A busca da verdade e o ceticismo

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Aulas de Filosofia – 2ªSérie E.M.

A busca da verdade e o ceticismo Josué Cândido da Silva1

Objetivos  Discutir os conceitos de certeza, verdade e dúvida.  Trabalhar as habilidades de raciocínio, interpretação de texto, investigação e formação de conceitos.

Céticos O cético é uma pessoa que não acredita, que duvida ou se apresenta como incrédulo ou descrente. As escolas céticas surgiram na Antiguidade como uma crítica à excessiva confiança na capacidade de resolver definitivamente as questões filosóficas (dogmatismo). O ceticismo radical de Pirro de Élis (século III A.C.) punha em dúvida a possibilidade de decidir acerca da verdade de todo o enunciado. A nova Academia (Argesilau, Carnêades) buscava um critério de verossimilhança ou probabilidade. O ceticismo tardio era ligado ao ceticismo antigo, mas se preocupou, sobretudo, em estudar as normas do comportamento prático. O cético é também um sujeito que se recusa a aceitar uma ideia ou teoria com base na sua popularidade ou na autoridade que representa ou impõe essa ideia.

Exercício Os filósofos céticos afirmavam que não podemos ter certeza absoluta sobre coisa alguma. Será que eles estavam certos? Das afirmações abaixo, quais você poderia afirmar que correspondem a uma verdade absoluta? a) b) c) d) e)

A reta é o caminho mais curto entre dois pontos. O todo é sempre maior que as partes. Um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar. Toda figura de quatro lados iguais é um quadrado. Existe vida inteligente em outros planetas.

Depois que os alunos responderem, podemos problematizar as soluções apresentadas e verificar se estão realmente certos sobre o que afirmaram. Possíveis problemas: a) Em uma viagem de São Paulo a Tóquio, o caminho mais curto é uma reta? b) E o losango? c) Não está provado. Solicitar que os alunos elaborarem afirmações que podem ser consideradas uma verdade absoluta. Depois discuta com eles quais os critérios para se estabelecer uma verdade absoluta.

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Josué Cândido da Silva é professor de filosofia da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus (BA).

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Leitura textual A dúvida e a busca da verdade Se alguém lhe perguntasse "O que você conhece?", você poderia pensar em uma porção de coisas, a maioria delas adquiridas em sua experiência cotidiana. Mas se a pessoa insistisse e perguntasse "Algo do que você sabe é realmente verdade? Apostaria sua vida nisso?", essas questões complicariam um bocado as coisas. Eu, por exemplo, poderia dizer que tenho certeza que sou filho dos meus pais, mas talvez eu tivesse sido adotado ou trocado na maternidade e estar enganado a esse respeito. Poderia ainda estar enganado sobre uma série de outras coisas que até então julgava certas. E se reparar direito, tudo o que eu tenho são crenças, algumas até muito razoáveis, mas nada de que eu possa dizer que é uma verdade irrefutável. Percebo, então, que me falta um parâmetro para examinar as minhas crenças e verificar quais são realmente certas e quais são falsas.

Condições universais de validade Durante a história da filosofia, vários foram os filósofos que tentaram estabelecer as condições para que algo fosse tomado como absolutamente verdadeiro, isto é, uma verdade que independesse de fatores circunstanciais e que fosse algo que não fosse verdadeiro para mim ou para um grupo de pessoas, mas para todos os seres racionais. Você deve estar cansado de ver por aí grupos de pessoas com crenças estranhas, que dizem que eles estão certos e todos os outros enganados. Nesse caso, como decidir quem está certo? Votando? Mas se a maioria estiver errada e o pequeno grupo estiver certo, nunca conheceremos a verdade porque eles sempre perderão nas votações. É preciso que se trate de uma verdade universal, isto é, válida para todos, tanto para a maioria quanto para as minorias. Portanto, o que os filósofos investigam são as condições universais de validade, aquelas condições que independem das opiniões particulares que eu ou você possamos ter.

Ceticismo Na investigação sobre as condições de validade do nosso conhecimento um grupo de filósofos merece destaque: os céticos. O termo cético vem da palavra grega skepsis, que significa "exame". Atualmente, dizemos que uma pessoa cética é alguém que não acredita em nada, mas não é bem assim. Um filósofo cético é aquele que coloca suas crenças e as dos outros sob exame, a fim de verificar se elas são realmente dignas de crédito ou não. Pirro de Elis (360-275 a.C.) é considerado o fundador do ceticismo. Segundo ele, não podemos ter posições definitivas sobre determinado assunto, pois mesmo pessoas muito sábias podem ter posições absolutamente opostas sobre um mesmo tema e ótimos argumentos para fundamentar suas posições. Nesse caso, Pirro nos aconselha a suspensão do juízo e a mantermos nossa mente tranquila (ataraxia). Ao invés de enfrentarmos o desgaste de acalorados debates que não produzirão certeza alguma, devemos manter silêncio (apraxia) e preservar uma atitude de suspeita diante de qualquer tipo de dogmatismo. Depois de Pirro, muitos outros filósofos tornaram o ceticismo uma das mais importantes correntes filosóficas até os dias de hoje. Atualmente, alguns céticos defendem o probabilismo ou falibilismo, ou seja, na impossibilidade de encontrarmos verdades absolutas, seja pelas limitações de nossos sentidos e intelecto, seja pela complexidade da realidade, devemos tratar nossas crenças sempre como provisórias, como quem anda em gelo fino.

Desse modo, um cético nunca seria pego de surpresa se algo que todos acreditavam ser verdade se revelasse falso no futuro. Por outro lado, reconhecer que as verdades são provisórias não significa uma completa inação. Sabemos que os remédios são falhos, mas são a única coisa que temos para combater as doenças.

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Aulas de Filosofia – 2ªSérie E.M. Isso também vale para o campo da ética. O filósofo Montaigne propunha que vivêssemos em harmonia com os costumes de nosso povo ou cultura, pois embora eles sejam falhos, são tão falhos quanto os de qualquer outro povo, não havendo razão para preferir este a aquele.

Despertar do sono dogmático Conta a lenda que Pirro morreu enquanto dava aula de olhos vendados. Um aluno o teria alertado quanto ao precipício à sua frente. Cético, Pirro desconfiou do aluno e caiu. Essa lenda, obviamente, pretende mostrar os perigos de se duvidar de tudo. Mas será que um cético autêntico não duvidaria também de suas próprias dúvidas? Odiado por alguns, o cético é como a abelha que aferroa o boi do conhecimento, retirando-o da mesmice das idéias prontas e acabadas, nos provocando, por meio da dúvida, a investigar a fundo os pressupostos de nossas crenças; ou, como diria Kant, o cético é aquele que nos desperta do nosso sono dogmático para lembrar-nos que pensar não é um fim, mas uma atividade.

Discussão Após a leitura do texto “A dúvida e a busca da verdade”, forme um grande círculo com os alunos e dialogue com eles sobre as seguintes questões: 1. Será que tudo o que acreditamos não passa de um amontoado de crenças? Qual sua opinião a respeito? 2. Pelo que você entendeu do texto, cético é uma pessoa que duvida de tudo? 3. É possível duvidar de tudo? Você poderia duvidar de que você existe de fato? 4. Você considera que só existem verdades provisórias, ou poderíamos dizer que algumas verdades são absolutas? 5. Você acha que é inútil discutir com as outras pessoas, para ver quem está certo, porque todos estão certos, cada um à sua própria maneira? 6. É possível que exista mais de uma verdade sobre um mesmo tema? Você pode dar um exemplo? 7. Se uma pessoa diz que está em dúvida sobre algo, isso significa que ela não poderá tomar qualquer decisão sobre aquele assunto? 8. Uma pessoa pode duvidar de suas dúvidas?

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Reflexão Apresente a letra da música Metamorfose ambulante, de Raul Seixas, e coloque-a para tocar enquanto eles acompanham a letra.

Metamorfose Ambulante2 Prefiro ser Essa metamorfose ambulante Eu prefiro ser Essa metamorfose ambulante Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo Eu quero dizer Agora o oposto do que eu disse antes Eu prefiro ser Essa metamorfose ambulante Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo

Sobre o que é o amor Sobre o que eu nem sei quem sou

Sobre o que é o amor Sobre o que eu nem sei quem sou

Se hoje eu sou estrela Amanhã já se apagou Se hoje eu te odeio Amanhã lhe tenho amor

Se hoje eu sou estrela Amanhã já se apagou Se hoje eu te odeio Amanhã lhe tenho amor

Lhe tenho amor Lhe tenho horror Lhe faço amor Eu sou um ator

Lhe tenho amor Lhe tenho horror Lhe faço amor Eu sou um ator

É chato chegar A um objetivo num instante Eu quero viver Nessa metamorfose ambulante

Eu vou desdizer Aquilo tudo que eu lhe disse antes Eu prefiro ser Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo

A seguir, peça para que eles produzam um pequeno texto interpretativo, opinando sobre a seguinte questão:  Raul Seixas está defendendo o ceticismo? Os alunos terão que optar entre "sim", "não", "em termos" e fundamentar sua escolha argumentativamente. Você poderá usar o texto como instrumento de avaliação, para checar se os alunos realmente apreenderam o conceito de ceticismo. Outra possibilidade seria reunir os alunos segundo o tipo de resposta que deram para a questão proposta e cada grupo eleger qual considera a melhor. A letra da música e as melhores respostas poderiam ser afixadas no mural ou figurar no site da escola, como um convite para que outros também manifestem suas opiniões.

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Composição: Raul Seixas

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