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3.2. Poesia Contemporânea
Leitura Complementar: Grande sertão: veredas
As travessias de Riobaldo
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Riobaldo realiza três travessias básicas em Grande sertão: veredas:
A primeira é a travessia exterior, como jagunço em um sertão real, onde ele conhece a natureza, os bichos e os limites extremos da condição humana cristalizada na selvageria e nos gestos épicos dos companheiros de jagunçagem.
A segunda é a travessia interior, que, nascida do fato de que “o sertão está em toda a parte, o sertão está dentro da gente”, leva Riobaldo ao auto-conhecimento. A profunda percepção de si mesmo e a própria formação de sua subjetividade surgem do contato com dois outros indivíduos que sintetizam as noções difusas de bem e mal. Um abre para Riobaldo as comportas íntimas do medo, do ódio e da ambição: Hermógenes. O outro, mulher camuflada de homem, desencadeia a explosão do amor: Diadorim.
A terceira travessia é a passagem de um tipo de consciência mítica-sacral (Riobaldo-jagunço) para outra de estrutura lógico-racional (Riobaldo-fazendeiro). O primeiro tipo de consciência – comum às sociedades indígenas e mestiças dos sertões brasileiros e latino-americanos – explica o mundo pelo mito e pelo sagrado. Por isso, certos fenômenos são atribuídos a poderes superiores à realidade objetiva: diabos, lobisomens, mortos, etc. O segundo tipo – próprio da civilização racionalista moderna – vê o mundo de um ponto de vista científico (José H. Dacanal).
À medida que a racionalidade das sociedades modernas avança, o pensamento mítico-sacral, ou mágico, tende a se dissolver. Assim, em Grande sertão: veredas, o Diabo é um protagonista fundamental, no plano do passado, dentro do universo sacral onde se movem os jagunços. Já no plano do presente, quando conta sua vida ao doutor, Riobaldo tende a recusar a visão da juventude, negando a existência do Diabo.
(Curso de Literatura Brasileira de Sérgius Gonzaga)
RASCUNHO
UNIDADE 3 LITERATURA CONTEMPORÂNEA 3.1. A Poesia de Vanguarda
O CONCRETISMO
O avanço da tecnologia, somado à aceitação cada vez mais ampla da linguagem dos meios de comunicação de massa, levou à busca de novas formas de expressão que fossem condizentes com uma sociedade em que tudo acontecia de maneira rápida, objetiva e era instantaneamente consumido para ceder lugar ao novo, o Concretismo é a primeira manifestação dessa realidade.
O movimento concretista despontou em 1952, com o lançamento da revista Noigandres (palavra de origem provençal que significa “antídoto do tédio”). Mas o lançamento oficial do movimento deu-se em 1956, com a Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada em São Paulo. Os principais nomes do grupo são Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos - iniciadores do movimento. Destacam-se ainda Pedro Xisto, Wlademir Dias Pino e Ferreira Gullar (que abandonou o grupo em 1957).
Fonte: www.antoniomiranda.com.br/ensaios/concretismo_lontra.html
Características:
a) poesia verbo-voco-visual; b) abolição do verso; c) aproveitamento do espaço; d) exploração do significante da palavra; e) possibilidade de leituras múltiplas.
Décio Pignatari Augusto de Campos
Décio Pignatari
3.2. Poesia Contemporânea
O nome é vago, pois houve poesia de caráter social em vários momentos de nossa literatura. Neste caso, foi a designação escolhida para a proposta de um grupo de poetas que reagiram à poesia de sua época (sobretudo a concretista), que consideravam excessivamente apegada ao formalismo e, extremamente alienada. Trata-se de uma poesia de expressão política.
Buscando maior comunicação com o leitor, a poesia social propõe o retorno ao verso, o emprego de uma linguagem mais simples e a escolha de temas relacionados com a realidade social do país. Além de Ferreira Gullar, dissidente do grupo concretista e que já havia proposto o neoconcretismo destacam-se Affonso Romano de Sant'Anna, Afonso Ávila, Thiago de Mello.
Autor: Ferreira Gullar
Vida: Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira), nasceu no dia 10 de setembro de 1930, na cidade de São Luiz, capital do Maranhão, quarto filho dos onze que teriam seus pais, Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart. Inicia seus estudos no Jardim Decroli, em 1937, onde permanece por dois anos. Depois, estuda com professoras contratadas pela família e em um colégio particular, do qual acaba fugindo. Em 1941, matriculou-se no Colégio São Luís de Gonzaga, naquela cidade.
Aprovado em segundo lugar no exame de admissão do Ateneu Teixeira Mendes, em 1942, não chega a concluir o ano letivo nesse colégio. Ingressa na Escola Técnica de São Luís, em 1943. Apaixonado por uma vizinha, Terezinha, deixa os amigos e passa a se dedicar à leitura de livros retirados da Biblioteca Municipal e a escrever poemas.
CARACTERÍSTICAS
a) dissidente do grupo concretista; b) poesia de denúncia social e política; c) poesia participante e engajada; d) poesia bem humorada;
Um instante
Aqui me tenho Como não me conheço nem me quis
sem começo nem fim
aqui me tenho sem mim nada lembro nem sei
Não Há Vagas
O preço do feijão não cabe no poema.
Poema sujo
turvo turvo a turva mão do sopro contra o muro escuro menos menos menos que escuro menos que mole e duro menos [que fosso e muro: menos que furo
escuro mais que escuro: claro como água? como pluma? claro mais [que claro claro: coisa alguma
e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica [e vem sonhando desde as entranhas
azul era o gato azul era o galo azul o cavalo azul teu cu tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma entrada para eu não sabia tu não sabias fazer girar a vida com seu montão de estrelas e oceano entrando-nos em ti (...)
A estrela
Gatinho, meu amigo, fazes ideia do que seja uma estrela? Dizem que todo este nosso imenso planeta coberto de oceanos e montanhas é menos que um grão de poeira se comparado a uma delas Estrelas são explosões nucleares em cadeia numa sucessão que dura bilhões de anos O mesmo que a eternidade Não obstante, Gatinho, confesso que pouco me importa quanto dura uma estrela Importa-me quanto duras tu, querido amigo, e esses teus olhos azul-safira com que me fitas
O preço do arroz não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão
O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila o se dia de aço e carvão nas oficinas escuras - porque o poema, senhores, está fechado "não há vagas"
Só cabe no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço O poema, senhores, não fedem nem cheira.
A INFLUÊNCIA DOS CONCRETOS
Os autores concretistas desintegraram o lirismo pretensioso e retórico da geração anterior e transformaram seu movimento, por alguns anos, em um divisor de águas entre a velha poesia e a nova vanguarda. Apesar da escassa receptividade pública de suas obras, as mesmas tiveram inegável importância na problematização estética da época.
Cultos e sofisticados, emitiram um sem número de manifestos e de interpretações da própria poesia. A autopublicidade e autocitação contínuas do grupo (combinadas com a incapacidade de aceitar qualquer outro tipo de poesia) renderam-lhe admiradores e inimigos, a tal ponto que, nos anos de 1960, nenhum poeta poderia estrear sem fazer a opção “concreto x não concreto”.
No entanto, quase todos os primeiros adeptos do movimento acabaram se afastando do núcleo fundador. Entre eles, Ferreira Gullar, que não apenas renegou o concretismo, como passou a combatê-lo, vendo na poética inovadora da década de 1950 apenas um vanguardismo vazio e historicamente datado: “Trata-se de uma poesia artificiosa, imposta pela teoria. Uma novidade que logo passou.”
É preciso reconhecer, contudo, que o objetivo de criar uma “poesia de exportação”, tão presente nos fundadores do movimento obteve êxito, pois grupos concretos de maior ou menor relevância se formaram em vários países: Alemanha, Suíça, Portugal, França, etc. Observe-se, por outro lado, que nas artes plásticas nacionais, o concretismo dialogou com criadores muito importantes como Lígia Clark, Hélio Oiticica e outros. Também a música popular brasileira sofreu o impacto do projeto paulista. Os chamados tropicalistas, em especial, se apropriaram de certas características do movimento para compor suas letras mais ousadas. Alguns anos depois, na canção Sampa, Caetano Veloso celebraria os fundadores da vanguarda concretista: Quando eu cheguei por aqui / Eu nada entendi / Da dura poesia concreta de tuas esquinas.
(Curso de Literatura Brasileira – Sérgius Gonzaga)
A POESIA MARGINAL (1970)
Um estudioso do movimento explica a origem do nome:
“Os livros são muitas vezes rodados em mimeógrafos o que deu margem a que se falasse em uma geração de mimeógrafo — às vezes em offset ou processos semelhantes, as tiragens são pequenas, os trabalhos têm frequentemente um acabamento material bastante rústico [...] A venda se dá, geralmente, de mão em mão, sendo realizada muitas vezes pelo próprio autor ou por amigos deste e percorrendo um circuito mais ou menos fixo de bares e / ou restaurantes, portas de cinema e teatro, ou mesmo universidades”. (Carlos A. Messeder)
Em resumo: os poetas dessa geração recusavam os métodos tradicionais de produção e distribuição de sua obra. Alguns poetas que surgiram com o grupo “marginal” hoje têm sua obra produzida e distribuída por grandes editoras. É o caso de Chacal, Cacaso e Paulo Leminsky.
A linguagem e a temática da poesia marginal são muito diversificadas. Observam-se não só influências do Concretismo e do Poema-Processo como a retomada de algumas características do nosso modernismo da primeira fase. Nota-se ainda o desprezo pelo chamado “bom gosto” da classe dominante. Em todos os casos predomina o coloquialismo e a fusão de poesia e prosa. A ironia é outra constante nessa poesia produzida sob forte pressão política.
Ora poesia de expressão subjetiva, pessoal, ora poesia de denúncia, a obra dos “marginais” de 70 obteve maior aceitação do que a poesia dos grupos anteriores.
Jogos Florais
(Cacaso)
rápido e rasteiro
(Chacal)
I Minha terra tem palmeiras onde canto o tico-tico. Enquanto isso o sabiá vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil ficou moderno o milagre: a água já não vira vinho, vira direto vinagre.
II Minha terra tem Palmares memória cala-te já. Peço licença poética Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores dado o avançado da hora errata e efeitos do vinho o poeta sai de fininho.
(será mesmo com 2 esses que se escreve paçarinho?) Vai ter uma festa que eu vou dançar até o sapato pedir pra parar.
aí eu paro tiro o sapato e danço o resto da vida.
Sintonia para pressa e presságio (Paulo Leminski)
Escrevia no espaço. Hoje, grafo no tempo, na pele, na palma, na pétala, luz do momento. Soo na dúvida que separa o silêncio de quem grita do escândalo que cala, no tempo, distância, praça, que a pausa, asa, leva para ir do percalço ao espasmo.
Eis a voz, eis o deus, eis a fala, eis que a luz se acendeu na casa e não cabe mais na sala.
Autora: Adélia Prado
Vida: Adélia Luzia Prado Freitas nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, no dia 13 de dezembro de 1935, filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa.
Leva uma vidinha pacata naquela cidade do interior: inicia seus estudos no Grupo Escolar Padre Matias Lobato e mora na rua Ceará. Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da literatura. Morando na pequena Divinópolis, cidade com aproximadamente 200.000 habitantes, estão em sua prosa e em sua poesia temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a cozinha, a missa, um certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá.
“Meu registro fundamental é um registro do cotidiano. E o meu cotidiano é marcado por um limite interiorano e acentuadamente religioso. É só disso que eu sei falar” “Toda obra, quer o autor queira ou não, traz um registro biográfico desse autor.”
CAR ACT ERÍ STIC
AS
Com licença poética
a) poesia emocional, feminista; b) reflete a vida cotidiana; c) apresenta o medo e a tristeza; d) o amor e o sonho; e) a religiosidade
Casamento
Há mulheres que dizem: Meu marido, se quiser pescar, pesque, mas que limpe os peixes. Eu não. A qualquer hora da noite me levanto, ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar. É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, de vez em quando os cotovelos se esbarram, ele fala coisas como "este foi difícil" "prateou no ar dando rabanadas" e faz o gesto com a mão. O silêncio de quando nos vimos a primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo. Por fim, os peixes na travessa, vamos dormir. Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva. Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos — dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.
Corridinho
O amor quer abraçar e não pode. A multidão em volta, com seus olhos cediços, põe caco de vidro no muro para o amor desistir. O amor usa o correio, o correio trapaceia, a carta não chega, o amor fica sem saber se é ou não é. O amor pega o cavalo, desembarca do trem, chega na porta cansado de tanto caminhar a pé. Fala a palavra açucena, pede água, bebe café, dorme na sua presença, chupa bala de hortelã. Tudo manha, truque, engenho: é descuidar, o amor te pega, te come, te molha todo. Mas água o amor não é.
Autor: Arnaldo Antunes
Vida: Arnaldo Antunes, músico, poeta, compositor e artista visual brasileiro, talvez seja hoje o maior exemplo do dialogismo entre a literatura e a música. Nome forte do rock nacional da década de 1980, foi um dos fundadores e líderes de uma das bandas de maior sucesso de nossa música, os Titãs. Sua jornada poética começou em 1986, quando teve publicado o livro Ou e, que foi composto
de poemas que exploram a dimensão visual das palavras. Depois da estreia bem sucedida, muitos outros livros vieram. Em 1992, o artista recebeu o maior prêmio concedido a um autor da literatura brasileira, o Prêmio Jabuti, na categoria Poesia. Depois de algum tempo afastado da mídia, formou juntamente com Marisa Monte e Carlinhos Brown, o trio Tribalistas, e foi um sucesso até 2009, no Brasil e na Europa, chegando a ganharem, em 2003, o prêmio do Grammy Latino de Melhor Álbum Pop Contemporâneo Brasileiro.
CARACTERÍSTICAS
a) os poemas musicados. b) explora diferentes técnicas de diagramação. c) o aproveitamento icônico. d) o jogo de palavras, o lúdico. e) a escrita telegráfica e a objetividade.
Cultura
O girino é o peixinho do sapo. O silêncio é o começo do papo. O bigode é a antena do gato. O cavalo é o pasto do carrapato.
O cabrito é o cordeiro da cabra. O pescoço é a barriga da cobra. O leitão é um porquinho mais novo. A galinha é um pouquinho do ovo.
O desejo é o começo do corpo. Engordar é tarefa do porco. A cegonha é a girafa do ganso. O cachorro é um lobo mais manso.
O escuro é a metade da zebra. As raízes são as veias da seiva. O camelo é um cavalo sem sede. Tartaruga por dentro é parede.
O potrinho é o bezerro da égua. A batalha é o começo da trégua. Papagaio é um dragão miniatura. Bactéria num meio é cultura.
Os buracos do espelho
o buraco do espelho está fechado agora eu tenho que ficar aqui com um olho aberto, outro acordado no lado de lá onde eu caí
pro lado de cá não tem acesso mesmo que me chamem pelo nome mesmo que admitam meu regresso toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede a palavra de água se dissolve na palavra sede, a boca cede antes de falar, e não se ouve
já tentei dormir a noite inteira quatro, cinco, seis da madrugada vou ficar ali nessa cadeira uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado agora eu tenho que ficar agora fui pelo abandono abandonado aqui dentro do lado de fora