Mar de Luz - Roberto Saul

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ROBERTO SAUL ''Autor da trilogia "O Divino jogo do ser"

MAR DELUZ UM MERGULHO NO SER. Uma fascinante tabula sobre a verdade da vida. Mergulhados neste mar de luz, o leitor ira se aproximar da fronteira entre a vida e a morte e dele retornara profundamente transformado

EDITORA PA.'IDORA


MAR DE LUZ UM MERGULHO NO SER

Mar de luz, é um quadro vivo, pincelado por um autor que conseguiu relatar poeticamente as experiências entre um avô e seu pequeno neto. Um verdadeiro hino de amor e de eternidade. Não há como não se emocionar pela sabedoria do avô quando criança, e depois quando mais velho. Seu neto, um fervoroso e incansável buscador da verdade, encontra em sua companhia as respostas que ele tanto ansiava. A simplicidade refletida no transcorrer do seu texto, irá levá-lo a relembrar a pura magia da nossa infância. Mergulhados neste mar de luz, o leitor irá se aproximar da fronteira entre a vida e a morte, e dele retornará profundamente transformado. O enredo filosófico e o cativante diálogo entre os personagens, fazem o encanto e a beleza da obra. Seu roteiro original que se desdobra entre o passado e o presente irá surpreender o leitor a cada novo capítulo. Uma fascinante fábula sobre a verdade da vida, depois da vida. Ele irá confortar e esclarecer as pessoas, através de sua sublime mensagem, tendo por base os ensinamentos da sabedoria dos grandes mestres, e de “Um curso em milagres.” Com certeza nos levará mais próximos do amor e da luz, iluminando a verdade do nosso Ser. NOTA DO EDITOR

CAPA: A grande onda de Kanagarra – Famosa xilografia do mestre japonês Hokusai no período (Edo) - 1830


MAR DE LUZ UM MERGULHO NO SER

ROBERTO SAUL Ilustrações do autor

PANDORA

EDITORA


Dados Internacionais de catalogação na Publicação (CIP) (Câmera Brasileira do livro. SP Brasil)

MAR DE LUZ

UM MERGULHO NO SER Revisão Joana M. M. Garcia

Rosilaine Cardoso da Silva Capa e editoração eletrônica Roberto Saul Índices para catálogo sistemático: 1. Espiritualidade : Evolução espiritual : Religião. 2017 CDD - 291.4 Saul, Roberto MAR DE LUZ Um Mergulho no Ser espiritual / Roberto Saul. -- São Paulo : Primeira edição 2005. Bibliografia. ISBN 85-98497-24-X 1. Espiritualidade 2. Felicidade 3. Paz 4. Verdade (Filosofia) 5. Vida espiritual I. Título. 05-4598 CDD-291.4 SEGUNDA EDIÇÃO: Ampliada e revisada Capa e ilustrações do autor. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem a autorização prévia, por escrito, da editora.


SUMÁRIO Prefácio

10

O Sítio

15

Quem sou eu

19

A história

23

O velho baú

25

A separação

28

A fuga

34

A busca

39

O diário

46

A verdade

67




Um Sapo Viveu toda sua vida em um poço. Um dia surpreendeu-se ao ver outro sapo ali. -- De onde você vem?-- perguntou -- Do mar. É lá que eu moro disse o outro -- Como é o mar? É tão grande quanto o meu poço? O sapo do mar riu e respondeu: --Não tem comparação. É muito maior. O sapo do poço fingiu estar interessado no que o visitante tinha dito sobre o mar, e pensou: -- De todos os mentirosos que já conheci, este é sem Dúvida o maior e o mais descarado!


Para Lily minha mãe Um anjo no céu


Prefรกcio


Estou sentado confortavelmente

em minha poltrona predileta, coluna ereta, olhos semi- fechados e em estado de meditação como normalmente costumo fazer todas as manhãs. Neste dia em especial sem entender o porque, comecei a sentir uma certa dificuldade em me concentrar. Isto é até normal acontecer, pois a mente por natureza é sempre inquieta; mas desta vez me vieram inesperadamente nítidas e contínuas imagens do meu avô. Não pude evitar de me lembrar de sua nobre figura, e me dei conta que já tinham se passado quase 50 anos desde o dia do seu falecimento. Gostava muito dele. O seu jeito de ser, a sua simplicidade, as suas experiências e sua profunda sabedoria. Mas a lembrança mais marcante que surgiu foi de uma incrível história que ele me contou quando ainda era garoto, e hoje posso dizer que influiu e alterou o curso da minha vida. Mas como nada é por acaso, com certeza isto fazia parte do nosso destino. Ainda sentado na poltrona, permiti que as imagens e as lembranças continuassem a vir, e como uma viagem de volta ao passado comecei a reviver cada momento em que estive em sua presença.

Fui arrebatado por um sentimento de alegria e saudade que tomou conta de mim e isto me transportou para a criança interior ainda pura e inocente que eu era. Percebi com muita clareza que quando somos crianças, vivemos mais intensamente o presente e nos encantamos a cada momento, até por pequenas coisas que hoje não nos emocionam mais. E foi assim aos poucos, quase sem perceber, antigas imagens iam sendo projetadas na tela da minha mente. Lá estava eu criança outra vez, revivendo detalhadamente a história secreta que ele me contou. Secreta porque ele jamais a contou depois de adulto a mais ninguém. Para não esquecer, ele as registrou num pequeno diário, revelando com simplicidade e emoção as experiências pelas quais viveu. Sinto que o destino conspirou a meu favor permitindo-me resgatar na época as suas anotações. Para dizer a verdade a muito tempo desejava escrever tudo que se passou naquela época. Mas por falta de tempo e também por preguiça fui adiando este projeto. Eu sabia que não seria nada fácil descrever tudo que pudesse me lembrar dos anos em que convivi com ele. Com estas reflexões e lembranças em minha mente, me estiquei todo na poltrona, apoiei as pernas debaixo da mesa e sem pensar duas vezes decidi a partir daquele momento juntar todas as anotações que


ele tinha feito para contar a sua fascinante e inesquecível aventura, e que na verdade era um compromisso que eu tinha assumido comigo mesmo, para um dia poder publicá-lo.

A princípio fiquei um tanto temeroso. A ideia de tornar público os seus registros me incomodavam um pouco, mas aos poucos senti ao contrário, isto ia valer a pena pelos grandes benefícios que certamente irá proporcionar às pessoas que estão passando pelas mesmas experiências pelas quais ele passou. E foi dentro deste clima de nostalgia que me dei conta que por ser uma pessoa sentimental, e um tanto conservador, pude preservar com muito cuidado todas as páginas que ele escreveu. Agora que já se passaram um bocado de tempo e meus cabelos estão se tornando cada vez mais brancos, porque não publicá-las para inspirar outras pessoas? Assim este livro constitui na verdade o fiel relato de uma experiência extraordinária pela qual passei, e que ficou gravada em minha memória. Ela merece ser compartilhada com você, que está começando a ler as primeiras páginas deste livro, para também se encantar com sua mágica e inesquecível aventura. Para contá-la procurei manter toda a sua pureza e simplicidade da forma em que foi escrita, apenas atualizando a nova ortografia e completando algumas frases que ficaram desbotadas pela passagem do tempo. Quanto ao texto, irão notar no decorrer de sua leitura, que ele se desdobra em duas partes. Posso dizer que este livro foi escrito a duas mãos. As lembranças ainda vívidas quando ainda adolescente impressas nas páginas brancas, onde descrevo o meu impacto emocional quando ele narrou de viva voz todos os acontecimentos que ocorreram com ele, do meu convívio que tive em sua companhia, e a seguir o diário original do vô impresso em letras amareladas.

Espero que como eu, você também possa se beneficiar e absorver seus profundos ensinamentos. Embora a nossa convivência infelizmente tenha sido bastante curta, ela foi de grande profundidade, pela empatia e afinidade espiritual que sentíamos um pelo outro. Foram lições de sabedoria que ele foi aos poucos me transmitindo, e sobretudo pela sua humana e exemplar conduta que muito me inspirou. Foi assim que um novo mundo se descortinou para mim quando mergulhei neste “Mar de luz,” o que contribui para expandir a minha consciência. Isto me fez sentir a eterna alegria do “Ser,” que é parte inseparável da vida, e livre de todas as limitações.


Para ler com o coração Puro de criança



O Sítio


“Quando somos crianças, vivemos mais intensamente o presente, e nos encantamos a cada momentoâ€?


Porém antes de começar a ler.

os manuscritos originais onde descreve todos os acontecimentos que ocorreram com ele, achei importante voltar ao passado ainda adolescente, e poder contar a minha visão de mundo e do meu convívio que tive em sua companhia. Isto dará uma ideia do grande impacto que sua história me causou. Desta forma o livro como já mencionei no prefácio se divide em duas partes. Todo o seu incrível relato que ele me contou e a seguir o seu próprio diário.

Naquela época todos me chamavam de Lipy. lembro-me vivamente que eram aproximadamente 80 quilômetros de percurso entre a cidade onde morava, e o sítio do meu avô. Bem na entrada quando os portões eram abertos, quinze majestosas palmeiras enfileiradas eram vistas por todo um caminho de terra batida de ambos os lados até a chegada da casa principal. Este pequeno percurso dava ao sítio um clima de beleza e suntuosidade. Do lado direito podia se ver alguns limoeiros, abacateiros e goiabeiras, e a esquerda dezenas de jabuticabeiras e mangueiras. Logo atrás da casa ficava a horta, com os mais diversos tipos de legumes que ele mesmo plantava. Quantas vezes a pedido do vô, eu mesmo ia buscar pés de alface e folhas de couve para o almoço. Embora fosse adolescente, estes momentos de curtição ficaram gravados para sempre. Também não posso negar que ele era um excelente cozinheiro. Digo isso sem exagero, porque mesmo vivendo sozinho pois era viúvo, preparava os mais incríveis e deliciosos pratos, com aquele capricho, que dava água na boca, principalmente quando ele sabia que eu iria visitá-lo. E tudo era feito no velho fogão a lenha, com muito amor e dedicação. Se você já experimentou uma comida assim, então sabe do que estou falando. O modo de preparar, a escolha dos temperos, a decoração dos pratos, tudo isto proporcionava um apetitoso visual, além daquele sabor inigualável que era uma loucura de bom. Era quase impossível deixar de repetir mais e mais só por gulodice. Ele mesmo me contou um dia com um certo orgulho, que quando era bem molecote trabalhou como assistente de cozinheiro com um tal de Dom Camillo, dono e mestre cuca de um restaurante, e que por sua vez aprendeu com seu pai, um cozinheiro napolitano muito renomado, que veio se estabelecer no Brasil, a convite de um tio relativamente rico.


Ir no sítio do vô era uma festa. Lá me sentia a vontade. Podia brincar, conversar e rolar, e mesmo quando fazia muita peraltisse, o vô não se importava. Íamos juntos como duas crianças no pomar e nos lambuzávamos com as deliciosas mangas ou as suculentas jabuticabeiras.

Não posso deixar de descrever também o pequeno galinheiro, pequeno mesmo, porque só tinha três ou quatro galinhas bem crescidas que o vô tinha dó de matar. Eu me lembro que ele tinha também dois patos, um marreco, e do Broto seu cachorro de estimação. O danado era esperto, amoroso, e muito brincalhão. Provavelmente ele era sua constante companhia, e sempre acompanhava o vô seja onde fosse. Os dois eram inseparáveis. Apesar do nome, não era tão broto assim. Ele já tinha uma certa idade e já não era tão ágil como antes. Era vamos dizer um broto velho, todo malhado de branco e preto. Era extremamente dócil, e muito sensível. A quilômetros de distância, já sabia que eu vinha chegando e corria pela estrada latindo de alegria só para me recepcionar. Logo que eu chegava, ele logo apanhava um pedaço de galho e correndo, vinha em minha direção para que tirando-a de sua boca a arremessasse para longe. Ele então corria acompanhando a sua trajetória no ar, e voltava novamente com ela, como prêmio de sua grande façanha. Na verdade sempre gostei de cães; eles são puros, inocentes, fieis e demonstram um amor incondicional. Tudo me leva a crer que estes sentimentos que eles manifestam, são reflexos deste amor que nos somos em essência, mas do qual gradativamente fomos nos distanciando.


Quem sou eu?


“Somos muito mais do que imaginamos, e muito menos do que acreditamos�


Quando ainda era garoto

Eu pensava muito sobre quem era eu. As vezes achava que sabia, e outras vezes ficava perdido de tanto pensar. Mas sem saber porque, uma força me atraia em direção de mim mesmo. Eu devia ter cerca de treze anos de idade, e lembro-me que muitas pessoas me diziam que eu pensava como gente grande. De fato me sentia diferente dos outros meninos. Talvez porque havia em mim uma grande vontade de entender os mistérios da vida, e não deixava nem os meus parentes em paz até que respondessem as minhas insistentes perguntas. Mas com o passar do tempo, estranhamente percebi que eles não sabiam muita coisa. É claro que como todo garoto também gostava de me divertir. A minha maior curtição era participar de uma boa pelada, com meus amigos, contanto que não fosse escalado como goleiro do time. Gostava de jogar no ataque para sentir a euforia de marcar um gol. As tardes assistia na TV as incríveis aventuras de Rin-tin-tin, Roy Rogers, Papai sabe tudo, e ficava encantado ouvindo a voz de veludo de Nat King Cole, as músicas dos Beatles e não perdia todos os domingos a série Disneylândia apresentado pelo próprio Walt Disney, e a grande ginkana Kibon, pela rede Record, canal sete. Quem viveu nesta época irá se lembrar, e talvez sentir uma pontada de saudade daquele tempo. Foi o início da televisão brasileira. Mas será que isto era eu? Não; eu sentia por intuição que não podia ser só isso. Parecia ser, mas ao mesmo tempo sentia que estava faltando algo a mais que não sabia exatamente como definir! Dentro de mim havia como uma voz insistente que me fazia pensar que devia ser também algo a mais. Afinal quem é o verdadeiro Felipe? Confesso que ficava bem confuso. Eu achava muito difícil saber realmente quem eu era, porque percebia que mudava a cada momento, e a cada novo dia eu era diferente. Só percebemos isso com mais clareza depois de um bom tempo. Você já se fez alguma vez esta pergunta? --- Quem sou eu? Se já fez, sabe que a resposta não é fácil. Porque se tudo que tenho; meu corpo, minhas ideias, meus brinquedos, minhas roupas, não representam quem sou; então quem sou eu?

Pode crer! Eu também não sabia, e isso me causava uma certa inquietação interior, mas tenho que dizer que depois que me aprofundei na história que um dia meu avô me contou, pude realmente


compreender um pouco mais quem somos nós. E quando você começa a se dar conta, de tantas coisas que você desconhecia, aos poucos a sua visão se amplia, e muitos conceitos começam a mudar de valor despertando novos interesses. Se isso já aconteceu ou está acontecendo com você, então com certeza deve ter ficado espantado e maravilhado. Quando isso se manifesta, podemos dizer que é o início da sua busca espiritual. É o despertar de uma nova consciência. Foi somente com o passar do tempo é que soube que somos muito mais do que imaginamos, e muito menos do que acreditamos. Por esta razão eu sentia um grande bem estar em visitar o sítio do vô, não apenas porque era muito legal brincar, pescar, nadar e estar envolvido pela natureza, mas sobretudo pela sabedoria que ele me transmitia. Posso dizer que ele era a única pessoa que conseguia responder as minhas indagações. Através de sua magnética presença, e seu amor pela vida, aprendia muitas coisas novas, e tudo isto me deixava extremamente encantado.

Mas agora está na hora de contar esta incrível história. Para dizer a verdade nem sei como começar, e confesso que não acreditei muito na época quando ele me contou. Pura ficção pensava eu. Mas hoje não tenho mais dúvidas. O seu valor, sua beleza e sua autenticidade estão em meu coração e fazem parte da minha vida.

Quer saber como tudo começou? Começou por causa de uma velha e desbotado calça. Sim! Isto mesmo. Uma surrada calça jeans. Parece incrível, mas é verdade. E tudo aconteceu muito depressa. “Vapt Vupt”, e uma série de coisas foram se sucedendo uma atrás da outra, e me deixando estonteado. Lembro-me que fui invadido por muitos sentimentos ambivalentes. Tristeza, alegria, frustração, medo, êxtase, tudo isto ao mesmo tempo. Então quando me veio as imagens do meu avô naquele dia de meditação, um pequeno sentimento de culpa ocupou minha consciência e não me deixou mais em paz. Era como se fosse uma outra parte de mim puxando minhas orelhas, e escutei como uma voz falando comigo e me dizendo: ---Senhor Felipe, chega de ser bunda-mole. Não seja preguiçoso, Você não pode deixar de contar a incrível história que o vô te contou. É verdade concordei comigo mesmo. Tive que dar a mão a palmatória e concordar com minha consciência. Então achei que relatar tudo que aconteceu não só seria bom apenas para mim, mas sobretudo para todas as crianças e quem sabe para muitos adultos quando este livro for editado. Assim tomei coragem, arregacei as mangas, e


com grande entusiasmo, comecei a rabiscar palavras e mais palavras.

Confesso que escrever não era o meu forte. Nunca tive muita vocação para isso, embora na escola tirasse boas notas nas provas de redação. Tentar expressar os sentimentos e emoções no papel, não é nada fácil. Temos que mergulhar dentro de nós, para encontrar com muita paciência as palavras mais adequadas, para conseguir traduzir com fidelidade o que sentimos em nosso coração.

Tudo começou mesmo no sítio do meu avô Rafael. Este era seu nome. Estar em sua presença era muito reconfortante, e também muito divertido. Hoje posso dizer que ele foi como um pai que não tive. Sentia segurança, proteção e muita amorosidade. Era como um verdadeiro farol, iluminando meu caminho. Foi uma pena não ter tido um contato mais frequente com ele, pois o sítio ficava um bocado longe da cidade. Quantas vezes pedia para minha mãe me deixar ir sozinho. Afinal eu tinha onze anos e já sabia me virar muito bem. Mas ela não deixava. Confesso que ficava raivoso, por não conseguir entender esta cautela um tanta exagerada! Ela ficava preocupada à toa e com medo de tudo! O que eu podia fazer! Lembro-me ainda de suas palavras de advertência. ---Cuidado com isto! ---Não vai demorar muito! ---Você já fez as lições! ---Chega de fazer barulho! E assim por diante... Não adiantava convencê-la. Não tinha jeito. Mas, mãe é mãe.

*Roy Rogers e rin-tin-tin e Disneylandia – Seriados dos anos 70.



A histรณria


“Quando amamos de verdade uma pessoa, nada é perdido. A alma não concebe o tempo”


Lembro-me que era.

um sábado, quando fui visitar o vô. Dentro do seu sítio passava um rio que vinha do alto da serra. Eu ficava extasiado vendo suas águas brilhando pelo reflexo do sol, que corriam velozmente por entre as pedras, emitindo aquele som característico que eu adorava ouvir, e que me transportava para um mundo de paz e serenidade.

Era uma bela manhã de primavera. O céu azul, mostrava apenas algumas pequenas nuvens brancas que passavam rapidamente. Tudo era calmo e tranquilo e eu estava maravilhado com todo este belo cenário. Esse silêncio era entrecortado somente de tempos em tempos pelo som de pequenos pardais que voavam pelo local.

Foi neste pequeno paraíso que estávamos nós, eu e o vô, sentados à sombra de uma velha goiabeira ao lado do rio, segurando com expectativa nossas varas de pescar. Bem ao lado, uma garrafa térmica de café, lhe fazia companhia que ele bebericava vez ou outra. O tempo parecia não passar. Broto que estava ao nosso lado, com seus olhos dirigidos para o rio, parecia estar também impaciente aguardando silenciosamente a hora “H”. Aquele instante maravilhoso quando o peixe começa aos poucos a beliscar a isca. E foi justamente neste lindo dia que fiquei sabendo da incrível história que ele me contou. Foi tão fantástico que posso dizer sem nenhum exagero que a partir daquele dia adquiri uma nova visão da vida e passei a ser uma criança muito diferente das outras. As vezes isto me incomodava um pouco, mas por outro lado esta maturidade um tanto precoce, evitou uma série de contratempos na medida em que fui crescendo. Lembro-me de tudo, até dos mínimos detalhes. E tudo isso aconteceu quando simplesmente o fio do anzol do vô, começou a esticar e de repente pelo excesso de entusiasmo e expectativa, escutei um grito estridente. ---Agora... agora, berrou ele, e segurando com dificuldade a vara, se levantou, deu um puxão firme, mas seu corpo começou a balançar de um lado para o outro, acabando por perder o equilíbrio. Não teve jeito “Bum” caiu de costas no gramado que nem um patinho gordo. Foi tão engraçado que não pude me conter, e comecei a rir sem parar. ---Lipy...Lipy...Pare de rir e corre rápido atrás da vara. Não deixe o peixe escapar. Voltou a berrar. ---Pera aí...calma vô já tou indo, respondi enquanto tentava conter


o riso.

Agora preparem-se porque você não vão acreditar no que vi, quando finalmente consegui recuperar a vara do rio. Uma velha calça jeans desbotada e toda gosmenta estava pendurada na ponta do anzol. Aí foi demais, e o meu riso se transformou numa incontida gargalhada. Rolei pela grama, segurando a barriga, pois doía de tanto rir. Parecia que estava assistindo uma cena cômica de um filme de desenho animado. Coitado do vô. Após se levantar com certa dificuldade, ele foi se aproximando de mim de mansinho, se ajeitou perto de uma pequena pedra na beira do rio, segurou a ponta da linha, e para minha surpresa olhando para a gosmenta calça, também começou a gargalhar pela cômica situação. Jamais esquecerei o seu riso contagiante, e seu constante bom humor toda vez que ia visitá-lo. A seguir olhando maliciosamente para mim disse: ---Está bem. Eu me rendo, pode rir a vontade, realmente o que aconteceu foi bem engraçado, estou até rindo de mim mesmo. Com tantos peixes no rio dando sopa, acabei pescando uma velha calça desbotada. Onde já se viu uma coisa dessas? Sabe Lipy, não consigo me lembrar de ter passado por uma situação tão constrangedora. Olhou novamente para mim, e ainda rindo continuou: ---Pois é, acho que estou ficando velho mesmo, ainda bem que estamos só nós dois. Você já imaginou se tua avó estivesse aqui, e presenciasse todo este vexame? Ela, do jeito que eu a conheço, ia também se esborrachar de tanto rir e ia pegar no meu pé durante uma semana inteira! Eu conheço a velha... ---Mas vô, como pode ser? Ela já morreu faz tempo. Indaguei espantado pela suas estranhas palavras, mas ao mesmo tempo arrependido por ter tocado neste ponto um tanto delicado, pois sabia do grande amor e afeição que ele sentia por ela. No entanto a minha pergunta não o constrangiu. Não havia nenhuma tristeza em seu rosto, ele apenas olhou fixamente em meus olhos e respondeu: --- Eu sei Lipy, e também sei o que está sentindo. Mas uma coisa que você não sabe é que a morte não existe. Você pode não acreditar, mas depois que ela se foi, senti diversas vezes a sua presença como se ela estivesse viva e bem viva perto de mim, me ajudando, me consolando, fortalecendo minha fé, meu ânimo e esperanças. ---Mas vô, perguntei meio estonteado, existe vida depois da morte? ----Eu não tenho dúvidas, respondeu sem vacilar. A vida continua pois estamos em constante processo de aprendizagem. Terminamos uma classe para passarmos logo depois para outra. Estamos todos na


mesma escola. A grande escola da vida.

Permaneci em silêncio por um tempo, pois não desejava continuar discutindo um assunto que para mim era um tanto perturbador, mas ainda não acreditando muito nas suas palavras, perguntei-lhe: ---Mas vô, como você enfrentou esta triste situação? ---Claro que fiquei triste nos primeiros dias, respondeu com muita serenidade. No início foi difícil me adaptar e não posso negar que senti um grande vazio, principalmente por ter convivido um longo tempo com ela, mas quando amamos de verdade uma pessoa nada é perdido. A alma não concebe o tempo. Após a separação senti que meu laço afetivo se intensificou, e que o ser amado se tornou como uma parte de mim. É natural sofrer pela nossa temporária perda, mas devemos aceitá-la com serenidade e seguir em frente.

As suas palavras apaziguaram o meu coração melancólico. Ele olhou para mim por alguns instantes, como se estivesse esperando por uma pergunta, mas para não perder o fio da meada logo continuou: ---O verdadeiro amor não muda, ele abre o seu coração para uma realidade maior. Ele permite maior unificação e nos faz sentir, o que realmente somos. Não existe limites nem dentro, nem fora de nós. Não sou diferente de você, nem você é diferente de mim, e nem somos diferentes de Deus. É tudo a mesma coisa. Temos a mesma essência e a nossa vida possui o mesmo destino. O amor é como as águas puras de um rio. Não importa quanto amor retiramos dele, suas águas continuam a preencher sem parar o nosso coração. Ele jamais irá diminuir, mas vai nos preencher, cada vez mais de alegria e felicidade. Após alguns segundos de reflexão o vô continuou: ---Somos todos um, mas cada um possui sua própria fragrância. A vida e a morte se mesclam e o mundo da dualidade desaparece. Permanece apenas o “Ser”. Como disse tão bem Goeth, o grande escritor e poeta alemão: --- Enquanto não souber morrer e voltar a viver de novo, você não passa de um desolado viajante nesta terra escura. Nunca tinha visto o vô tão inspirado. É verdade que ele tinha uma vasta cultura, adquirida através da sua grande paixão pelos livros. Era um verdadeiro autodidata. Naquele momento suas iluminadas palavras me comoveram e meu ser foi tocado pelo seu amor. Não sei como explicar, mas alguma coisa em mim, me fez sentir que ia me revelar algo de muita importância. De fato ele foi se aproximando mais perto de mim, pôs suas mãos em meu ombro e olhando para mim com


seus olhos pretos e penetrantes voltou a falar: ---Sabe lipy, talvez agora seja o momento ideal para te revelar uma experiência que me ocorreu quando era bem garoto. Talvez tivesse quase a sua idade. Bem acredite se quiser, mas eu não era assim gordo e velho como está me vendo agora. Era bem magrinho, algumas espinhas no rosto e um tanto sapeca. Piscou para mim e esboçando um sorriso continuou: ---Eu não contei esta história para ninguém, nem mesmo para sua mãe, mas vou contá-la para você. Aliás acho que devo te contar. Talvez você a achará um tanto estranha e um pouco difícil de acreditar em seu início, mas quando terminar ela fará sentido.

Acho que nem será preciso dizer que neste momento, esquecemos completamente da pescaria e toda minha atenção se concentrou para ouvir atentamente as palavras enigmáticas e misteriosas do vô. Após um pequeno intervalo para se concentrar, ele esfregou o queixo e com um olhar pensativo por fim disse: --- Preste bem atenção. Eu ia realizar o meu grande sonho. Você sabe qual era o meu maior desejo quando era criança? Mas sem me dar tempo de pensar ele mesmo respondeu: --- O mar. Isto mesmo. Era ver o grande oceano, que só conhecia através de fotos de revistas e alguns filmes. Eu nunca tive esta oportunidade, pois morava no interior. Mas quando fiz treze anos fui convidado pela minha tia para passar alguns dias no litoral. Bem, imagino que até aqui você certamente irá pensar: mas esta é a intrigante e emocionante história que você vai me contar? ---Eu ia te fazer exatamente esta pergunta. ---Calma meu querido Lipy. A minha grande história começou quando mergulhei no mar e ele se transformou num mar de luz. ---Mas vô. Gritei alto. Desculpe te interromper, mas que coisa mais maluca é esta! O que foi que aconteceu com você dentro do mar? ...Este mergulho?... Esta luz?... ----Calma, calma, logo vai saber pelo que eu passei. Como já te disse nunca tinha visto o mar antes. Quando cheguei na praia estava sozinho, pois minha tia tinha ficado em casa para preparar o almoço. Quando olhei para aquela vastidão de água fiquei hipnotizado pela beleza, pela grandeza e majestosidade daquelas ondas espumando na areia, e esquecendo da recomendação da minha tia, fui entrando, e entrando cada vez mais, sem me dar conta que estava com a água até o pescoço. Reconheço


que foi uma enorme imprudência, mas o que eu podia fazer? Eu era um moleque danado. Bem, creio que nem será preciso dizer o que aconteceu comigo. De repente, sem perceber uma onda gigantesca começou a se formar, muito maior que a minha altura e sem mais nem menos desabou sobre mim. Me desequilibrei todo e não senti mais a areia abaixo dos meus pés. Me agitei na água tentando sair para respirar, mas foi em vão. Então o pânico se apoderou de mim pois estava engolindo água prá burro, e simplesmente perdi os sentidos, além da noção do tempo. Quando abri os olhos, não estava mais no mar, nem na praia, nem em parte alguma. ---Puxa vida. Que coisa mais incrível. Mas onde você estava então? perguntei um tanto assustado. O vô foi rápido em sua resposta, como se minha pergunta fosse algo que ele esperava. ---Aí que está. Na hora eu não sabia. Mas lembro-me que estava como flutuando num enorme túnel um tanto escuro, até que aos poucos foi aparecendo um brilho que foi aumentando e iluminando tudo ao meu redor. O mais misterioso é que eu estava na luz, e ao mesmo tempo, era como se eu mesmo fosse a própria luz. Senti uma sensação de leveza, paz e uma alegria simplesmente impossível de descrever. A seguir me vi flutuando como um pássaro, mas isso não me surpreendeu. Era como se fosse algo muito natural. Quando olhei para baixo vi luzes brilhando, como se fosse uma cidade fosforescente. Na verdade tudo brilhava de uma forma extremamente intensa. Avistei montanhas, rios, lagos, florestas, e aves estranhas que eu nunca tinha visto na vida, quando de repente me vi de pé num imenso gramado. Mas o meu maior espanto, foi a aparição repentina de um menino que nem sei como e de onde ele apareceu, e que veio caminhando e se aproximando cada vez mais perto de mim. Fiquei sabendo mais tarde que seu nome era Gabi, e o mais surpreendente foi que não senti medo em sua presença, pelo contrário, sentia uma vibração de amor que me envolveu, e de forma intuitiva tive a sensação que já nos conhecíamos, como se fossemos amigos de longa data se reencontrando. Lembrome que envolvido por sua energia amorosa, senti uma grande afeição por ele. Uma euforia tomou conta de mim por tudo que estava acontecendo, e ficamos assim juntos, conversando sobre muitas coisas, até que sem me dar conta da passagem do tempo, apareceu uma jovem mulher que veio em nossa direção com um olhar terno e afetuoso. Também conversamos com muita profundidade, sobre diversos temas, até que num determinado momento acariciou minha cabeça com muito carinho, e olhando em meus olhos disse: ---Está na hora de voltar. Você ainda tem muitas coisas para fazer. Enquanto ela falava, minhas pálpebras foram se fechando e comecei


a sentir uma sonolência que foi aumentando até que tudo se apagou. Quando abri os olhos, me vi estendido na areia da praia e cercado por gente por todos os lados. Eu sei que tudo que estou te contando, pode parecer maluco, mas foi exatamente o que aconteceu. --- Puxa vô, mas essa história é demais. Que coisa mais incrível exclamei um tanto zonzo. --- Ninguém me contou uma história assim tão estranha e misteriosa. É o maior barato! Logo perguntei na maior expectativa: ---E depois o que aconteceu? ---Bem eu estava confuso, cansado e ainda meio sonolento. Na verdade demorei um certo tempo para me lembrar do que havia acontecido. Minha cabeça estava que nem um carrossel. Tudo girava e eu estava totalmente confuso e sem saber o que tinha se passado. No entanto este estado mental não durou por muito tempo. Aos poucos comecei a lembrar gradativamente de algumas imagens, mas ainda sem ter certeza se tudo que se passara de fato tinha ocorrido, ou se não passava de pura fantasia em consequência do meu quase afogamento. Mas de repente os raios do sol, fizeram brilhar algo em meu pulso que despertou minha consciência, e a partir deste instante eu sabia com absoluta certeza que tudo aquilo realmente tinha acontecido. ---Mas vô, que brilho foi este? Perguntei curioso ---O brilho de uma pulseira dourada. --- Não estou entendendo. O que este brilho da pulseira dourada tem a ver com a história? O vô ficou em silencio por um alguns instantes, que me pareceu uma eternidade. Presumi pelo seu olhar que estava como que revivendo aqueles momentos, e percebi lágrimas se formando em seus olhos. Respirou fundo e a seguir com muita calma respondeu de uma maneira um tanto vaga: ---Bem, esta é uma outra história. Mas um dia vou te contar com mais detalhes em nosso próximo encontro. Achei estranho a sua explicação que me deixou um tanto intrigado, mas procurei não insistir na pergunta. Provavelmente devia estar comovido relembrando esta sublime experiência.

--- Tudo bem vô, mas quero te fazer outra pergunta e esta você vai ter que me responder. Quando tudo isto aconteceu, você não falou com alguém. Não contou para seus pais ou para algum parente? --- Ahãa... eu sabia que você ia me fazer essa pergunta. Respondeu ele sem nenhuma hesitação. ---Você acha por acaso que não contei? Contei sim e repetidas vezes.


E você acha que por acaso eles acreditaram? Por mais que repetisse a história, mais eles duvidavam, ficavam confusos, preocupados e logo procuravam mudar de assunto. Cheguei a conversar até com o saudoso padre Miguel. Ele ouviu o meu relato e depois de alguns minutos de reflexão percebi que minha história não o agradou. Apenas me disse que tudo não passou de muita imaginação, e para não pensar mais no assunto. Muitos acharam que estava sonhando. Mas o mais interessante é que quando contava para as crianças, elas ficavam fascinadas e de olhos bem arregalados, e sem fazerem nenhum julgamento acreditavam em tudo que dizia. Como sabia em meu íntimo que tudo que aconteceu foi verdadeiro, então resolvi deixar o caso de lado e procurei não contar para mais ninguém. Não queria que os adultos pensassem que tinha ficado louco, ou que era um grande mentiroso. Foi bem mais tarde, já casado, que encontrei uma sábia citação que decorei de Abraham Lincoln*, quando num de seus discursos disse: “Você pode agradar algumas pessoas uma parte do tempo, pode até agradar à maioria das pessoas a maior parte do tempo, mas não pode agradar a todos o tempo todo”. ---Isto acontece porque vivemos num mundo de dualidade, ou seja cada pessoa pensa de modo diferente. Cada um possui a sua própria crença. Na verdade cada um cria o seu próprio mundo. Ele é criado por você e o projeta na tela de sua consciência. ---Nossa vô adorei toda esta descrição, de fato é impossível contentar e convencer a todos, pois cada um interpreta o mundo de acordo com sua visão. Entretanto eu devo fazer aqui um pequeno intervalo, e dizer que não pude entender a dimensão profunda de suas palavras. Foi somente mais tarde já adulto, é que pude compreender suas sábias palavras. Mas voltando ao passado lembro-me que naquele momento houve um pequeno silêncio, como que me dando espaço para entender e imaginar da difícil situação em que se encontrava naquela época. Logo prosseguiu: --- Na medida em que os anos foram passando, comecei a me lembrar de muitas coisas e para não esquecê-las resolvi anotar tudo em forma de um diário descrevendo todas as situações pelas quais passei. Acabou se tornando um segredo só meu. E na medida em que fui escrevendo, as lembranças iam ficando cada vez mais claras até nos mínimos detalhes. Eram como projeções em minha mente, que surgiam sem aviso e sem controle, me confirmando a verdade desta inusitada experiência. Além do mais, tinha a pulseira dourada como


prova. Mas o mais importante foi que adquiri uma nova visão sobre a vida e com o passar dos anos perdi totalmente o medo da morte, e mais importante ainda, foi perceber que na verdade o que mais tememos não é o medo da morte, mas o medo da vida.

Senti que o vô falou com muita convicção e quando terminou, parece que tudo se aquietou. Neste silêncio fiquei pensativo por um certo tempo tentando compreender suas palavras, e devo dizer que foi a primeira vez que escutei alguém dizer com muita convicção que não tinha medo da morte, e que aparentemente morreu e ressuscitou. Também fiquei um tanto intrigado com a tal pulseira, que ele tinha resistência em me contar. Como isso era possível?

Após um certo tempo, ainda pasmo com esta surpreendente história, me veio em mente um livro que recentemente tinha lido. Então olhei para o vô e perguntei: ---Sabe vô, pode até parecer uma grande coincidência, mas este seu encontro com este menino me fez lembrar da maravilhosa história do “Pequeno príncipe” de Antoine de Saint Exupéry. Por acaso não seria o próprio príncipe disfarçado que você encontrou? Percebi que o vô não ficou surpreendido pela minha pergunta. Permaneceu calmo, e esboçando um cativante sorriso respondeu: ---Sim, é verdade. Com o passar do tempo, ele acabou se tornando um dos meus livros preferidos pois sempre que o lia, ele lembrava um pouco da minha história. Embora tivesse lido o livro já adulto, quem sabe talvez o Saint Exupéry, tenha passado por uma experiência semelhante a minha, e a transformou numa belíssima história de ficção que até hoje continua a encantar jovens e adultos. A seguir ficamos em silêncio. Um silêncio sem pensamentos nem reflexões. Apenas um pacífico estado de presença. E sem pronunciar nenhuma palavra, entramos num pequeno bosque que ficava ao lado do rio e vimos todo o chão coberto de folhas amareladas, formando um exótico tapete natural. Enquanto estávamos explorando este belo e encantador cenário, nuvens de borboletas serpenteavam o local. Fiquei admirado pelas suas cores, que voavam como se estivessem dançando ao redor das flores. Parecia terem vindo só para dar um toque de magia e beleza naquele local. Foi então que envolvido por todas essas lembranças da minha infância, deixei minha mente voar e centenas de recordações foram surgindo. Nunca vou esquecer, quando um dia fui com minha prima Katia visitar o vô. Lembro-me que depois de vasculharmos a casa toda para encontrá-lo, lá estava ele na beira


do rio pescando silenciosamente. Acho que naquele dia ele teve muita sorte, porque vimos peixes até demais em sua cesta. Mas o que mais me emocionou foi vê-lo recolher os grandes, enquanto devolvia os menores para o rio. Então com um belo sorriso nos lábios olhou para nós todo satisfeito pela nossa presença, e rapidamente correu em nossa direção para nos abraçar. Depositou os peixes na mesa e nos convidou para compartilhar com ele este apetitoso manjar, contanto que juntássemos lenha no bosque para grelhar os peixes na brasa, do jeitinho que ele gostava de fazer. Também não esqueço o susto que levei quando inesperadamente escutei os gritos estridentes de Katia, quando recolhendo a lenha se deparou com uma lagartixa debaixo de um galho seco, como se aquilo fosse um gigante e perigoso dinossauro. Não consegui parar de rir, enquanto ela olhava brava e carrancuda para mim.

De fato a história do vô foi incrível, considerando que ela ocorreu no início do século passado. Com certeza ela seria bem mais aceita se tivesse ocorrido nos nossos dias, pois estes fenômenos são hoje estudados e pesquisados por médicos e psicólogos e muito mais divulgados pela rapidez dos atuais e sofisticados meios de comunicação. Entretanto, lembro-me que na época quando ainda ia completar treze anos, me sentia dividido. Não sabia se tudo isto era verdade, ou pura imaginação. Foi naquele bosque, quando sem poder mais me conter de tanta curiosidade, e sem transparecer nenhum constrangimento, arrisquei outra pergunta para o vô. Uma pergunta que teve enorme importância, pois sem a sua resposta provavelmente, você não estaria lendo este livro neste momento.



O velho baĂş


“Hoje estou consciente que sou apenas um Simples aprendiz, em constante busca de sua própria verdade”


Ele arregalou os olhos.

e não disfarçou sua surpresa quando perguntei-lhe se ainda tinha este diário que dizia ter escrito. Talvez porque não esperava que eu lhe fizesse esta pergunta. Ficou olhando para mim pensativo, acariciou as sobrancelhas quase brancas, como era aliás do seu hábito e respondeu: --- Olha Lipy, isso faz tanto tempo que se por acaso este diário ainda existir, talvez esteja quem sabe num velho baú de madeira. Fez uma pequena pausa, franziu a testa e acrescentou: --- Talvez esteja no porão. Não tenho certeza, porque faz um tempão que não vou para lá. Mas quem sabe. Se tiver sorte, talvez ainda esteja por lá. Mas recomendo que tenha cuidado com a poeira, e sem querer te assustar, fique atento com os ratos e baratas porque tenho quase certeza você irá encontrar. Eu sou alérgico a poeira, portanto terá que ir sozinho. Espero que tenha sorte. Confesso que fiquei um tanto temeroso, mas de repente o latido do Broto veio interromper toda a nossa conversa e sem nos darmos conta vimos o sol desaparecendo no horizonte e uma pequena brisa veio acariciar as árvores que balançavam ao nosso redor. Como uma pintura fantástica, vimos ao longe todo o céu pincelado de dourado. Foi um dia e tanto. Gradativamente, o céu começou a escurecer, e aos poucos todo o céu começou a piscar nos encantando com milhares de estrelas. Ficamos até tarde olhando maravilhados todas aquelas luzes brilhando no espaço. Para tornar o cenário mais completo, uma lua cheia começou a despontar acima do horizonte iluminando suavemente as montanhas ao nosso redor. Deitado em sua rede predileta, e beliscando apetitosos pedaços de parmesão, ficava com o olhar atento para o céu, e começava a conversar com todas elas, como aliás quase sempre fazia quando estava em minha companhia e se divertia inventando um nome para cada estrela que piscava.

Inspirado pela beleza da natureza e sobretudo pela presença inspiradora do meu avô, não pude me conter e quebrando o silêncio, revelei a ele a minha profunda admiração pelas suas sábias palavras e disse-lhe que o considerava um verdadeiro gênio. Passar por toda aquela experiência que ele compartilhou comigo, com certeza foi um mergulho num mar de plenitude, e uma conexão profunda com sua alma. Ele olhou amorosamente para mim, acariciou suas sobrancelhas e disse exatamente essas palavras que ficaram gravadas em minha memória e que jamais irei esquecer:


--- Sabe Lipy, estou comovido e orgulhoso de você, pelo interesse que demonstrou escutando toda minha história. Senti que estava preparado para ouvi-la. Mas de fato, voltando ao passado, quando tinha a sua idade, acho que me julgava um pequeno gênio. É verdade. Eu me sentia como um estranho no ninho. Um menino incompreendido. Entretanto, dos vinte aos quarenta, o tempo foi passando e passei a admitir que era um homem inteligente e com muita sorte. Mas depois, comecei a duvidar disso na medida em que o meu ego foi se dissolvendo, e hoje estou consciente que sou apenas um simples aprendiz, em constante busca de sua própria verdade. É isto. Lembro-me que, o vô falou de um jeito tão simples e profundo, que senti orgulho de ser seu neto.

A seguir, depois de longos minutos, se aproximou de mim, e com muita serenidade continuou: ---Bem, acho que te contei resumidamente, quase tudo que me aconteceu, nesta minha inesperada experiência, mas não posso deixar de mencionar também uma frase que me marcou intensamente. Foi quando o Gabi o estranho menino que encontrei a transmitiu não em palavras, mas foi mais como se ela estivesse dentro da minha própria mente. Na verdade eu só vim a entendê-la bem mais tarde, quando meus cabelos começaram a ficar cada vez mais grisalhos. Somente depois de adulto, quando comecei a ler quase tudo sobre a espiritualidade é que percebi que se tratava de uma história que normalmente é muito utilizada no zen budismo. Elas são chamadas de koan, e são como charadas, impossíveis de serem decifradas pela mente lógica racional. Porém num dia como qualquer outro inesperadamente tive um incrível insight e entendi o seu profundo significado. E foi assim que um pouco antes de irmos dormir ele a transmitiu para mim, recomendando guardá-la em minha memória para não esquecê-la. “Quase todas as pessoas se encontram em conflito e perdendo, mesmo quando acreditam que estão ganhando. Mas na verdade ninguém está perdendo e ninguém está ganhando.” De Fato, muito tempo se passou antes de compreender este enigmático koan. Então um dia, sem me dar conta, enquanto estava aparando a grama do meu jardim, de repente e sem nenhum esforço a ficha caiu. Foi uma grande transformação interior, como se de repente, eu não fosse mais aquele pequeno eu, limitado e dominado pelo medo. Isto alterou radicalmente a minha visão que tinha da vida, e percebi com clareza que só o amor é real. Ganhar ou perder não faz o menor sentido.


“Existem situações inesperadas em nossa vida que nos forçam a pensar, refletir e enfrentar com muita dor os desígnios do destino”


Agora pergunto para você meu amigo leitor. Você sabe porque ninguém está perdendo e ninguém está ganhando? A princípio pode parecer difícil, mas isto acontece porque estamos num mundo impermanente onde tudo muda, tudo se transforma. Então surgem momentos que parece que ganhamos e outras vezes parece que perdemos. No entanto dentro de uma visão mais ampla onde inexiste a dualidade, iremos sentir que estamos todos interconectados. SOMOS TODOS UM. Se esta afirmação está sendo difícil de entender neste momento, não tem importância. Não devemos aceitar um conhecimento de pronto, sem antes incorporá-la. Existem coisas que ao longo da vida devemos desaprender, para depois aprendê-las, assim como existem coisas que precisamos possuir, para depois poder renunciar a elas. O destino escreve o nosso presente, assim como determina o nosso futuro. Jamais seremos decepcionados se tivermos fé.

Na refeição daquela noite, saboreamos uma sopa de lentilhas, e como sobremesa tivemos uma deliciosa torta de maçã, que ele já havia preparado na véspera. Lembro-me também ainda naquele dia que foi repleto de emoções e revelações, a dificuldade em conseguir conciliar o sono, pensando em toda esta estranha e espantosa história. Mas por fim, acabei dormindo pelo cansaço, e acabei tendo um sonho um tanto estranho, que muito me assustou.

Sonhei que era um pirata, e me encontrava numa pequena ilha cercada por imensos coqueiros. O vô também estava no sonho como um velho marinheiro quase cego, sentado num velho baú. Lembro-me que pedia para que o abrisse, mas ele como não entendendo as minhas palavras, não obedecia a minha ordem. Negava-se teimosamente em abri-lo. Então eu mesmo o afastei dali a força, e com um machado consegui quebrar as correntes num golpe rápido e certeiro. A seguir e com muita expectativa encostei minhas mãos no baú e fui abrindo lentamente sua tampa com certa dificuldade devido ao seu grande peso. Para meu espanto vi uma luz surgindo do seu interior e que foi se intensificando cada vez mais. Ela foi me envolvendo gradativamente, como uma espécie de nevoeiro, que foi aumentando até que não conseguia ver mais nada ao meu redor. Meu corpo começou a tremer de pavor até o momento em que uma estranha voz se fez ouvir e que parecia vir de todos os lados da ilha. O som vinha em forma de sussurro misturado com os sons característicos da natureza. Porém por mais que prestasse atenção, não conseguia decifrar o que ela dizia. Eu sei que de manhã acordei um tanto assustado e o corpo todo dolorido. *Abraham Lincoln – Presidente americano 1809-1865


A Separação


“Existem situações inesperadas em nossa vida que nos forçam a pensar, refletir e enfrentar com muita dor os desígnios do destino”


Somente um mês depois.

pude compreender o significado daquele estranho e profético sonho. Não sei como expressar o que senti, mas existem situações inesperadas em nossa vida que nos forçam a pensar, refletir e enfrentar com muita dor os desígnios do destino. Eu tive que passar por isso, contra minha vontade. Como posso dizer... que palavras posso usar para expressar o que aconteceu e que me deixou numa tristeza inconsolável? Bem, chegou a hora do vô. Ele se foi. Um mês depois daquele nosso último encontro, tive a triste notícia do seu falecimento, e foi enterrado lá mesmo no cemitério da cidade. Eu não sabia como era passar por uma experiência como esta. Para mim foi um choque terrível. Nunca chorei tanto. Eu tinha uma grande afeição por ele. Ele não era apenas o meu avô, mas também meu amigo e me amava como um dedicado pai. Mas o que o tornava muito especial era a sua Inteligência e humildade. Sempre podia contar com ele, e jamais me negava coisa alguma que eu precisasse. Agora só me restavam as lembranças. Eu sei que durante vários dias fiquei sem vontade de nada. Tinha a sensação de que a vida já não tinha a mesma graça. Embora o vô tivesse a certeza que a morte não era o fim, conforme as experiências pela qual passou, isto não era suficiente para diminuir a tristeza e o desamparo que sentia, até mesmo quando minha mãe amorosamente tentava me consolar. Ficava sozinho em meu quarto e perguntava para mim mesmo, com quem agora iria pescar, brincar, conversar e me encantar com a beleza do sítio do vô. Nem mesmo poderia ir até lá, pois fiquei sabendo algumas semanas depois que já estava quase vendido para um dos moradores da cidade. Estava tão atormentado que ficava me perguntando, porque a vida permite que essas coisas tão dolorosas acontecem com a gente? Por que Deus tem que separar as pessoas que se amam? Não conseguia compreender...

Foi nestes momentos de reflexão e de tristeza, que me lembrei daquele estranho sonho, e acredito que ele foi como uma espécie de premonição do que iria acontecer. Me lembrei também de sua fantástica história, e do seu diário que ele tinha escrito ainda adolescente. Sim! Os escritos do vô! Será que poderiam estar ainda naquele baú conforme ele me descreveu? Senti em meu íntimo que precisava voltar para o sítio e procurar no porão que ele descreveu, antes que fosse tarde demais. Tinha certeza que se tiver sorte em encontrá-los, teria a oportunidade de conhecer com mais profundidade o seu lado mais


íntimo e com muito mais detalhes de tudo que de fato lhe aconteceu. Seus pensamentos, suas ideias, os seus sonhos e quem sabe descobrir o misterioso segredo da pulseira dourada que não teve tempo para me contar. Tudo me fazia acreditar que ele me contou toda aquela história, como que pressentindo que não iria mais me ver. O mais estranho é que de fato nem minha mãe sabia desta história. Procurei depois sondar muito sutilmente se ela sabia de algo a respeito, mas pelo que pude perceber ela nada sabia. Talvez ele achou que ela não fosse compreender. Por ser católica, talvez isto poderia perturbála e abalar a sua fé. Mas o grande problema naquele momento era como ir até o sítio? Eu sabia que se falasse com minha mãe, ela não iria permitir viajar sozinho. Eu sei que todos estes pensamentos se multiplicavam na minha cabeça, enquanto que eu tentava encontrar uma solução. Eu tinha que dar um jeito para ir até lá, porque sentia dentro de mim, uma poderosa força que me induzia em voltar para o sítio. E foi assim que depois de pesar os prós e os contra, finalmente resolvi obedecer a minha intuição. Claro que eu sabia que depois iria receber uma baita bronca, mas não tinha outra escolha. Escrevi um pequeno bilhete avisando do meu itinerário para que ninguém se preocupasse. Preparei à noite uma pequena mochila e fui dormir mais cedo para que pudesse acordar de madrugada, antes que a mãe despertasse. Pegaria uma carona com alguém e deixaria o destino me conduzir.


A fuga


“Então senti o cheiro da terra molhada, e sem perceber fiquei com os olhos umedecidos pela emoção”


Quando silenciosamente.

abri a porta de casa, ainda estava escuro. Apenas uma meia lua flutuava no céu desaparecendo vez ou outra por entre algumas nuvens passageiras. Percebi que não havia ninguém nas ruas, e confesso que senti um calafrio no estômago. Porém determinado em seguir o meu objetivo, fui andando devagar até alcançar a estrada principal. Ali fiquei encostado num poste de luz, esperando com expectativa um carro passar para pegar uma carona.

Enquanto isso, desembrulhei a embalagem de um pacote de biscoitos que tinha trazido comigo, e fui mastigando lentamente para matar um pouco a fome que começava a despontar. Eu simplesmente não estava acreditando da coragem de ter tomado aquela decisão, que até certo ponto não fazia parte do meu comportamento. Fugir de casa sem autorização, não era considerado uma boa conduta, mas eu não tive outra alternativa. Após algum tempo começaram a aparecer alguns veículos na estrada. Foi então que saindo um pouco fora da calçada comecei a fazer sinais com a mão para que um deles pudesse parar. Mas que nada, passavam rápido na minha frente, sem sequer diminuir de velocidade; era como se eu nem existisse. Estava ficando com a visão turva, pois muitos carros e caminhões, ainda estavam de farol alto. Mas eu estava determinado, e não iria desistir assim tão facilmente. A minha aventura estava apenas começando. Afinal alguém de bom coração iria parar. Eu tinha que ir até o sítio do vô, custasse o que custasse. E assim estava lá na avenida principal, tentando dominar minha ansiedade, e um tanto revoltado pelo descaso dos motoristas. De repente senti algumas gotas d´água pingando na minha cabeça. Estava começando a chover. Achei um tanto estranho, porque embora o céu estivesse meio encoberto de nuvens, não parecia que fosse chover. Era o que faltava! Os pingos foram aumentando cada vez mais e veio então aquela chuvona que me ensopou todo. Bem não tinha jeito de me abrigar, e também não queria voltar para casa, depois de toda esta maratona. O jeito era aceitar aquela condição inesperada, e torcer para que a chuva não se prolongasse.

Neste espaço de tempo foram surgindo muitos pensamentos em minha mente. Não pensei que teria que passar por todo este desafio para conseguir o diário que iria comprovar a história do vô. Na verdade a sensação era como se eu estivesse sendo teleguiado por um estranho comando, e intuitivamente sentia um impulso dentro de


mim como se fosse uma espécie de missão. Como se fosse uma meta que eu tinha que cumprir. Acredito que foi este sentimento que me deu ânimo e estímulo para não desistir e suportar estes contratempos, que eu não esperava. Mas como se Deus tivesse escutado as minhas preces, vi um velho caminhão se aproximando transportando cachos de bananas. Quando acenei percebi para minha surpresa que diminuiu a velocidade e aos poucos foi saindo da estrada e parando no acostamento quase perto de onde estava. Puxa, até que enfim. Que alívio. Fui correndo rapidamente em sua direção e quando ele abriu a porta vi um homem sorridente aparentando uns 50 anos que muito gentilmente me convidou para entrar. Talvez por timidez e por não conhecer o motorista, não puxei muita conversa com ele, embora aparentava ser uma boa pessoa. Percebi que era nordestino devido ao seu sotaque característico. Disse-lhe apenas que precisava ir até o sítio do meu vô e que me deixasse no km.72 da estrada. Por sorte era o mesmo trajeto que iria fazer, o que fez com que me sentisse confortável pois chegaria mais rápido, e ao mesmo tempo não estaria interferindo em seu itinerário. De vez em quando ele olhava para mim todo ensopado, e talvez espantado pelo meu aspecto um tanto apreensivo, mas permanecia em silêncio.

A chuva continuou durante todo o trajeto, mas por sorte começou a diminuir quando estávamos chegando. Eu sabia que era exatamente numa curva bem acentuada, perto de um pequeno lago cercado por um bosque de eucaliptos. Foi ali mesmo que pedi para que parasse. Agradeci bastante pela carona e com o coração batendo a mil, caminhei pela estradinha de terra que ficava do lado direito da estrada. No início é uma longa subida, mas depois ficava plana e era só seguir em linha reta. Ao todo eram 3 km. de percurso, e na medida em que a percorria, maravilhosas paisagens que eu já conhecia surgiam na minha frente de uma beleza deslumbrante. O ar foi ficando mais quente e resolvi tirar a camisa pois ainda estava úmida em meu corpo devido a chuva que tomei. Então senti o cheiro da terra ainda molhada e sem perceber fiquei com os olhos umedecidos de emoção. Neste momento o meu caminhar era quase automático enquanto surgiam em minha mente recordações que se mesclavam como se estivesse revendo um recente filme. As imagens do passado iam surgindo e não conseguia interromper as cenas que se sucediam sem parar. Comecei a lembrar do vô me ensinando a montar a cavalo. O bosque, onde colhíamos as mais variadas flores, os dias em que empinávamos as nossas pipas, correndo pela planície como duas crianças e a lembrança do aroma e do sabor dos deliciosos doces de goiabada que ele mesmo preparava.


Quantas lembranças!

De repente, sem poder acreditar, como num passo de mágica, fui despertado das minhas doces lembranças pelos altos latidos característicos de Broto. Não acreditei quando o vi. Era o Broto mesmo de verdade, que veio correndo abanando o rabo em minha direção. Que festa ele fez ao me ver! Pulava de um lado para o outro, latindo de alegria e de emoção. Fiquei com muita pena dele, pois deve ter sentido a falta do vô que o tratava com muito amor e carinho. Olhando atentamente para ele reparei que estava mais magro. Imagino que deve ter perdido o apetite devido a ausência do vô. De fato quando cheguei no sítio, observei que ainda tinha a sua ração em sua tigela. Senti um aperto no coração e num misto de alegria e tristeza, lágrimas rolaram em meu rosto. Foi neste momento sem pensar duas vezes resolvi adotar o Broto e levá-lo comigo para casa. Depois desta inesperada e carinhosa recepção, fomos correndo juntos em direção ao sítio.



A Busca


“Tenho certeza que Mar de Luz irá te surpreender, e transportá-lo para uma dimensão de pureza e muito amor”


É claro que consegui.

encontrar o baú. Mas vale a pena relatar todas as peripécias que ocorreram nesta sofrida mas empolgante busca. Quando aos poucos fui me aproximando do sítio, não notei nada de diferente. Uma brisa de ar me fez sentir a fragrância das goiabeiras e mangueiras, que novamente me transportaram para um passado não muito distante. A temperatura do ambiente era suave e tudo estava tranquilo. Porém achei um tanto estranho não ter ninguém por perto. Por um lado até que foi bom, pensei comigo mesmo, pois ia me sentir mais a vontade, e sem ser incomodado por ninguém.

Sem perder tempo, fui direto ao casarão. Eu sabia que o porão ficava debaixo de uma escada no final de um longo corredor ao lado de um dos quartos. Lembro-me que apenas uma vez entrei lá e fiquei todo arrepiado de medo, mas agora não. Já era bem grandinho e afinal agora existia um bom motivo em estar lá. Enquanto tentava acalmar minha mente, invadida por inúmeros pensamentos, uma estranha tristeza me envolveu, pois sabia, que provavelmente seria a última vez que estaria no sítio do vô, e este sentimento me causou um certo pesar. Chegando na porta de entrada, vi que estava trancada com um grande e velho cadeado, o que me deixou a princípio preocupado, mas por sorte rodeando a casa, vi que a janela de um dos quartos estava semi-aberta. Não foi difícil entrar. Joguei alguns biscoitos para o Broto que ficou feliz da vida e lá fui eu em busca do tesouro. Sim! Para mim era um tesouro, porque provavelmente ali estava uma pequena parte de sua trajetória, e se ele a anotou é porque com certeza foi um episódio marcante em sua vida. Acredito que por ter passado por ela, ele certamente não seria o vô que conheci e convivi em minha adolescência.

Mas não posso mentir. Confesso, que quando entrei no porão, aquele cheiro de mofo, aquela escuridão, todas aquelas tralhas amontoadas e cheias de teias de aranhas, me deixou apavorado e com o coração na mão. Mas também nesta altura não podia desistir, eu tinha que vencer o medo. Não podia ficar ali parado, sem fazer nada. ---Coragem Lipy, dizia para mim mesmo. Afinal não tem nada demais, é só entrar devagar e procurar com calma em cada canto. Com isso em mente fui adquirindo mais confiança e fui avançando. Tirei o farolete que tinha trazido comigo para clarear o porão, e lentamente fui direcionando o feixe de luz em várias direções. Logo me deparei com uma pequena janela que estava fechada e que ficava bem


ao lado de um velho armário. Fui até lá, e com um pouco de esforço consegui abri-la, tornando o ambiente um pouco mais iluminado, o que facilitou bastante a minha busca. Na verdade não sabia por onde começar. Incrível foi a quantidade de bugigangas espalhadas naquele recinto. Velhos e enferrujados lampiões de gás, cadeiras quebradas de vários tipos, uma penteadeira com o espelho rachado, uma máquina de costura do tempo da onça e vários tipos de ferros de passar roupa daqueles bem antigos quando ainda se usava carvão em suas cavidades para poder esquentá-los. No chão encostados na parede, velhos quadros desbotados e malas encardidas pela poeira. Um verdadeiro museu abandonado de antiguidades. Mas nada do baú. Foi neste momento que percebi, de forma clara, como as coisas são tão passageiras, efêmeras e nada consegue se manter permanente por muito tempo. Após esta rápida reflexão, pensei se de fato o diário estaria mesmo no porão. Será que o vô não poderia ter se confundido e ter guardado o diário em outro local considerando o longo tempo decorrido? Mas alguma coisa dentro de mim, não me deixava dúvidas quanto a veracidade de sua história pela seriedade de suas palavras, e tampouco imaginar que ele tivesse inventado tudo aquilo naquele dia, só para divertir e emocionar seu netinho querido?

Todos esses pensamentos rodopiavam em minha mente, me deixando bastante tenso e confuso. Foi exatamente nesse estado turbulento que quase morri de susto! De repente, uma velha e quebrada cadeira despencou por cima de um móvel, fazendo aquele som dissonante. Estranhos grunhidos pipocavam a torto e a direita por entre aquelas tralhas. Quando apontei a luz do meu farolete naquela direção. Adivinham o que vejo? Uma enorme ratazana cinzenta que disparou a jato e foi se esconder no meio de toda aquela bagunça! Fiquei gelado. Não sabia o que fazer. Estava como que paralisado e com medo de me mexer. Respirei fundo e deixei passar um tempo. Aos poucos fui me aproximando daquele móvel que estava oculto devido a velha cadeira que despencou provavelmente devido ao rato ter esbarrado nela. Refeito do susto, fui me aproximando ainda mais, e para minha surpresa constatei que o móvel era exatamente o que estava procurando: Era o velho baú. Não gosto de ratos, sinto nojo, mas até que este me deu muita sorte. Graças a ele, pude encontrar o que mais desejava. Até que o vô, tinha uma boa memória quanto as ratazanas. Agora só precisava a certeza que este baú era a que ele se referia. Finalmente estava ali bem na minha frente. Mal podia acreditar.


Naquele momento de emoção, não pude deixar de me lembrar do sonho que tive. Aquele em que eu era um pequeno pirata. Era um dejá-vu, como se estivesse revivendo aquela cena. Senti no corpo um pequeno arrepio e fiquei com uma baita expectativa. Afinal o que iria encontrar em seu interior, perguntava a mim mesmo em voz alta e torcendo para que o diário estivesse lá dentro. Subi então num pequeno banco e foi com certa dificuldade que consegui abrir a tampa. Tive que tampar o nariz de tanta poeira que se desprendeu. Com a luz do meu farolete pude enxergar melhor o seu interior e rapidamente comecei a tirar um monte de bugigangas lá de dentro ---Sim, o diário estava lá.

Eram folhas soltas e amareladas pelo tempo, e todas espalhadas em seu interior. Tive que tomar o máximo de cuidado para não rasurar nenhuma delas pois eram muito frágeis. Afinal tinha se passado um bom tempo e todas as folhas do diário estavam quase todas soltas do caderno. Mas por sorte percebi que o vô as tinha datado e algumas estavam numeradas. Juntei todas elas e saí rapidamente daquele porão empoeirado, indo direto para a sala de estar. Broto, como que captando os meus sentimentos, veio sentar ao meu lado abanando o rabo sem parar. Bocejou abrindo aquela enorme boca e ficou me olhando demoradamente com seus olhinhos pretos, como querendo me dizer: ---Então Lipy, está satisfeito? Vamos... pode começar a ler. Afinal não era isso que estava procurando? Coloquei rapidamente em ordem todas aquelas folhas, me ajeitei confortavelmente numa poltrona, e comecei a ler com a maior expectativa. Caro leitor, agora respire fundo, porque o texto que irá ler a seguir, constitui o diário do vô da forma em que ele foi escrito. É claro que tive como mencionei no prefácio atualizar a sua ortografia, e suprimir apenas algumas repetições. Havia também passagens em que o texto estava quase inelegível, porém por intuição foi possível completar o seu pensamento. Fora disso, o resto foi mantido para que ele não perdesse a sua autenticidade e pureza.

Podemos dizer que na verdade, aqui começa o início deste livro. Você ficará admirado como eu também fiquei em constatar que meu avô, mesmo sendo um adolescente, já revelava uma inteligência incomum, sobretudo pela sua capacidade em descrever os fatos através de uma linguagem admirável. O propósito deste livro é convidá-lo a mergulhar em seu Ser e deixar a sua mente e coração abertos, para


permitir assimilar a sua experiência. Então faça como eu, entre em seu cômodo, ajuste-se confortavelmente em sua poltrona e comece a sua leitura. Dê um tempo para poder aos poucos mergulhar fundo nesta incrível aventura. Tenho certeza que “Mar de Luz ”irá te surpreender, e transportá-lo para uma dimensão de pureza, paz e muito amor.


O Diรกrio


“Que coisa mais fantástica! Aquela imensidão de água que parecia não ter fim”


Terça feira, 4 de novembro

Folha n.1

Debruçado sobre a mesa, caneta na mão e uma folha em branco, vou tentar descrever vários acontecimentos um tanto incomuns pela qual passei alguns meses atrás. Para dizer a verdade estou achando um tanto estranho esta ideia de querer escrever esse diário, mas não pude me conter. Existem momentos na vida da gente em que precisamos nos abrir e dizer tudo que sentimos sem medo ou repressões. Por isto a partir de hoje, vou falar comigo mesmo, como se existisse duas pessoas dentro de mim, e tentar descrever tudo que sinto em meu coração. Mas pensando bem, acho que sempre falei com ele; eu que não prestava muita atenção. Ele aparece sempre nos momentos de grande emoção, nos momentos de incerteza, de dúvidas, de amor, de raiva ou tristeza. Sinto que ele nos orienta, nos dá coragem, mas também puxa as nossas orelhas quando fazemos algo de errado. É impossível fugir dele. Está conosco o tempo inteiro. Dizem que possui vários nomes como; Consciência, Eu superior, Espírito Santo. Mas não importa o nome porque embora difícil de explicar, sinto que é o meu melhor amigo, e participa comigo tanto nos bons como nos maus momentos. Afinal minha consciência sou eu mesmo. É como se eu fosse duas pessoas ao mesmo tempo. Um Raff que conheço mais ou menos e um outro que ainda estou longe de conhecer, mas que ao mesmo tempo convive comigo. As vezes eles brigam entre si. Discutem, barganham e constato que um deles não quer dar o braço a torcer. Sempre tem um que quer ter razão. Mas hoje reconheço que ambos fazem parte do meu crescimento, e cada vez mais constato que prefiro muito mais estar feliz do que estar com a razão. Confesso que não sei como começar, mas vamos lá. ----Minha amiga consciência. Sim estou falando com você. Acredito que não será necessário dizer quem sou, pois com certeza você me conhece muito mais do que eu. Mas mesmo assim lá vai. Meu nome é Rafael, e tenho treze anos. Sim isto mesmo. Pode parecer mentira porque nem eu acredito que já tenho esta idade. É incrível como o tempo passa tão rápido! Parece que foi ontem que completei oito anos e você deve se lembrar quando ganhei todos aqueles brinquedos no dia do meu aniversário e também daquele bolo de chocolate que minha mãe preparou e que nada sobrou de tão gostoso que era. Também como você sabe, gosto muito da natureza, de pescar, nadar e


colecionar borboletas. Gosto de todas as coisas gostosas da vida, sem esquecer é claro, os inesquecíveis momentos que conseguia marcar o gol da vitória e ganhar o jogo no final. Acho que viver é uma experiência maravilhosa, mas tenho que dizer que também é um tanto assustadora, pois surgem no decorrer da vida contratempos e adversidades que temos que enfrentar. Sou ainda um adolescente, mas quando estas coisas acontecem é uma tremenda chatice.

A principal razão deste diário, foi anotar uma incomum experiência pela qual passei. As vezes me lembro nitidamente de muitos detalhes, outras vezes me dá um branco total. Foi por essa razão que resolvi conversar com você e escrever tudo aquilo pelo qual passei, para não esquecer. Aliás só posso contar e confiar em você. Eu sei que só você irá acreditar em minha história, porque existe dentro de mim como um outro eu que constantemente me censura. É como se fosse uma segunda voz, que repetidamente me adverte e me deixa um tanto dividido. ---Ora Raff, você não acha que sua mente está te enganando e que tudo isso pela qual passou não passa de pura fantasia? Você deve ter levado uma pancada na cabeça e imaginou toda esta história maluca.

Mas não importa. Eu sinto que uma outra parte de mim está convencida que tudo isso realmente aconteceu, e que tudo foi verdade. Esta experiência será compartilhada somente entre nos dois. E quando mais tarde se manifestar a saudade, este diário será para mim como um oásis de amor em meu coração, para poder recordar esta maravilhosa e inesperada aventura pela qual passei. Agora com mais calma, depois de ter passado por todo este vendaval, vou tentar descrever como tudo começou desde o seu início.

Tudo começou quando estava passando as férias no litoral. Era a primeira vez que me distanciava da minha cidade natal, e também foi a primeira vez que via o mar. Até então só conhecia, através de fotos e alguns filmes. Sou de família humilde, e como moro numa pequena cidade do interior nunca antes pude ter esta oportunidade. Mas finalmente acho que de tanto desejar, consegui realizar este grande sonho graças ao convite da minha tia, que ia passar suas férias no litoral. Que coisa mais fantástica! Aquela imensidão de água que parecia não ter fim. Aquelas ondas espumando na praia. Aquela areia morna desmanchando nos meus pés e enfeitada pelas mais variadas conchas. Foi demais!


“Era como se durante muito tempo estivesse vivendo na escuridão, e por ter me acostumado tanto, achava que era a única maneira de se viver”


Quarta feira, 5 de novembro

Folha n.2

Acabei de voltar da escola. Para dizer a verdade, não via a hora de chegar em casa para continuar escrevendo. Agora com mais tempo poderei relatar detalhadamente o que aconteceu. Ainda bem que hoje por sorte só teve duas aulas, e acabei saindo mais cedo. Tentarei reviver agora tudo o que realmente aconteceu. Posso começar dizendo que logo no primeiro dia quando cheguei na praia, fiquei enfeitiçado pela visão do mar. O céu todo azulado estava enfeitado por gaivotas que voavam em bandos e foi muito emocionante observar algumas delas fazendo voos rasantes na superfície do mar. Ao longe podia se avistar alguns barcos de pesca e iates luxuosos de diversos tamanhos. Todo este incrível cenário teve um efeito hipnótico sobre mim e sem me dar conta fui entrando no mar, sem perceber que a água já estava chegando até o pescoço. Até então estava sentindo todo meu corpo refrescado pela morna temperatura, e era maravilhoso ver alguns peixinhos coloridos nadando ao meu redor. Mas de repente, uma enorme massa de água foi se avolumando e desabou violentamente sobre mim. Bem nem preciso dizer o que aconteceu. Me desequilibrei todo, fui virado de um lado para o outro, e engoli água à beça. Sentindo que estava me afogando comecei desesperadamente a agitar as mãos e os pés procurando terra firme mas foi em vão. Juro que entrei em pânico. Quando as poucas vezes que conseguia colocar minha cabeça fora d água, queria gritar, pedir socorro, mas minha voz não saia da garganta. Eu simplesmente não podia acreditar que minha vida estava se acabando com tão pouca idade. Aos poucos foram surgindo em minha mente numa incrível velocidade, estranhas imagens do passado que aos poucos começaram a diminuir. Minha visão parecia estar fora de foco, e tudo ao meu redor estava ficando cada vez mais nebuloso. Era como se fossem várias imagens se sobrepondo uma sobre as outras para depois perder aos poucos a consciência, como uma vela que brilha intensamente, antes de se apagar. Senti que estava sendo dominado por uma força muito maior, e que era difícil alterar aquela situação por vontade própria. Então tão abruptamente, despertei e foi com muita emoção e espanto que me dei conta que estava flutuando a uns três metros acima do nível do mar, e sentindo como se eu fosse uma espécie de consciência fora do tempo. Esta sensação era extremamente reconfortante. Jamais havia sentido algo parecido em minha vida. Era realmente incrível que


tudo isso aconteceu logo no primeiro dia. A sensação era como se o mar tivesse adquirido vida própria, levantando seus enormes braços d´água para jogá-las a seguir sobre mim, eu pequeno marinheiro de primeira viagem. Não sei dizer quanto tempo permaneci neste estado. Alguns minutos, algumas horas, não faço a menor ideia. Mas uma coisa eu jamais irei esquecer. Tudo que aconteceu a seguir naquele espaço de tempo, estará vivo em mim para sempre, e hoje estou convencido que tinha que passar por tudo isso.

Mas agora vou tentar explicar o inexplicável. Reconheço que é realmente impossível descrever uma experiência dessa magnitude em palavras, mas será suficiente dizer que assim que recobrei os sentidos, senti uma agradável sensação de estar como flutuando no espaço. Como por milagre, deixei de sentir aquela sensação de angustia e desespero quando estava me debatendo dentro do mar, e passei a sentir o contrário, um sentimento de paz e segurança que se incorporou em mim, como se toda a minha vida tivesse sido um sonho. O mundo parecia estar em total harmonia, e tudo parecia fazer sentido. Lembro-me que achei tudo isso um tanto estranho, mas ao mesmo tempo bastante familiar. Era como se um mundo novo estava sendo redescoberto, e ondas de imenso amor emergiram do meu interior. Senti alegria, júbilo e pureza como se na verdade a vida sempre fosse desta forma, e que nada poderia ser diferente ou mudado. Poderia ter permanecido para sempre neste estado. Sentia um êxtase contínuo que se renovava espontaneamente. Era como se durante muito tempo estivesse vivendo na escuridão e por ter me acostumado tanto, achava que era a única maneira de se viver. Foi incrivelmente espantoso, porque normalmente sentimos uma sensação de vazio quase o tempo todo e sempre achamos que quando satisfazemos determinado desejo, sentimos um alívio e contentamento. Mas também sabemos que isto não dura para sempre, não é mesmo? Após passar um certo tempo, este contentamento diminui e o vazio volta novamente a nos incomodar. Então lá vamos nós de novo, compulsivamente atraídos pelo mundo externo, em busca de um novo objeto ou situação para acalmar essa perpétua sensação de carência e insatisfação. Entretanto naquele momento, tudo era diferente. Senti paz e uma profunda serenidade que se incorporam em mim. Era como estar unificado com o todo. Não havia nenhum sentimento de divisão. Era um sublime estado de bem aventurança. Era uma felicidade sem


desejos, porque eu era a própria felicidade. Não havia necessidade de acrescentar algo a mais para completá-la. Uma felicidade independente de fatores externos. Era como voltar para casa, depois de um dia chuvoso e extremamente cansativo. Era a sensação mais maravilhosa que estava experimentando. Nada podia se comparar a ela naquele instante. Tudo o mais, pareciam efêmeras fantasias, sem nenhuma substância real. Meu único desejo era apenas continuar mergulhado neste bem estar contínuo. Em outras palavras, era uma sensação de total unificação. Predominava em mim um estado de intenso júbilo, impossível de ser descrito.


“Era uma visão impressionante, além de sentir um intenso e absoluto amor, que irradiava majestosamente desta energia luminosa”


Sexta-feira, 7 de Novembro

Folha n.3

Ontem foi simplesmente impossível continuar escrevendo. Tinha que estudar, pois tinha uma prova de matemática na escola. Acho que me saí relativamente bem. Mas hoje estou contente. Recebi de presente da minha mãe uma caixa de chocolate. Como isto é bom! Mas não vou comer tudo não. Vou saborear bem devagarzinho um por um, para que possam durar por um bom tempo. Agora que estou mais tranquilo, vou aproveitar para continuar descrevendo mais um pouco da minha estranha e incomum história. Voltando para aquele extraordinário momento de plenitude, lembrome que me encontrava dentro de uma espécie de túnel gigantesco. Sim! Parecia ser um túnel, porque eu avistava lá longe um ponto de luz, que parecia aumentar cada vez mais. Era um luz branca que mudava suavemente para um azul claro na medida em que me aproximava mais perto dela. Sentia que me deslocava a uma velocidade vertiginosa, impossível de descrever. Era como um raio de luz que crescia cada vez mais na medida em que me aproximava, até que suavemente fui puxado em sua direção, e envolvido completamente por ela. Normalmente uma luz desta intensidade seria impossível de se visualizar por muito tempo. No entanto para meu espanto, olhava diretamente para ela sem nem mesmo piscar. Era uma visão impressionante, além de sentir um intenso e absoluto amor que irradiava majestosamente desta energia luminosa. Estava como envolvido num clima de paz e aceitação, que me proporcionava um vigoroso bem estar. Lembro-me vivamente que podia ver e ouvir com muito mais clareza, como se meus sentidos estivessem muito mais aguçados. Então meu coração começou a bater mais rápido e cenas de minha curta vida começaram a surgir diante dos meus olhos. Eu era como um espectador assistindo trechos de um filme, e pensei que quando acabassem, perderia a consciência para sempre, como se fosse a luz de uma vela que estava chegando ao fim. Mas não! Ainda continuava desperto e, estranhamente tudo parecia um mundo que já conhecia, mas que tinha esquecido. A seguir, gradativamente a luz foi diminuindo, e como que saindo deste túnel, comecei a vislumbrar imensos campos floridos, montanhas, e rios que encantavam o meu ser. Estas paisagens eram vistas de uma certa altura, mas após certo tempo estava como aterrissando quando


visualizei o que parecia ser uma pequena vila. Vi alguns adultos, e crianças correndo e brincando, num local que me pareceu ser um amplo e belo jardim. Mas o que mais me surpreendeu, foi me dar conta que estava como que voando por toda esta estranha e encantada terra, sem saber como isto era possível. Era como se não houvesse gravidade e sem muito esforço podia me deslocar apenas pelo poder do meu pensamento. Me sentia leve, e minha visão estava mais expandida. Todas as coisas que eu via brilhavam como se tivessem luz própria. Eu não sabia que terra era aquela, e tampouco onde estava sendo atraído, mas lembro-me que não sentia nenhuma dúvida que aquele local era tão real como o nosso mundo. Eu diria sem exagero, que era até mais real pelo seu colorido e intenso brilho. Não faço a mínima ideia do tempo em que sobrevoei aquele campo, até que sem saber como, me vi de pé sobre um imenso gramado. Olhei ao meu redor e a paisagem era tão viva, tão brilhante, tão colorida que eu era simplesmente como um míope que estava recuperando novamente a nitidez de minha visão.

Creio que foi nesse instante que tive uma espécie de certeza de que existia um poder soberano que estava em tudo e também em mim. É até estranho estar falando sobre estas coisas, porque na verdade nunca tive nenhuma inclinação religiosa, frequentava a igreja mais pela insistência de minha mãe, e confesso que achava enfadonho todo aquele sério ritual que nada entendia, enquanto poderia estar brincando e me divertindo com meus amigos. Eu acreditava em Deus porque as pessoas e as religiões diziam que ele existia. Mas naquele momento de uma maneira que também não sei como explicar, eu não estava apenas acreditando, estava tendo uma experiência vivencial da existência de um poder maior. Não havia dúvidas. A sua presença era tão clara e indiscutível que me proporcionava um sentimento de amor, que estava muito além do meu entendimento. Ela estava totalmente integrada em meu ser. Como já mencionei, era como se tudo que estava ocorrendo não era algo novo ou desconhecido, mas ao contrário, era como se fosse a coisa mais conhecida, mais simples e natural do mundo.


“O amor e o autoconhecimento são como duas asas de um pássaro, para poder voar cada vez mais alto”


Segunda-feira, 10 de novembro

Folha n.4

Minha querida consciência. O que vou descrever agora nem você irá acreditar. Enquanto estava comovido passando por toda esta aventura, e num estado de intenso deslumbramento, fui surpreendido por uma voz que veio não de muito longe. ----Olá! Quando me refiz do impacto e estiquei a cabeça para ver quem era. Bem você não seria capaz de imaginar o que eu vi! Parecia até uma miragem mas não era. Era de verdade mesmo e bem sólido. Simplesmente vejo um menino mais ou menos da minha idade, parado na minha frente. Sim! Isto mesmo! Um menino como eu. Não faço a menor ideia, de como ele surgiu assim tão de repente.

Mas agora voltando no tempo presente, fico surpreso em não ter sentido medo, uma vez que esta inesperada aparição surgiu aparentemente do nada. Talvez tenha sido pela sua pacífica aparência e seu olhar sereno e amoroso. Tinha quase a minha altura, cabelos e olhos castanhos e vestia uma camisa branca, calça azul marinho, feita de veludo, e estranhos sapatos de um amarelo bem claro, e que pareciam feitos de borracha. Mas o que mais se destacou foi uma pulseira dourada que brilhava sempre que ele mexia o braço. ---Olá! Repetiu ele. ---Olá!---Respondi também um pouco assustado, e aguardando pelo que ia acontecer. ---Você sabe o que você está fazendo aqui? Perguntou. ---Não sei. Realmente não sei mesmo. Para dizer a verdade nem sei onde estou, e nem o que estou fazendo aqui. ---Após alguns segundos respondeu com muita convicção: ---Não se preocupe. Você teve um desdobramento. Se encontra temporariamente, numa dimensão paralela. É uma experiência de quase morte. Mas não se assuste. Você está bem? Perguntou olhando em meus olhos. Para dizer a verdade fiquei na mesma. Não consegui entender o que ele estava tentando me explicar. Então me aproximei mais perto dele e respondi: ---Sim estou bem, mas o que é desdobramento! Dimensão paralela! Não consigo entender. Nunca me senti tão vivo como agora. Afinal o que significa tudo isso? ---É apenas uma saída temporária do corpo físico.


---Saída do corpo? Como assim? Por acaso você é um menino fantasma? Perguntei meio assustado. ---Vamos dizer que sim em relação a sua dimensão. Respondeu ele muito calmamente, e continuou sem se importar muito pela minha expressão de espanto. ---Fazem alguns anos pelo tempo terreno que estou aqui. Mas como você pode ver, não tenho mais o cordão de prata, porque quando ele é rompido você se separa em definitivo do corpo físico e passa a viver no plano astral correspondente a sua evolução. Após uma pequena pausa, olhou para mim, talvez para se certificar se tinha entendido suas palavras e continuou: ---Meu nome é Gabriel, mas pode me chamar de Gabi. Todos aqui me chamam de Gabi, e o seu deve ser Rafael, não é mesmo? ---Sim! mas pode me chamar de Raff. Mas como você sabia que este era meu nome. Perguntei um tanto surpreso! ---Bem, tenho a habilidade de ouvir seus pensamentos. ---Impressionante! Mas espera um pouco. Que negócio é esse de se separar do corpo físico. Por acaso você morreu? Existe vida depois da morte? ---Claro, onde você acha que está? Por acaso você acredita que está falando com sua imaginação? Perguntou um tanto irônico, mas logo continuou, porque percebeu que fiquei um tanto confuso e assustado. ---A morte não existe, disse ele pronunciando muito bem as palavras, enquanto apalpava o seu corpo com as mãos. Sem me dar tempo para interrompê-lo continuou a falar: ---Na verdade Raff o que você deveria perguntar, não é se existe vida depois da morte, mas se existe vida antes da morte. A eternidade é agora. Você sabe o que é a eternidade? Se acreditar que a eternidade é viver para sempre você estará acreditando numa ilusão. A eternidade está fora do tempo. Ela na verdade é atemporal. Esta seria a palavra mais adequada. Eu sei que a sua mente racional não é capaz de entender. Isso está além da sua compreensão intelectual. Se a vida fosse eterna, você estaria preso no tempo e numa eterna carência. Confesso que não entendi o que ele quis dizer. De fato a sua explicação estava além do meu entendimento, no entanto elas resoavam em mim de uma forma inexplicável, como se já a soubesse. Eram como verdades esquecidas pelo tempo. Como elas me impressionaram, resolvi descrevê-las neste diário. Quem sabe mais tarde poderia melhor compreendê-las. Após uma breve pausa ele continuou, mas agora pronunciando lentamente as palavras, pois percebeu que estava um tanto atordoado.


---Quanto a questão da morte o que acontece é apenas uma separação do corpo físico. Você tem que compreender que o corpo físico é apenas um instrumento temporário. Não é o seu verdadeiro “EU” Entretanto, este corpo possui imenso valor no atual estágio evolutivo, porque é ele que irá permitir através de desafios e adversidades um progresso maior. Ele percebeu que fiquei um tanto aturdido com sua explicação através da minha expressão de assombro. Mas sem dar muita atenção continuou: ---Se você refletir por alguns segundos e imaginar que não existe vida depois da morte, então a vida seria um verdadeiro absurdo. Nada faria sentido. O bem, o mal, as injustiças, as enfermidades. Tudo isso seria uma aberração e a vida não valeria a pena ser vivida. Viver ou morrer? Qual seria a diferença se depois deixamos de existir para sempre. Entretanto a própria vida demonstra através de toda a sua contínua e majestosa criação, a existência de uma ordem inteligente que está além de toda a nossa compreensão. Negar a existência desta inteligência suprema, Deus, energia, o Ser ou o nome que você queira dar, porque não importa o nome, seria como negar a si mesmo. Mas como você está vendo, inclusive por experiência própria, a vida continua de forma ainda mais esplendorosa. Você não concorda? --- Sim Gabi mas espera um pouco. Estou ficando zonzo. Concordo com você plenamente sobre Deus. Eu também sinto que existe uma consciência soberana e diria que a sinto com mais intensidade desde que cheguei aqui. Mas e este corpo que tenho agora, e que me parece tão real? ---Sim. Eu justamente ia chegar lá. Calma, eu entendo o seu estado de surpresa. Após uma breve pausa como que captando o meu pensamento Gabi continuou: ---O ser humano possui vários corpos que se entrelaçam, um dentro do outro, como se fossem uma espécie de cebola. É apenas um exemplo. Temos então o corpo físico que você já conhece. O corpo sutil ou astral, em que você se encontra agora. O corpo mental e o corpo supracasual ou supraconsciente e outros, mais sofisticados, e que nada mais são que instrumentos de evolução, de maior ou menor duração, cumprindo a missão de nos encaminhar em direção a nossa essência. Ao nosso verdadeiro Eu. Entretanto, independente dos corpos, está a alma, o espírito, ou chama Divina, que está além do espaço, do tempo e da matéria. Essa chama Divina é o que de fato somos : Eternos e perfeitos, como Deus nos criou. Da mesma forma como a lagarta quando morre se separa do seu corpo rastejante para se transformar numa borboleta, assim também é o ser humano quando troca de corpo.


De forma que os corpos sejam eles grosseiros ou mais sofisticados, nada mais são do que instrumentos temporários de aprendizagem.

Devo dizer que suas palavras apaziguaram a minha alma, e tudo que ele me explicou começou a fazer muito mais sentido. Foi quando de repente neste estado de espírito comecei a pensar comigo mesmo: Que estranho! Porque tudo isto não é ensinado nas escolas, ao invés de ficarmos decorando informações inúteis sendo que muitas delas são distorcidas e com a passagem do tempo acabamos esquecendoas e não servindo para nada. Bem talvez a humanidade não está ainda preparada, para priorizar assuntos mais substanciais. Deixei de lado estes pensamentos e olhando para Gabi, exclamei com enorme entusiasmo ---Puxa. Isto é incrível! Então quer dizer que este corpo que tenho agora é o meu corpo astral? Uma réplica do corpo físico? ---Isso mesmo---respondeu Gabi bastante satisfeito ---você está começando a entender. Parabéns. E quanto ao seu pensamento, está correto. A humanidade ainda não está preparada. ---Ah é verdade, esqueci que consegue ler meus pensamentos, mas agradeço pelo elogio. ---Bem, espero que não fique constrangido. Para mim é como ver a sua tela mental. Um dia você também terá esta capacidade. Confesso que Gabi me deixou um tanto assombrado. Teria que vigiar com mais atenção meus pensamentos. Olhei para ele e perguntei um tanto hesitante: ---Então isto significa que você morreu, ou seja não está mais em seu corpo físico, então se compreendi bem, o que estou vendo neste momento é o seu corpo astral ? ---Exatamente respondeu, como se fosse a coisa mais natural do mundo. ---Espera um pouco Gabi, eu quero que me explique outra coisa. Se você se transformou num menino anjo, então onde estão as suas asinhas? Mas de repente, vejo Gabi se contorcendo de tanto rir. Juro que não sabia o que estava acontecendo. Depois parou, tomou fôlego, e ao se aproximar mais perto de mim, disse-me com muito carinho: ---Desculpe Raff se ri tanto, mas é que não esperava por esta pergunta. Não. As pessoas que vivem aqui não possuem asas. A ideia dos anjos terem asas é apenas simbólica, como também todos os corpos e objetos são simbólicos. Até o próprio universo é simbólico. O mundo material, não possui realidade própria. Ele é inconstante,


impermanente. São como as letras de um livro, que você as transforma em sons, que formam palavras, frases e em frações de segundos, entendemos o seu significado. Portanto, os rabiscos impressos no papel, são sinais que lhe permite obter a compreensão de sua mensagem. Assim é todo o universo, desde um átomo, até as estrelas e galáxias todos são como rabiscos num papel. Apenas simples símbolos. Talvez seja um pouco difícil você entender, mas seria como se depois de ler e compreender profundamente os ensinamentos de um livro, ele se torna depois praticamente desnecessário. Isto pode até te surpreender, mas o universo com todas as suas dimensões, são gigantescos e complexos campos energéticos que são como as letras de um livro para estimular o nosso despertar. Mais tarde, você terá mais condições de poder interagir e vivenciar outras realidades. Mestres ascensionados, que atingem este elevado grau de consciência, se libertam dos limites de espaço/tempo e adquirem a capacidade de se locomoverem na velocidade do pensamento. E assim voltam a ser o que elas sempre foram; puras consciências multidimensionais.

---Impressionante, respondi. Nunca pensei que as coisas fossem assim. Ninguém me explicou estas coisas e estou até ficando zonzo de tantas informações. Confesso que ainda não consigo entender muito bem o que acaba de me revelar, mas bem que gostaria de atingir este estado. ---Claro Raff. Não somente terá esta capacidade, mas muitas outras que irão se manifestar no percurso de sua ascensão. E se você se esforçar com sinceridade, e cultivar o campo de sua vida com amor e autoconhecimento, será beneficiado por uma grande e frutífera colheita. Ambos precisam estar unificadas. O amor e o autoconhecimento são como duas asas de um pássaro, para poder voar cada vez mais alto. Em outras palavras é preciso unificar a mente com o coração. Estas são as verdadeiras asas de um mestre iluminado. E foi com extrema ternura, talvez para não me chocar, que Gabi olhando para mim disse: ---Não vai pensar que está no céu ou paraíso! ---Não estou no céu? Exclamei um tanto surpreso. Mas como se já não estou no corpo físico? ---Bem isto exige uma outra explicação. Vou tentar. O fato de ter deixado seu corpo denso, não significa que você está no céu. Está apenas numa outra dimensão vibratória. Como se tivesse se sintonizado em outra estação de rádio.


---Mas Gabi exclamei, aqui é tão fantástico, tão deslumbrante que tinha quase certeza que era o céu. ---Não Raff. Talvez um exemplo melhor seria como se até então estivesse assistindo um filme em branco e preto nos primórdios do cinema mudo, e de repente você é levado a assistir um filme sonoro, colorido e de alta definição. É claro que a diferença é estonteante. ---Puxa Gabi, eu não fazia a menor ideia. Bem mas então quando poderei estar no céu? Perguntei um tanto assustado. ---É fácil te responder, mas será um pouco difícil você entender. Na verdade você já está no céu, Pode parecer um paradoxo, mas não é. Talvez com outras palavras poderá compreender melhor. Você já está conectado com Deus ou o céu que são a mesma coisa. Basta interromper o filme projetado e sair do cinema. Você está sempre no céu. Não existe outro lugar para ir. mas temporariamente está entretido dentro da sala de cinema. As pessoas estão tão deslumbradas com o filme, que não querem interrompê-lo, porque mesmo que a história não seja muito boa, possuem esperança que ela irá melhorar, e também porque são levadas a acreditar que nada existe lá fora, devido ao fato das imagens serem muito convincentes.

---Mas Gabi, até onde posso entender, então estamos apenas vendo uma projeção numa tela. ---É isto mesmo Raff. Eu sabia que você era inteligente. E esta tela é o universo. Esta projeção captada pelos sentidos é tão realista que te prende ao mundo da matéria, e você acaba criando uma falsa identidade que procura defender a todo momento. É claro que em consequência disso surge o sofrimento pela dualidade entre o ego (Falso eu) e seu (Ser) atemporal. Mas hoje os cientistas na área da física moderna já estão se dando conta que a matéria não tem existência da forma como ainda é percebida. Isto será de conhecimento por grande parte de cientistas num futuro próximo. ---Mas Gabi deste jeito será que existe uma maneira de escapar e deixar de viver nesta ilusão? Neste mundo de faz de conta? ---Existe sim. Primeiramente é necessário se dar conta que a vida material é impermanente. Tudo se transforma e por fim tudo aparentemente se dissolve. Adquirindo consciência desta verdade, você passa a não levar a vida tão a sério, e aprende a perdoar, não para ser bonzinho, mas para não dar realidade a uma ilusão. Então começa a perceber que tudo que acontece neste filme que é este aparente mundo não possui consistência. Ele não é real. E não sendo real, ele não pode ameaçar a sua essência. Então você se dá conta que todo


sofrimento, medo, e ansiedade são apenas criações mentais, por estar mais identificado com o mundo das formas. É claro que é um processo gradativo, porque se levasse alguém sem estar preparado para fora do cinema, iria se borrar de medo, e eu estaria desrespeitando o seu livre arbítrio. Quando chegar o momento certo, espontaneamente ficará tão entediado do filme, que por si só, ele fará de tudo para sair da sala. O mais surpreendente é que se dará conta que poderia ter saído a qualquer momento, bastava apenas ter se levantado da poltrona. Até mesmo nesta dimensão em que estamos, também faz parte do grande sonho. A diferença é que ela te proporciona uma percepção e uma liberdade mais ampla. Podemos dizer, usando a analogia do cinema, o filme projetado aqui é de melhor qualidade.

---Puxa Gabi, isto que você acabou de me dizer é a coisa mais profunda que alguém já tentou me explicar. Ainda estou tentando digerir tudo isso. ---Fico feliz por escutar isso, respondeu Gabi. ---Pode ter certeza que não apenas você, mas todos nós iremos despertar e constatar que sempre estivemos com Deus, pois somos seus filhos e ele deseja amorosamente a nossa companhia. Na Verdade ele já sabe que isto aconteceu, pois tempo e espaço são ilusões. Quando finalmente despertarmos deste falso e ilusório universo, iremos perceber que em momento algum estávamos separados do seu amor incondicional. Em outras palavras, citando a poética parábola do filho pródigo, ele irá nos abraçar e festejar a nossa volta. Não posso omitir que fiquei por um bom tempo confuso e ao mesmo tempo maravilhado com tantos ensinamentos. Era como se Gabi estivesse retirando aos poucos alguns véus que ocultavam certos mistérios. Me dei conta, que ainda tinha muito que aprender, e por isso muitas coisas não conseguia assimilar. Aproveitei o momento e perguntei novamente para Gabi: ---De fato o mundo parece um imenso labirinto em que quase todos se sentem intranquilos, perdidos, angustiados e não conseguem encontrar a saída. O que podemos fazer enquanto estivermos ainda entretidos e aprisionados neste mundo de aparências?

---Ele permaneceu em silêncio por um certo tempo, mas quando olhou para mim, senti o seu interesse pela minha pergunta. Com muita amorosidade, e sempre procurando respeitar os meus limites, pois sabia até onde minha capacidade permitia compreendê-lo,


respondeu-a para apaziguar a minha mente desorientada. ---Entendo Raff. Quando estiver perdido neste labirinto, a primeira coisa que deve entender é que você deve ser sempre a mudança que deseja ver no mundo. Você deve perceber com clareza que o mundo externo é como um espelho, que sempre reflete o nosso mundo interno. Acreditando que a matéria constitui a única verdade, e não tendo noção que este aparente mundo é apenas um simples jogo da mente, o homem não consegue encontrar paz em sua alma, porque só vê uma pequena parte da realidade, e consequentemente sente uma grande carência. A melhor maneira de sair do labirinto é olhá-lo de cima. Como se você estivesse acima do campo de batalha. Quando você estiver passando por um problema, imagine-se com asas e com a capacidade de voar, da mesma forma que imaginou os anjos terem asas. Então do alto, como um exímio piloto, olhe novamente para o problema. Tenho certeza que se olhar por esta perspectiva, sua relação com ele mudará e encontrará a saída. Com esta nova e ampliada visão, o homem pode se libertar de suas aflições, não se deixando envolver com as circunstâncias. Devemos tirar os óculos distorcidos e defasados que distorcem a verdade e substituí-los pelo grau adequado a sua visão. Somente com este novo olhar poderemos ver o mundo e as pessoas como de fato elas são, e tudo que pensou de forma sombria desaparecerá no instante em que você ligar a luz da sua consciência. Então as ilusões se diluem, da mesma forma que o gelo se derrete pelo calor do sol. O mais surpreendente é que este novo mundo sempre esteve presente, mas não conseguimos vê-lo devido as nossas falsas crenças. Sem interupção Gabi continuou: ---É por esta razão que deve estar sempre vigilante de seus pensamentos, porque podem a qualquer momento sabotar o seu empenho. É muito importante nestes momentos procurar manter a mente em silêncio. Desta forma todas as turbulentas tempestades dos pensamentos aos poucos começam a desaparecer, permitindo a energia necessária para poder se elevar e perceber que não existem problemas. Apenas testes, para fazê-lo crescer, despertar do sonho e redescobrir a riqueza eterna que todos nós possuímos. Mas de fato, hoje quase todas as pessoas se encontram em conflito e perdendo, mesmo quando acreditam que estão ganhando, e o grande paradoxo é que em verdade como já mencionei, mas vale a pena repetir, ninguém está perdendo e ninguém está ganhando. Estão apenas aprendendo a não se desviar do caminho. Isto é assim porque em verdade o que chamamos de aprendizado é apenas um processo de recordação. Saimos aparentemente da fonte, e agora aparentemente estamos voltando. Eu me utilizo do termo “aparentemente” porque como já


Percebendo a minha dificuldade em compreender a profundidade de suas palavras, e antes que tivesse tempo de perguntar qualquer coisa, ele olhou bem em meus olhos e continuou: ---Eu sei Raff que a minha explicação é difícil de entender. Mas não se preocupe e não tente forçar a mente. Somente no silêncio da mente, poderá compreender de forma direta o que acabo de afirmar. Talvez mais tarde quando estiver preparado e com seus cabelos grisalhos estará pronto para assimilar estas verdades. Eu me lembro bem destas palavras que ele pronunciou, e era muito difícil imaginar que um dia ficaria com os cabelos grisalhos. Achei que isso iria demorar um bocado de tempo.


“A vida é um sonho, porque vive num mundo de dualidade. Estamos aqui para aprender lições sobre o amor e o perdão”


Terça feira, 11 de novembro

Folha n.5

Nem preciso dizer que estava tão maravilhado com tantos ensinamentos, que desejava que nunca terminassem. Se todos soubessem que morrer era assim tão simples e maravilhoso, as pessoas perderiam este pavor, este medo terrível, como se a morte fosse a maior das desgraças.

Em tão pouco tempo, aprendi tanto que tive vontade que a minha estadia naquele plano se prolongasse por mais tempo. Gabi captou novamente meus pensamentos, e continuou determinado em retirar mais alguns véus. E assim continuou a falar com muita convicção. ---A vida é muito preciosa, seja em qualquer plano. No entanto você deverá voltar à Terra, pois tem um destino a cumprir. Nunca tente tirar sua vida, até mesmo nas mais difíceis situações pelas quais você tenha que passar. A vida é um dom Divino. Nunca esqueça que tudo que estiver acontecendo é sempre para o bem. A vida é um sonho porque vive num mundo de dualidade. Um mundo de opostos onde nada é permanente. Mas um dia irá despertar e será como uma luz iluminando a verdade do Ser. Estamos aqui para aprender lições sobre o amor e o perdão. Porque somente o amor e o perdão podem modificar o mundo. ---Como entender o significado do perdão? --- perguntei para o Gabi, achando um tanto estranha a sua explicação. ---É simples. É o reconhecimento que seu irmão está adormecido e portanto inocente. Quando você perdoa, também está perdoando a si mesmo, reconhecendo que em essência nada pode te afetar. Caso contrário, se tiver uma ação de revide, sofrerá as suas consequências (Lei do carma) nesta ou numa outra encarnação. Não como castigo, porque Deus jamais castiga ninguém, mas como uma oportunidade de se auto-corrigir. Procure sempre se voltar para seu interior e fazer uma pergunta para si próprio: ---Quem sou eu? Eu tenho que registrar aqui que esta explicação de Gabi expandiu o meu conhecimento sobre o verdadeiro perdão, e compreendi que se eu for incapaz de me perdoar, então será de fato impossível perdoar os outros ou qualquer situação adversa. Então para não perder o fio da meada, não deixei de lhe fazer mais uma pergunta:


---Então em caso de alguém por uma serie de razões não conseguir amar e perdoar nesta existência, ele terá que voltar a viver novamente no mundo físico? ---Sim. Tantas vezes quanto for preciso, até alcançar um nível elevado de consciência. Como se fosse uma grande escola você tem que passar de classe em classe, até alcançar a universidade. Depois não há mais necessidade de novas reencarnações e você se torna um Ser de luz. Uma consciência sem limites. Temos que passar por todo este processo evolutivo, para aprendermos a amar, perdoar e despertar das nossas ilusões. Devemos seguir o caminho que nos conduzirá para nossa verdadeira natureza. Acreditamos estar distanciados de nossa fonte, mas isto não corresponde a verdade. Ela está sempre conosco. Pode ser difícil de entender, mas na verdade como já mencionei, estamos sonhando que nos distanciamos da fonte, mas ela está sempre em nosso coração. Ela é como uma nascente que se avoluma, e se transforma num grande rio, para finalmente voltar para o imenso mar da felicidade suprema. Não precisamos ir em busca de nossa felicidade ou sucesso, pelo simples fato que tudo isso já está em nosso interior. Elas podem não ser percebidas, pois estão ocultas pelos véus de nossas crenças e preconceitos, que limita a nossa percepção, pois focamos grande parte de nossa atenção no mundo exterior. No entanto existe um mundo muito maior além daquele que vemos a nossa volta. Aqui devo mencionar, que me sentia um tanto impressionado pela sua inteligência, considerando a sua pouca idade. Não pude resistir e um tanto hesitante perguntei-lhe: ---Puxa Gabi. Confesso que estou estonteado pelas suas sábias palavras. Como pode saber de coisas tão profundas, tendo apenas a minha idade? ---Não se deixe iludir pelas aparências. Respondeu. ---Sou bem mais velho do que você pensa. O corpo que você vê, é apenas uma réplica mais sutilizada do mesmo corpo que tinha quando deixei a Terra pela última vez ainda muito jovem. Mas aqui neste plano também aprendi muito, porque nesta dimensão, que vocês chamam de céu ou colônia, temos escolas, cursos, bibliotecas e os mais avançados recursos pedagógicos e tecnológicos para o desenvolvimento da consciência, que ultrapassa de longe os conhecidos da Terra. É preciso entender também, que quando digo sou mais velho que você, esta afirmação é muito relativa, porque fora do tempo somos todos iguais. A nossa essência é a mesma, É como um jardim de rosas. Cada uma delas é aparentemente diferente das outras, mas em essência todas elas são rosas.


Lembro que houve a seguir uma pequena pausa que me forçou a uma maior compenetração. Não posso negar que esta sua explicação muito me surpreendeu. Porém antes de continuar, devo reconhecer que Gabi tinha a capacidade de responder a quase todas as minhas perguntas. Assim na medida em que fui ficando mais descontraído e cada vez mais confiante, meus questionamentos surgiam com maior rapidez e todas eram respondidas da mesma forma; com doçura e serenidade. Tudo isso me fez perceber com total lucidez, que eu havia interpretado de forma totalmente ilusória a questão do viver e do morrer. ---Incrível Gabi! exclamei. E sem me conter perguntei: ---Mas me diga uma coisa que gostaria muito de saber porque os grandes mestres não ajudam os habitantes da Terra, que estão passando por momentos extremamente críticos? ---Claro que ajudam. O que não se pode fazer é interferir no livre arbítrio alterando o destino do ser humano. Cada um tem que evoluir por si próprio. Eles não podem fazer a lição de casa por você. Mas mesmo assim dependendo da situação, eles ajudam e muito. Você não faz ideia da intensa e amorosa relação que existe, apesar de uma relativa fronteira que separa uma dimensão da outra. Fronteira esta, que não tardará a se tornar cada vez mais tênue, e o intercambio entre as dimensões serão mais frequentes nas próximas décadas através da mediunidade.* O ser humano muitas vezes sem se dar conta, é ajudado por seus irmãos maiores, através do sono, da intuição e da inspiração. Quem você acha que são os verdadeiros autores dos livros psicografados? Ou até mesmo das grandes descobertas científicas? ou obras artísticas? Infelizmente também ocorre esta interferência através de seres não muito evoluídos e que muitas vezes acabam interferindo negativamente na vida das pessoas que ainda são dominadas pelo ego*. Por isso temos a necessidade de sempre nos fortalecermos com bons e retos pensamentos; verdadeiros escudos que irão nos proteger contra as energias negativas dos obsessores* do mal. Além disso, como já comentei, existe a mediunidade. Um canal de ligação entre os vários planos. Na verdade a mediunidade sempre existiu e não deve ser considerada como propriedade de determinada religião. Basta constatar que sempre existiu um contínuo intercambio mediúnico em todas as antigas civilizações, e hoje este contato irá se propagar de forma mais intensa no mundo inteiro. Posso até te adiantar que esta experiência que teve, será mais frequente nas próximas décadas. Com o decorrer do tempo, o terror da morte deixará de existir, os templos e as igrejas se transformarão em museus e os cemitérios estarão vazios por falta de mortos. Finalmente o ser humano no plano terrestre estará


consciente do seu verdadeiro valor, e da verdade de sua essência eterna. A verdade pode demorar para ser incorporada, mas ela acaba vitoriosa no final, pois a verdade é imutável.

Com esta profunda explicação, suas palavras me proporcionaram um sentimento de alegria e segurança. Não pude novamente me conter e exclamei: ---Que coisa mais linda Gabi. Você não sabe como é bom saber todas estas coisas. Me sinto leve, contente e muito feliz. Gostaria de aprender ainda mais. Seria pedir muito você falar um pouco sobre os planos? ---Claro Raff. Fico contente em ver o seu interesse. Vamos lá. Existem muitos planos neste vasto universo, que um dia irá constatar por si próprio. Devo acrescentar também que neste plano não habitam apenas seres terrestres, mas também por seres de outros planetas e outras dimensões. Não irei entrar nos detalhes devido a sua complexidade, mas vou te citar os principais.

Eu ia começar a me concentrar, para lembrar de tudo que ele me explicou, mas quando olhei no relógio, vi que era bem tarde da noite e meus olhos estavam quase se fechando de tanto sono. Senti uma grande dificuldade em me concentrar para lembrar dos planos que Gabi me descreveu. Então vou deixar para amanhã, porque com a cabeça mais fresca, será muito mais fácil escrever estes importantes conhecimentos que guardarei para sempre em minha memória para nunca esquecer.

*ego - Falso eu. *Obsessores - Espíritos dominados fortemente pelo ego, que interferem negativamente em pessoas de baixo nível vibratório. *Mediunidade – Pessoas sensitivas que possuem condições de estabelecer contato mental e auditivo com outras dimensões.


“Infelizmente naquela época, todas as coisas ligadas ao sobrenatural, eram muito mal interpretadas”


Por favor não se assustem

pela interrupção do diário, mas isto realmente aconteceu. Enquanto estava totalmente compenetrado, lendo todas aquelas folhas vi que estava faltando a continuação. Não!!! Não é possível!!! Gritei alto. Até o Broto se assustou e começou a latir. Não conseguia achar a página N06! Será que se extraviou? Justamente nesta parte tão importante. Não podia ser! Será que ele esqueceu e a deixou inacabada? Vasculhei e revirei todas as folhas e nada. Será que na pressa de sair do porão, talvez emocionado por ter encontrado o diário, não olhei direito e talvez tenha ficado perdida entre tantas tranqueiras que tinha no interior do baú? Quem sabe. Lembro-me que estava por demais comovido com toda a história do vô, e estava cada vez mais convencido de que tudo aquilo que ele resumidamente me contara era verdade. Também fiquei surpreso em constatar, que conseguia se expressar muito bem, considerando sua pouca idade.

É incrível pensar que tudo isto aconteceu há tanto tempo atrás... Com certeza deve ter sido muito difícil ele ter convivido com tudo isso e ainda por cima não poder falar com ninguém com medo de ser mal interpretado, e ser rotulado de mentiroso ou esquizofrênico. Acredito que sem dúvida deve ter se sentido muito solitário, e talvez por isso a enorme necessidade em escrever este diário. Infelizmente naquela época, todas as coisas ligadas ao sobrenatural, eram muito mal interpretadas. Ou era tudo ligado a obra do demônio ou então decorrente de inexplicáveis desordens mentais. Naquele momento, eu não tinha outra alternativa senão voltar ao porão. Acredito que pela ansiedade em encontrar a folha perdida, já não importava mais se fosse sentir novamente o cheiro mofado, as teias de aranha, e tão pouco as ratazanas que poderia encontrar. Iluminei bem o interior do baú e fui tirando todas as quinquilharias espalhadas desordenadamente. Antigos livros, pastas mofadas, parte de um abajur quebrado e tantas outras coisas, que fiquei pensando nos motivos de ele ter guardado todos estes objetos por tão longo tempo. É claro que deviam ter o seu valor sentimental, pois representavam parte de sua vida e provavelmente não tinha coragem de se desprender. Eu mesmo agora com mais idade tenho em meu armário um blusão já meio surrado que minha mãe me comprou a uns trinta anos, e também não tenho coragem em me desfazer dele. Enquanto estava vasculhando todos


estes objetos guardados, me dei conta de como o ser humano ainda se sente inseguro, e se apega a determinados objetos, mesmo sabendo que não terão nenhuma serventia prática. O nosso vínculo emocional é muito forte, e estes objetos acabam constituindo provas visíveis de um passado que não volta mais. É como se fosse uma tentativa de eternizar o tempo através de um objeto que teve sobre nós um grande impacto sentimental. Mas para minha decepção infelizmente não conseguia achar nenhum papel solto. Porém quando estava quase me conformando, e já quase desistindo vi como por milagre, uma folha amarelada voando, saindo de dentro de uma pasta de couro. Rodopiou em zig-zag, deu meia volta e foi parar em minhas mãos. Quando olhei mais atentamente, lá estava ela. “A folha N06”. Não deixei de pensar que isto pode ter sido, mais uma brincadeira do vô.


“A maldade é apenas a sombra da ignorância que deixa de existir quando iluminada pela luz da verdade”


Quarta feira, 12 de novembro

Folha n.6

Agora sim, estou bem acordado, e as lembranças estão fluindo sem muito esforço. Ainda bem que prestei muita atenção em tudo que Gabi me ensinou, e hoje consegui me lembrar de muitas coisas referentes aos planos, que ele tão gentilmente se dispôs em me transmitir. Aqui estão elas, de acordo com suas próprias palavras. ---Preste atenção disse ele. ---Antes você precisa saber que tudo no universo é vibração. Nada é sólido como imaginamos a primeira vista. Até a menor das partículas de energia, também não são sólidos. Tudo na verdade no universo é um grande pensamento. Não quero dizer com isso que estou tentando negar a sua experiência no mundo. É claro que ela aparenta ser real, tanto quanto um sonho quando está dormindo. No entanto é preciso ter consciência que ela é uma ilusória experiência. É como uma projeção de imagens, numa tela branca de cinema. Os objetos aparentemente visíveis nada mais são que a manifestação de frequências vibratórias que produzem minúsculas partículas. Tenho que admitir que esta explicação de Gabi me deixou um tanto aturdido. Jamais tinha pensado que tudo aquilo que vemos, tocamos e ouvimos, sejam ilusões e não possuem consistência real. Procurei não transparecer meu estado de choque e deixei que continuasse a sua explicação. Afinal ele deve saber muito mais do que eu. Assim deixei ele continuar:

---A Terra ou o plano físico, é constituído por energias mais densas. É como se fosse a água em estado sólido. Mesmo nesse plano e também nos outros, você também possui outros corpos, como se todos eles se interpenetrassem. Lembra do exemplo da cebola? Muito bem. Quando ocorre a morte do corpo físico, o verdadeiro “Você” continua inteiramente vivo em seu corpo astral que não é destruído pela morte física. Estou usando a palavra morte, mais para você entender, porque como já expliquei, o que acontece é apenas uma transição dimensional. De acordo com seu estado evolutivo, você é levado de forma natural no plano correspondente ao seu desenvolvimento espiritual. Lembre-se, tudo é gradativo. A natureza não dá saltos. No seu caso em particular, houve uma espécie de suspensão temporária do seu corpo físico devido ao seu afogamento. Mas no futuro a ciência terrestre estará estudando estes fenômenos, de forma mais séria, quando o homem atingir um estado de consciência mais ampliada.


Então continuando temos os seguintes planos: 10 O plano astral primário, ou umbral 20 O plano astral intermediário, ou pré-umbral 30 O plano astral superior, ou Ascensionados

É claro que você deve considerar que esta classificação é apenas uma pequena e simplificada ideia. Não se prenda nas palavras, pois elas mudam com o tempo. Elas são apenas símbolos para classificar e ordenar um fenômeno para que elas possam ser compreendidas.

---Vamos começar pelo primeiro. O plano astral primário também chamado de umbral, é um plano onde se encontram seres de nível evolutivo muito distanciados de suas essências. Uma dimensão constituída por pessoas ainda dominadas pelo ego, e que ainda possuem muitas fraquezas. Podemos dizer que faltam-lhes fé, e em outros casos não reconhecem o amor alojado em seus corações. É claro que o tempo irá lhes permitir evoluir e abandonar seus vícios e maus hábitos, para aos poucos reconhecerem suas qualidades inatas. ---Nossa mãe!! Exclamei um tanto chocado. Mas que lugar mais horrível! Eu não gostaria de estar lá não. Do jeito que entendi é um lugar onde só existe gente ruim. Gente que se esqueceram de amar. ---Isso mesmo---confirmou Gabi. Você disse muito bem. Esqueceram de amar o próximo como a si mesmos. Porque todos nós nascemos para amar. Esta é a nossa natureza. A maldade é apenas a sombra da ignorância que deixa de existir quando iluminada pela luz da verdade. Por isto existem muitos seres que por amor, penetram nesse plano primário para amparar todos aqueles que arrependidos dos erros cometidos, anseiam em trilhar o caminho do bem. É importante mencionar que normalmente estes seres ainda dominados pelo ego, voltarão a reencarnar mais rapidamente na ilusão do tempo, uma vez que sentirão um grande desconforto na dimensão astral. As condições da dimensão terrena lhes parecerão muito mais adequadas em comparação com as dimensões superiores. Seria como tentar levar a força uma criança para uma universidade, ou um pobre favelado a morar numa mansão. Com certeza a criança ficará deslocada preferindo voltar para o jardim de infância, e o favelado ficaria deslocado numa mansão. Desta forma tudo que rotulamos como mal, é apenas uma distorção do bem. Jamais o mal irá vencer o bem. As vezes o mal pode durar por um certo tempo, nos dando a impressão que ele triunfou,


mas por fim ele se fragmenta por não possuir consistência para se manter. Em outras palavras; Ele não é real. Somente o amor é real. Ele é a base suprema e inalterável de sua verdadeira natureza. Assim podemos afirmar que como a natureza química da chuva é a mesma em qualquer lugar, ela pode produzir tanto enchentes, como florescer belas flores.

Mas vamos continuar. O plano astral intermediário, já é um plano de repouso, aprendizagem e reabilitação. Ele possui professores, pesquisadores e equipes de socorro para auxiliar seres adoentados ou desorientados. Neste plano o corpo astral é ainda material, mas de substância mais sutil. É o plano em que estamos agora. Você pode até se surpreender, mas inúmeras invenções que surgem quase ao mesmo tempo, na dimensão terrena tiveram início em dimensões mais adiantadas e que são captadas por seres mais intuitivos. É por isso que a maioria das descobertas e invenções ocorrem quase simultaneamente em diversas partes do mundo. Já o plano astral superior é um mundo onde muitas fraquezas foram superados e todos se sentem unidos por verdadeiros sentimentos de amor, trabalho e solidariedade. O corpo astral ainda é material, porém de uma textura extremamente sutil e imperceptível para os seres do plano intermediário e primário. Neste plano o ser se encontra plenamente consciente que o amor incondicional é a única verdade.

Existem também outros planos, ainda mais avançados, mas são quase inacessíveis à nossa compreensão no nosso atual estágio. É bom repetir mais uma vez que tanto a energia dos corpos, dos mais densos até os mais sutis, incluindo todo o universo com seus trilhões de galáxias, são criações mentais, mas elas são necessárias e imprescindíveis para o nosso despertar. Num futuro não muito longínquo, surgirá uma nova física onde novos cientistas constatarão e estudarão estas verdades. Talvez agora ficará mais fácil entender melhor a famosa afirmação de Jesus quando disse “Na casa do meu pai, existem muitas moradas.” Eu sei que você ainda não teve a oportunidade de ler sobre os ensinamentos deste grande mestre, mas o dia que apreender os seus sublimes ensinamentos, compreenderá com mais facilidade o seu real significado. Não que ele tenha sido o primeiro a revelar esta verdade, mas ele é o mestre mais conhecido no ocidente. O fato é que embora existam muitas moradas, em verdade só existe uma única morada:


“Despertar e ser um com Deus”.

Bem, acredito que é desnecessário dizer o quanto estava empolgado e maravilhado, e um tanto estonteado por todas estas informações. De fato foi mais tarde, lendo a Bíblia que constatei a verdade de várias passagens que ele havia mencionado. Uma das coisas que Gabi também me revelou é que muitos seres escolhem de livre arbítrio, experiências desafiadoras em suas próximas encarnações, com o propósito de se libertarem de fraquezas e maus hábitos que os impedem de alcançarem estados mais elevados de consciência. Tão compenetrado estava com todas essa revelações, que não percebi a presença de um ser de aparência feminina que estava do nosso lado, e que veio ao nosso encontro. Levei um susto na hora, mas que se desvaneceu quando senti uma vibração de amor e bondade que ela emanava. Quando se aproximou perto de mim vi como uma luz dourada contornando todo seu corpo, como se tivesse uma auréola em sua volta. Ela me abraçou como se já me conhecesse e perguntou como estava me sentindo. Me olhou com extrema ternura e disse que estava na hora de voltar. Eu nunca havia visto uma mulher tão linda assim. Sem exagero parecia realmente um anjo.


“Assim como o sol, Deus está sempre brilhando, mesmo quando surgem nuvens que o encobrem”


Sexta feira, 14 de novembro

Folha n.7

Hoje é sexta feira, e já são 20 horas. Ainda bem que amanhã vou acordar mais tarde, porque esta semana na escola foi de lascar. Lições e mais lições. Mas agora vou aproveitar este tempinho e continuar o meu diário. Foi na quarta feira que parei de escrever. Lembro-me quando inesperadamente apareceu aquela maravilhosa mulher e que fiquei sabendo depois que seu nome era Dany. Disse-me que habitava o local fazia alguns anos. Era alta, aparentando ter não mais do que 25 anos, cabelos claros, olhar meigo e estava com um vestido claro de mangas curtas. Mas o que chamou mais a minha atenção, foi o seu andar ágil que parecia estar deslizando sobre a grama. Me aproximei mais perto dela e perguntei se eu não poderia permanecer por mais tempo, porque estava adorando e curtindo toda esta extraordinária experiência. Ela com muita doçura me disse que não era possível, porque tinha que voltar, pois eu tinha um destino a cumprir. Tinha que voltar para minha família. Para minha surpresa, disse-me ainda que minha permanência na Terra seria muito importante. Me falou também de alguns fatos sobre o meu destino que já tinham sido programados, mas que não consigo me lembrar com nitidez. Hoje é mais como um sonho fragmentado que não consigo reconstruir.

Fiquei até surpreendido em saber antecipadamente parte do meu destino, mas naquele momento o que mais queria era aproveitar a sua presença, pois tinha muitas perguntas a fazer. Queria saber mais e mais. Ela como percebendo o meu anseio, olhou para mim com uma expressão mais compenetrada e disse: ---Raff. Eu entendo a sua curiosidade, e sua vontade em saber mais para compreender tantos mistérios da qual fazemos parte, porém tudo têm o seu tempo. De fato quase todos que aparecem aqui, logo perguntam porque Deus não é visto após a mudança de dimensão, que vocês ainda chamam de morte, para que todos possam acreditar em sua existência. Porém é quase impossível responder a esta pergunta, no estágio atual em que as pessoas se encontram. ---É verdade respondi. Concordo plenamente com a sua explicação. Posso até dizer que desde que cheguei aqui, sinto que esta pergunta já não faz mais sentido. Não sinto mais nenhuma necessidade de uma prova visível de sua existência. Não sei como explicar, mas eu simplesmente sinto a sua presença dentro de mim, e para mim isto é mais do que suficiente. ---Isto mesmo Raff, respondeu satisfeita pelas minhas palavras e esboçando um lindo sorriso para mim, ela continuou: ---Deus é a majestade de um poder atemporal que não se impõe, mas pelo contrário ele se esconde no interior de sua própria criação e


cuja presença é sentida somente na consciência dos puros de coração. Ele não é visto com os olhos do corpo. Mas a certeza de sua presença é sentida no interior de nossa alma. De nada adianta ter olhos se o nosso coração estiver cego. Deus está em cada um de nós o tempo todo. Ele é como a manteiga no leite, está em cada gota. Acreditar que algumas técnicas espirituais possam revelar o Deus interior é como achar que uma lanterna por mais potente que seja, possa iluminar o sol. Assim como o sol, Deus está sempre brilhando, mesmo quando surgem nuvens que o encobrem. ---Como assim disse eu, interrompendo a sua explicação. Não consigo entender direito. Mas Dany continuou seu raciocínio: ---Meu querido Raff, isto é apenas uma simples analogia. Se todo o céu estiver coberto de espessas nuvens, então certamente o dia estará escuro como se fosse noite. Se houver nuvens mais claras, o dia ficará cinzento. Mas se houver nuvens passageiras, então haverá momentos de claridade e momentos de escuridão, como os altos e baixos da vida. No entanto, se o céu estiver totalmente azulado desprovido de nuvens, então o brilho do sol será constante e você estará todo iluminado. Nesta plenitude Deus se fará presente, não no exterior mas no interior do seu coração. Ele não pode ser encontrado em nenhum outro lugar, além do lugar onde você está. Ele é o mestre do tempo. Ele aguarda pacientemente pelo seu retorno, tal qual um pai amoroso que sabe com certeza a volta do seu querido e amado filho.

Fiquei comovido pela explicação e vendo que eu estava bastante atento, Dany prosseguiu: ---É verdade que uma pequena gota de água é muito diminuta, mas ao mergulhar no oceano, ela se torna o próprio oceano. Por isso os mestres sempre afirmam: O conhecedor de Deus realmente se torna Deus.

Somente quando estivermos convictos que esta gota de amor está em todos nós, independentemente do nosso nível evolutivo, e que todos somos iguais, então se dissolvem todas as ilusões da comparação, do julgamento, da inveja, da raiva, do medo, da culpa, do apego, da mentira e de todos os preconceitos e inverdades que nos fazem sofrer. Eles bloqueiam as nossas energias e retardam a conexão com a nossa verdadeira natureza. O que é preciso é retirar todo este pó que se impregnou em seu ser. Depois disso irá constatar que não será mais necessário nada procurar, além do que você já é. Voltará a ser a luz de puro amor.


“Dentro do seu coração está o seu verdadeiro Eu. O amor absoluto. A sabedoria eterna”


Sábado, 15 de novembro

Folha n.8

Eu já sabia que neste momento, estava na hora de voltar. Não posso omitir que a ideia de abandonar aquela dimensão de luz e amor, por um mundo de incertezas e adversidades, não era muito bem aceita. Insisti em ficar. Porque deveria voltar para um mundo de limitações, de dor, sofrimentos e doenças? Um mundo de guerras, tristezas e carências. Mas eu não tinha outra alternativa, tinha que voltar para aprender mais algumas lições. Não sabia como seria, mas intuitivamente sabia que meu retorno era importante. Foi exatamente neste momento que tive um insight e me dei conta que o mundo é um sonho. Não encontro as palavras mais adequadas para explicar este sentimento, no entanto alguma coisa dentro de mim confirmava esta íntima verdade. Percebi com muita convicção que tudo é mutável e impermanente. Como num sonho tudo parece ser real, quando na verdade não passa de uma projeção mental. Só Deus que está em cada um de nós pode ser real, e por ser real ele está além das limitações. Esta essência jamais pode ser aniquilada. Percebi pelo olhar de Dany, que ela captou os meus pensamentos, mas nada falou. Então caminhei em direção de Gabi para me despedir e agradecer de coração por toda a sua atenção e carinho. Abracei-o afetuosamente e disse-lhe: ---Ficarei com muitas saudades de você. Faz tão pouco tempo que estamos juntos, mas sinto como se fossemos amigos ha muito tempo. ---É verdade respondeu, e sem interrupção continuou: ---Meu querido Raff, o tempo é relativo. Quando as pessoas se encontram na mesma vibração espiritual, surge uma identificação que consolida a nossa irmandade e nem nos damos conta da passagem do tempo. É como se ele não existisse. Sentimos então com mais intensidade o momento presente. Mas não fique triste não. Sempre que sentir saudades, olhe para o céu e quando uma estrela piscar, converse com ela. Eu estarei em cada uma delas olhando por você. Mas antes de voltar quero te presentear com uma pequena lembrança para não esquecer do nosso encontro. Piscou um dos olhos para mim e acrescentou: --- Vai ser uma surpresa. Aguarde, você irá encontrá-la em seu retorno. Estava na verdade tão comovido que não entendi exatamente o que Gabi estava se referindo. Neste momento, Dany veio também ao meu encontro para se despedir. Me abraçou fortemente, enquanto algumas lágrimas escorriam pelo meu rosto. A seguir acariciando os meus cabelos, sussurrou nos meus ouvidos:


---Raff, agora vai ter que voltar. Fiquei muito contente em poder te conhecer. Irá mergulhar na ilusão do tempo, e terá que enfrentar alguns obstáculos para seu crescimento, mas procure manter sempre o seu coração puro de criança. A plenitude não é exatamente uma escolha mas é a sua imutável natureza. A seguir pronunciou suas últimas palavras, que tiveram sobre mim um impacto muito grande, que não posso esquecer. Vou tentar transmitir aqui em meu diário suas palavras da melhor forma possível, para que sempre que eu estiver triste ou confuso poderei recorrer a elas, pois serão como um eficaz remédio para apaziguar minha alma nos momentos em que terei que enfrentar as adversidades da vida. Estas foram suas últimas palavras: ---Meu querido Raff. Você é a felicidade suprema. O amor absoluto. A sabedoria eterna. Nunca se esqueça de sua verdadeira identidade. Do contrário mergulhará no esquecimento e sua visão estará turva pelo nevoeiro da ignorância. Tome muito cuidado neste momento. Seja vigilante. Porque se cair no adormecimento, podem surgir os grandes vilões. Eles surgem sem aviso, disfarçados de heróis, mas depois fazem você sentir tristeza, desamparo e angústia. Não acredite neles. Eles não existem. São apenas miragens da mente. Afugente-as com a luz brilhante de sua sabedoria. A vontade de Deus é o seu despertar. Se você tiver fé apenas nesta única afirmação, então todos os seus terríveis pesadelos nada irão significar, porque o mundo nada mais é que um sonho. Eles jamais irão prevalecer contra a paz e o amor que estarão sempre em seu coração. Durante alguns minutos ficamos em total silêncio. Parecia que estávamos numa dimensão que transcende os pensamentos. Era como se o tempo tivesse parado. Seus olhos olhavam os meus com imensa meiguice, e a seguir foi aos poucos se afastando lentamente. Jamais irei esquecer este puro e sublime momento.


“A vida não possui limites, e não existe nada para ser feito ou acrescentado para sermos o que verdadeiramente já somos”


Segunda feira, 17 de novembro

Folha n.9

Eu só me lembro um tanto vagamente, de uma intensa sonolência que se apoderou de mim, enquanto ainda estava sob o impacto emocional de todos estes grandiosos e indescritíveis acontecimentos. Neste estado, mal podia acreditar ter sido o centro de tanta atenção e carinho. Então percebi como cada um de nós possui um imenso e infinito valor. Gradativamente meus pensamentos foram diminuindo enquanto ouvia um estranho som que parecia que vinha de longe. Havia como uma defasagem entre o som e a imagem. O som terminava antes da chegada da imagem provocando uma espécie de zumbido. Tentei resistir. Acho que balbuciei algumas palavras incompreensíveis, mas sem conseguir articular normalmente a minha boca, pois sentia uma tremenda dificuldade em poder falar. No entanto continuava ouvindo aquele som, que aos poucos foi se harmonizando. Reconheci ser uma música sinfônica que penetrava em minha alma, preenchendo todo meu ser, que aos poucos foi me tranquilizando. A música era tão majestosa que se comparado as músicas terrestres, elas soariam como sons dissonantes. Parecia que eu era a própria música. Embalado por esta sinfonia celestial, os meus olhos foram se fechando, e as imagens foram ficando cada vez mais diluídas e desfocadas. Sem perceber fui perdendo a consciência. A última coisa que me recordo, foi uma sensação de estar me deslocando numa velocidade vertiginosa, para depois perder os sentidos e entrar num sono profundo.

Quando abri os olhos, depois de um tempo que não sei precisar, vi para meu espanto, bem na minha frente, o rosto apreensivo de um homem com uma expressão de pânico, e com os olhos arregalados olhando para mim. ---Graças a Deus---exclamou ele em voz alta. ---Está salvo, quase o perdemos. Quando me dei conta da situação, vi que estava deitado na areia de uma praia e com o corpo todo molhado. Senti uma tremedeira pelo corpo todo, e quando tentei me levantar, meus músculos não obedeciam, estavam formigando e travados, como se tivesse passado um longo tempo sem me movimentar. Estático e estendido naquela areia fria, não conseguia formar uma interpretação clara da minha situação e tampouco daquelas pessoas que me rodeavam. Como numa espécie de amnésia, não me lembrava de absolutamente nada. Havia um branco total. Lembro-me vagamente de um homem que estava ao meu lado e segurando minha cabeça começou a falar, olhando para mim: ---Acho que foi por pouco. Você ficou um tempo sem respirar, e pensamos que estivesse morto, mas graças a Deus está tudo bem agora. Aos poucos fui recuperando o fôlego, e para dizer a verdade, não sabia o que estava fazendo sozinho numa praia naquele momento. Es-


tava achando tudo muito estranho, pois nunca estive numa praia em toda minha vida. Com um pouco de dificuldade consegui me levantar. Quando olhei ao redor reparei a presença de muitas pessoas que lentamente se aproximavam de mim e apreensivas, perguntavam se estava me sentindo bem. ---Tudo bem respondia. ---obrigado estou bem. Assim fui me arrastando meio desnorteado pela areia, tentando me lembrar do que havia me acontecido. Mas nada. Era como se eu tivesse perdido a memória. Continuei andando sem nenhuma direção definida, até que de repente, os raios do sol fizeram brilhar alguma coisa presa no meu pulso esquerdo. Quando olhei novamente com mais atenção, era o brilho de uma pulseira dourada. Sim! Naquele momento, como um flash, me lembrei de tudo que havia acontecido. Todas aquelas imagens voltaram novamente à minha consciência, e intuitivamente senti que era o presente surpresa prometido por Gabi. E foi naquele instante apesar de sentir o corpo todo dolorido, fiquei um tanto intrigado! Como pode ser possível que tenha se passado um tempo relativamente curto em que fiquei desacordado, e ao mesmo tempo parecia como se muitas horas haviam se passado? Então me dei conta que o tempo não é linear.

Enquanto caminhava lentamente, senti com muita clareza que de fato o tempo é muito relativo. Ele se altera em cada dimensão, e não é medido por minutos, horas ou dias, mas pelas lições de amor que aprendemos. Agora sei pela experiência que passei, que a morte não é o fim, mas a continuação da nossa vida. Ela nunca termina, não possui limites, e não existe nada para ser feito ou acrescentado para sermos o que verdadeiramente já somos. E foi com estas doces lembranças, que voltei para casa em estado de êxtase.

Desconheço o que o futuro me reserva. Mas eu sei que terei que me adaptar e administrar emocionalmente a minha nova condição. Mas agora me sinto mais seguro e confiante. Com certeza a ideia de escrever este diário irá me ajudar muito para recordar de toda esta incrível aventura, que provavelmente iria esquecer com o passar do tempo. Não posso dizer que este seja o fim destas anotações em que tentei relatar tudo que pude me lembrar da minha estadia naquele plano, mas espero que um dia se for o destino, poder compartilhar todas essas experiências, e comunicar algumas verdades que se incorporaram em mim, e que em essência elas poderiam ser resumidas em poucas palavras. “Você é amado incondicionalmente. Não existe nada para ser temido. Você é uma extensão atemporal do divino”.


“Devemos parar de nos agarrar em nossa suposta segurança, e nos entregarmos sem medo na correnteza do rio da vidaâ€?


Meu querido leitor

ocê acabou de ler a última folha do diário do meu avô que ele escreveu ainda adolescente. Lembro-me que quando terminei sua leitura, uma coisa que ficou bem gravada em minha memória, foi da promessa que tinha feito comigo mesmo, de que quando me tornasse adulto, iria relatar toda a sua história através de um livro que era no fundo o seu desejo. É exatamente este livro que você está quase terminando de ler. É claro que se ele tivesse nascido hoje, não passaria por tanto sofrimento e constrangimento. Talvez nem teria tido a necessidade de escrever o seu diário, que com certeza, foi a forma terapêutica que ele encontrou para confirmar sua experiência e apaziguar a sua alma, e que acabou se transformando numa das mais comoventes e poéticas histórias de uma EQM (Experiências de quase morte) É importante perceber também, que quando ele me contou a sua história em seu sítio, ele já era um homem idoso, e já tinha esquecido de muitos detalhes, que só pude descobrir depois quando li suas anotações. Foi muita sorte encontrá-lo no baú, e ter tido a precaução em preservá-lo.

Uma das coisas que mais me surpreendeu, foi ele ter descrito todos os ensinamentos de forma profunda e detalhada, e também das informações que Gaby lhe antecipou, e que hoje estão se confirmando a nível científico. Atualmente muitos psicólogos e pesquisadores estudam este fenômeno que é chamado de EQM e que parece ocorrer hoje com muito mais frequência, talvez porque as pessoas já não ficam tão receosas de serem mal interpretadas em descrevê-las. Hoje centenas de livros já foram publicados e muitos filmes produzidos* o que demonstra a realidade destas experiências, desmistificando assim a grande ilusão do que ainda é chamado de morte, mas que na realidade como ficou mais do que comprovado, não passa de uma transformação dimensional. Hoje a mediunidade deixou de ser privilégio de alguns, para se tornar uma evidência mundial. Afinal não precisamos esperar até que sejamos suficientemente espiritualizados ou passar por uma EQM para sentir que a felicidade que procuramos está dentro de nós. Devemos parar de nos agarrar em nossa suposta segurança, e nos entregarmos sem medo na correnteza do rio da vida. Iremos nos sentir mais leves, e isto pode nos despertar do sono do esquecimento, e lembrarmos de quem somos realmente. Por isso o verdadeiro tesouro que procuramos é aquele que não se pode ganhar


ou perder, como tão bem Gaby explicou. Porque quando deixamos de nos agarrar nas ilusões que ocultam a nossa realeza, nos tornamos quem verdadeiramente somos: “Manifestações de Deus”.

Não deixe de ler a página seguinte, porque descrevo as últimas horas que passei em seu sítio, e os intensos sentimentos que senti, assim que terminei de ler a última página do seu diário. Como irão constatar, fui eu que fiquei também em estado de êxtase, porque jamais poderia pensar ou imaginar no que ocorreu, quando entrei em seu quarto, pouco antes de sair do sítio, e voltar para casa junto com o Broto, num estado de total arrebatamento.

*Além da vida- Clint Eastwood Chico Xavier- Daniel filho Nosso Lar-

Wagner de Assis


A verdade


“Foi impressionante perceber quantas coisas aprendi em tão pouco tempo”


Eu sei que fiquei

opor um longo período em silêncio, segurando nas mãos todas aquelas folhas amareladas pelo tempo. Muitas lágrimas escorriam pelo meu rosto. Mas não eram lágrimas de tristeza, mas sim de emoção e de encantamento. Me senti privilegiado por ter lido toda aquela história do vô, e foi impressionante perceber quantas coisas aprendi em tão pouco tempo. Foi quando decidi guardá-las com muito carinho, sem imaginar que um dia ele seria editado. Embora tenha se passado um bocado de tempo, ainda sinto muito a sua ausência. Mas sempre quando meu coração aperta de saudade, começo a conversar à noite com as estrelas, da mesma forma que ele fazia sempre com muito bom humor. Ainda no sítio, quando olhei o relógio, vi que já estava na hora de voltar para casa. Eu sabia que ia receber um puxão de orelhas da mãe, como de fato ocorreu, mas não dei muita importância, porque sabia que a minha ida ao sítio sem dúvida iria valer a pena. Lembro-me que coloquei todas aquelas folhas na mochila, e como num impulso inexplicável, resolvi dar mais uma olhada pela sala percorrendo com os olhos todos os pequenos recantos, gravando em minha memória um cenário que logo deixaria de existir. Em seguida entrei em seu dormitório e lá estava a velha cama, o armário de jacarandá onde guardava os potes de doce de goiaba que ele mesmo preparava, as velha cortinas brancas e a sua poltrona predileta onde ainda se podia ver o formato do seu corpo através das dobras do pano. Entretanto, um objeto chamou minha atenção. Era um antigo e velho retrato do vô, acima do criado mudo. Sem pensar duas vezes resolvi ficar com ele de lembrança. Por curiosidade abri a gaveta para ver se tinha mais alguma coisa, quando de repente um luz ofuscou meus olhos, e meu coração disparou de tanta emoção. Não podia ser verdade! Incrível!!!

Eu simplesmente não podia acreditar no que estava vendo! Sim, era o brilho da pulseira dourada, o presente surpresa que ganhou de Gabi. Fiquei quase sem fôlego, e sem compreender como isso poderia ser possível? Mistérios do destino! Quando a coloquei em meu pulso, parecia ter sido feita sob medida para mim. Era a coisa mais linda que já tinha visto. Quando a virei um pouco de lado, percebi que havia no verso uma pequena inscrição gravada em letras bem pequenas com as seguintes palavras:


“Tudo passa, mas você é a única verdade” Hoje, quase meio século depois, ainda guardo com muito carinho esta pulseira, que se tornou ao longo da minha vida, um símbolo da espiritualidade. Sempre quando passo por uma adversidade seguro-a nas mãos, e como por milagre minha paz volta a reinar. Ela acalma o meu coração e me faz lembrar instantaneamente que o mundo é um sonho, que tudo passa e que eu sou a única verdade.


Agradecimentos Sabemos que nenhum trabalho é realizado sem a ajuda de muitas pessoas, seja por meio de ideias, apoio e inspiração. Assim não poderia deixar de agradecer a todos os grandes mestres pela profunda sabedoria, que me transmitiram ao longo dos anos, sem esquecer de mencionar também os poetas, cientistas, romancistas e cineastas que de alguma forma estão contidos nesta história. Também no depoimento de pesquisadores, e psicólogos que se dedicam em estudar com seriedade a EQM (Experiências de quase morte) assim como as pessoas que passaram por ela. Juntamente com a minha própria vivência, todos eles contribuíram para consolidar a base do meu conhecimento. Espero ter atingido o propósito deste livro, que foi estender a mão às pessoas com amor e compaixão, para que pudessem perceber que a vida não termina e ela não possui limites. Pode parecer um paradoxo, mas como tão bem os grandes sábios expressaram: “Não existe nada para ser feito ou acrescentado para sermos o que verdadeiramente já somos”.


Todos os ensinamentos e informações a respeito do plano espiritual descritos neste livro, tem por base as experiências do próprio autor, e na vastíssima literatura mediúnica (Canalização e psicografia) Na transcomunicação instrumental. (Comunicações realizadas através de instrumentos eletrônicos) Toda a sabedoria milenar. (Os grandes mestres) No depoimento de milhares de pessoas do mundo que passaram por uma EQM. (Experiências de quase morte) Lembranças de vidas passadas Sonhos lúcidos Provas incontestáveis na física quântica Nas diversas correntes psicológicas, principalmente a Psicologia transpessoal, e experiências de consciência cósmica. No depoimento de psicólogos que se utilizam da terapia de vidas passadas para desbloquear traumas inconscientes.


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Roberto Saul

nascido no Cairo/Egito com nacionalidade francesa é publicitário, artista plástico, cineasta, pintor e atualmente dedica-se a literatura. Já publicou diversos livros, destacando-se a trilogia “O Divino Jogo do Ser.” Seus textos são inspirados pelos grandes mestres da humanidade, que nesta era vem mobilizando leitores do mundo inteiro neste despertar espiritual. Com muita clareza e linguagem acessível, ele nos aponta o caminho, e nos leva a explorar e descobrir a nossa verdadeira natureza. Um livro fascinante e indispensável para todos os que vivem nesta nova consciência. Livros do autor: Mar de luz O Divino jogo do Ser O Divino jogo do amor O Divino jogo da Consciência Interiores Sonhando com o mundo A misteriosa carta escrita no ano de 2084 Afirmações – Amor – Sonhos Histórias caninas


CONTATO COM O AUTOR robbysaul@gmail.com




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