Habitação e Brutalismo: o caso da arquitetura pós guerra na Inglaterra

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ensaio em teoria e história da arquitetura e urbanismo

habitação e brutalismo:

o caso da arquitetura pós-guerra na Inglaterra. Giovanni Cristofaro faculdade de arquitetura e urbanismo: FAU universidade de brasília - UnB

orientador: prof. dra. Luciana Saboia Fonseca Cruz


apresentação Essa proposta de pesquisa surge com a premissa do trabalho de conclusão do departamento de teoria e história da graduação em Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília, sob orientação da Prof. Dr. Luciana Saboia Fonseca Cruz. O trabalho tem suas raízes na graduação-sanduíche realizada pelo autor na universidade London South Bank, na Inglaterra, onde foi iniciada uma pesquisa e interesse pelo assunto da habitação na cidade de Londres e do Novo Brutalismo. Desta forma, pretende-se discutir, problematizar e revisar questões teórico-metodológicas sobre o habitar, representação e linguagem de um estilo surgido na Inglaterra no contexto do pós Segunda Guerra Mundial.

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Barbican Estate. Londres. foto: Joas Souza


resumo Durante os anos 1950, devido ao pós-guerra, o Reino Unido recuperava o seu poder econômico e social, os arquitetos Alison e Peter Smithson preconizavam uma vontade de mudança na cultura arquitetônica, que era definida pelo homem universal moderno, grandes escalas, um espaço demasiadamente homogêneo e o habitar sem escala humana e, no impacto do seu percurso inicial, decidem voltar as premissas da vanguarda do movimento moderno, e começam a questionar a produção dessa arquitetura voltando para uma produção escrita, propondo uma nova maneira de olhar para a arquitetura, cidade e contexto. No mesmo período, o crítico e historiador Reyner Banham associa-se a esta demanda ao expandir as ideias destes arquitetos para o campo da crítica, possibilitando uma leitura mais abrangente com a junção da arquitetura e da arte. Sucederam-se então discussões em volta do conceito de Brutalismo, a questão da identidade, do contexto urbano tendo sempre como protagonistas principais na Inglaterra, os arquitetos Alison e Peter Smithson e o crítico Reyner Banham. Esse conjunto de projetos, edifícios e textos, como o Golden Lane Estate, de Chamberlin, Powell and Bon, e os artigos de Banham ligados ao Novo Brutalismo, estabeleceram contornos polêmicos no passado, e podem ser analisados de outra forma no presente graças a distância temporal, e um outro olhar para essas obras, apoiado em um embasamento teórico. O trabalho tem como questão principal a habitação em obras construídas na cidade de Londres durante o período do pós-guerra, analisando a ralação entre homem e os espaços construídos para criação do habitat humano. O objeto de investigação encontra atualmente um interesse renovado por parte de uma nova geração de arquitetos, críticos e também de novos moradores. No trabalho, serão analisados três estudos de caso de conjuntos habitacionais na cidade de Londres, e com eles busca-se entender, portanto, o que constitui o habitar de um edifício brutalista construído num contexto temporal especifico, e se este pode configurar-se como um lugar de identidade individual, apropriação e reconhecimento por seus moradores? palavras-chave: habitação, modernismo, brutalismo, pós-guerra, Inglaterra, Londres.

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sumário introdução 1.0: modernidade e habitar: a linguagem do Novo Brutalismo.

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1.1: A critica ao Movimento Moderno

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1.2: Team X e o Novo Brutalismo na Inglaterra

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1.3: Habitação: os conceitos de habitar e “dwelling”

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2.0: construindo novos paradigmas: Inglaterra após 1945

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2.1: Inglaterra no pós-guerra

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2.2: Londres e o plano de Abercrombie: o caso do London City Council

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2.3: Popularização e repercussão

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2.4: Brutalismo hoje

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3.0: brutalismo: uma análise do habitar coletivo

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3.1: Golden Lane Estate: o espaço do convívio.

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3.2: Barbican Estate: a importância das relações interior e exterior.

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3.3: Balfron Tower: vida em altura

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conclusão 74 referências bibliográficas

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Barbican Estate. Londres. foto: Joas Souza


introdução

É preciso criar uma arquitetura da realidade. Uma arquitetura que tenha como ponto de partida o período de 1910 – de De Stijl, do Dadá e do Cubismo – e que ignore o dano ocorrido por consequência das quatro funções (habitar, trabalhar, recrear e circular). Uma arte preocupada com a ordem natural, pela relação poética entre os seres vivos e o entorno.1 No período após a Segunda Grande Guerra mundial os maiores problemas que a Inglaterra enfrentavam eram a reconstrução urbana e a falta de oferta habitacional. O governo estabeleceu programas ambiciosos de bemestar social e redistribuição da riqueza, que tiveram como objetivo melhorar a vida cotidiana de seus cidadãos. Muitos destes programas estatais de assistência social - habitação, escolas, novas cidades, centros culturais e de lazer - envolveram não apenas a construção, mas uma nova abordagem ao projeto arquitetônico, em que os objetivos destes programas financiados pelo Estado foram delineados e debatidas. Em 1944 foi elaborado por Patrick Abercrombie o plano para a reconstrução de Londres, onde um numero maior do que 2 milhões de residências tinham sofrido algum dano durante a guerra, e dividia a cidade em áreas, criava grandes cinturões verdes e estabelecia áreas para a reconstrução de unidades habitacionais.2 O London City Council insurgiu-se enquanto instituição crucial da reconstrução, e seu departamento de arquitetos questionava-se qual deveria ser a melhor maneira de projetar e construir. Ao mesmo tempo o arquiteto Le Corbusier projetava, sua Unité d’habitation, obra que podemos instituir como um marco para os arquitetos da época. Então, no CIAM IX do ano de 1953, inicia-se uma crítica ao Movimento Moderno na arquitetura, onde os primeiros passos de Alison e Peter Smithson são altamente representativos e acabam por formar o grupo conhecido como Team X, que buscava uma nova arquitetura que representasse seu tempo, e acreditavam que a forma urbana era muito mais complexa e sofisticada do que o que era declarado pela Carta de Atenas. Os arquitetos vieram a ser então, os criadores do movimento chamado de Novo Brutalismo, como caracterizou o critico de arquitetura Reyner Banham. Uma nova arquitetura que explorava o uso dos materiais aparentes e brutos e que levasse em conta a particularidade da vida urbana. Uma ética e estética, claramente definidas por seus arquitetos. Aclamado por uns e menosprezado por outros, o Brutalismo representava, numa primeira instância, uma temática de discussão para que a validade de um novo movimento fosse questionada e que, mais tarde, passa ser associado a uma valorização imagética que pressupunha um novo estilo. O presente trabalho busca, então, trazer um olhar sobre os efeitos humanos e sociais da arquitetura do pósguerra na Inglaterra, de modo a dialogar as narrativas do projetado, do construído e do vivenciado, olhando para os espaços de habitação e se questionando: o que esse “habitar” representa para seus moradores?

1    Smithson, Alison and Peter. The New Brutalism. Architectural Review. Abril de 1954. p.274- 275. 2    Abercrombie P. 1944, Greater London Plan 1944, His Majesty’s Stationery Office.

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1.0: modernidade e habitar: a linguagem do Novo Brutalismo.


1.1: A critica ao Movimento Moderno O que é modernidade? Se questiona a autora Hilde Heynen em seu livro “Architecture and Modernity: a critique”, onde ela explora os significados da palavra que significa algo presente, ao oposto da noção de antes, do que é passado, ou algo novo que contradiz algo velho. O termo moderno é usado para descrever um tempo presente que é vivido como um período, e que possui certas características específicas que a distinguem de períodos anteriores. Para a autora, a modernidade está constantemente em conflito com a tradição e busca a luta pela mudança. 3 O movimento moderno na arquitetura, que surge entre o final do século XIX e inicio do século XX, começa a partir da metade do século XX, ser alvo de criticas por arquitetos e acadêmicos, como o autor Kenneth Frampton, que afirma que as configurações modernistas são demasiadamente abstratas, homogêneas e sem referenciais, onde o ornamento ou o acontecimento empírico não têm lugar. Supõe-se frequentemente que o Modernismo heroico do inicio do século, de Gropius e Le Corbusier, foi prejudicado por mais novos conceitos. De maneira como, por exemplo, ‘habitat’ era agora utilizado para substituir ‘habitação’. Os conceitos monolíticos do Modernismo (tipo, normas, universalidade ...) foram eliminados sob o peso da experiência pelos arquitetos. Dentro deste contexto, os chamados Congressos de Arquitetura Moderna que aconteciam periodicamente pela Europa eram importantes acontecimentos das discussões sobre a arquitetura da modernidade. Nele foram discutidas teorias como a Carta de Atenas, discutida no CIAM de 1933 que tinha como tema a cidade funcional. As primeiras atitudes do CIAM no campo do urbanismo foram fortes: “A urbanização não pode ser condicionada pelas reivindicações de um esteticismo pré-existente, a sua essência é de uma ordem funcional ... a divisão caótica da terra, resultante das vendas, especulações, heranças, deve ser abolida por uma política de terra coletiva e metódica. “4 Nesta fase inicial o desejo de reestruturar cidades e vilas é clara. Criticas a confusão “caótica” das ruas, lojas e casas que existiam nas cidades europeias na época; e o desejo de uma cidade setorizada, composta por moradias padronizadas e diferentes áreas de trabalho, habitação e lazer. Não demorou muito para os arquitetos questionarem as conclusões alcançadas em Atenas, e se preocupar publicamente sobre a aridez da cidade imaginada pelo CIAM. Os principais entre esses eram os jovens arquitetos britânicos Alison e Peter Smithson, que lideram uma ruptura com CIAM em 1956. Três anos antes eles haviam esboçado as suas preocupações; “O homem pode facilmente identificar-se com sua própria lareira, mas não facilmente com a cidade em que ele é colocado – ‘pertencer’ é uma necessidade emocional básica. Suas associações são da ordem mais simples. Já a identidade vem do enriquecimento da sensação de vizinhança. “5 Em 1960, quando a Architectural Design (AD) ofereceu para Alison Smithson a oportunidade de editar uma edição especial sobre CIAM Team X, uma tarefa que envolvia editar notas a partir de discussões sobre projetos realizados em uma conferência na cidade de Otterlo, nos Países Baixos, ela decidiu concluir com uma declaração que Giancarlo de Carlo tinha feito. Suas últimas linhas escritas levantavam a seguinte questão: se 3    Heynen, H. Architecture and Modernity. A Critique. London: MIT Press, 1999. pg 9. 4    CIAM’s La Sarraz Declaration (1928). Retirado de “Programs and Manifestoes on 20th-Century Architecture.” (The MIT Press. Cambridge, MA: 1971). 5    Frampton, K. Modern Architecture, a Critical History. London: Thames and Hudson, 1985. pg. 271.

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uma organização internacional como o CIAM em seus melhores dias, que pode até mesmo ser baseada em suas melhores tradições, “pode manter vivo o debate sobre a cultura arquitetônica. “ A fim de descrever este ‘debate’, de Carlo observou que o Team X continuou o discurso do CIAM, comparando diferentes exemplos de trabalhos construído, mas fundamentadas suas discussões sobre “dados factuais” investigando os princípios básicos e análises incorporados dentro desses trabalhos práticos. Isso levou as discussões para além da natureza do “genérico” que tinha paralisado reuniões CIAM pós-guerra. Todos os membros do Team X concordaram que CIAM tinha chegado a um beco sem saída, não chegarem a um acordo, mesmo sobre a linguagem que se devia adotar para levar adiante o movimento moderno. A geração mais velha acreditava que a arquitetura moderna foi criada e seu significado acordado; portanto, apenas pequenas melhorias ou variações em torno de suas regras centrais eram necessárias para garantir a sua sobrevivência no futuro. De Carlo pensou o contrário: respirar nova vida a arquitetura moderna. Nos leva de volta para uma reconstituição radical da linguagem que decorre da solicitude emotiva de observações gerais (a idade da máquina, a produção em massa, a grande cidade), mas emerge em seu estado puro para libertar-se da contaminação inicial do seu destino e utilização. Protótipos gastos (tais como o homem, a sociedade e a natureza) como diagramas inanimados (como a grade estática) devem ser descartados permitindo uma linguagem não corrompida para trazer vitalidade de volta para o campo da arquitetura e exercer a sua influência purificadora sobre a sociedade, resolvendo as suas contradições.6 Para ele, Le Corbusier tinha seguido esse caminho com impulso inabalável e coerência. Ele tinha criado a sua própria linguagem, seus elementos gramaticais mais sua sintaxe e terminologia poética. Através de uma série de projetos, desde artigos de uso diário até a escala da cidade, ele revelou: Os pontos nodais de um novo estilo universal. Mas uma linguagem colocada junta e intelectualmente a sangue frio, baseando a sua estrutura em uma pretensão autoritária que em princípio se mantém distante do movimento doloroso de contradição, torna-se rígida na forma que rejeita qualquer possibilidade de comunicação com a realidade. Suas raízes devem necessariamente estar nas razões mais abstratos - geometria - e a fim de adquirir uma aparência de vida deve nutrir-se com os estranhamentos mais emocionantes - lirismo. Por esta razão, Le Corbusier não compreende o espaço que não é metafísico ou monumental, que não está em relação direta com a vida que passa dentro dela em uma escala humana.7 Tendo a sua opinião sobre a linguagem da arquitetura de Le Corbusier, De Carlo ainda recomendou que o Team X usasse o que Le Corbusier tinha a ensinar para manter viva a linguagem da arquitetura moderna, mas ao mesmo tempo não permitir o que as gerações mais velhas dos arquitetos tinham, uma “significativa coexistência de contrariedades. “8

6    Giancarlo de Carlo, Italy “Summary” in Alison Smithson, Guest editor CIAM Team X” Architectural Digest. (May 1960) pg 205. 7    Ibdem. pg 205. 8    Ibdem. pg 205.

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UnitÊ d’Habitation de Marseille Fonte: Le Corbusier: Le Grand; Phaidon. 2007

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Candilis Josic Woods (Commissariat à l’énergie atomique (CEA), La Citadelle housing, Bagnols-sur-Cèze, 1958 (Bibliothèque Kandinsky, Centre national d’art et de culture Georges Pompidou).

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Após estes acontecimentos, desenvolvimentos estruturalistas na área de humanas tiveram uma grande influência sobre o autor Charles Jencks, que emprestou da semiótica certas noções fundamentais que o serviriam na formulação de sua estrutura teórica. A questão de como e por que processo, o significado de uma obra arquitetônica é alcançado, como avaliações estéticas são feitas, não poderia ter surgido em um momento mais propício quando os fundamentos do Movimento Moderno estavam sendo interrogados em um contexto de grandes mudanças sociais, políticas e urbanas. Jencks usou a plataforma semântica para argumentar a favor de uma multiplicidade de significados e abrir o campo para certas manifestações que haviam sido reprimidos pelo Modernismo. O autor definiu então, seis tradições principais que moldam o desenvolvimento da arquitetura da “lógica” à “idealista”, a “autoconsciente ‘, a ‘intuitiva ‘, a ‘ativista’ e a ‘não-consciente”. Para Jencks, o principal interesse através desta abordagem foi romper as categorias rígidas em que a arquitetura tinha sido enquadrada, principalmente os paradigmas espaciais e funcionais dessa arquitetura. [...] jogar por um significado ainda escondido em o que é percebido, bem como em que é concebido. Forçar a concepção e a percepção para coincidir completamente é contrair ao invés de estender o significado de qualquer um. A poesia encontra-se na persistência de escopo - escopo para o indefinido e multi-significado latente.9 Jencks usou o mesmo diagrama das seis tradições como o organizador histórico dos diferentes movimentos da arquitetura, salientando o papel da política em cada caso, e enfatizando a “pluralidade” das abordagens na Modernismo. Ele rejeitou qualquer abordagem redutora à arquitetura, procurando uma leitura mais abrangente, mesmo questionando a validade de qualquer categoria abrangente, como ‘Arquitetura Moderna’. Em vez disso, ele salientou que: [. . .] tradições arquitetônicas são ricas e complexas em sua profusão e qualquer tentativa de reduzi-los a alguma noção simplista de “moderno” ou “o verdadeiro estilo ‘seria míope e destrutiva. É obrigação do historiador para procurar a pluralidade de movimentos criativos e indivíduos onde ele pode encontrá-los, e explicar a sua criatividade.10 O primeiro capítulo de “Modern Movements in Architecture” foi dedicado a um levantamento das “seis tradições”, após o qual Jencks passou a examinar o trabalho de Mies, Gropius, Wright, Le Corbusier e Aalto, antes de voltar sua atenção para arquitetos americanos e britânicos contemporâneos a partir de Paul Rudolph, Louis Kahn e Robert Venturi para Alison e Peter Smithson e James Stirling. Também foram abrangidos um número de figuras internacionais como Niemeyer, Bakema, van Eyck, Rogers e Tange. Mais significativamente, este é o primeiro texto em que Jencks discutiu o trabalho de arquitetos que mais tarde iriam desempenhar um papel importante como “pós-modernistas”.

9    Jenks, C, e Kopf, K. (ed.). Theories and Manifestoes of Contemporary Architecture. 1997.Great Britain: Academy editions. pg 174. 10    Jencks, C. Modern movements in architecture. 1973. Harmondsworth ; Baltimore, etc: Penguin. pg. 27.

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Membros do Team X anunciando a morte do CIAM depois da ConferĂŞncia de Otterlo em 1959. Esquerda para a Direita: Peter Smithson, Alison Smithson, John Voelcker, Jacob Bakema, Sandy van Ginkel. Bottom: Aldo van Eyck, Blanche Lemco Fonte: Vincent Ligtelijn, editor. Aldo van Eyck: Works. Basel: Birkhauser Publishers, 1999.

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1.2: Team X e o Novo Brutalismo na Inglaterra Um manifesto, seja na arte ou na arquitetura, nasce com um desejo de evolução de algo prévio e pretende sempre ser um elemento agitador de ideias que refletem seu momento histórico. Eles buscam causas revolucionárias, muitas vezes tidas como utópicas. Na arquitetura existiram manifestos que deram origem a movimentos como o Moderno, e os textos de Le Corbusier como seus cinco pontos para a arquitetura, foram lidos e relidos por arquitetos ao longo do tempo. O Novo Brutalismo, nasce também de um manifesto, e com este pensamento em mente, Peter Smithson e sua mulher, Alison Smithson tentaram despertar a atenção dos arquitetos do seu país, fazendo-os voltar atrás no tempo para reconhecer o passado herdado pelos modernistas, avançando depois para uma maneira de olhar para o presente. Os Smithsons deixaram uma obra muito vasta de arquitetura e fizeram parte do chamado “Independent Group”, movimento artístico ocorrido em Londres na década de 50 que teve sua origem no London Institute of Contemporary Arts. O casal começa então, uma busca e grande estudo sobre o que deveria ser a habitação no seu tempo e espaço. Quando os Smithsons mudaram para Londres, no final da década de 1940, a destruição estava lá para todos verem. Os bairros bombardeados eram uma parte dominante da paisagem diária da cidade e prova viva da necessidade de habitação, e também de um melhor tipo de sociedade. O Independent Group deixou de se reunir no final de 1955, mas a colaboração criativa que estava por trás de seu sucesso continuou durante todo o tempo de vida de seus membros. No ano de 1953, quando os Smithsons foram eleitos para serem membros do CIAM IX (Congresso de arquitetura moderna), que ocorreu na França no verão daquele ano. Nele, eles questionaram a validade da Carta de Atenas, e iam contra mais precisamente sobre a inadequação das quatro funções (habitar, trabalhar, recreação e transporte) em registrar a particularidade da vida urbana. E propuseram, então, uma nova hierarquia para as associações humanas, o que eles chamaram de “Urban Re-identification”. Para eles: “1. Não há utilidade na consideração de uma casa a não ser como parte de uma comunidade, em função da inter-relação existente entre ambas. 2. Não devemos perder tempo codificando elementos de uma casa antes desta outra relação estar cristalizada. 3. O “habitat” diz respeito a uma determinada casa num tipo particular de comunidade. 4. Comunidades são iguais em todos os lugares: casas isoladas, vilas, cidades menores de diversos tipos (industriais, administrativas, especiais), cidades maiores multi-funcionais. 5. Isto pode ser mostrado em relação ao seu meio (habitat) na seção de Geddes Valley:

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6. Qualquer comunidade deve ser internamente conveniente – ter facilidade de circulação; ou seja, qualquer tipo de meio de transporte é válido, a densidade deve crescer de acordo com o crescimento da população; por exemplo, (1) é o menos denso e (4) é o mais denso. 7. Devemos, portanto, estudar a habitação e os agrupamentos necessários para produzir comunidades convenientes nos vários pontos da seção do vale. 8. A propriedade de qualquer solução deve ficar no campo da invenção arquitetônica mais que na área da antropologia social. “11 Do CIAM IX, surgiu então um grupo de jovens arquitetos que formaram o chamado Team X. Seguindo seu mútuo reconhecimento das criticas ao processo de pensamento arquitetônico e social do Movimento Moderno, e eles entendiam que era necessária a introdução das interrelações entre o homem e o espaço construído. E então, na revista Architectural Design de janeiro de 1955 publicado um artigo por Teo Crosby em que o autor se utiliza do termo “Novo Brutalismo” para descrever a arquitetura do casal Smithson, mais especificamente o projeto para a escola de Hunstanton, ponto divisor de águas na arquitetura do casal. Sobre o projeto, escreve o arquiteto americano Philip Johnson: É esta valorização dos materiais que terá levado à denominação de ‘brutalista’, mas agora deverá ser claro que esta não é meramente uma estética de superfície com extremidades não-alisadas e serviços expostos, mas uma filosofia radical que retorna à primeira concepção do edifício. Neste sentido, este é provavelmente o edifício moderno mais verdadeiro construído na Inglaterra, aceitando totalmente a carga moral que o Movimento Moderno coloca nos ombros dos arquitetos. 12 Nas primeiras linhas de seu artigo, Crosby cita Le Corbusier para o Brutalismo enquanto “um dos seus praticantes (começando com o ‘béton brut’ da Unité)” sendo associado à arquitetura japonesa, influência comum entre os jovens arquitetos e o “mestre” suíço. Esta influência é retomada, convocando Frank Lloyd Wright e Mies van der Rohe para sintetizar esta ligação com os materiais: “para os Japoneses, a forma fazia apenas parte de uma concepção geral da vida, uma espécie de reverência para o mundo natural e, a partir daí, para os materiais do mundo construído. “ O autor conclui dizendo: “É esta veneração pelos materiais — uma percepção da afinidade que pode ser estabelecida entre edifício e homem — que está na raiz do chamado Brutalismo”.13 11    Smithson, Alison (ed). Team X Primer. London: Studio Vista,1968. 12    Johnson, P. (1954, September). Modern Secondary School Competition, Hunstanton. Architectural Review 13    Crosby, T. The New Brutalism. (1955, January). Architectural Design.

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O concreto se tornou então, o material favorito por esses arquitetos e trouxe novas possibilidades e liberdade para a arquitetura. Por todo o país surgiam escolas, bibliotecas, habitações públicas, shopping centres e hospitais que eram construídos de maneira ousada e escultural em concreto bruto. Deve-se aqui, fazer uma distinção entre o conceito de brutalismo, e o movimento do “Novo Brutalismo” inglês, esse não nasce apenas como uma estética ou ética, mas como uma característica de um tempo e espaço específico onde havia uma grande insatisfação geracional dos jovens arquitetos ingleses do pós-II Guerra. E segundo Reyner Banham, sua primeira manifestação foi na Unité de Le Corbusier, como exemplo magistral e isolado. A herança dos arquitetos do Movimento Moderno, com especial incidência em Le Corbusier, é entendida como um ponto positivo do credo brutalista embora a diferença estivesse na ação dos ‘brutalistas’ que apresentavam “uma reação contra os métodos daqueles arquitetos que sabiam de cor todos os truques da arquitetura moderna mas que se esqueceram do que se tratava.”14 Para terminar o debate, havia dois pontos de vista que acabavam por se desencontrar: apesar de tudo, o caso de estudo era visto como uma reação importante, visto que não proliferavam discussões com o mesmo tipo de atitude — “há mais virtude no Brutalismo do que em 90 por cento da teoria de arquitetura que está a acontecer neste momento” — e do outro lado, “a confusão criada pela simplicidade e obscuridade que se encontram nas várias declarações feitas pelos Smithsons ”deixava os arquitetos e os críticos com a noção de que o tipo de reflexão comunicado por estes não tinha uma lista de objetivos concretos, acabando por ficar “muito vinculados aos seus manifestos.” No mesmo ano, o crítico Reyner Banham começa a teorizar o que ele chamou de “Novo Brutalismo” em um artigo escrito para a revista Architectural Review, retomando essa discussão e reivindicando por uma nova estética. O artigo começa com uma citação de Le Corbusier: “A arquitetura deve, com matériasprimas, estabelecer relacionamentos emocionais”, que já mostra a grande filiação que o movimento teve com o arquiteto suíço. Os Smithsons são abordados enquanto ponto de referência para a materialização do Brutalismo que nesta altura deixara “de ser um rótulo descritivo de uma tendência comum para a arquitetura moderna e, ao invés disso, tornou-se um programa, uma bandeira (...)”15, com os projetos da casa em Soho e da escola de Hunstanton servindo de fio condutor para as intenções teóricas de Banham que se seguiriam. A partir dessas análises, o autor chega a enumerar três qualidades, que para ele sintetizam o que representa um edifício Brutalista, sendo elas: “1. Memorabilidade enquanto uma Imagem; 2. Exibição clara da estrutura; e 3. Avaliação dos materiais pelas suas qualidades inerentes ‘as found’”.16 O uso do concreto como massa escultórica, alude então a uma valorização simbólica do peso e da opacidade em contraposição à leveza e à transparência que busca essa memorabilidade, e a incorporação de um discurso eminentemente autorreflexivo de modo a expor as marcas do processo construtivo (como as formas de madeira marcadas no concreto), evitando assim uma imagem desprovida de história e trabalho humano. Buscava-se uma realidade tectônica das formas e dos edifícios, de modo a construir uma estética que se mostrasse carregada de motivações éticas. Aquilo que os Smithsons chamavam de arquitetura do tornar-fazer. 14    Thoughts in progress: The New Brutalism. Architectural Design, (1957, April). p.112 15    Banham, R. (1966). The New Brutalism: ethic or aesthetic. 1966. Stuttgart and Bern: Karl Krämer Publishers. 16    Banham, R. (1955, December). The New Brutalism. Architectural Review.

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Urban Re-Indentification Grid: Alison e Peter Smithson fonte: The CIAM Discourse on Urbanism, 1928-1960. Eric Paul Mumford

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Com isso os arquitetos brutalistas encontraram valores e um certo encanto nos lugares e objetos que outros arquitetos consideravam como sendo feios, e concordavam que a beleza poderia emergir do projeto e da construção diretamente, para uma vida comunitária autêntica e não para uma versão sentimentalizada de como esta deveria ser. Mais do que apenas uma estética definida pelos materiais e métodos construtivos, os edifícios brutalistas demonstram uma preocupação com o habitat, o habitat construído total que abriga o homem e direciona seus movimentos, como também definiu Banham, conectando o Novo Brutalismo com outros pensamentos e ações progressistas fora do campo da arquitetura. O movimento muito se concentrou na domesticação de alguns conceitos sociais básicos residenciais e sociais derivados de Le Corbusier, partindo de protótipos corbusianos. Essa busca por um melhor habitat atinge seu pico em algumas obras do pós-guerra na Inglaterra. Dali em diante os Smithsons seriam parte do Team X até o seu fim, juntamente com John Voelcker, George Candilis, Alexis Josic, Shadrach Woods, Aldo van Eyck, Jaap Bakema, Giancarlo De Carlo, Van den Broek, Ralph Erskine, e Stefan Warweka. Os Smithsons se tornaram os membros mais ativos do Team X, na promoção, organização, publicação e definindo os temas para os encontros do grupo, e Alison Smithson se tornaria sua cronista não-oficial, através de suas publicações sobre o Team X, incluindo o Team X Primer (1962, reeditado em 1968) parte do prefácio de Team X Primer, editado por Alison Smithson, onde a arquiteta catalogou e reuniu o material discutido nas reuniões do Team X. Na Architectural Design, onde o Brutalismo fora proclamado oficialmente pelos Smithsons, as discussões começaram a ser preparadas com mais exatidão e, visto que as opiniões expostas durante 1955/56 não tinham originado artigos com um tipo de reflexão mais fundamentada, a redação decidiu criar um painel chamado “Thoughts in progress” em abril de 1957. Aqui, a identidade dos comentadores foi ocultada para que existisse uma certa imparcialidade, tentando concentrar a atenção nos problemas descritos, sendo que a primeira frase anunciava um sumario daquilo que era a situação presente neste momento em que “não é fácil descobrir o significado do Brutalismo, apesar de todas polemicas que tem provocado.” São então abordados vários tópicos, questionando as duas visões principais de Reyner Banham e dos Smithsons, podendo ser feita uma síntese desta analise em três pontos: a ausência de obra construída que serviria para fundamentar os pontos de vista, os elementos do suposto movimento que eram conhecidos e a sua importância para o momento presente que se vivia, dado que representava uma nova maneira de pensar a arquitetura no pós-guerra. Questionava-se então nesse momento, a validade do suposto movimento dado que sua grande fraqueza residia no fato “de existir uma grande literatura e de não muitos edifícios”17, o que era encarado como uma grave lacuna. Logo em seguida, esse argumento é posto a prova visto que “os Futuristas (...) não construíram nada, mas as ideias destes alcançaram e transformaram a totalidade do movimento moderno”18 — uma associação que já fora referida por Reyner Banham — mas acima de tudo, o problema estava na posição do arquiteto que, por vezes, se tornava “num conferencista a meio do processo de criação do seu edifício”.19 Rotulava-se o movimento como apenas um “estilo”, em que “os elementos especificados como sendo brutalistas, tais como os materiais não tratados e as instalações, tubos e conduites expostos, não acrescentam nada à discussão (...)”.20 17    Thoughts in progress: The New Brutalism. Architectural Design, (1957, April). p.111 18    Ibidem, p.111 19    Ibidem, p.355 20    Ibidem, p.111

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Alison and Peter Smithson, Secondary Modern School, Hunstanton (1949-54), Alison and Peter Smithson, The Charged Void- Architecture, New York 2001; S. 56

Arquitetos Alison e Peter Smithson. Ano desconhecido. fonte: http://www.archdaily.com

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Depois de todo este escrutínio, a redação da revista deu aos Smithsons a oportunidade para responder às criticas feitas. Como já se tornara habitual, dão um testemunho curto, onde não tomam nada como garantido, preocupando-se mais com uma tomada de posição forte do que propriamente com um conjunto de justificações. No último parágrafo, não escondem a origem e fecham a discussão como se estivessem a revelar a solução para por de lado todas as incertezas expostas pelo painel: Qualquer discussão acerca do Brutalismo perderá a razão se não considerar a tentativa do Brutalismo em ser objetivo sobre a ‘realidade’ — os objetivos culturais da sociedade, os seus impulsos e assim por diante.
O Brutalismo tenta lidar com uma sociedade de produção em massa e obter uma poética rude das forças poderosas e confusas que estão em ação. Até agora, o Brutalismo tem sido discutido estilisticamente quando a sua essência é ética.21 Esta insistência por parte dos Smithsons em tentar estabelecer a melhor maneira de olhar para o Brutalismo pode ser vista como uma continuação do seu manifesto no editorial da Architectural Design em 1955, havendo aqui uma maturidade de raciocínio e também uma reformulação das ideias-base. A partir desta negação de um estilo ou de uma moda, percebe-se claramente que os Smithsons transformam de vez o mote inicial do Brutalismo, passando assim da veneração pelos materiais para a responsabilidade inerente na construção do habitat. Essa posição dos arquitetos e as relações que este pode estabelecer entre diferentes materiais, mostra um discurso muito objetivo em volta do pensamento ligado ao contexto do pós-guerra e aa dificuldade que se sentia nestes anos de reconstrução do território: Um arquiteto moderno não pensa numa teoria para a construir em seguida; juntamse os edifícios e as teorias à medida que se avança. A teoria evolui, uma decisão tomada há cinco anos atrás será uma decisão completamente diferente da que se tomou hoje. O objetivo-base dos materiais “as found” não implica uma rejeição do mármore, do reboco e do aço inoxidável. Sejamos francos, podemos obter um efeito imediato a partir do material mais simples.22 No ano de 1966, o autor Reyner Banham publica o livro “The New Brutalism: ethic or aesthetic? “. Esta era uma oportunidade para Banham sintetizar certos aspectos que tinham sido discutidos nos últimos anos bem como inserir novos dados ou atualizações. O livro apresenta mais de 60 obras que o autor chama de brutalistas (projetadas entre 1945 e 1963) e começa pela origem do termo e motivação do suposto movimento como os textos dos Smithsons bem como a sua relação com Teo Crosby e a Architectural Design entre 1953 e 1957. Ele compreende o interesse relativamente dado aos materiais, dado que era um critério brutalista desde o primeiro minuto, mas os argumentos são insuficientes para perceber o que estava realmente na linha de pensamento dos arquitetos em 1955: Como tantos outros arquitetos do seu tempo, estavam tentando observar o mundo como um todo e vê-lo como verdadeiro, sem a interposição de categorias políticas esquemáticas, noções ‘progressistas’ ou preferências estéticas pré-fabricadas.23 21    Smithson, A., & Smithson, P. (1957, April). The New Brutalism: Alison and Peter Smithson answer the criticisms on the opposite page. Architectural Design, p.113 22    Smithson, A., Smithson, P., Drew, J., & Fry, M. (1959). Conversation on Brutalism. Zodiac, 4, p.74 23    Banham, R. (1966). e New Brutalism: ethic or aesthetic?, p.134

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Inevitavelmente, as últimas posições assumidas sobre o Brutalismo por parte dos Smithsons, onde a ‘ética’ prevalece sobre a ‘estética’, são revistas por Banham que considera que a “reforma do urbanismo” defendida por estes tomara conta do seu pensamento da mesma maneira que a ‘Art-Brut’ tomara conta das pessoas que começaram a associar o Brutalismo a esta prática artística.24 Assim, contrariando suas expectativas artísticas revolucionarias, Banham afirma no livro que o Brutalismo apenas vestia com trajes discursivos de ética progressista uma arquitetura de estética conservadora, e declara o movimento como terminado. O Brutalismo (ultrapassada agora a fase do Novo Brutalismo) havia se tornado “um idioma, um estilo vernacular; uma estética suficientemente universal para expressar uma variedade de humores arquitetônicos, mesmo tendo perdido algo de seu fervor moral que havia iluminado suas pretensões iniciais de ser uma ética”.25 Depois deste período, Reyner Banham voltou-se para outras áreas da arquitetura que o interessavam, enquanto o autor enquanto Charles Jencks desenvolvia a sua pesquisa em torno daquilo que batizou de PósModernismo, algo que Banham considerava como sendo um assunto “sem autenticidade e integridade”.26 A discussão em volta do Pós-Modernismo difundida por Jencks a partir do seu livro “The Language of PostModern Architecture”27 parecia ter a mesma premissa do Brutalismo no que tange à atitude que é assumida, como refere William Curtis: “tal como o seu antecessor, o Brutalismo, o Pós-Modernismo era um conjunto vago de aspirações (ou, de qualquer forma, rejeições) mais do que propriamente um diagrama para um estilo definido”.28 Banham, embora não compartilhando o entusiasmo em volta deste novo cânone, declarava em 1975: “a arquitetura moderna está morta! Longa vida à arquitetura moderna!”.29

O livro de Reynar Banham, “O Novo Brutalismo: Ética ou Estética?” (1966)

Le Corbusier, “Por uma nova aquitetura” (1952)

24    Ibidem, p.47 25    Ibdem, pg 97. 26    Whiteley, N. (2002). Reyner Banham: historian of the immediate future, p.273 27    Jencks, C. (1977). e language of post-modern architecture. New York: Rizzoli. 28    Curtis, W. J. R. (1982). Modern architecture since 1900, p.376 29    Banham, R. (1975). Age of the masters: a personal view of modern architecture, p.6

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1.3: Habitação: os conceitos de habitar e “dwelling” Todo ser humano tem uma necessidade inata de construir e definir um lugar. Essas necessidades básicas moldam as relações que todas as pessoas têm com o seu lugar. Todas essas ações se reúnem no termo em inglês dwel, que pode ser traduzido como “habitar”. Ao explorar o habitar, os teóricos buscam uma razão para a necessidade inata de construir, marcar território e criar um relacionamento físico com o meio ambiente. Ao longo do trabalho da teoria arquitetônica moderna, um foco e análise aprofundada do ambiente construído acredita a capacidade de habitar com elementos concretos. A forma, a estética e a organização do ambiente construído se tornam parte de como uma pessoa habita. O corpo de escritos sobre o habitar como um estado de ser, exprime completamente o “Como?” habitar, mas devemos nos perguntar também “Por quê?”. Por que é importante explorar como nós como seres humanos podemos morar em um lugar? No presente trabalho, por exemplo, busca, então, trazer um olhar sobre os efeitos humanos e sociais da arquitetura do pós-guerra na Inglaterra, e se questionando: o que esse “habitar” representa para seus moradores? De acordo com o arquiteto Norberg-Schulz, que estuda o conceito de “dwelling”30 (construir-morar-habitar) heideggeriano a habitação moderna, portanto, reflete especialmente bem o caos social e cultural do nosso tempo. A noção de sociedade, provavelmente, tem de ser expressa por meio de uma certa uniformização das habitações, enquanto a casa individual, ‘sob medida’ de acordo com o gosto do cliente, tem necessariamente uma influência negativa sobre a comunidade. Uma certa uniformização das habitações a salientar o seu carácter utilitário, expressa apenas indiretamente essa noção. Para ele, a moradia particular, tal como se manifesta na casa, apresenta uma identidade pessoal e um centro íntimo para orientação. Como um local de retirada, a casa permite ao morador a deixar as complexas relações com o mundo exterior e recuperar nela, a sua identidade individual. Já Heidegger propõe que a construção cria um meio para atingir um estado de moradia como um fim. No entanto, o valor da habitação, de encontrar um lugar, não vem garantida com o construir. E para o autor a crise propriamente dita do habitar não se encontra, primordialmente, na falta de habitações. Ela é, além disso, mais antiga do que as guerras mundiais e as destruições, mais antiga também do que o crescimento populacional na terra e a situação do trabalhador industrial. A crise propriamente dita faz com que os homens tenham sempre que buscar a essência do habitar, e devem primeiro aprender a habitar. Essa essência tem sua plenitude em edificar espaços mediante a suas articulações, e deve ser uma reatualização sistemática ao longo do tempo entre o habitar e o construir.31 Para ele, a referência do homem aos lugares e através dos lugares aos espaços repousa no habitar. Não só a relação entre lugar e espaço como também o relacionamento entre o lugar e o homem que nele se demora residem na essência dessas coisas assumidas como lugares. (...) Por um lado: como o lugar se relaciona com o espaço? por outro: qual a relação entre o homem e o espaço? 32 Torna-se importante também, entender o conceito de lugar no ideário arquitetônico-urbanístico, visto que nas 30    Norberg-Schulz, C. The Concept of Dwelling: On the Way to Figurative Architecture. 1985. Electa. 31    Heidegger, M. Construir, habitar, pensar. 1954. Vortäge und Aufsätze, G. Neske, Pfullingen. 32    Ibdem. Pg, 7

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bases teóricas do movimento do Team X e do Novo Brutalismo na Inglaterra - no qual se procurava devolver às estruturas urbanas uma nova vitalidade e uma nova dimensão do humano pautada por valores culturais, antropológicos e psicológicos - houve uma retomada do interesse pelo assunto, como afirma Nesbitt: No caso da teoria arquitetônica pós-moderna, é também adotado um posicionamento forte em relação à cidade como um artefato cultural, e a lugar, no sentido fenomenológico. Ainda que muitos desses temas também caracterizassem a teoria arquitetônica do período anterior, pode- se argumentar que tanto o lugar como o corpo não eram reconhecidos no Movimento Moderno, por causa do enfoque que visava acomodar o coletivo acima do individual, expresso numa linguagem universal(...) 33 Podemos compreender então, que o lugar, se enquadra num enfoque fenomenológico, ou seja, nota-se uma variação no enfoque que o ideário urbanístico dá ao lugar. Nessa aproximação entre a arquitetura e fenomenologia, temos os textos do arquiteto Norberg-Schulz, que faz suas ponderações sobre a obra de Heidegger, e escreve então, sobre o tema do lugar. Ele conceitua lugar de modo a considera-lo como algo mais do que uma mera localização espacial: Sendo totalidades qualitativas de natureza complexa, os lugares não podem ser descritos por meio de conceitos analíticos “científicos”. Por princípio, a ciência se abstrai de dados para poder alcançar a neutralidade de um conhecimento “objetivo”. O que se perde com isso, entretanto, é o cotidiano, que deveria ser o real objeto de preocupação do ser humano, em geral, e, de arquitetos e planejadores, em particular. Felizmente, há uma saída para o impasse, qual seja, o método conhecido como fenomenologia. 34 É claro com a leitura, a aproximação entre o “everyday life-world” mencionado pelo autor, e os chamados de fenômenos cotidianos, de registro tão crucial para o acerto das decisões urbanísticas, como afirmam autores de acentuado teor humanístico, como De Certeau, e os próprios Alison e Peter Smithson; no âmbito das suas propostas desenhadas e no contexto da sua obra Urban Structuring. Os aspectos físicos do organismo urbano, entendido à escala das suas diversas apropriações ou vivências, com os aspectos “extra-físicos” inerentes a um eventual “princípio vital” do “organismo urbano”, aspectos que no âmbito da sua análise se poderiam relacionar com os aspectos culturais, antropológicos e psicológicos do Homem inserido no seu grupo social. Para as análises do lugar devem-se levar em conta então, segundo os Smithsons, as noções de associação, identidade, padrões de crescimento, cluster e mobilidade, o que levariam a uma visão holística do fenômeno urbano, articulando os seus aspectos físicos e culturais. Neste contexto, Alison e Peter Smithson defendiam que “...o objetivo do urbanismo é compreensibilidade. A comunidade é por definição, algo compreensível, a compreensibilidade deverá, portanto, ser uma característica das suas partes. As subdivisões existentes na comunidade deverão ser pensadas enquanto ‘unidades de estudo’. Uma unidade de estudo não é um ‘grupo visual’ ou um ‘bairro’, mas sim parte de uma aglomeração humana passível de ser ‘sentida’...”35. Assim, numa sociedade caracterizada por uma crescente mobilidade e 33    Nesbitt, Kate (ed.). Theorizing a New Agenda for Architecture. An Anthology of Architectural Theory 1965-1995. Nova York: Princeton Architectural Press, 1996. pg. 40. 34    Norberg-Schult, Christian. The Phenomenon of Place (Publicado originalmente em Architectural Association Quarterly 8, No.4, 1976. Pg. 415. 35    Alison & Peter Smithson; Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson; Studio Vista Ltd.; London, 1967; p. 20.

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pela emergência de um fenómeno de rápida globalização, as reflexões apresentadas em Urban Structuring propunham-se a entender e “construir” um novo conceito de comunidade a partir de uma hierarquia de elementos interdependentes, nos quais procurariam expressar e interrelacionar os diversos níveis elementares ou arquetípicos de “associação” – a “casa”, a “rua”, o “bairro” e a “cidade”. Portanto, o peso fenomenológico que o conceito encerra vê-se consideravelmente aumentado: lugar é consagrado como conceito urbano de natureza fenomenológica. A cidade, percebida por suas características de produção de bens e serviços é, também, percebida por suas características de produção de experiências humanas. Experiências que se processam em uma rede de lugares: lugares que se preocupam com humanismo e com a concretização do espaço existencial, de que fala Norberg-Schulz. A partir dessa perspectiva, a arquitetura residencial do Novo Brutalismo, passa a ser compreendida como um fenômeno. As suas narrativas de construção que representaram uma ética defendida por seus arquitetos, contrastam, com as narrativas de apropriação e de habitar na contemporaneidade, onde a apropriação dos espaços e seus usos, ocupações e vivencias se configuraram e materializaram nosso tempo. Portanto, o que podemos dizer que constitui o habitar de um edifício brutalista construído num contexto temporal especifico, e este pode configurar-se como um lugar de identidade individual, apropriação e reconhecimento por seus moradores?

House of the Future, Ideal Home Show, 1956 Alison and Peter Smithson

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2.0: construindo novos paradigmas: Inglaterra apรณs 1945


2.1: Inglaterra no pós-guerra Para compreender o caráter da discussão no Reino Unido e a importância da construção e reconstrução no período histórico relativo ao presente caso de estudo, é necessário observar, por um breve momento, o contexto que se sucedeu imediatamente após o termino da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Winston Churchill, que fora primeiro-ministro durante a guerra, havia conseguido um forte apoio popular que possivelmente o manteria no cargo pelo Partido Conservador, mas nas eleições de 1945, que aconteceram imediatamente após a rendição da Alemanha e do anunciado fim do conflito, Clement Attlee vence pelo Partido Trabalhista com o slogan “Let Us Face the Future” (enfrentemos o futuro) sendo assim eleito com a promessa de restabelecer os países do Reino Unido a partir da reforma social necessária e da reconstrução das cidades mais atingidas. Nos anos seguintes, com as mudanças no campo da saúde e na tentativa de assegurar a empregabilidade, o estado de bem-estar (Welfare State) é implementado e, com ele, a necessidade urgente de planeamento urbano, leva a uma “oportunidade de construir escolas, hospitais e habitações”36 ao mesmo tempo que garantia “uma ideia social a qual os arquitetos não eram cegos”.37 Deve existir o devido equilíbrio entre o programa de habitação, a construção de escolas, as necessidades urgentes de modernização das fábricas e a construção que permita à indústria produzir de forma e ciente. A habitação será um dos maiores e também um dos primeiros testes da verdadeira determinação de um Governo, de modo a colocar a nação em primeiro lugar.38 Como é demonstrado no manifesto do Partido Trabalhista lançado durante a campanha, o futuro da habitação estava assente num carácter de urgência, constituindo uma questão nacional que não poderia ser deixada para segundo plano. Esta questão foi determinante para os arquitetos que, na sua maioria, foram associados de imediato à política governamental o que, “em termos políticos, significava que individualismo, expressão e ‘Arte’ seriam negados em nome do estado - providência, economia e ‘serviço social’. “ Desde o início ficou claro que a reconstrução envolveria muito mais do que simplesmente reconstruir o que havia antes. O bombardeio e a guerra ofereceram a chance de uma mudança radical. A experiência da Guerra aumentou a sensação de que não era suficiente apenas evitar a derrota. Era importante que as pessoas acreditassem que eles estavam lutando para conseguir algo positivo. No contexto do pós-guerra, a questão da habitação se tornou crucial na Inglaterra. A Segunda Guerra Mundial deixou no país grandes áreas completamente destruídas, no período entre os meses de Junho e Setembro de 1944, um numero de 150,000 casas foram impactadas por bombardeios na região de Londres e Kent. Apenas no bairro de Finsbury, ao norte de Londres, um total de 18% de sua área tinha sido bombardeada, e no ano de 1945 haviam sido danificadas ou destruídas 91% de suas unidades habitacionais. 39 O governo, em frente a uma grande crise habitacional, começou um amplo programa para reconstruir a nação. Cheio do otimismo do pós-guerra a maioria foi construída pelo London City Council (LCC), órgão do governo britânico, com intuito de alugar a famílias de baixa renda. O LCC chamou arquitetos renomados 36    Curtis, W. J. R. (1982). Modern architecture since 1900, p.317 37    Ibidem, p.529 38    Manifesto do Partido Trabalhista nas eleições de 1945 [online]. Disponível em http://www.politicsresources.net/area/uk/man/lab45.htm 39    Bullock, N. Building the Post-war World: Modern Architecture and Reconstruction in Britain. 2002. Psychology Press

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Cartaz da exposição “Rebuilding Britain”, Julho 1943

“Let’s Build The Houses Quick” — Cartaz da campanha feita pelo Partido Trabalhista em 1945

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como Berthold Lubetkin e Ernö Goldfinger para projetar um novo futuro em habitações modernas, com todas as conveniências da nova era que começava. Muitos desses arquitetos eram imigrantes da Russia ou Hungria, por exemplo, e trouxeram ideais radicais influenciados pelas teorias de Le Corbusier, tanto em termos estéticos quanto sociais. A habitação social em altura foi objeto de debate na Grã-Bretanha desde o início da construção de habitação subsidiada pelo Estado, mas sempre causou uma polarização entre os designers de habitação e seus provedores, e demorou para conquistar suporte sólido de seus inquilinos. De fato, a preferência nacional por casas de no máximo 2 andares com jardins distingue a Grã-Bretanha (particularmente a Inglaterra e o País de Gales) de outros países europeus. A habitação em altura é um tema complexo, colocando ainda questões inadequadamente respondidas sobre as razões complexas para sua adopção e os muitos contextos diferentes para essas decisões. No período após a Segunda Guerra Mundial, principalmente durante os chamados de “longos anos 1940”, arranha-céus foram adotados pelo governo para construir habitação social em áreas destruídas pela guerra. A importância de Le Corbusier para o pós-guerra britânico teve especial influência nos arquitetos do nessa reconstrução, tanto como nos estudantes da época. O imaginário e o modus operandi dos profissionais ingleses desenvolvia-se a partir dos projetos e publicações do arquiteto suíço, movimentados para referências cada vez mais fixas. De modo a levar a cargo as exigências formais dos vários projetos que eram feitos, a figura de Le Corbusier era representativa da urgência de novas soluções e métodos para os problemas vigentes, que também existiam nas cidades francesas onde este trabalhava. Neste período, aconteceram em Londres duas palestras do arquiteto em questão: a primeira, na AA (Architectural Association) em 1947, com o intuito de discutir a proporção áurea e a sua implicação na arquitetura e a segunda, no mesmo local, em 1953, quando ele recebeu a RIBA Royal Gold Medal pelo seu trabalho, onde falou principalmente da ‘Unité d’Habitation’ de Marselha, que tinha sido terminada no ano anterior, considerando-a como uma influência pronta a ser assimilada pelos profissionais do pós-guerra. A reação a esta tentativa de suprimir a evolução da arquitetura, é um aspecto dominante do contexto britânico na década de 1950, sendo várias as tentativas por parte da nova geração em estabelecer novos modelos e em romper com aqueles que lhes eram sugeridos, como refletidos nas teorias e textos de Alison e Peter Smithson, estudados no primeiro capitulo do presente trabalho.

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2.2: Londres e o plano de Abercrombie: o caso do London City Council Londres continuou a expandir-se rapidamente após a 2a Guerra Mundial, como crescia antes da guerra. O Plano de Abercrombie para Greater London de 1944, foi desenvolvido para aproveitar a oportunidade de reconstruir os danos causados pelos bombardeios da Blitz. A cidade sempre se arrependeu em não incorporar o plano de Christopher Wren para a reconstrução após o Grande Incêndio que aconteceu trezentos anos antes.40 O plano de Wren tinha sua base em avenidas monumentais com uma grade formal e grandes edifícios clássicos. O plano de Abercrombie foi destinado a controlar a expansão da cidade através da criação de cinturões verdes com oito quilômetros de largura, como áreas de amortecimento, ligando por vias arborizadas comunidades controladas autossustentáveis planejadas em torno da cidade – a estratégia das “New Town” da Grã-Bretanha.41 Estas iriam criar novas habitações, indústrias e instalações de apoio e infraestrutura para a comunidade. Este conceito foi desenvolvido para acomodar a crescente população urbana da Grã-Bretanha e resolver o problema do congestionamento do tráfego e as condições de vida insalubres na cidade de Londres. Esta concepção de alívio da congestão no centro das cidades e crescimento controlado da cidade foi baseada nos princípios do movimento Garden City a partir da virada do século XIX por Ebenezer Howard. O plano de Howard afirmava que cada comunidade satélite iria abrigar 32.000 pessoas em 6.000 acres, com base em um padrão concêntrico com espaços abertos, parques públicos e principais avenidas radiais que emanariam do centro. Seriam autossustentáveis e ao atingir o máximo de população, uma nova cidade ao lado seria criada. Haveriam várias cidades-jardim como apêndices de uma cidade central de 50.000 e ligadas por um sistema rodoviário e ferroviário. O Plano de Abercrombie, trouxe como resposta aos problemas as encontrados na época, e à luz do zoneamento funcional que revigorava nas teorias modernistas, onde predominam as zonas monofuncionais, criando um afastamento entre habitação e industrialização, propunha que na área correspondente à City se mantivesse , apenas, os edifícios comerciais e financeiros, sem possibilidade de fixação de residência, considerando, ainda, os serviços mínimos para o seu funcionamento: polícia, correios, hospitais, etc. A população trabalhadora seria alojada em subúrbios, periféricos à City, ainda na área da Grande Londres. A City of London deveria ser apenas um destino de trabalho, onde se chegava facilmente através de transportes públicos, e funcionaria como uma grande indústria administrativa.42 Dos planos de Abercrombie o que podemos retratar, por constituir uma influencia determinante para os projetos discutidos no capitulo seguinte do trabalho, é, como David Heathcote indica, uma nova interpretação da divisão do espaço urbano e como esse aspecto produz efeito no modo de vida de milhares de pessoas diariamente43. Com o desenrolar do presente estudo iremos perceber concretamente em que medida esta condição se aplica, como acontece, desde logo, no plano especifico para a City of London, de William Holford e Charles Holden, urbanistas ao serviço da City Corporation e do LCC desde 1946. O plano de Holford e Holden, tinha uma grande influencia do plano de Abercrombie. Ele mantinha o uso predominantemente comercial da área da City of London, porém acresceria também sua população residente, que seria alojada em pequenos desenvolvimentos residenciais na zona do Barbican e de Bridgewater Square. 40    Cantacuzino S, 1973, Model for a Short-Lived Future, Architectural Review, V.154, pp.66-90. 41    Abercrombie P. 1944, Greater London Plan 1944, His Majesty’s Stationery Office. 42    Heathcote, David. Barbican, Penthouse over the City. England: John wily & Sons Ltd., 2004, p. 43. 43    Ibdem. pg. 45.

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Mapa social e funcional de Londres. Plano de Abercrombie fonte: Abercrombie P. 1944, Greater London Plan 1944, His Majesty’s Stationery Office.

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Alison e Peter Smithson - Robin Hood Gardens (1966-1972)

O colapsso do edifício Ronan Point fonte: highrise.eca.ed.ac.uk

Conjunto “Alton West” foto: Simon Phipps

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Em 1955 o “London City Council (LCC)” empregava uma equipe de mais de 5.000 em seu departamento de arquitetura.44 Durante este período, a construção de empreendimentos como “Alton East” e “Alton West” no sudoeste de Londres, muitos elogiavam o esforço que o LCC colocava na habitação, e acabou ganhando reconhecimento internacional por projetos inovadores de habitação. Em 1965, o LCC foi convertido no “Greater London Council (GLC)”. A Lei do Governo de Londres de 1963, dividiu a cidade de Londres em menores, distritos semi-autônomos, que teve como consequência dar um mais amplo alcance ao conselho, mas com menos poder de agir por conta própria. A mudança resultou em um aumento significativo na produção de habitação, que subiu 55% em relação ao período de 1964-1967. Após a guerra, o país todo voltou-se para Londres como exemplo nítido do que deveria ser o processo de reconstrução das cidades. O Departamento de Arquitetos do London City Council (LCC) insurgiu-se enquanto instituição crucial para fazer face aos problemas impostos, sendo a falta de habitação o principal — estando esta associada a uma extensa área destruída e ao grande numero de combatentes que voltavam para as cidades sem onde se restabelecer. O LCC foi então, ”num sentido bem real, responsável pela aprovação, em termos de planeamento, estrutura, segurança e, numa menor extensão, estética, de todas as obras construídas dentro do Condado de Londres. Era uma máquina todo-poderosa e o principal empregador de jovens arquitetos.”45 Segundo os estudiosos, uma divisão teórica existia nos anos 1950 e 60 referente a melhor forma de implementar as políticas de habitação e executar novos planos de habitação. Nicolas Bullock vê esta divisão em termos de “pragmáticos e idealistas”, enquanto Royston Landau discute a questão como “a dialética empírico-formalista, representada pela arquitetura das “New Towns” contra a arquitetura Brutalista.46 Para Bullock, a divisão entre pragmáticos e idealistas é ilustrado no comissionamento de dois desenvolvimentos habitacionais muito diferentes por parte do LCC: o arranha-céu Ronan Point (1966-1970) e o Robin Hood Gardens (1966-72). O edifício Ronan Point foi construído rapidamente e mais barato com painéis pré-fabricados, e destina-se a abrigar mais de 650 famílias.47 O conjunto ‘Robin Hood Gardens’ dos Smithsons, por outro lado, tinha uma menor densidade, com edifícios mais baixos e apenas 214 apartamentos, e representou uma abordagem mais idealista.

44    Nicolas Bullock, “Building the Socialist Dream or Housing the Socialist State? Design versus the Production of Housing in the 1960s,” 324. 45    Henket, H.-J., & Heynen, H. (2002). Back from utopia: the challenge of the Modern Movement, p.118 46    Bullock, “Building the Socialist Dream,” 324. Landau, New Directions in British Architecture (New York: George Braziller, 1968), 39. 47    O edifício Ronan Point é conhecido por seu colapso parcial em 1968, quando uma explosão de gás matou quatro pessoas e feriu dezenas, levando muitos a questionar o custo de construção rápida e barata.

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2.3: Popularização e repercussão O Novo Brutalismo teve um impacto poderoso e abrangente na arquitetura britânica do século XX. Mais do que isso, entre o final dos anos 1940 e os anos 1970, o Novo Brutalismo tentou estabelecer uma arquitetura ética condizente com o pós-Segunda Guerra Mundial na Grã-Bretanha. Por esta razão, tornou-se um estilo popular para edifícios públicos, incluindo a habitação social. Como figuras centrais associadas com a brutalismo inglês, Alison e Peter Smithson e seu projeto, Robin Hood Gardens (1966-1972) em Tower Hamlets, Londres, será a figura em grande parte nesta narrativa. Embora terem completado relativamente poucos projetos, os seus planos e escritos eram fundamentais para o estabelecimento da ética e estética do movimento, como já discutido no capitulo anterior do presente trabalho. Em 1952, Alison e Peter Smithson apresentaram uma proposta para o Golden Lane Housing Estate a ser construído em um terreno bombardeado durante a II Guerra Mundial, em Londres. As fotomontagens produzidas para o concurso de arquitetura, revelam muitas das suas filosofias e visões artísticas, que, para o Smithsons, constituíram uma ruptura com a arquitetura modernista da época. Nessas colagens, nos vemos a ética do “tornar fazer” e do “as found” do Novo Brutalismo materializadas com uma sensibilidade artística quase pop art. De acordo com os Smithsons, os arquitetos na Inglaterra devem fazer um balanço da realidade pós-guerra e fazer uso de materiais à sua disposição. O conceito do “as found” ou “como se encontra”, em seu pensamento significava olhar para materiais e as formas em seu entorno imediato como um estímulo para criação. Da mesma forma, a noção do conceito de “fazer ver” vem da experiência de escassez e destruição do tempo da guerra. Em seu livro “New Directions in British Architecture”, Royston Landau discute a divisão entre abordagens de projeto entre os chamados “Novos Empiristas” e “Novos Brutalistas”, dois movimentos que buscavam a reconstrução no pós-Segunda Guerra Mundial, na Grã-Bretanha. A partir de 1945-1951, os anos imediatamente a seguir à guerra, dez “New Towns” foram fundados em Inglaterra, com sete em municípios vizinhos a Londres. Estas cidades foram pensadas como centros de baixa densidade para as famílias, e tinham suas bases na tradição Garden City, com moradias construídas frequentemente no estilo sueco: paredes de tijolos e telhados de baixa inclinação. Landau refere-se a este modelo como o estilo “New Empiricist” para a sua referência a formas tradicionais europeus e ao Novo Brutalismo como o “movimento formal anti-empírico de certos jovens arquitetos dos anos cinquenta...” Landau escreve sobre a natureza dialética do debate sobre como construir no pós-guerra britânico: O trabalho dos arquitetos anti-empiristas era chamar a atenção para as prioridades conflitantes das duas posições principais na arquitetura deste período. O problema tradicional da arquitetura oficial (derivado das tradições sociológicas de Robert Owen e Ebenezer Howard), o ato de criar uma arquitetura “física” tende a tornar-se apenas um acessório para o interesse central da descoberta e definição do problema precisamente. Mas a tradição formal (grande parte do movimento moderno) viu a arquitetura como objeto de preocupação, e o problema só como algo que precisava ser entendida tão bem quanto possível, e não de natureza a ser a questão central.48 48    Royston Landau, New Directions in British Architecture, pg. 19.

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Collagens dos Smithsons’ para o Golden Lane, 1952-53. Fonte: Ben Highmore, “Streets in the Air: Alison and Peter Smithson’s Doorstep Philosophy” in Neo Avant-garde and Postmodern: Postwar Architeture in Britain and Beyond, New Haven: Yale University Press, 2010.

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Enquanto o conjunto Robin Hood Gardens estava sendo construído, a percepção acadêmica e pública estava mudando. Em 1966, Reyner Banham publica seu livro: “O Novo Brutalismo: ética ou estética?” Banham, que tinha anunciado a chegada do Novo Brutalismo como um movimento arquitetônico onze anos antes, aqui escreveu seu epitáfio. Nas páginas finais, intituladas “Memórias de um sobrevivente”, Banham discute seu ensaio anterior, “The New Brutalism”, como o sua própria “tentativa como de um pai de um animal de estimação”49 de enaltecer o movimento. Em 1955, Banham estava vislumbrado pelas possibilidades do novo movimento e do trabalho de arquitetos como os Smithsons. De acordo com os Smithsons, sua arquitetura representou uma “atitude completamente nova e uma estética não clássica.” No entanto, em 1966, Banham anunciou claramente que o Novo Brutalismo tinha acabado: Os trabalhos recentes de Stirling e Gowan, ou os Smithsons, mostram muito menos urgência de ética ou estética do que no final dos anos cinquenta. O edifício The Economist dos Smithons ‘ou (mais precisamente) cluster, uma vez que é composto por três edifícios em um único pódio, é uma obra de moderação estudada. Ela pode oferecer uma visão de uma nova estrutura da comunidade, mas o faz sobre a base de um plano como a acrópole grega antiga... Longe de ser um exemplo de uma “outra” arquitetura, este é um exercício do poder humano dentro de uma grande tradição.50 Aqui Banham argumenta que Brutalismo nunca foi capaz de se libertar de olhar para trás. Como exemplo, o Brutalismo procurou lidar com o congestionamento moderno, separando o tráfego de pedestres e de automóveis, mas ao fazê-lo apenas recriou cidades pedestres anteriores. Ele, portanto, nunca foi capaz de separar “a mente e o corpo que sempre pertenceu a arquitetura.” Em última análise, no entanto, Banham argumenta que é melhor para uma arquitetura tomar uma posição ética e falhar, do que nunca tomar uma posição. Banham fecha seu livro, escrevendo: Eu não faço nenhuma pretensão de que eu não estava seduzido pela estética do brutalismo. Mas a tradição persistente de sua posição ética, a persistência da ideia de que a relação das partes e materiais de um edifício são uma moral de trabalho; isso, para mim, é a validade permanente do Novo Brutalismo.51 Se Banham declarou a morte do Brutalismo Inglês no meio acadêmico, no final da década de 1970, ele tinha também tornado difamado na mídia e opinião pública em geral. Sua reputação era de uma arquitetura “feia”. A estética passou a representar todas as falhas do governo no qual ele foi originalmente destinado a restaurar a fé. Na cultura popular, Brutalismo tornou-se associado com os males sociais e falha do governo. As raízes deste sentimento anti-brutalista são expressos pelo curador, Michael Kubo na edição de 2013 da revista “Clog”: A redução do Brutalismo a um rótulo estilístico exclusivamente associado com concreto coincidiu com a mudança de atitudes em relação ao governo e o declínio do investimento do Estado no domínio público. Originalmente visto para refletir 49    Banham, The New Brutalism: Ethic or Aesthetic?, pg. 134. 50    Ibidem, pg. 134. 51    Ibidem, pg. 135.

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as atitudes democráticas de uma expressão cívica poderosa - autenticidade, honestidade, franqueza, força; a natureza vigorosa da estética brutalista, eventualmente, passou a significar precisamente o oposto: a hostilidade, a frieza, a desumanidade... Brutalismo tornou-se um pejorativo por demais fácil, um termo que sugere que estes edifícios foram projetados com más intenções.52 Este sentimento descrito por Kubo claramente ecoou na escolha de Stanley Kubrick do Centro de Conferências da Universidade Brunel como o centro médico Ludovico no filme Laranja Mecânica (1972). Esta construção foi escolhida como o local onde o anti-herói Alex é tratado, de acordo com as ordens do estado, com a “Técnica Ludovico” - uma terapia em que um paciente é submetido a imagens violentas por longos períodos de tempo, a fim de criar um forte aversão física para a dor que ele já havia infligido a outros. Kubrick também filmou algumas das cenas mais emblemáticas do filme nas proximidades Thamesmeade Estate, em Londres. A escolha do cenário sinaliza a crescente percepção cultural da arquitetura brutalista como apenas isso: brutal. Para Kubrick em Laranja Mecânica, o meio arquitetônico é a mensagem. Outra representação negativa do movimento na cultura popular pode ser lido no romance distópico “Highrise” por J. G. Ballard, publicado em 1975. No final de 1970, durante um período de alta criminalidade no arranha-céu Trellick Tower, de Erno Goldfinger em Londres (edifício similar a Balfron Tower, que será aqui estudado no próximo capitulo), é dito ter inspirado Ballard. Embora a verdade desta afirmação não foi provada, é fácil imaginar que um arranha-céu de trinta andares repleto de crime e vandalismo pode ter inspirado uma visão tão distópica. Um edifício com feições Brutalistas foi inclusive usado na capa da edição de 1975 do romance. “Highrise” conta a história de Dr. Robert Laing, que lentamente se dá conta do caos alcançando seu apartamento em Londres. Andares do edifício se dividem, com os andares superiores para os moradores mais ricos. A desconfiança entre os inquilinos leva a saques, assaltos e assassinatos, deixando os moradores sobreviventes sem qualquer sentido de responsabilidade social, trancados dentro do mundo autossuficiente dos arranha-céus. Muito parecido com uso por Kubrick da arquitetura em “Laranja Mecânica”, porém em “Highrise” o vilão é o próprio edifício. Tanto o edifício quanto sua tecnologia acabam incentivando os moradores a perder sua humanidade. No romance, Ballard deixa claro que o bloco de apartamentos é preenchido com apartamentos caros e moradores ricos com diferentes graus de riqueza e, portanto, não se destina a representar a habitação social. Somando-se a publicidade negativa, durante a década de 1980, Príncipe Charles ganhou as manchetes por seus comentários depreciativos sobre Brutalismo e arquitetura moderna em geral. Em 1987, o príncipe declarou em um discurso: “Você tem que dar credito para a Luftwaffe, quando ela derrubou os nossos edifícios, não os substituiu por algo mais ofensivo do que escombros”53. Embora feita em tom de brincadeira, o sentimento da observação do príncipe é clara: a arquitetura pós-guerra britânica parece não melhor do que uma pilha de escombros. Se o príncipe estava ciente de que arquitetos britânicos do pós-guerra foram propositadamente se afastando da estética arquitetônica britânica tradicional para criar uma forma mais transparente e ética não é clara, e em qualquer caso, a ética por trás da estética não foram discutidas por ele. E isso reflete também, o 52    Michael Kubo, Chris Grimley and Mark Pasnik. “Brutal” in CLOG, edited by Kyle May and Julia Van Den Hout. “Brutalism” CLOG (February 2013), pg 166. 53    Alistair Jamieson, “The Prince of Wales on architecture: his ten ‘monstrous carbuncles,’ The Telegraph, 13 May 2009, http://www.telegraph.co.uk/news/uknews/theroyalfamily/5317802/The-Prince-of-Wales-on- architecture-his-10-monstrous-carbuncles.html.

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pensamento de uma grande parte da população do pais sobre essa arquitetura. Enquanto o Príncipe Charles estava dando discursos sobre os horrores da arquitetura moderna, ao longo da década de 1980 as políticas da primeira-ministra Margaret Thatcher foram impactando a habitação no país de maneiras mais diretas. Thatcher, membro do partido conservador, serviu como primeira-ministra de 1979 a 1990. No início de seu mandato, e ainda mais cedo em seu papel como líder da oposição (1975-79), Thatcher deixou claro que a habitação seria um componente importante de sua política econômica. Como condizente com sua visão conservadora, as políticas de Thatcher favoreceram a desregulamentação e privatização, que tiveram como efeito a diminuição do número de unidades habitacionais disponíveis para famílias de baixa renda em conjuntos habitacionais. Suas políticas, especialmente o programa “Right to Buy”, eram por natureza anti-socialistas, e objetivou de forma implícita em quebrar os programas progressistas do Conselho da Grande Londres e as raízes socialistas do projeto inicial de habitação brutalista. Com o programa “Right to Buy”, centenas de milhares de apartamentos propriedade do conselho foram vendidos com descontos significativos a partir de taxas de mercado. Até os anos 1970, no entanto, o direito de vender estava nas mãos dos conselhos e era muito mais dificultada. Com a implementação do direito de comprar em 1978, Thatcher, então líder da oposição, instituiu uma grande mudança na política de habitação. Depois de diversas propostas anteriores, o membro do partido conservador Michael Heseltine, sob a liderança de Thatcher, apresentou um documento descrevendo o novo plano em junho daquele ano. A proposta incluía um desconto máximo de 50% (mais tarde 70%) para os inquilinos de habitação social adquirirem seus apartamentos. Este caminho para casa própria se mostrou muito popular junto ao eleitorado britânico, e levou à venda de 1,88 milhões de unidades de habitação social em toda a Inglaterra, que representava 37% de todo o estoque de moradias54. Embora as políticas de Thatcher tornaram o sonho da casa própria mais acessível ao povo britânico, o direito de comprar teve como efeito a diminuição do estoque de moradias disponíveis para os inquilinos de baixa renda, uma vez que novas moradias a preços acessíveis não foram construídas para complementar o que foi vendido. Um outro efeito da mudança de Thatcher da economia britânica para a esfera privada foi o fechamento de departamentos de arquitetura em conselhos locais, que tinham sido responsáveis pela construção da maioria dos conjuntos habitacionais no período pós-guerra. Os anos 1960 e 70 são considerados um período de construção prolífica e experimentação na construção do setor público, de habitação a universidades. Este período terminou com a dissolução do Conselho da Grande Londres (anterior LCC, London City Council) por Thatcher em 1986. Enquanto vendia casas populares pelo “direito de comprar”, o governo de Thatcher foi cortando os recursos dos conselhos que havia projetado e construído as casas que estavam sendo vendidas. Uma maior desregulamentação durante os anos Thatcher abriu o caminho para o boom nos serviços financeiros e bancários agora ocorrendo no distrito de Canary Wharf, em Londres. Como as galerias em ruínas de Robin Hood Gardens, os impactos do thatcherismo são notoriamente presentes: a desregulamentação levou a um crescimento econômico e financeiro e a um atrofia nos serviços públicos como a habitação social. 54    Colin Marrs, “Right to Buy Pledge could make Housing Associations Unfundable,” Architects’ Journal, April 15, 2015, http://www.architectsjournal.co.uk/news/daily-news/right-to-buy-pledge-could-make- housing-associations-unfundable/8681272.article.

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Em sentido horário: Ernó Goldfinger, arquiteto do movimento; cena do filme Laranja Mecânica; Principe Charles, cético a arquitetura moderna; Margaret Tatcher, criadora da política “Right-to-Buy”

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2.4: Brutalismo hoje Apesar da má reputação que o brutalismo britânico veio a adquirir, hoje ele está desfrutando de um ressurgimento no mundo acadêmico e na mídia. Com o lançamento de uma das primeiras grandes pesquisa sobre a arquitetura pós-guerra britânica, o livro de Elain Harwood: Space, Hope, and Brutalism: British Architecture 1945-1972, lançado pela Yale University Press em setembro de 2015; a produção pela rede de TV BBC em 2014 de uma série intitulada “Bunkers, Brutalism, and Bloodymindedness: Concrete Poetry” e narrada por Jonathan Meades; uma exposição no museu Tate Britain em Londres intitulada “New Brutalist Image 1949-1954” que mostra fotografias de Nigel Henderson, esculturas de Eduard Paolozzi e desenhos do casal Smithsons; movimentações por organizações como DOCOMOMO, que documentam a arquitetura da era moderna e advogam para a sua conservação e até mesmo o pavilhão britânico do ano de 2014 na Bienal de Veneza fez referência direta ao Smithsons e sua concepção, a Robin Hood Gardens - edifício que está atualmente programado para demolição na área das Docklands de Londres. Este ressurgimento do interesse acadêmico tem paralelos na cultura popular também. Blogs como o “Fuck Yeah Brutalism!” trazem fotos de edifícios brutalistas em todo o mundo para as massas. Leitores assíduos de revistas como Dwell fetichizam o design moderno na cultura contemporânea. O famoso livro de J. G. Ballard: “Highrise” virou um filme de grande orçamento estrelado por Sienna Miller e Jeremy Irons, que retrata uma vida distópica em um edifício brutalista fictício. Com todas essas imagens do movimento circulando entre os estudiosos, os aficionados por arquitetura e entusiastas da cultura pop, levanta-se pergunta, por que agora? É apenas uma questão de tempo antes que empresas de arquitetura e design comecem a projetar com concreto áspero, madeira não tratada e as linhas pesadas, como Michael J. Lewis sugeriu em seu artigo “The ‘new’ new Brutalism?”55. Isso já está acontecendo. Pensa-se nas chamadas “tendências atuais” para a arquitetura; a conveniência de lofts com tijolos expostos e dutos; e o mercado de móveis e materiais industriais sucateados e recuperados, que se tornou uma economia ‘cult’ em expansão. Neste sentido, a noção dos Smithsons do Novo Brutalismo como uma arquitetura de “tornando fazer” pode ser claramente visto em toda a nossa consciência coletiva estética da pós-grande recessão. Se os anos 1990 e início dos anos 2000 foram a época do boom tecnológico, com a explosão da internet, o florescimento do Vale do Silício e da criação do Euro, o final dos anos 2000 e início dos anos 2010 será lembrado como um tempo de guerra no Oriente Médio, recessão económica, a falência do sistema bancário, encolhimento das cidades industriais, e instabilidade na chamada Zona do Euro. Apesar deste período de dificuldades, estamos agora na era da impressão 3D e programas de concepção assistida por computador, que permitem a arquitetos projetar edifícios sem jamais segurar um lápis. Talvez, a cargo de necessidade e nostalgia, há um desejo entre muitos para retornar à materialidade e solidez, algo tangível, cru e engenhoso. Um retorno às formas que irá expressar o que já passamos sem pretensão - uma forma que seja “antibeleza”56. Talvez isso explique o desejo de retornar ao Brutalismo, o produto da destruição da guerra e insegurança econômica. Com o interesse renovado pelo Brutalismo, entretanto, vem o potencial de lucro. Devido a um estoque 55    Michael J. Lewis, “The “new” New Brutalism,” New Criterion 33, no. 4 (2014): 23. 56    Reyner Banham escreveu sobre o movimento e seu interesse em uma imagem de “anti-beleza.” Veja Banham, “The New Brutalism”

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limitado de edifícios existentes, o estilo está se tornando mais para a elite do que as comunidades carentes que foi originalmente destinado a servir. Isto é evidente na requalificação de conjuntos habitacionais acessíveis, como Park Hill em Sheffield, Balfron Tower, em Londres, e na possível destruição do conjunto Robin Hood Gardens, por Alison e Peter Smithson. As politicas de privatização iniciadas no final da década de 1970 tem seus reflexos até hoje na politica da GrãBretanha. Quando o primeiro-ministro do partido trabalhista Tony Blair foi eleito em 1997, os descontos para compra de unidades habitacionais do governo foram reduzidos, no intuito de disponibilizar uma maior parte do estoque de unidades para mais famílias carentes. Porém nas eleições de 2015, o Partido Conservador foi novamente vencedor, e reviveu as politicas criadas por Thatcher permitindo que 1,3 milhões de inquilinos do governo a comprar suas casas com um desconto limitado a £102.700 em Londres. Nesse momento em que muitos conjuntos habitacionais brutalistas estão eminentes a sofrer demolição ou a privatização através de esquemas de regeneração, esses desenvolvimentos continuam a ser a marco essencial da imaginação arquitetônica britânica. Eles representam o que é possível. Arquitetos como Alison e Peter Smithson, Erno Goldfinger, Jack Lynn e Ivor Smith combinavam uma sensibilidade utópica com o ‘tornar fazer’, atitude pós-guerra e uma ética brutalista para criar habitação para os cidadãos mais necessitados da GrãBretanha. Por isso, eles são respeitados como heróis por progressistas sociais. Esta heroização, no entanto, não impediu que suas obras se tornem vítimas às forças do mercado e redesenvolvimento. Projetos de regeneração, como os de Park Hill e Balfron Tower brincam com o desejo do consumidor para uma autêntica peça da história da arquitetura da Grã-Bretanha, mas em última instância só fornecem remanescentes para aqueles que podem se dar ao luxo de comprar. As estruturas recuperadas são esvaziadas de toda a intenção ética original, especialmente em sua falta de provisão da habitação a preços acessíveis. Ainda assim, a sobrevivência física destes edifícios continua a ser importante para a sobrevivência do legado habitacional brutalista. A demolição de Robin Hood Gardens marcará o apagamento completo da ética social que a arquitetura brutalista e os Smithsons defendiam. É, portanto, justificável privilegiar a importância histórica de um edifício em um momento em que muitos estão em necessidade de habitação? Talvez olhar de volta para a visão progressiva de habitação pós-guerra britânico é precisamente o que é necessário.

Pavilhão Britânico na Bienal de Veneza de 2014 fonte: dezeen.com

Livro de Elain Hardwood: “Space Hope and Brutalism”

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3.0: brutalismo: uma anĂĄlise do habitar coletivo


“A análise mostra que uma relação (sempre social), determina os seus termos, e não o inverso, e que cada indivíduo é um local em que uma pluralidade incoerente (e muitas vezes contraditória) de tais determinações relacionais e interações.”57 ‘A dimensão pública’ numa cidade é criada pela concentração espacial de vários atores diferentes, conhecidos e desconhecidos; é a interação entre esses atores diferentes, o que significa a organização espacial requer um gradiente entre público e privado. Como tal, enquanto o “desconhecido” é uma parte cotidiana da cidade, espaços são organizados a modo de assegurar que mais frequentemente nos depararemos com o diferente e o recebemos. De Certeau usa o termo ‘bricoler’ para explicar esse processo de transformação prática na vida cotidiana. Para usar de termos de Certeau, a nossa área de estudo apresenta os proprietários ‘fortes’ (autoridades de planejamento) que vêem as propriedades simplesmente como artefatos de desenvolvimentos pré e pós-guerra, e os proprietários “fracos” (moradores, a população) que usam a área no dia-a-dia e para quem os méritos arquitetônicos do lugar são muitas vezes secundários à utilidade da área. Ao longo desta investigação devemos nos colocar no limiar entre essas duas posições; um que nos permite examinar a área livre das limitações de planejadores e com uma perspectiva mais ampla do que os residentes. Na citação acima, de Certeau chama a atenção para a maneira em que o espaço é constituído por uso e percepção de que, em vez de por etiquetas formais ou intenções das pessoas. Como tal, “a imagem do planejador” da da cidade contrasta com a de um usuário diário. É procurado traçar a “acumulação cultural” que ocorre no espaço, e a relação entre os espaços em uma determinada área, como é entendido pelas pessoas que os utilizam. Em um esforço para complementar perspectivas existentes da área (a, vista formal, de cima para baixo dos planejadores; e o ponto de vista como “estranho informado”), com um sentido de baixo para cima de lugar que pode fornecer uma representação para os residentes e os usuários regulares, foi pensada uma análise com base na obra de Kevin Lynch para a imagem da cidade (Lynch, 1960) e sua ambição de mapear a legibilidade de uma cidade através dos olhos de seus habitantes. Os espaços são definidos, portanto, por seu papel social. Os espaços internos dos apartamentos se tornam importantes para avaliar essas novas ocupações sociais que os conjuntos estão sofrendo na contemporaneidade, em referencia, principalmente, aos livros “Modernist Estates: the buldings and people who live in them today” de Stefi Orazi e “Barbican Residents” de Anton Rodriguez, lançados nos últimos 2 anos.

57    Certau, Michel de. The Practice of Everyday Life. 1984. University of California Press, Berkeley.

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3.1 3.2

x


x

Londres Central

y

Canary Wharf

3.3

y

3.1

Golden Lane Estate

3.2

Barbican Estate

3.3

Balfron Tower 49



3.1: Golden Lane Estate: o espaço do convívio. No ano de 1951, a Corporation of London lançou um concurso para um conjunto habitacional para ser construído no bairro City of London, o Golden Lane. A área tinha sido gravemente bombardeada durante a guerra. Em meados do século XIX, mais de 130.000 pessoas viviam no bairro, mas em 1952 esse número caiu para apenas 5.000. Uma série de concursos de arquitetura para construção de habitações deu grandes oportunidades para os melhores jovens arquitetos da Grã-Bretanha e foram uma boa propaganda para as ambições das autoridades locais que pretendiam construir habitações modernas de alta densidade e baixo custo. O arquiteto Geoffry Powell ganhou o concurso, que teve 183 outras propostas submetidas. Powell era professor na Escola de Arquitetura da Universidade de Kingston, em Londres, na época. No programa exigido pela corporação, eram exigidos um numero de 940 unidades habitacionais, mas a proposta apresentada por Powell tinha 1400 unidades. Ele desenhou o conjunto para ter um caráter de ‘vilarejo’, explicitando em seu projeto que o seu contexto, que não era na época tão bem cuidado e agradável, o levou a projetar edifícios que se voltam para si mesmos. Antes de vencer o concurso para o Golden Lane, Powell trabalhou nos escritórios Powell & Moya no projeto para Churchill Gardens em Pimlico no ano de 1946, e no escritório de Brian O’Rourke onde participou do projeto para o Shackewell Estate em Hackney. A linguagem projetual que era adotada nesses projetos, da composição de unidades altas, casas geminadas, pátios e uso de cores nas fachadas foi continuada na sua proposta para o Golden Lane.58 Peter (Joe) Chamberlin and Christof Bon que também haviam participado do concurso, eram professores também na Universidade de Kingston, junto com Powell. Os três arquitetos haviam combinado que se algum deles ganhassem, eles iriam se unir e formar uma parceria para executar o projeto. Golden Lane é um projeto significativo não só por sua grande escala, mas também marcou a primeira interpretação da linguagem que os arquitetos buscavam no contexto do pós-guerra na Inglaterra. Alison e Peter Smithson também participaram do concurso para o projeto, e seu projeto foi amplamente publicado e principalmente pela conexão que o casal tinha com o CIAM, Team X, e o critico de arquitetura Reynar Bahnan. Mesmo assim, o potencial cliente, a corporação, não estava necessariamente pronta para suas novas ideias, tidas como revolucionarias para a época. CPB, como outros arquitetos de sua época, tiveram sua formação na tradição das Belas Artes, mas após a guerra foram apresentados em sua pratica aos novos conceitos que estavam sendo explorados na Europa. Porém, o design e a indústria da construção ainda eram controlados por um regime político mais conservador. Portanto, conseguir comissões era um desafio que precisava de estratégias dos arquitetos. Talvez não seja surpreendente então, que o projeto vitorioso de Powell para Golden Lane foi originalmente um projeto bem conservador - semelhante a propriedades do pré-guerra em Londres. Depois que os arquitetos venceram o concurso, o projeto evoluiu então para uma linguagem mais parecida com o que se discutia na época. Como muitos de seus contemporâneos, Chamberlin, Powell and Bon eram altamente influenciados pelo 58   Hardwood, Elain. Space, Hope and Brutalism: English Architecture, 1945-1975. 2015. Paul Mellon Centre. 51


arquiteto franco-suíço Le Corbusier, principalmente por sua Unidade de Habitação em Marselha, que tinha sido concluída em 1952. Podemos perceber essa influencia no projeto, por exemplo, na cobertura escultórica do terraço-jardim na Great Arthur House. Para o projeto do Golden Lane, a ênfase era em suprir as necessidades habitacionais da classe trabalhadora, principalmente solteiros e jovens casais, mais do que famílias grandes, onde oitenta por cento das unidades são estúdios e apartamentos com apenas um quarto. A densidade desejada era de 200 pessoas por acre, o que era considerada alta, porém sessenta por cento da área do terreno é livre, onde o desenho urbano é fundamental para o sucesso do projeto. O conjunto teve sua primeira parte inaugurada no ano de 1957, e foi terminado em 1962. No ano de 1997, foi registrado como patrimônio histórico do país, em nível de ‘Grade II’, nível para edifícios de interesse especial, como definido pela National Heritage List for England. No relatório de patrimônio declara-se que o conjunto deve ser apreciado em sua totalidade: não só seus vários componentes - residencial, comunitário, recreativo, comerciais e espaços externos entre os prédios - mas também a sua configuração dentro do tecido urbano envolvente. Uma uma série de blocos residenciais de alturas diferentes – com um volume vertical predominante e outros horizontais - foram dispostos em torno de uma série de pátios dentro de um traçado regulador definido pelo próprio perímetro do terreno. Os pátios externos muitas vezes são tratados como uma continuidade dos espaços internos dos apartamentos, particularmente das fachadas sul dos edifícios Basterfield, Bayer, Bowater and Cuthbert Harrowing Houses, que possuem escadas partindo do térreo de seus apartamentos até o nível inferior. O conjunto se distingue em sua diversidade de tipos de edifícios. Ele combina uma variedade de formas arquitetônicas - cada um com suas próprias qualidades e características específicas - que se desenvolvem e se complementam. Dominando o projeto, e estabelecendo sua escala, está o edifício de 16 andares Grand Arthur House, o mais alto da Grã-Bretanha quando concluído em 1957, com vistas sobre Londres e seu jardim na cobertura. Enquanto o edifício é a peça central da propriedade, a ‘piazza’ na frente - originalmente cuidadosamente ajardinada, com uma pavimentação geométrica - está virada para o centro comunitário e foi concebida como o foco social da propriedade. Great Arthur House está inserido dentro de uma série de blocos horizontais. Estes incluem oito blocos residenciais (com unidades comerciais no térreo da Crescent House), o centro comunitário, centro de lazer e berçário. Os blocos residenciais tem ou quatro andares (Stanley Cohen, Cuthbert Harrowing e Crescent House) ou seis andares (Basterfield, Bayer, Bowater, Hatfield e Cullum Welch Houses). Eles são orientados no sentido leste-oeste e norte-sul em torno dos pátios externos. O edifício Crescent House responde tanto a curva da Rua Goswell, adjacente ao terreno, e ao traçado regulador ortogonal da propriedade. O desenho da propriedade fez uso deliberado de diferentes níveis - em parte como resposta a um terreno com subsolos profundos. Percursos para pedestres são principalmente ao nível das ruas circundantes, os pátios em torno do qual os edifícios são arranjados estão em um nível mais baixo, e estradas de serviço e garagens são organizados discretamente em um nível inferior. O interior do conjunto foi originalmente concebido apenas para uso de pedestres, sem tráfego de veículos no nível do solo, deixando grandes áreas como espaço aberto. 52


Planta de Implantação

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Este foi um dos primeiros exemplos dessa estratégia na cidade de Londres. O Golden Lane Estate demonstra um planeamento claro entre a definição de espaços - privado, público, comunitário, comercial, pedestres e veículos - que são, no entanto, inter-relacionados e interligados O projeto apresenta um total de 9 edifícios, e incorpora em seu programa lojas, um bar, um centro comunitário, uma piscina comunitária, playground, quadras de tênis, pátios externos, um lago, e estacionamentos subterrâneos. A grande porcentagem de áreas livres no conjunto, de aproximadamente 60%, contrasta com o tecido urbano denso do bairro em que está contido, a City of London. Uma área que é predominantemente dominada pelo uso comercial e coorporativo, como previsto pelos planos de Abercrombie e Holford e Holden, discutidos no capitulo anterior. Em abril de 1957, Powell declarou em uma publicação da Architectural Association: “Não há nenhuma tentativa informal nestes pátios. Nós consideramos todo o esquema como urbano. Nós não temos nenhum desejo de fazer o projeto se parecer como um subúrbio jardim” Os materiais e componentes utilizados são um elemento importante do caráter da propriedade e de seu interesse especial. Entre os elementos mais marcantes estão o revestimento de vidro com caixilhos de alumínio, da Great Arthur House, repetido nos blocos mais baixos. O uso de vidro colorido em cores primárias - amarelo, azul e vermelho - fornece uma assinatura distinta para esses edifícios concluídos durante a primeira fase do conjunto. O uso extensivo de concreto – liso e aparente, ou martelado manualmente também distingue muitos edifícios na propriedade. Grande parte do concreto foi pensado para ser deixado exposto, mas, por causa do desgaste desigual, foi posteriormente pintado. Em alguns casos, no entanto, como as salas de clube, e do edifico Crescent House, manteve-se sem pintura. Tijolos rosas e azuis ou roxos foram usados extensivamente para paredes estruturais. Janelas e piso-teto e colunas de concreto delgado ou pilotis como suporte estrutural e painéis de azulejos pretos e brancos para a piscina e ginásio conferem uma estética diferente aos edifícios comunitários. Sobre as suas escolhas de materiais para o projeto, os arquitetos declararam: Nós sentimos fortemente que outros valores além de refinamento devem ser seguidos, em especial a clareza da forma e - às vezes - robustez.... Este contraste entre o áspero e o liso, o brilhante e o fosco - mesmo entre o limpo e o sujo - cria uma tensão que é a essência da arquitetura - quando a escolha de materiais e o equilíbrio entre eles é certo, claro!59 Muito do caráter e especial interesse pela propriedade deriva da busca de um modelo de resposta à alta densidade de vida urbana pelos arquitetos. Esta experiência se estendia desde o layout em maior escala da propriedade para as complexidades do design das unidades habitacionais. Os layouts internos foram concebidos para se adequar a localização, aspecto e orientação dos vários blocos. Apartamentos foram completamente evitados no térreo da Crescent House junto a Goswell Road, pelo seu caráter de maior fluxo de veículos e pedestres, e no caso da Stanley Cohen House, o edifício foi afastado da Rua Golden Lane com salas de estar e varandas com sua frente para o oeste no interior da propriedade. A orientação de apartamentos e alguns duplex foi cuidadosamente planejada para garantir que as salas de estar e varandas sejam voltadas para 59   Heathcote D, 2004, Barbican: Penthouse Over the City, John Wiley & Sons, Ltd. 54


o sul, leste ou oeste buscando uma maior incidência solar, necessária devido ao clima. Apartamentos foram planejadas especificamente para conseguir uma impressão de amplitude e luz. Foram projetados espaços com pé direito duplo; janelas do chão ao teto; escadas abertas internas; divisórias de correr; esquadrias acima das paredes internas. Embora a área de muitos apartamentos serem pequenas, o uso de portas de correr, armários embutidos e prateleiras, cozinhas cuidadosamente planejadas e proporcionadas, contribuem para uma utilização eficiente do espaço limitado. O conjunto apresenta unidades com variados leiautes internos das unidades, apartamentos duplex, estúdios, e de apartamentos 1 a 4 quartos, o que consequentemente gera uma variedade de tipologias e também de residentes nesse espaço. Para motivos de análise, foi escolhido um apartamento de 1 quarto no edifício Crescent House para exemplificar e estudar a ocupação dos espaços internos do conjunto. Crescent House foi o ultimo edifício a ser concluído - em 1962 - e é um elemento definidor do interesse arquitetônico especial da propriedade. Considerando que Great Arthur House estabeleceu novos paradigmas no início dos anos 1950 para um desenvolvimento de habitação inovador, Crescent House forneceu uma nova direção. Marcou um ponto crítico na evolução da linguagem arquitetônica de Chamberlin, Powell e Bon, como o Barbican Estate, que foi concebido durante o período final da construção do Golden Lane. O edifício tem três andares de apartamentos, principalmente de um quarto, dispostos em torno de núcleos de acesso central, e mais de - originalmente - 20 unidades comerciais no térreo. Como com os outros blocos residenciais, os interiores de Crescent House são planejados cuidadosamente e economicamente, com atenção meticulosa aos detalhes. O projeto busca conseguir um senso de luz e espaço amplo, mesmo em unidades pequenas (em torno de 40m2). Na maioria dos apartamentos há uma tela parcialmente envidraçada, que incorpora uma escotilha de serviço e de armazenamento, entre a cozinha e em frente a galeria de acesso e a sala de estar. As unidades com apenas uma fachada, foram planejadas com cozinhas e banheiros internos, com ventilação artificial. Nestes, a tela envidraçada na cozinha abre para o átrio de entrada. A esquadria virada para a área de estar define claramente o layout do apartamento, tornando óbvio onde uma mesa de jantar deve ser colocada. As divisórias entre a sala de estar, cozinha e banheiro contam com janelas altas, o que aumenta a sensação de espaço que flui entre ambientes. Portas deslizantes para a cozinha e banheiro do hall de entrada contribuem para uma sensação de abertura nessas unidades planejadas. Além disso, há divisórias e portas deslizantes que sutilmente separaram as áreas de estar e dormir que também incorporam persianas para iluminar a área de dormir. Na área de estar, armários e gavetas e prateleiras são embutidos entre as folhas da esquadria de madeira com vidro. Detalhes que mostram, o cuidado dos arquitetos com os espaços internos das unidades, e como otimizar esse espaço. Ao contrário dos acabamentos externos em tons acinzentados e mais escuros, como o concreto aparente e a madeira das esquadrias, os espaços internos são em sua maioria pintados de branco. O que cria um contraste interior e exterior, trazendo mais luz e amplitude as espaços. Poucas unidades ainda apresentam as características originais projetadas pelos arquitetos, mas com o crescente interesse na arquitetura do conjunto, sua classificação como patrimônio, e principalmente residentes que trabalham em áreas criativas, como arquitetos, muito tem sido restaurado, como pode-se constatar no 55


Vista Sala de Estar fonte: www.modernhouse.com

Vista Cozinha e Banheiro fonte: www.modernhouse.com

Planta de uma unidade de 1 quarto: Crescent House fonte: www.modernhouse.com

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livro “Modernist Estates: the buldings and people who live in them today”, que investiga essas novas ocupações dos conjuntos, mostrando os espaços internos habitados hoje. O conjunto habitacional, inicialmente destinado apenas a moradores que alugariam as unidades diretamente do conselho da City of London, teve um numero aproximado de 50% de suas unidades vendidas em consequência das politica governamentais como o “Right to Buy”, hoje prevalece no conjunto uma mistura de moradores do conselho, e outros proprietários ou locatários privados. Essa atual configuração do conjunto é interessante quando avaliado o contexto do bairro da City of London, um bairro com uma oferta limitada de habitação, devido a seu caráter comercial e institucional. O Golden Lane, com sua população estimada de 1500 habitantes, é o segundo maior polo habitacional do bairro, com 7400 habitantes. O conjunto é altamente buscado por moradores que trabalham na área, e hoje tem sido buscado principalmente por suas características arquitetônicas. Os edifícios no Golden Lane, apresentam uma interação mínima com o espaço público fora do conjunto propriamente dito, consequentemente, a área deixa de ter qualquer vida significativa nas ruas. Golden Lane não é claramente uma “costura” em qualquer sentido e, como tal, se caracterizou como um “rua não-linear”: tem um começo e um fim, mas não é definida pela pequena quantidade de tráfego (pedestres e veículos) que viaja ao longo dela. No entanto, é na ausência dessas qualidades, que ela desempenha um papel importante nesta área como um “descompressor” que fornece um contraponto à intensidade de Whitecross Street; a sua função dentro do sistema mais vasto é o de proporcionar um estado de neutralidade. Como tal, por “descompressor” não constitui necessariamente um espaço que por suas próprias qualidades ajuda as pessoas a “descomprimir” (como, por exemplo, uma série de pequenos jardins da área fazer), mas sim que é um espaço que, por sua própria falta de qualidades as pessoas podem optar por retirar-se para simplesmente como um lugar sem regras ou autoridade formais ou informais. Enquanto o conceito original era, nas palavras dos arquitetos “introvertido”, pelo seu entorno inóspito no momento, cinco décadas a frente, a propriedade deve ser apreciada em seu ambiente atual, que difere consideravelmente da dos anos 1950. Este conceito não deve, contudo, ser mal interpretado implicando que desenvolvimentos em torno da propriedade não são importantes, já que com o novo contexto de intenso tráfego e grandes edifícios, seu caráter de descompressor acaba por proporcionar um senso de comunidade a seus moradores, tornando o conjunto um grande espaço de convívio no meio dos grandes fluxos da City of London. Essa nova apropriação dos espaços, mostra que a narrativa do projetado acabou por se transformar, devido ao contexto urbano e a apropriação dos espaços, em uma nova narrativa do vivenciado e prova que os arquitetos, ao construírem algo que olha para si mesmo, já entendiam que o contexto iria se transformar com o tempo, e mesmo assim o caráter comunitário e suas relações com os moradores seriam preservados.

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3.2: Barbican Estate: a importância das relações interior e exterior. Como já foi referido anteriormente, a City of London estaria destinada a ser um bairro exclusivamente comercial e financeiro, com o intuito de consolidar uma posição como um dos maiores motores econômicos da Europa e até do mundo. Posto isto, após uma difícil conquista por parte dos defensores da implementação de um bairro residencial na City, os novos habitantes deveriam pertencer a um certo patamar da sociedade Londrina. Considerando que iriam constituir o eleitorado do concelho mais importante do país, com a responsabilidade de eleger os respetivos representantes parlamentares da City, deveriam, por essa razão, corresponder a um determinado estatuto social e cultural. A garantia destes pressupostos haveria de se traduzir, naturalmente, nas características deste reduto residencial, transformando o Barbican em um reflexo do poder da City, com diversas funções cívicas, espaços confortáveis e eficientes e, consequentemente, cidadãos informados e responsáveis. O caráter social das premissas do Barbican consolidava a divisão física da cidade, e consequentemente a distinção dos espaços públicos do complexo, consolida um outro tipo de habitação social, a habitação para as classes médias e até altas. “[...] é evidente que os padrões físicos exercem efeitos importantes sobre as pessoas, tendo em conta um conjunto de padrões sociais, e que uma analise destes padrões físicos é importante para se perceber o conjunto. [...] A forma da casa, do local de trabalho ou do bairro, onde a maioria das pessoas vivem as suas vidas, tem algo a ver com a qualidade de vida. Nesta e em escalas maiores, as considerações econômicas e sociais são mais importantes.60 A sua materialização correspondia, então, ao ponto de partida determinante para a concretização dos objetivos propostos, encaminhando o projeto para a criação de um lugar, onde a forma, o espaço, as relações sociais e as ações humanas cotidianas estariam em perfeita sintonia. A citação de Lynch pode ser facilmente relacionada com à condição do Barbican Estate, onde os interesses econômicos e políticos foram os principais motivos para definição de seu caráter, que até hoje mantem sua qualidade de vida elevada. Projetado por Chamberlin, Powell and Bon, que já estavam trabalhando no conjunto Golden Lane, adjacente ao novo terreno, foram escolhidos para trabalhar no projeto para a área residencial do Barbican, em que o programa definido pela corporação era de construir um complexo de uso misto, com densidade de 330 pessoas por acre. Pelo ano de 1959, o projeto final, que incorpora escolas, áreas de lazer e culturais, lojas, e uma mistura de baixa altura com arranha céus, foi aprovado. Três torres de 44 andares, marcam o projeto, e essa maior densidade permitiu aos arquitetos uma maior área de espaços livres entre os blocos. Outras unidades são dispostas em edifícios mais baixos e alongados sob pilotis, com cerca de oito pavimentos, onde os dois últimos normalmente são apartamentos maiores e duplex e com grandes terraços privados na cobertura. Esses edifícios mais baixos, são implantados de forma estratégica para a criação de grandes pátios dispostos sobre uma grande plataforma elevada com três pavimentos, no terreno inteiro, de mais de 100.000m2, que também contam com casas (chamadas de maisonnettes) localizadas a sul do complexo. Os pedestres são elevados por passarelas e por uma plataforma do trafego de alta velocidade e barulho das ruas. Foram construídos um total de 2,113 unidades habitacionais, que 60    Lynch, Kevin. A Imagem da Cidade.1960. Edições 70. (Re-edição 2014). São Paulo

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podem abrigar até 6,500 pessoas. No coração do complexo, os arquitetos projetaram um grande lago artificial com fontes e quedas d’água. As três torres apresentam uma configuração poligonal em planta, com três apartamentos por andar, posicionados de maneira que as áreas de estar recebam luz natural de duas diferentes fachadas. Essas unidades têm três ou quatro quartos, cada um com sua sacada que percorre toda a extensão do edifício, e em seu topo grandes apartamentos duplex com acesso a cobertura. Os edifícios mais horizontais contêm apartamentos menores com um ou dois quartos. Grandes esquadrias de madeira vão de piso a teto nas áreas de estar dos apartamentos, trazem uma grande luminosidade e trazem o espaço externo para dentro das unidades. Contrastando com a rígida geometria ortogonal das torres e terraços, uma curva semicircular é proeminente na planta do edifício Frobisher Cresent, localizado próximo ao Centro de Artes na cota superior do podium, as coberturas abobadadas no topo dos terraços, o peitoril invertido nas esquadrias das unidades de nível do pódio, as formas circulares no paisagismo e os elementos de água, criam uma variedade formal, mas criam entre si um dialogo. A materialidade escolhida pelos arquitetos para os edifícios foi a do concreto aparente, que apresenta um acabamento rugoso e bruto. Para alcançar esse efeito, o concreto, após a desforma foi martelado a mão, o que mostra a textura do agregado misturado ao cimento, e dá uma tonalidade mais escura ao concreto. A plataforma elevada, que é chamada pelos arquitetos de podium, foi construída em concreto e tijolo aparente. No ano de 1964, o conselho da City resolveu dar continuidade a construção do Centro de Artes, que foi aberto no ano de 1982 pela monarca Elizabeth II. Seus primeiros moradores se mudaram no ano de 1969, porém sofreu com as críticas negativas à arquitetura Brutalista durante a década de 1980, como discutido no capítulo anterior. Hoje, porém, o conjunto sofre uma grande ressurgência, e foi declarado patrimônio histórico no ano de 2001. 61 O Barbican apresenta um programa complexo, com duas escolas, um Centro de Artes (o Barbican Centre), a histórica igreja de St. Giles, 1840 vagas de garagem, um restaurante, um conservatório, lojas, além de todo o programa habitacional. Dentro dessa grande complexidade, busca-se o equilíbrio no espaço interno, e sua disposição é facilitada pela liberação do espaço ao nível do solo com pilares que elevam os edifícios do chamado podium. O chamado podium é o elemento chave da composição do Barbican e é comum as duas principais configurações em que está implícito: na sua relação com o contexto da cidade, e na relação existente entre e com seus espaços interiores. Ele apresenta-se como um elemento de transição entre esses dois momentos, evidenciando o caráter de limite permeável relativamente à cidade e de barreira de proteção para os residentes e usuários dos seus espaços internos. Os limites desse podium são também apartamentos destinados a famílias, comprovando a versatilidade e flexibilidade das funções desse elemento. Esse espaço, que se configura como o local de circulação entre todos os edifícios do complexo, elevado do nível das ruas, estão inseridos grande parte dos acessos às habitações. Ele funciona como um local de contato comum entre pessoas que partilham do mesmo espaço habitacional. Esse é, um ponto em comum com o pensamento dos arquitetos Alison e Peter Smithson, para quem o espaço 61   Heathcote D, 2004, Barbican: Penthouse Over the City, John Wiley & Sons, Ltd. 60


da rua teria um papel fundamental nas relações e associações do cotidiano humano, pelo seu caráter social e pelas relações proporcionadas pelas suas características, como ponto de cruzamento das características individuais de cada um, como o espaço de troca de ideias, de experiências e comunicação. Os Smithsons, chegaram a estudar esse conceito em seu projeto para os Golden Lane Estate e Robin Hood Gardens, onde eles propõem que essas ruas sejam também elevadas do nível da rua, criando grandes “ruas no céu” exclusivas para pedestres. No complexo, o acesso para carros pode ser feito através de rampas que ligam o nível da rua com os estacionamentos localizados principalmente no interior do podium, ou por vias de serviço exclusivas. O acesso de pedestres, tanto de residentes quanto de visitantes, pode ser feito de diversas formas: pelos chamados “walkways” (percursos por passarelas elevadas com edifícios no entorno, inclusive com a estação de metrô

Centro de Artes Edifícios de habitação coletiva Guildhall School of Music and Drama e City of London School for Girls Pontos de acesso vertical, pedonais Hipóteses de percursos pedonais públicos através do Barbican Eixos viários secundários Eixos viários principais Pontos de acesso ao estacionamento (público e privado) Pontos de acesso ao Centro de Artes Pontos de acesso aos estabelecimentos de ensino Estações de Metro

scale in feet (50ft = 15,24m)

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Corte transversal pelo Barbican, onde é visível a relação interior/exterior do com

Aldersgate Street

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Estacionamento Pontos de acessoresidenciala partir do podium , com ligação ao estacionament o Habitação Centro deArtes Lago Hipótesesd e percursos pedonais públicos através do Barbica n

mplexo, bem como as diferentes cotas. Desenho: . London: Corporation ofn London, 1971, p. 9. scale in feet (50ft = 15,24m )

Moor Ln. Street

scale in feet (50ft = 15,24m )

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Vista da passarela elevada que leva até o Barbican Centre foto: Joas Souza

Relação entre edifício residêncial e o Barbican Centre foto: autor

Relação entre edifício residêncial e o Barbican Centre foto: Joas Souza

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Barbican), por pontos de acesso à cota das vias perimetrais ou por pontos de acesso verticais que ligam a rua ao nível do podium. Do Centro de Artes ao acesso privado das unidades de habitação, os walkways são o elemento de circulação e de transição entre os espaços internos do Barbican e seu entorno. Estes acessos são uma continuidade do podium, que vão através deles para além dos limites do próprio Barbican. A junção da circulação com os agrupamentos das funções, a separação do ruído da cidade envolvente, e o podium como barreira para os espaços internos, é um forte ponto que contribui para a qualidade de vida dos moradores e visitantes do espaço. Uma das criticas ao projeto, é na ‘barreira’ que o podium aparenta ter com a cidade que o envolve. Podemos argumentar, porém que ele veio da necessidade da preservação do caráter intimo das habitações e também a questão de projetar um conjunto ‘introvertido’, devido a seu contexto, como os arquitetos também fizeram no Golden Lane Estate. Ele é sim, um espaço público, no entanto é despertada uma sensação de intimidade, que nos leva a questionar o caráter de tudo que se encontra no interior do complexo. O Centro de Artes é o elemento com maior contato direto com o contexto e a cidade. Não apenas fisicamente, mas a nível cultural e social. Colocado em uma das extremidades do conjunto, tem sua entrada principal pela Rua Silk, em uma cota intermediária entre o nível sul e o primeiro nível do podium, para quem chega do exterior do Barbican. Atravessando seu foyer principal, se chega novamente ao espaço exterior, e em um dos espaços mais significativos do complexo, o Barbican Lake Terrace, um grande pátio aberto com um lago, que serve como elemento de junção de todos os outros espaços externos do complexo. É nesse ponto, onde convergem todos os fluxos de pedestres do local, que conecta todas as diferentes cotas do podium. A proximidade entre os espaços privados e públicos do complexo não intefere na qualidade de vida dos residentes. Os espaços complementam-se, e a possiblidade de transitar de um espaço privado para um lugar público, de maneira quase imperceptível, é algo raro em uma cidade como Londres, onde o publico e o privado são tão bem marcados. Essa separação é feita de maneira imperceptível em alguns momentos no complexo, utilizando de recursos naturais como o grande lago, por exemplo, ou com diferenças de nível da grande plataforma. Outro forte ponto dessas relações público e privado, são as varandas dos apartamentos. Ao visitar o complexo, é perceptível a grande preocupação dos moradores em complementar suas varandas com elementos naturais, e tratar desses espaços com o mesmo cuidado do que os espaços internos de seu apartamento, podemos dizer que elas até mesmo refletem o habitar dos seus moradores, e se relacionam com a tradição inglesa das Terraced Houses (casas geminadas). Essas varandas foram pensadas como uma extensão dos apartamentos, e uma ligação entre o interior e exterior do edifício. Quanto aos espaços internos das unidades, é perceptível em entrevistas realizadas com moradores, que a questão da luz natural é um dos motivos pelos apartamentos serem tão aceitos por quem os habita. O Barbican possui mais de 140 diferentes tipos de apartamento, projetados para responder a diferentes necessidades. Todas essas unidades foram pensadas de maneira a garantir aos espaços de estar principais as melhores vistas e quantidade de luz. Algumas unidades apresentam elementos como escadas helicoidais, apartamentos em meio-nível, pé-direito duplo, varandas e terraços-jardim. Nos espaços internos das unidades, podemos ver todo o cuidado que os arquitetos tiveram com o design 65


Vista área de estar com 2 níveis fonte: www.modernhouse.com

Planta do apartamento tipo 118 fonte: www.modernhouse.com

Pia “Barbican” fonte: Barbican Residents

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Vista รกrea de estar fonte: www.barbicanersidents.co.uk

Detalhe da escada fonte: www.barbicanersidents.co.uk

Planta do apartamento tipo M2a e M2b fonte: www.modernhouse.com

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Relação interior / exterior 68 fonte: barbicanresidents/co.uk


de elementos únicos e planejados especificamente para o complexo e o leiaute de cada uma das unidades, algo que já tinham realizado no anterior Golden Lane Estate, porém em uma escala ainda maior devido ao tamanho do complexo e seu grande numero de unidades. Entre as características mais notáveis desse cuidado com o desenho dos interiores, estão a pia ‘Barbican’ que foi projetada pelos arquitetos para os banheiros dentro de cada unidade onde o seu toalheiro embutido e suporte de sabão é perfeitamente adequado para as plantas compactas; as cozinhas de todas as unidades, independentemente de seu tamanho, foram desenhadas de maneira uniforme, e incorporam todos os equipamentos necessários na cozinha em uma mesma unidade. No livro de Anton Rodriguez “Barbican Residents”, lançado em 2016, o autor pretende nós mostrar “um raro vislumbre do que se passa dentro do Barbican Estate”. Foram visitados 22 apartamentos no complexo, e isso nos revela uma mistura de jovens e mais velhos, solteiros, casais e famílias, vivendo ao meio de mobília do meio do século XX, e antiguidades. Nas entrevistas, os residentes declaram seu sentimento pelo lugar, como o morador James Webb, que disse “Nós não poderíamos imaginar viver em qualquer outro lugar em Londres. É um ambiente incrível, uma alegria constante, e um lembrete de quando os planejadores e arquitetos tinham visão e o poder de implementá-los.“.62 O Barbican é o maior núcleo habitacional do bairro da City of London, com uma população estimada de 4000 habitantes (quase 50% da população total do bairro), e seus residentes formam uma comunidade bastante coesa e com características bem específicas. Seus atuais residentes são majoritariamente pessoas ligadas as artes e a cultura, famílias que procuram o conforto que toda sua diversidade pode propor como escolas e o Centro de Artes, e também jovens trabalhadores da City. O conjunto foi construído com recursos do conselho da City of London, e em seu inicio, os moradores alugavam seus apartamentos diretamente do conselho. Porém o valor cobrado pelas unidades era o mesmo valor de mercado, já que o Barbican foi originalmente pensado para uma diferente parte da sociedade. Após os anos 1980, a maioria de suas unidades foi comprada por seus moradores, e unidades vagas eram apenas vendidas e não mais alugadas, portanto, hoje, suas unidades pertencem majoritariamente, se não todas, aos seus moradores. Hoje, os preços para se comprar ou alugar um apartamento no Barbican são exorbitantes e difíceis de se encontrar no mercado. Essa qualidade foi alcançada, com seu desenvolvimento de um lugar de comunidade, de vivências e ocupação dos seus terraços e espaços. No conjunto, os espaços adquirem um caráter próprio através das atividades que são ali vivenciadas, e da complexidade agregada pela experiência humana no lugar. Essa complexidade da forma de habitar do Barbican reúne, ainda, a privacidade e a individualidade das unidades de habitação que ali existem, onde a repetição de um módulo não impede a versatilidade e oferta de opções e variedade de espaços comuns aos residentes. O sucesso do Barbican, questionado na sua época de planeamento e construção, vem sendo confirmado dia após dia, como reflexo de uma reciprocidade evidente entre a forma, a função, o homem e a sua apropriação. Sendo ele prova de que esses fatores só adquirem seu verdadeiro proposito quando conjugados com o numero ilimitado de relações humanas diárias seus habitantes, e também na relação individual que esses têm com seu habitat.

62   Rodriguez, Anton. Residents: Inside the Iconic Barbican Estate. Barbican Centre Publisher. 2016. 69



3.3: Balfron Tower: vida em altura A Balfron Tower em Poplar, bairro ao leste de Londres, forma uma silhueta marcante e forte sobre o horizonte da cidade. A torre Brutalista de 27 andares foi projetada pelo arquiteto Ernö Goldfinger (19021987), um imigrante húngaro que, depois de estudar em Paris na École Nationale de Beaux-Arts, em 1920, mudou-se para Londres, para um apartamento no edifício Highpoint de Berthold Lubtkin, juntamente com sua esposa, um artista, Ursula Blackwell. A abordagem de Goldfinger ao projeto era nova, experimental e audaciosa, para o que a Inglaterra estava acostumada a construir e pensar sobre a arquitetura. No início dos anos sessenta ele estava no auge de sua carreira, tendo completado uma série de projetos, incluindo habitação, escolas e a conhecida Alexander Fleming House em Elephant and Castle. Sendo um membro da equipe de arquitetura do London City Council (LCC), não foi até 1963 que ele finalmente teve a oportunidade de projetar sua primeira habitação em grande escala para o conselho. A Balfron Tower faz parte do Brownfield Estate, que foi construído em uma área de Londres onde as casas tinham sido devastadas pela Segunda Guerra Mundial. Com 85 metros, sua altura era vista como um fator positivo para Goldfinger – a construção de arranhacéus criaria mais espaço livre no chão e daria aos moradores uma vista fantástica de suas casas para a cidade. Serviços barulhentos foram separados dos apartamentos por meio de uma torre de circulação vertical separada, unida ao bloco residencial principal com pontes construídas em concreto armado. A torre de circulação, conta com elevadores, rampas de lixo e lavanderias coletivas, e é ligada a salões de acesso a torre principal a cada três andares. Os apartamentos deveriam ser espaçosos e cheios de luz, concebidos com grande atenção aos detalhes. De acordo com a lista do Patrimônio Inglês, a Balfron Tower, com o seu perfil distinto, bem como o seu esquema bem planejado e acabamentos interiores, revelam “Goldfinger como um mestre na produção de massas de concreto com textura fina e de longa duração.” 63 Pouco depois que o prédio foi concluído, Goldfinger e sua esposa se mudaram para um dos apartamentos no topo da torre por dois meses para ganhar experiência sobre a vida no edifício. Eles abriram sua casa para os outros moradores, organizaram festas e os questionaram sobre o que eles achavam do prédio. Ursula, sua esposa, manteve diários ao longo deste tempo e observou que depois de conhecer os inquilinos “todos disseram que os apartamentos eram adoráveis”. Com base na sua estadia no edifício, Goldfinger passou a fazer melhorias no design, como incluir um elevador adicional, em sua Trelick Tower, projetada posteriormente, ao oeste de Londres. Catastroficamente, em 1968, três meses antes do edifício ter sido oficialmente concluído, veio o desastre de Ronan Point. Uma explosão de gás no décimo oitavo andar em uma torre habitacional fez todo o seu lado cair. Quatro pessoas foram mortas e dezessete feridas. Este desastre, ao lado de crescentes problemas sociais atribuídos a edifícios de grande altura, como o isolamento e a crescente criminalidade, iria ver arquitetos como Goldfinger e os arranha-céus em geral como vilões. 63   English Heritage, “List Entry, Balfron Tower,” acessado em 15 Novembro, 2016, http://list.english- heritage.org.uk/resultsingle_print.aspx?uid=1334931&showMap=1&showText=1. 71


A falta de manutenção adequada ao longo dos anos levou o edifício a um estado de abandono, e quando foi listado pelo patrimônio histórico em 1996, Tower Hamlets, o conselho responsável pela sua manutenção, encontrou dificuldades em manter o edifício. A propriedade foi transferida então para a associação de habitação Poplar HARCA, e os moradores foram prometidos uma série de melhorias. Logo ficou evidente, no entanto, que a remodelação necessária exigiria que todos os inquilinos se mudassem e a opção inicial para que eles voltassem para suas casas foi removida. Em vez disso, os apartamentos renovados seriam vendidos para compradores privados. Alguns têm apoiado esta decisão, justificando que o dinheiro das vendas seria investido em habitação social, mas outros vêem isso como gentrificação e limpeza social. Os apartamentos estão sendo alugados em uma base de tempo curto para artistas e guardiões que fornecem ao edifício com alguma segurança.64 Em outubro de 2014, a National Trust, fundação governamental britânica, abriu o apartamento 130 do edifício para o público por um período de duas semanas. Para uma entrada de £12, os visitantes poderiam ver o apartamento decorado como em 1968. Este é o mesmo apartamento onde o arquiteto, Ernö Goldfinger e sua esposa, Ursula, viveram por dois meses, quando o edifício foi inaugurado. 65 No quarto do Apartamento 130, os posters dos Beatles cobrem as paredes, enquanto as paredes são revestidas com estampas geométricas brilhantes rosas e vermelhos. A cozinha exibe uma mistura de aparelhos e utensilhos da década de 1960. O pálido verde abacate e azul aqua teriam sido escolhas de cor populares em 1968, mas também estão de volta com força total no mercado retro de hoje. A sala de estar combina um elegante mobiliário de meados do século e almofadas com estampas psicodélicas com um tapete branco jogado sobre o chão. As luminárias pendentes de rattan parecem muito semelhantes aos estilos populares vendidos hoje pelo gigante sueco do mobiliário, Ikea. Cada item selecionado foi cuidadosamente escolhido pelo designer Wayne Hemingway para representar o apartamento e apelar para o comprador de hoje. Naturalmente, o design é caprichoso e nostálgico, mas à luz da iminente venda privada dos apartamentos, parece uma decisão de negócio oportuna e calculadora e um meio para remarcar este ícone Brutalista com uma imagem de retro-chique para jovens profissionais. Em suma, a remodelação da Balfron Tower parece uma capitalização especialmente flagrante sobre a popularidade recente da estética brutalista. Como é claro nas imagens e fotos, a exibição, que precedeu a venda privada dos apartamentos, claramente tem apelo nostálgico para o visitante pela Grã-Bretanha dos anos 1960. As remodelações do edifício, indicam a popularidade crescente dos edifícios Brutalistas hoje. A Balfron Tower é situada perto do distrito bancário de Canary Wharf, sendo sua localização um atrativo para profissionais jovens que trabalham nestes distritos. Estruturas brutalistas que simbolizavam uma visão utópica pós-guerra do governo britânico estão sendo mercantilizadas e vendidas como uma estética retro despregada de sua intenção original como habitação a preços acessíveis. Com baixas taxas de unidades vazias em todo o Reino Unido, e ainda menos propriedades remanescentes do Brutalismo residenciais, o potencial de lucro é claro para os investidores e empresas de desenvolvimento. O custo real é pago pelos inquilinos que dependem de aluguel subsidiado pelo governo e acabam por se mudar para outro lugar, normalmente para bairros mais distantes do centro de Londres. 64   Orazi, Stefi. Modernist Estates: Building and people who live in them. 2014. Frances Lincoln 65  Richard Waite, “Studio Egret West set to revamp Balfron Tower, Architects’ Journal, December 20, 2013, http://www.architectsjournal.co.uk/ news/daily-news/studio-egret-west-set-to-revamp-balfron- tower/8657059.article. 72


Sala de Estar do apartamento 130, onde viveu Goldfinger fonte: theguardian.co.uk

Hall do apartamento de Maria Lisgorskaya fonte: Modernist Estates: Buldings and people who live in them today

Planta baixa de uma unidade com 3 quartos. fonte: rightmove.co.uk

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conclusĂŁo


Em suma, a critica iniciada pelos arquitetos do pós-guerra para a arquitetura Moderna, de uma arquitetura universal, despregada do seu contexto, de grandes escalas, acabou por trazer inovações à arquitetura, principalmente na Inglaterra, onde essa discussão foi iniciada pelos arquitetos Alison e Peter Smithson, que fizeram parte do CIAM IX. Em consequência desta abordagem, tenderia a emergir uma visão crítica que progressivamente caminharia para a consciencialização das limitações da “Carta de Atenas”; ...a técnica de planeamento da ‘Carta de Atenas’ consistia numa análise de funções. Apesar deste aspecto tornar possível uma reflexão clara sobre as desordens mecânicas das cidades tornou-se inadequado na prática porque consistia num conceito demasiado esquemático. O urbanismo considerado em termos dos pressupostos da ‘Carta de Atenas’ tende a produzir comunidades nas quais as vitais associações humanas são inadequadamente expressas... Numa tentativa para corrigir esta aproximação, o Manifesto de Doorn propunha: ‘para compreender o padrão das associações humanas devemos considerar cada comunidade no seu ambiente particular’...66 Rejeitando os conceitos mecânicos de ordem nos quais a “Carta de Atenas” se parecia fundar, as reflexões promovidas pelo Team X procurariam assim operar a substituição do modelo cartesiano de “vida”, pelo modelo “orgânico” ou “holista”, no qual a concepção do princípio inerente à própria natureza da vida implicava necessariamente a noção de um todo orgânico coerente e interativo. O movimento do Novo Brutalismo começou como uma estetização de uma ética, feita especialmente clara nas colagens Golden Lane inspiradas no pop dos Smithsons. Essa estética, definida pelo uso dos materiais brutos, como o concreto, deveria vir carregada de motivações éticas e uma preocupação com o habitat humano, e suas associações, que os Smithsons definiam segundo os conceitos de casa, rua, distrito e cidade, em seu livro “Urban Structuring”. Para os Smithons, o conceito de identidade era fundamental para a definição do habitat e o bem-estar humano, e a identidade deveria estar presente em todos os níveis de associação, desde o nível mais privado da “casa” até o nível de cidade. O fato do Barbican ser mais procurado do que nunca no mercado imobiliário, e várias novas publicações sobre o conjunto, contrastam com a possibilidade iminente de demolição de outros edifícios, como o Robin Hood Gardens, muito cai sobre a questão da localização das propriedades, que são privilegiadas e centrais, e suas comunidades locais. Residentes de um conjunto como o Barbican, identificam-se com sua comunidade local, e seu Heidegger em seu ensaio “Construir, Habitar, Pensar”, afirma que: Por mais difícil e angustiante, por mais avassaladora e ameaçadora que seja a falta de habitação, a crise propriamente dita do habitar não se encontra, primordialmente, na falta de habitações... A crise propriamente dita do habitar consiste em que os mortais precisam sempre de novo buscar a essência do habitar, consiste em que os mortais devem primeiro aprender a habitar.67 66    Smithson, Alison; Smithson, Peter; Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson, Studio Vista Ltd, London, 1967; p. 18. 67    Heidegger, M. Construir, habitar, pensar. 1954. Vortäge und Aufsätze, G. Neske, Pfullingen.

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O habitar é, em primeira instância, associada à tradição, segurança e harmonia, com uma situação de vida que garante conexões e significado. Considerações como essas estão subjacentes aos dilemas com que a arquitetura se depara. Portanto, a arquitetura deve enfrentar a tensão entre o habitar e a modernidade. As narrativas do projetado devem ser olhadas de outra maneira a partir de novas apropriações, que carregam em si a individualidade dos moradores e usuários. O habitar coletivo, presente nos espaços urbanos; o habitar público, em edifícios de caráter coletivos; e finalmente o habitar privado, do interior das unidades habitacionais, são conectados entre si pela comunidade que ali habita, com diferentes jogos de relações espaciais projetadas por arquitetos. Os estudos de caso, mostram que esse senso de comunidade, que é as vezes natural do conjunto, já que moradores optam por habitar no conjunto, como é o caso do Barbican Estate, ou as vezes forçado pelos órgãos do estado Inglês, como no caso da Balfron Tower, é importante para entender as atuais apropriações dos espaços. O Golden Lane Estate torna-se interessante nesse sentido, devido a sua mistura de inquilinos do governo e de proprietários privados, que habitam no mesmo espaço público e coletivo, criando um verdadeiro espaço de convívio e de “descompressão” de seu entorno agitado e com intenso movimento em seus pátios e espaços comunitários. O Barbican Estate, na City of London, se tornou uma forte comunidade na área, e tem como a maioria de seus moradores, pessoas ligadas as artes e a cultura, viver no conjunto habitacional hoje, e em contraste com sua localização no centro de Londres, oferece tranquilidade, privacidade e relaxamento aos usuários; a sucessão de atividades culturais do Centro de Artes que integra o complexo; a preocupação com a criação de novas estratégias, em desenvolvimento por parte da City of London, de melhoramento urbano da envolvente imediata; e a preservação visível dos espaços, quer públicos quer privados, que, provavelmente, se deve, em muito, ao estatuto social de quem neles habita e às consequentes preocupações com os espaços que utilizam. A Balfron Tower é um caso interessante, pois após anos servindo de habitação social provida pelo governo, ela passa atualmente por um processo de privatização, reflexo de uma atual “glamourização” do edifício, onde artistas locais então residindo durante o processo de reforma do edifício. Nos três casos analisados, porém, os habitantes buscam, refletir em seu espaço de habitat, a sua identidade pessoal. Não se trata apenas de residir em um conjunto habitacional qualquer, eles se interessam pela história e caráter do local, e sua apropriação reflete esse desejo de viver de um modo quase nostálgico, de um passado recente. Peças que poderiam ser encontradas em um apartamento na década de 1950 ou 1960, estão aqui presentes, como cadeiras Charles e Ray Eames, aparelhos de toca-discos, e pôsteres de design da época. Com projetos de regeneração como Park Hill e Balfron Tower, onde as unidades habitacionais estão sendo vendidas por preços exorbitantes, o Novo Brutalismo foi esvaziado de suas preocupações éticas originais. O recente aumento da popularidade dos edifícios do período pode ser entendido como um processo de estetização. Não se trata, no entanto, da ética brutalista representada, mas sim da aura de radical-chique e retro-revivalismo ainda superficialmente ligada ao estilo. Tudo isso reflete, uma possível “gentrificação” do Brutalismo acontecendo em Londres, e um redescobrimento do movimento pelo mundo.

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Barbican Estate. Londres. foto: Joas Souza 77


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