritor leu, ouviu e entrevistou pessoas que haviam participado dos confrontos. Assim pode registrar a Guerra de Canudos em todos os seus detalhes. Relata a violência de parte a parte, soldados republicanos e jagunços, que gera um derramamento de sangue. Admira a resistência de Canudos, esta “Jerusalém de taipa”, que logo se transforma numa “Tróia de taipa”.
Canudos não se rendeu
Fechemos este livro. Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.
O QUE FOI A GUERRA PARA EUCLIDES DA CUNHA?
O escritor argumenta que o confronto foi uma tragédia de erros. Erros originários de uma profunda cegueira de ambos os lados. Para os seguidores de Antônio Conselheiro, os soldados eram agentes do demônio e deviam ser destruídos. Para o exército republicano, os sertanejos eram jagunços primitivos a serviço da causa monárquica e tinham de ser exterminados.
Euclides tenta recompor as razões da guerra. Os sertanejos eram retrógrados, mas não degenerados. Seu monarquismo não passava de uma ilusão da soldadesca, alimentada por jornalistas e políticos, e pelo próprio ardor republicano de então. Na verdade, os guerrilheiros de Canudos eram uns pobres-diabos, filhos da ignorância e das crendices de uma civilização parada no tempo há três séculos. Precisavam de professores e não de tiros de canhão.
Já as tropas do governo, que representavam a civilização contemporânea e a face moderna do país, a quem cabia o mínimo de racionalidade, foram incapazes de perceber a verdadeira natureza dos inimigos. Trataram então de destruí-lo a ferro e fogo. Com requintes de horror e barbárie. Daí a denúncia que percorre todo Os Sertões, já anunciada pela nota preliminar do autor: “Aquela campanha lembra um refluxo para o passado.E foi na significação integral da palavra, um crime.Denunciemo-lo.” A mesma denúncia que Euclides reforça no epílogo da obra: “É que ainda não existe um Maudsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades...”
COMO DEFINIR O ROMANCE?
Os sertões é uma mistura de romance e ensaio científico, relato histórico, descrição geográfica e reportagem jornalística, o que torna difícil de enquadrálo nos limites de um gênero literário. Trata-se de uma obra única.
Este romance distingue-se do mero documento com incursões científicas pela presença e uso intencional da linguagem artística. O estilo é trabalhado, pomposo, enfático, retórico, cheio de antítese e comparações, o que o aproxima da escrita do barroco.
FONTE: História do Brasil para Principiantes de Carlos Eduardo Novaes
Autor: Lima Barreto
Vida: Filho de um operário e de uma professora primária, ambos mulatos, Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881. Cedo ficou órfão de mãe e passou a frequentar a Colônia dos Alienados, um asilo de loucos onde seu pai exercia a função de almoxarife. Graças a protetores, Lima Barreto concluiu o secundário e iniciou os estudos superiores na Escola Politécnica. Por ironia do destino, seu pai enlouqueceu e acabou internado no próprio asilo onde trabalhava. Lima Barreto encarregou-se de sustentar a família, abandonando os estudos e conseguindo um emprego burocrático na Secretaria de Guerra. Ao mesmo tempo,
Fonte: começou a colaborar com quase todos os jornais do Rio de Janeiro. Todavia seu https://pt.wikipedia.org/ espírito inquieto e rebelde, seu inconformismo com a mediocridade reinante, suas wiki/Lima_Barreto_(escritor) críticas mordazes aos letrados nativos tornaram-lhe bastante difícil a vida econômica. Além disso, manifestou-se contra ele o preconceito de cor. Para fugir das complicações pessoais e sociais, entregou-se então de corpo e alma ao álcool. Suas contínuas depressões o conduziram várias vezes ao hospital de alienados mentais. Morreria de um colapso cardíaco, em plena miséria aos quarenta e um anos, em 1922. De há muito já não escrevia coisas importantes e caíra no esquecimento em vida. Somente na década de 1970 sua obra voltaria a circular no país Obras principais: Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909) Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) Numa e Ninfa (1915) Vida e morte de M .J. Gonzaga de Sá (1919) Os bruzundangas (1923) Clara dos Anjos (1924) Cemitério dos vivos (1957 - Edição póstuma)
O SUBÚRBIO E A CRÍTICA SOCIAL
No Rio de Janeiro do início do século, dominado culturalmente pelos letrados tradicionais, a contestação artística se faz de forma bastante problemática: o conservadorismo parece asfixiar o novo. Daí as dificuldades e provocações que Lima Barreto enfrenta ao produzir uma literatura inteiramente desvinculada dos padrões e do gosto vigentes. O escritor revela, em seus romances e contos, Serenata, de Di Cavalcanti. FONTE: http://ireflexoes.blogspot.com.br/2007/11/serenata-por-disobretudo a tristeza dos subúrbios, com sua gente humilde: cavalcanti-1925.html funcionários públicos aposentados, jornalistas pobretões, tocadores de violão, raparigas sonhadoras, etc. Sua obra preocupa-se com os fatos históricos e com os costumes sociais, tornando-se uma espécie de cronista apaixonado da antiga capital federal (Rio de Janeiro), seguindo a mesma linha de Manuel Antônio de Almeida.
Seus textos desvelam a vida cotidiana das classes populares, sem qualquer idealização, ainda que cheios de simpatia humana para os protagonistas mais sofridos. Lima Barreto experimenta grande ternura pelos desvalidos e humilhados, fugindo, no entanto, do sentimentalismo populista que é o maior perigo dessa literatura a favor dos pobres. Há um forte caráter de denúncia social, pois vê o mundo com o olhar dos derrotados, dos que sofrem as injustiças, dos que são feridos pelos preconceitos.
O ESTILO SIMPLES
O escritor desprezou a erudição bacharelesca e parnasiana e escreve com simplicidade, até com certo desleixo voluntário, querendo aproximar a escrita da linguagem coloquial. Acusado de escritor incorreto e incapaz de lidar com os padrões linguísticos da elite culta, sua obra será julgada gramaticalmente e condenada por suposta vulgaridade e Poucos aceitaram estes contos e romances que revelaram a vida cotidiana das classes populares, sem qualquer idealização, ainda que cheios de simpatia humana para os protagonistas mais sofridos.
Triste Fim De Policarpo Quaresma
Publicado inicialmente em folhetins do Jornal do Comércio entre agosto e outubro de 1911 e depois em livro em 1916, Triste Fim de Policarpo Quaresma, obra mais famosa de Lima Barreto, condensa em si muitas das características que consagraram seu autor como o melhor de seu tempo.
A obra focaliza fatos históricos e políticos ocorridos durante a fase de instalação da república, mais precisamente no governo de Floriano Peixoto (1891 - 1894). Seus ataques, sempre escachados, derramam-se para todos os lados significativos da sociedade que contempla, a Primeira República, ou seja, as primeiras décadas desse regime aqui no Brasil.
Assim, Lima Barreto encaixa-se no Pré-Modernismo (1902-22), pois, respeita códigos literários antigos (principalmente o Naturalismo, conforme anteriormente apontado), mas já apresenta uma linguagem nova, mais arejada em relação ao momento anterior.
O romance narrado em terceira pessoa, descreve a vida política do Brasil após a Proclamação da República, caricaturizando o nacionalismo ingênuo, fanatizante e xenófobo do Major Policarpo Quaresma, apavorado com a descaracterização da cultura e da sociedade brasileira, modelada em valores europeus.
Divertido e colorido no início, o livro se desdobra no sofrimento patético do major Quaresma, incompreendido e martirizado, convertido numa espécie de Dom Quixote nacional, otimista incurável, visionário, paladino da justiça, expressando na sua ingenuidade a doçura e o calor humano do homem do povo.
O romance anuncia no título o seu desfecho pouco alegre, apesar do enredo em que os efeitos cômicos estão aliados ao entusiasmo ingênuo do personagem central e ao seu inconformismo e obsessões. Quaresma é um tipo rico em manifestações inusitadas: seus requerimentos pedindo o tupi-guarani como língua oficial, seu jeito de receber chorando as visitas, suas pesquisas folclóricas; tudo procurando despertar o riso no leitor que, no final, presencia sua morte solitária e triste: “Com tal gente era melhor tê-lo deixado morrer só e heroicamente num ilhéu qualquer, mas levando para o túmulo inteiramente intacto o seu orgulho, a sua doçura, a sua personalidade moral, sem a mácula de um empenho, que diminuísse a injustiça de sua morte, que de algum modo fizesse crer aos algozes que eles tinham direito de matá-lo”.
Dom Quixote, de Pablo Picasso. FONTE: http://chc.cienciahoje.uol.com.br/a-imaginacao-e-o-delirio-deum-cavaleiro-andante/
Autor: João Simões Lopes Neto
Vida: Neto do famoso Visconde da Graça - que chegou a ter uma orquestra particular composta por escravos em sua grande fazenda João Simões Lopes Neto nasceu em Pelotas, no ano de 1865, descendia da elite rural rio-grandense. Aos treze anos, foi para o Rio de Janeiro, estudar no famoso colégio Abílio. Em seguida, teria frequentado até a terceira série a Faculdade de Medicina, mas sobre esta passagem acadêmica nunca houve provas. Retornando ao Sul, fixa-se em sua terra natal, Pelotas, então rica e próspera pelas mais de cinquenta charqueadas que lhe davam a base econômica. Nesta cidade dinâmica e aristocrática, o jovem patrício enceta a mais bizarra, surpreendente e malograda trajetória vivida por um escritor gaúcho.
João Simões sobreviveu das atividades jornalísticas. Ali estampou seus relatos, em uma linguagem que fugia dos padrões reconhecidos na época. Ninguém percebia a sua importância literária. Muitos pelotenses ainda o tratavam com deferência, por suas origens aristocráticas e seu caráter generoso; outros viam nele apenas um derrotado, um tipo que merecia piedade. A própria mulher, com quem não teve filhos, parecia desprezá-lo. Em 1916, morreu em Pelotas, aos cinquenta e um anos, de uma úlcera perfurada.
http://apoesiadobrasil.blogspot.com.br/ 2013/09/joao-simoes-lopes-neto-18651916.html
OBRAS: Cancioneiro guasca (1910), Contos gauchescos (1912), Lendas do Sul (1913), Casos do Romualdo (1952 - edição póstuma)
O UNIVERSO GAUCHESCO
Os textos do escritor transcorrem no passado, abrangendo um período histórico que se inicia depois da Independência e alcança o início do século XIX. Vários momentos significativos da formação do Rio Grande do Sul são evocados como pano de fundo dos contos: a Revolução Farroupilha, as Guerras Platinas, a Guerra do Paraguai, etc.
Uma das técnicas mais interessante do escrito foi dar a voz narrativa de sua principal obra – Contos Gauchescos – a um velho vaqueano chamado Blau Nunes, com isso consegue atribuir oralidade e o regionalismo da linguagem e a fixação do mundo gauchesco aos contos. Observe a apresentação do narrador:
Genuíno tipo — crioulo — rio-grandense (hoje tão modificado), era Blau o guasca sadio, a um tempo leal e ingênuo, impulsivo na alegria e na temeridade, precavido, perspicaz, sóbrio e infatigável; e dotado de uma memória de rara nitidez brilhando através de imaginosa e encantadora loquacidade servida e floreada pelo vivo e pitoresco dialeto gauchesco. E, do trotar sobre tantíssimos rumos; das pousadas pelas estâncias; dos fogões a que se aqueceu; dos ranchos em que cantou, dos povoados que atravessou; das cousas que ele compreendia e das que eram-lho vedadas ao singelo entendimento; do pêlo-a-pêlo com os homens, das erosões da morte e das eclosões da vida, entre o Blau — moço, militar — e o Blau — velho, paisano — , ficou estendida uma longa estrada semeada de recordações — casos, dizia que de vez em quando o vaqueano recontava, como quem estende, ao sol,para arejar, roupas guardadas ao fundo de uma arca. Querido digno velho! Saudoso Blau! Patrício, escuta-o.
A visão de Blau Nunes a respeito do gaúcho é ambígua. Por um lado, celebra-lhe as virtudes: a hombridade, a bravura, a honestidade, etc. Por outro lado, Blau Nunes é essencialmente um gaudério, um homem que tem de seu apenas o cavalo e as habilidades campeiras e guerreiras. Um homem simples que pertence ao núcleo dos “de baixo” e que olhas para os “de cima” com certa desconfiança
A narrativa dos contos não estabelece apenas um itinerário geográfico em busca das paragens típicas do Rio Grande do sul; mas também é um percurso existencial, pois narra os casos de que participou, traçando a própria autobiografia e um painel da formação do nosso estado e do nosso povo.
A LINGUAGEM REGIONALISTA
O velho gaudério, Blau Nunes, assume a narração de seus casos, valendo-se de uma espécie de linguagem popular campeira, imperante na campanha, pelo menos durante o século XIX, e que, certamente, já estava em desuso no início do século XX, quando o escritor a fixou literariamente. A fala de Blau Nunes é saborosa, sugestiva, em função de inúmeras e criativas metáforas, e nos dá a impressão de total naturalidade. Nela aparecem vocábulos espanhóis (despacito, entrevero, etc.); arcaísmos (escuitar, peor, etc.); corruptelas (vancê, desgoto, etc.); e uma grande quantidade de termos específicos da região (china, bagual, chiru, etc.); sem contar algumas variantes do próprio escritor. Por isso, deve-se ler a obra com um glossário confiável.
Tornam-se nítidos a fixação do mundo gauchesco, a oralidade e o regionalismo da linguagem.
Contribui para o encantamento verbal a que o narrador nos submete o fato de falar com alguém, um homem que acompanha o vaqueano na cavalgada e nos causos que conta.
Blau Nunes é o vaqueano que conduz o viajante através dos pagos. Trata-se aqui do portador de um conjunto de valores que expressa a imagem do gaúcho gerada pela tradição coletiva: a grandeza, a hospitalidade, a amizade, a confiança, a audácia e a perspicácia.
Em "Contrabandista", por exemplo, um pai atravessa a fronteira para buscar um vestido de noiva para a filha, mas no dia do casamento, enquanto o noivo, o padre e dezenas de convidados vão chegando, o pai não retorna com o presente. A espera, em plena festa matrimonial, pelo velho contrabandista e seus asseclas é uma das cenas mais exasperantes da ficção brasileira. Observe o trecho:
O Jango Jorge foi maioral nesses estropícios. Desde moço. Até a hora da morte. Eu vi.
Como disse, na madrugada véspera do casamento o Jango Jorge saiu para ir buscar o enxoval da filha.
Passou o dia; passou a noite.
No outro dia, que era o do casamento, até de tarde, nada.
Havia na casa uma gentama convidada; da vila, vizinhos, os padrinhos, autoridades, moçada. Havia de se dançar três dias!... Corria o amargo e copinhos de licor de butiá.
Roncavam cordeonas no fogão, violas na ramada, uma caixa de música na sala.
Quase ao entrar do sol a mesa estava posta, vergando ao peso dos pratos enfeitados.
A dona da casa, por certo traquejada nessas bolandinas do marido, estava sossegada, ao menos ao parecer.