6 minute read

História da urbanização do Brasil

Processo de formação das cidades brasileiras: Algumas aproximações

História da urbanização do Brasil

Advertisement

Para entender como propor intervenções e melhorias nas cidades, precisamos não só entender como elas se comportam atualmente, entendendo as reais necessidades da população, mas precisamos também entender seus processos de formação, o que levou as cidades a se tornarem o que são hoje. Diversos foram os fatores históricos que nos levaram a ter cidades nos moldes automobilísticos ao redor do mundo e precisamos primeiro entendê-los para então entender como podemos começar a reverter o processo e torná-las mais amigáveis para as pessoas que nelas habitam. De acordo com dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), 55% da população mundial vivia em áreas urbanas no ano de 2019, enquanto os outros 45% moravam em áreas rurais. Seria um dado bastante equilibrado, com a população dividida quase pela metade entre áreas urbanas e rurais, se nós não levarmos em conta que pouco mais da metade da população mundial mora em apenas 7,6% da área terrestre do planeta. Porém, além disso, a expectativa da própria ONU é de que esta proporção aumente para 70% até 2050. Isso equivale a 6,8 bilhões de pessoas morando em

pouco menos de 8% da área terrestre do planeta, se considerarmos a estimativa de 9,7 bilhões de habitantes no planeta Terra para 2050.

No Brasil, a situação é um pouco diferente. Enquanto, atualmente, na escala global, esses números mostram uma população quase que igualmente distribuída entre o campo e a cidade, dados revelados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015, a maioria esmagadora da população brasileira vive em áreas urbanas. Enquanto 15,28% dos brasileiros moram em áreas rurais, os outros 84,72% dos brasileiros

moram nas cidades.

Conforme a estimativa4 do IBGE, a população do Brasil em 2020 era de 211.755.692 habitantes, com esse número aumentando a cada 19 segundos. Essa estimativa colocaria cerca de 179.399.422 pessoas divididas de maneira desigual entre as 5.570 cidades brasileiras, se considerarmos que algumas das cidades possuem uma população muito mais expressiva, numericamente

4 Não houve censo no ano de 2020. O dado censitário mais recente é o do Censo 2010 (IBGE), que apontava que a população do Brasil era de 190.732.694 pessoas.

falando, como é o caso das grandes capitais, em comparação com pequenas cidades do interior.

Mas esses números eram extremamente diferentes há um século atrás. A

formação das cidades brasileiras tem seu ponto de partida ainda durante os anos do Império, mas só na República, mais precisamente no início do Estado Novo, durante o primeiro Governo Vargas (1930 à 1945), é que o Estado brasileiro, a partir dos investimentos nas indústrias de base, iniciou um real processo de urbanização. Processo este que, por sua vez, aconteceu de maneira extremamente acelerada e concentrada. Até então, o Brasil era um país rural, com toda a sua economia voltada para a exportação de café e cana-de-açúcar. A modernização e urbanização do Brasil começou por conta da necessidade econômica de mudar essa situação, após a economia cafeeira sofrer um grande baque com a Grande Depressão Norte Americana, em 1929. A crise nos Estados Unidos da América, o maior importador de café na época, fez com que os gastos supérfluos do povo estadunidense fossem cortados, diminuindo drasticamente a importação e fazendo com que o preço do café despencasse. Para que não houvesse uma desvalorização excessiva da

mercadoria, o governo brasileiro comprou e queimou toneladas de café. Foi a partir dessa necessidade de mudar o perfil econômico do país que se deu início ao rápido processo de urbanização e modernização do Brasil. Esse crescimento repentino das cidades, consequentemente, gerou uma concentração de renda e empregos nas cidades, provocando o que conhecemos como êxodo rural, processo que consiste na migração interna da população brasileira do campo para a cidade, principalmente após os anos 1950. Essa população que morava no interior do país, trabalhando para os grandes donos de terra, mudou-se em massa para as capitais, buscando melhores condições de vida. As grandes cidades então começaram a receber mais moradores do que poderiam suportar. Esses novos habitantes das cidades se estabeleceram majoritariamente em dois locais extremamente diferentes: parte da nova população instalou-se em morros de áreas nobres, que não possuíam infraestrutura, mas eram próximas dos seus trabalhos e dos serviços; e em áreas periféricas, nas franjas das cidades e distantes dos Centros, margeando as principais rodovias. Esse segundo grupo gerou uma expansão do tecido urbano, que aconteceu de forma fragmentada e desencadeou no processo de espraiamento das cidades. Mas, assim como nos morros, essas periferias também não possuíam e nem receberam do Estado a infraestrutura necessária (saneamento, ordenamento do

solo, transporte público), fazendo com que esse segundo grupo se instalasse em espaços excluídos não só geograficamente, mas também socialmente. Foi dessa maneira desenfreada e desordenada, sobretudo, para fora dos limites urbanos da época, que se deu a urbanização das cidades brasileiras, principalmente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, cujas capitais já eram as duas cidades mais economicamente importantes do país. No caso do Rio de Janeiro, que na época era a capital federal, essa expansão urbana para as periferias se deu de forma linear, pelos eixos das

rodovias, tentando se apropriar da infraestrutura e da proximidade com possibilidades de transporte existentes, expandindo territorialmente o espaço urbano fluminense pelas bordas, criando um tecido urbano esgarçado e sem um planejamento adequado do uso e ocupação do solo. No ano 1960, ano de conclusão da construção e mudança da capital federal para Brasília, Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914 – 1977) foi a primeira pessoa a assumir o posto de governador do estado da Guanabara. Nessa época, aquela população que se instalou nos morros continuava crescendo.

A favela Macedo Sobrinho, no Humaitá (zona sul do Rio de Janeiro), teve sua população removida para conjuntos habitacionais nas periferias da cidade // Fonte: Anthony Leeds (1966)

O crescimento da população instalada nos morros significava que as favelas estavam em expansão na cidade, localizando-se nas áreas mais próximas dos empregos: nas indústrias instaladas na Zona Norte, e dos serviços, na Zona

Sul. Segundo a historiadora Armelle Enders5 , em 1960, essas regiões de morros abrigavam mais de 330 mil pessoas, que gradualmente ocuparam, também, os arredores industriais da Avenida Brasil, a maior rodovia da época. Foi então que o governador Carlos Lacerda iniciou um processo de remoção em massa dessas favelas localizadas em áreas nobres da cidade. Essa remoção fez com que os moradores das favelas fossem forçados a se mudar para áreas periféricas da cidade, longe de seus empregos e extremamente afastadas dos serviços presentes nas áreas centrais. Com as remoções, ocorreu um aumento significativo do preço da terra urbana pelo mercado imobiliário, o que além de manter a população recentemente removida longe dos centros, impossibilitando-as financeiramente de voltar, expulsou também a população mais pobre que ali vivia, gerando uma remoção compulsória para essas áreas mais afastadas do centro já citadas, onde não havia equipamentos básicos para o direito à vida, como saneamento básico. Essas periferias, que já eram ocupadas por uma população marginalizada socialmente e sem infraestrutura adequada, se tornaram ainda mais populosas e marginalizadas.

5 ENDERS, Armelle. A história do Rio de Janeiro.

This article is from: