Brutal(ismo). Volume 1.

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Vilanova Artigas • Paulo Mendes da Rocha • Marcílio Mendes Ferreira • volume 1 • 2016



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Amanda Farinati Ana Clara Bonfim Giovanni Cristófaro Mariana Verlangeiro

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Arquitetura do Brasil Contemporâneo Professora Amanda Casé Universidade de Brasília 2016


Conteúdo

editorial pág. 06

brutalismo: por uma definição pág. 09

panorama: brasil e mundo pág. 10

vestiários do são paulo pág. 13

pavilhão do brasil em osaka pág. 21

rodoviária de jaú pág. 31

sqn 206 pág. 39

entrevista: paulo mendes da rocha pág. 46

pilares do brutalismo pág. 56



editorial

Conexões Brutalistas O termo Brutalismo está longe de ser definido de forma simples e objetiva. Na historiografia da arquitetura, desde Reyner Banham, em sua obra "The New Brutalism: Ethic or Aesthetic?”, nota-se já uma busca pela definição dessa “nova arquitetura”, que aflorara na Inglaterra. Banham perguntava se o Novo Brutalismo/ Brutalismo teria sido uma ética ou uma estética – como se uma e outra coisas fossem opostas no campo da arquitetura. Mesmo apesar de toda sua admirável fraseologia sobre ‘uma ética, não uma estética’, o Brutalismo nunca rompeu com o marco de referência estético. No Brasil, ele teria sido para os arquitetos uma ética ou estética? Deriva apenas de um desejo estético do “bruto” ou representa um contexto, um desejo de uma época? Pode-se afirmar que uma certa arquitetura paulista possa ser parte -mesmo quando não constem declarações explícitas a respeito- da “conexão brutalista” internacional? Banham afirma que o brutalismo se manifesta, em obras situadas nas várias partes do mundo, sem aparentemente nenhuma relação de afinidade entre si, exceto por compartilharem os ensinamentos presentes na obra de Le Corbusier. Nessa edição da revista, são apresentadas duas obras de Vilanova Artigas, cânone da chamada “Escola Paulista”, que mais explorou o brutalismo no país. O trabalho do arquiteto prioriza a questão da identidade nacional que, segundo ele, seria fruto da industrialização e da arquitetura, a serviço da sociedade. Ambas as obras são edifícios públicos e têm, quanto ao partido, semelhanças, como a preferência pela solução em monobloco, ou em volume único, abrigando todas as atividades e funções do programa atendido, além da solução em caixa portante. O Pavilhão do Brasil em Osaka, de Paulo Mendes da Rocha, também aqui abordado, é notório por apresentar ao mundo a arquitetura do Brutalismo paulista, já muito diferente do Novo Brutalismo inglês: reforça questões de território, permeabilidade e fluidez do espaço construído. Prioriza, também, a busca pela representação da identidade nacional. As soluções fechadas em si e pesadas se transformam em uma composição que busca a leveza e se integra à topografia e à paisagem. A obra do arquiteto Marcílio Mendes Ferreira, situada na SQN 206, de Brasília, por sua vez, apresentou uma experimentação, a partir da pré-fabricação, racionalização e industrialização construtivos, defendidos por alguns arquitetos brutalistas à sua época, capazes de gerar variedade estética com poucos elementos. A edição “brutal(ismo)” explora as conexões da arquitetura brutalista pelo Brasil, apresentada de forma a ressaltar o contraste entre o peso do concreto e sua leveza, a partir do tratamento dos pontos de apoio da estrutura, como explorado no artigo Pilares do Brutalismo desta publicação. Nessa edição da revista, iremos explorar essas conexões da arquitetura brutalista pelo Brasil, tentando explorar se ela foi apenas uma ética ou estética, como definiu Banham.


Cromwell Tower: Barbican Estate - Londres

Foto: Giovanni Cristofaro


Ă esquerda:

Barbican Estate - Londres Foto: Giovanni Cristofaro abaixo:

Queen Elizabeth Hall - Londres Foto: Rory Gardiner

Ă esquerda:

Trelick Tower - Londres Foto: Giovanni Cristofaro acima:

Queen Elizabeth Hall - Londres Foto: Rory Gardiner


contextualização

Brutalismo: Por uma definição ELEMENTOS DE DESAQUE EM OBRAS BRUTALISTAS

Considera-se a arquitetura brutalista como uma arquitetura “crua”, com ênfase nos materiais, texturas e construção, produzindo formas altamente expressivas. Vista na obra de Le Corbusier no final da década de 40, com a Unidade de habitação de Marselha, o termo Brutalismo foi usado primordialmente na Inglaterra, pelo historiador e arquiteto Reyner Banham, em 1954, tendo sido adaptada da palavra francesa “beton brut” (concreto bruto), se referindo ao trabalho de Alison e Peter Smithson devido a sua abordagem intransigente à exposição da estrutura e serviços da obra, embora em aço, e não concreto armado. O estilo tornou-se popular entre clientes governamentais e instituições, com grandes exemplares no Reino Unido, França Alemanha, Japão, Estados Unidos, Canadá, Brasil, Filipinas, Israel e Australia. Geralmente demonstrando obras passivas em caráter -nem sempre pelo tamanho, mas pelo peso apresentado, observa-se uma predominância do concreto exposto, mas também o uso, em alguns casos, de tijolos, juntamente com o concreto. As construções são geralmente formadas por elementos modulares repetidos, que formam massas articuladas distintivamente e agrupadas, de modo a se formar obras unificadas.

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I superfícies ásperas inacabadas; II formas inusitadas; III materiais pesados -sobretudo concreto; IV formas massivas; V hierarquia entre os volumes; VI predominancia dos cheios sobre os vazios. O PANORAMA BRASILEIRO O maior representante do brutalismo no Brasil foi a escola paulista de arquitetura. Com uma produção que respondia ao espírito da época, o apelo da engenharia, a preocupação com a racionalização dos processos construtivos e o desenvolvimento de soluções modulares inspiraram uma obra que deu volume à renovação da arquitetura moderna brasileira no período. Neste contexto, desracam-se os arquitetos Paulo Mendes da Rocha, João Eduardo de Gennaro, Pedro Paulo de Melo Saraiva, Carlos Millan, Fábio Penteado, Ruy Ohtake e João Walter Toscano, dentre outros. No panorama brasileiro é igualmente importante à influencia de Mies Van der Rohe e o gosto pelos materiais aparentes e em estado bruto, que vai caracterizar a obra de Frank Lloyd Wright, desde a década de 30.

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panorama


Novo Brutalismo Versão Archpedia

Biblioteca IIT

Mies Van der Rohe Chicago

Unidade de Habitação

Golden Lane Estate Alison e Peter Smithson Londres

de Marselha Le Corbusier

Southbank Centre Londres

1944

Final da Segunda Guerra Mundial

CIAM

1945

1947

1950

1951 Bienais

1954

1953 Museu de Arte Moderna Rio de Janeiro

Edifício de Aula da Engenharia USP São Carlos

Emergência

1956 Brasília


Versão Contemporânea Inglesa Versão Contemporânea de Ohio

Barbican Estate Londres

1960

1970

1958

1961

1964

Ginásio do Clube Paulistano São Paulo

Vestiários do São Paulo Futebol Clube

1973

Golpe Militar

I

Pavilhão do Brasil Osaka

Rodoviária em Jaú

1974 1985 SQN 206

II III IV

MASP São Paulo

“Milagre” Consolidação

Exarcebação

Esgotamento



I Vestiรกrios do Sรฃo Paulo Futebol Clube Vilanova Artigas



autor(es): j. b. vilanova artigas, c. cascaldi data de projeto: 1961 localização: av. jules rimet, bairro morumbi, são paulo, sp. fotografias: http://vilanovaartigas.com/cronologia/projetos/vestiariosdo-sao-paulo-futebol-clube

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obras


Após a realização do Estádio de Futebol do Sao Paulo Futebol Clube, Artigas foi encarregado a executar novas obras para este cliente: foi responsável pela execução dos vestiários do Clube, juntamente com sua Sede Provisória do SPFC, também de 1961. A opção por um edifício longo e estreito, somados a seu posicionamento, estabelece a ocupação de todo o terreno disponível, garantindo-lhe ampla visibilidade, apesar de sua grande extensão (140 m). O edifício baixo e horizontal, de proporção 10:1, tem estrutura de concreto armado com lajes nervuradas, pilotis basicamente aberto e nível superior quase totalmente fechado por empenas de concreto com iluminação zenital, além de marcações de descontinuidades oportunas nas fachadas. Seu ritmo é organizado em três momentos, separados por dois vazios verticais de circulação, numa disposição longitudinal, a partir da extremidade norte, de 6/2/8/3/1 módulos, com aproximadamente 7 m, abrigando compartimento fechado para os filtros das piscinas e área de exame médico no térreo; vestiário masculino no superior; um primeiro vazio com rampas e escadas, com varanda aberta e restaurante em baixo; vestiário feminino e salão avarandado em cima; um segundo vazio de rampas e escadas, por onde se dá o acesso de quem se aproxima desde a rua pela fachada leste; e, finalmente, um módulo com varanda abaixo e sanitários acima. Segue-se um intercolúnio de 14 m configurando um vazio vertical coberto parcialmente e ocupado por rampas e escadas, que parcialmente se lançam fora da projeção do pavimento superior pelo lado brutal(ismo) 1

oeste/piscinas; nesse mesmo trecho a empena superior tem menor altura, indicando claramente a condição de setor mais vazado, também de acesso para o usuário das piscinas. Seguem-se oito intercolúnios de 7 m com pilares ligeiramente recuados da linha de projeção do pavimento superior e dispostos perpendicularmente a esta, de mesmo perfil. Nesse trecho, no pavimento superior, na fachada oeste/piscinas, a empena superior é contínua, no setor correspondente ao vestiário feminino, seguindo-se três vãos parcialmente abertos correspondentes a uma varanda ligeiramente recuada do salão superior, com as duas colunas do meio prolongando-se acima com desenho em triângulo, como um recorte na empena; no lado leste, nesse trecho da fachada, apenas no primeiro vão do salão após o vestiário a empena tem menor altura conformando também uma varanda recuada. O vão maior e o balanço da extremidade sul são congruentes com a menor sobrecarga resultante do espaço vazio. As diferenciações estruturais ocorridas nos diversos trechos do edifício, não colidem com a solução de confirmada homogeneidade e sentido de unidade, que admite variações episódicas. Os jogos de artifícios presentes nos projetos de 1961 de JBVA e CC falam de mais de um conflito que dê uma conciliação entre arte e técnica; e se é verdade que a Arquitetura Paulista Brutalista tem veio estrutural e construtivo, seus bons exemplos não assumem essa herança de forma simplista, podendo ser considerados como arquitetura erudita da melhor qualidade. Segundo Artigas, este projeto provocou forte repercussão entre os arquitetos, tornando-se um verdadeiro marco do “brutalismo paulista”.

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obras



elevações

planta baixa nível superior

planta baixa nível inferior

corte transversal

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João Batista Vilanova Artigas, nasce em Curitiba (PR) em 1915. Se forma em 1937 na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Os projetos do inicio de sua carreira são, na maior parte, residências unifamiliares. Então, os projetos de Frank Lloyd Wright chamam a atenção do jovem Artigas pela unidade de concepção, congregando um alto ideal cívico, uma moral construtiva e um principio formal. Ele se torna então, como uma liderança no debate e ensino da arquitetura paulista sendo um de seus principais fundadores. Se tornando também professor da recém criada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, inclusive formulando seu currículo e projetando seu edifício sede, uma de suas mais importantes obras. Artigas construía articulando pilar, viga e laje para gerar invólucros em concreto aparente que cobrem, preferencialmente com iluminação zenital, espaços continuos e dinâmicos capazes de aglutinar o público. O arquiteto costumava parafrasear Auguste Perret que dizia, “é preciso fazer cantar os pontos de apoio.”.

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II PavilhĂŁo Brasileiro em Osaka Paulo Mendes da Rocha


“ Somos nós que temos que tocar a terra de maneira inaugural, de forma nova, com uma nova visão da paisagem, a verdade na harmonia é a dissonância.” - Paulo Mendes da Rocha



autor(es): paulo mendes da rocha colaboradores: flávio motta, júlio katinski, jorge caron e rui ohtake data de projeto: 1969-70 localização: 10-10 Senribanpakukoen, Suita, Osaka Prefecture, Japan fotos: arquivo paulo mendes da rocha


A participação do Brasil em exposições universais desde 1862 contribuiu de maneira significativa para a consolidação da identidade de sua arquitetura, como afirma Margareth da Silva Pereira. Destacam-se, neste contexto, três projetos de pavilhão, considerados como obras primas pela historiografia da arquitetura brasileira: os pavilhões de Nova York 1939, de Bruxelas 1958 e de Osaka 1970. A arquitetura brasileira havia sido reconhecida como manifestação nacional da modernidade internacional e recebido atenções mundiais entre 1945 a 1960. Já em finais de 1960 essa não era mais a mesma, ocorre o esgotamento das pautas da escola carioca e a arquitetura paulista ainda não havia sido reconhecida e valorizada. Neste período, devido ao cenário político e ao endurecimento do regime militar em 1968, a participação em exposições universais não foi um assunto prioritário, ocasionando a ausência do país na importante Exposição Universal de Montreal de 1967, que antecipou a de Osaka. Depois de 12 anos fora do circuito de exposições universais, a participação do Brasil em Osaka representava a possibilidade de trazer de volta a arquitetura brasileira ao cenário internacional. Nesse sentido, o projeto do Pavilhão do Brasil buscou provocar a reflexão sobre questões de brutal(ismo) 1

identidade nacional e representação brasileira, além de abordagens relativas à dicotomia “arquitetura e lugar”. Segundo PISANI, 2013 o pavilhão, em primeiro lugar, oferece a si próprio: a partir de duas vigas de concreto armado protendido, que sustentam uma cobertura, o espaço único, permeável e articulado pela conformação do solo, é tensionado sob a laje plana da cobertura e o relevo do tereno. Este espaço privado de limites tem a sombra, que a cobertura projeta sob o solo, como único elemento limitador. Neste projeto de Paulo Mendes da Rocha nota-se a presença do território como um continuum. O projeto é uma praça em um parque. Aberto, com seus limites indefinidos para o exterior, o pavilhão aborda a relação entre técnica e natureza: para o arquiteto, essa natureza é a “mecânica dos fluidos”, ainda mais que a paisagem; é da natureza que se trata, portanto, no caso das tensões, cuja compreensão e padronização são expressas na configuração das vigas, em conformidade com o diagrama dos momentos fletores. De acordo com o arquiteto: “A nova arquitetura se adapta e reforça o espírito físico do lugar. A natureza indomada é parte intrínseca da arquitetura e não um resíduo paisagístico. As obras não estão em um terreno, elas são um terreno.”. 25

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1. planta de cobertura 2. planta nĂ­vel tĂŠrreo 3. planta nĂ­vel subsolo

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cortes

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Paulo Mendes da Rocha (1928) nasceu em Vitória, no Estado do Espírito Santo, Brasil. Formou-se arquiteto pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, São Paulo, em 1954. Convidado por Vilanova Artigas, de 1959 a 1998 foi professor da disciplina de Projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Em 1955 abriu escritório próprio, tendo, mais recentemente, se associado a outros escritórios de arquitetura. Com o projeto de restauração da Pinacoteca do Estado de São Paulo recebeu, no ano de 2000, o II Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-Americana, um ano depois de ter sido indicado para o mesmo prêmio com o projeto do Museu Brasileiro da Escultura – MuBE. É autor, dentre outros, dos projetos do MuBE – Museu Brasileiro da Escultura, Centro Cultural FIESP, Pinacoteca de São Paulo (adaptação), Poupatempo Itaquera, Terminal de ônibus do Parque D. Pedro II. Paulo Mendes da Rocha ganhou o Prêmio Pritzker em 2006, principal distinção dada a um arquiteto.

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III Rodoviária de Jaú Vilanova Artigas




autor(es): j.b.vilanova artigas data de projeto: 1973 localização: rua humaitá, centro, jahu, sp. fotos: nelson kon

Situada entre duas ruas paralelas, e ladeada por duas praças, a rodoviária se instala como o ponto de transição entre complexos fluxos circulatórios, tanto de veículos quanto de pedestres. Daí o aspecto vazado de sua estrutura e a força expressiva preponderante da rampa que interliga os quatro pisos da estação. Os diversos setores são distribuídos em faixas longitudinais em torno do vazio central, onde domina a rampa. O acesso dos ônibus ocorre por uma rua interna, paralela às vias limítrofes. Uma única laje perfurada em dezoito colunas abriga esses diferentes níveis de circulação. Nesses pontos das colunas, há uma variação no cruzamento das vigas pela presença dos pilares. Onde ocorreriam os cruzamentos há uma abertura na laje e as vigas descem curvas

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até alcançar o topo dos pilares no nível do piso. Na rodoviária, onde os pilares sobem, atravessam as lajes intermediárias, dividem-se e arqueiam para se conectarem à laje de cobertura, abrindo a matéria à luz, fica evidente que a questão central dessa poética de opostos é menos a forma e mais o espaço. O edifício aproveita o acentuado declive topográfico. Os acessos principais ao edifício estão por seus dois lados opostos mais extensos, através das vias que passam pela cota mais alta e pela mais baixa do terreno. Outros dois acessos secundários estão nas laterais do edifício, paralelos à via de acesso dos ônibus, através da rampa que surge do passeio público e leva a um nível intermediário do edifício.

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planta de implantação

planta primeiro pavimento

planta segundo pavimento



planta terceiro pavimento

cortes



IV Bloco A-22: SQN 206 MarcĂ­lio Mendes Ferreira



autor(es): marcílio mendes ferreira colaboradores: takudoo takada data de projeto: 1974 localização: sqn 206; brasília - df fotos: lucas abreu

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Os blocos da SQN 206, projetados por Marcílio Mendes Ferreira com apoio de Takudoo Takada, foram pensados para acolher os professores da UnB e funcionários da CEF, por meio de um acordo, no qual a universidade ficaria com seis edifícios, enquanto a Caixa com cinco. Devido a um curtíssimo prazo de planejamento e execução, os onze blocos da quadra, cada um com 36 apartamentos de cerca de 120 m2, foram iniciadas no ano de 1977 e finalizadas em apenas 16 meses. O emprego da modulação e utilização de elementos pré-moldados, foi um dos artifícios utilizados pelo arquiteto para integrar os edifícios com a unidade de produção da cidade. Das obras realizadas na capital que possuem essa marca, destacam-se as projetadas por Oscar Niemeyer e João Filgueiras Lima, também conhecido como Lelé. As fachadas dos blocos são caracterizadas pela sua rica textura, sendo que, sua fachada principal, apresenta um único plano de textura, se contrapondo com sua fachada posterior, com uma mistura de superfícies. O efeito se dá pela pela repetição de apenas três tipos de peças pré-moldadas , misturadas com os cobogós que resguardam área da escada e áreas de serviço dos apartamentos. Suas fachadas de apoiam em duas fileiras de brutal(ismo) 1

pilares duplos revestidos em mármore, que complementam o branco das empenas laterais cegas, que se integram com conjunto de fachadas de maneira a contrastar a suas grande presença de texturas. Os edifícios possuem três caixas de circulação vertical no interior de seu volume. Cada prumada da acesso a dois apartamentos por andar, por meio de dois elevadores. O elevador social se abre para o acesso principal das unidades, enquanto o segundo se volta para a área de circulação, onde se encontram a escada e suas áreas de serviço. Cada apartamento possui três quartos, dois voltados para a fachada principal, juntamente com a sala, e um para a fachada posterior, sendo esse o único ambiente com janela nesta fachada. A modulação de sua planta se da de maneira perpendicular à fachada, o que integra a aparência externa com sua divisão interna. Os blocos da quadra 206 são os exemplos de uma série de edificações, que apresentam fachadas de grande expressão, com o emprego de elementos pré-moldados, vigas de transição, platibanda e empenas cegas que emolduram os seus grandes painéis modulados, tudo isso somado ao emprego de pilotis de forma diferenciada. Os edifícios conservam as características originais de sua construção, não apresentando grandes intervenções. 42

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elevaçþes

planta pavimento tipo


Marcílio Mendes Ferreira é natural de Rio Pompa, Minas Gerais. Em 1958, no auge do movimento moderno no Brasil, ingressou na Escola de Arquitetura na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), local onde teve influencia por figurais como Edgar Graeff, Shakespeare Gomes e Sylvio de Vasconcellos. Teve sua formação em um ambiente de forte cunho técnico, somado a professores sensíveis adeptos ao movimento moderno. Graduou-se em 1963 e nos três anos que se seguiram montou um escritório em parceria com seus colegas Márcio Pinto de Barros, William Ramos Abdalla, Euza Rego Freire e Amílcar Boucinhas. Mas foi em Brasília que Marcílio decidiu construir sua carreira, em 1967 mudou-se para a capital, em busca de trabalho e em 1968 conseguiu ingressar no Departamento de Engenharia da Caixa Econômica Federal, e onde permaneceu, como arquiteto da Caixa, até o ano de 1993. O conjunto de obras de Marcílio é relevante tanto pela suas qualidades plásticas quanto pela sua singularidade histórica. Sua realização só foi possível por um conjunto de diversos fatores políticos, econômicos e sociais da época, resultados da interseção de três fatores principais: o momento histórico, o papel da Caixa, e o papel social do arquiteto. brutal(ismo) 1

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entrevista

Paulo Mendes da Rocha

Esta entrevista surgiu pela necessidade maior de uma investigação para fins de dissertação de Mestrado, a ser realizada durante os anos de 2003- 2004, acolhida e fomentada pela Capes via programa Propar-RS, junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Muitas das perguntas enfocarão, basicamente, o tema: Pavilhões Brasileiros em Exposições Universais, tendo em vista a participação do Arquiteto Paulo Mendes da Rocha no projeto do Pavilhão do Brasil, construído na Feira Internacional Expo’70, na cidade de Osaka, no Japão. O objetivo maior desta entrevista foi colher informações complementares sobre a arquitetura do Pavilhão do Brasil na em Osaka, assim como abordar assuntos que referentes diretamente à arquitetura deste pavilhão, enfatizando de certa forma, momentos políticos, sociais e culturais no Brasil e no mundo. I. Arquitetura moderna paulista e carioca Andrea Macadar: A influência tanto da ética, quanto da estética esbarrou na característica estrutural vista através do concreto aparente, tão utilizado por Vilanova Artigas e seus seguidores. A visualização da estrutura – de uma forma quase didática mostrando a postura ética junto à verdade estrutural – assumiu características formais e compositivas próprias a ponto de conseguir uma afirmação como corrente arquitetônica autônoma e reconhecida. Mesmo que em algumas obras do Brutalismo Paulista o concreto brutal(ismo) 1

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tenha sido utilizado como plasticidade formal, nunca chegou a dissimular o propósito de uma estrutura, sempre foi possível identificar facilmente os componentes estruturais propostos no projeto. O pensamento arquitetônico do Brutalismo Paulista estava imbuído de ética. Qual o seu pensamento referente a estas posições tomadas pelo movimento brutalista paulista durante as décadas de ’50 e ’60 no Brasil? Paulo Mendes da Rocha: Ela começa a espernear de novo. É antes também, e continua. É sempre. A essência da nossa emoção para conseguir viver, a motivação da vida mesmo se você quiser. É ligada à idéia de formação, de consciência e linguagem. Eu estou sempre a fim de dizer para o outro, porque eu vou embora e tem que continuar essa coisa toda no planeta. Portanto, essa dimensão didática, de desvendamento de como foi feita a coisa, não é de época. Vai ficar para sempre. E eu não acho que um estudioso possa querer prestar atenção no brutalismo paulista. Não sei porque, mas o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, do Reidy, é brutalismo paulista. E a escola do convênio Brasil/ Paraguai, do mesmo Reidy, lá no Paraguai e o Hangar que pouca gente vai, fazem parte daquele contexto. Deviam fazer comitiva para visitar, no Rio de Janeiro, o Hangar no aeroporto Santos Dumont. Não a estação, mas sim o Hangar, onde estão os aviões que você, da rua vê lá dentro. O edifício é perpendicular à estação. Está na área interna do aeroporto. É uma coisa maravilhosa de clareza estrutural, e técnica, etc. E quando abrem as portas desse hangar, ele desaparece. Os aviões ficam na mesma pista, como se não tivesse nada e a estrutura flutuando lá em cima, etc. Aquele Hangar, se não me engano, é do Atílio Corrêa Lima também ou dos irmãos Roberto. Mas é tudo fruto da entrevista


engenharia do Rio de Janeiro, dos calculistas do Rio de Janeiro que eram muito bons na época. A coisa de Porto Carrero da engenharia do Rio de Janeiro. Bom, portanto eu não vejo como extinto isso ou aquilo. E a menção da idéia de ética é o que me leva a dizer: sim, você tem razão, mas sempre houve uma arquitetura. Nada mais construtivista que uma catedral gótica com pedras cortadas meticulosamente para ficarem em pé daquele jeito, constituído de arcos, etc., com distribuição de esforços. Nós sabemos que se você tirar uma pedrinha daquelas cai a catedral inteira. Portanto, a arquitetura foi sempre foi assim. Eu não aceito, eu acho que é uma visão esquemática para fazer do ensino da arquitetura um negócio quase, que você pode fazer escolinhas, imprimir folhetos. Acho que o discurso deveria ser mais consistente no ponto de vista, e, literalmente sem escrúpulos, do ponto de vista filosófico. Uma reflexão profunda sobre o andamento histórico do conhecimento humano. Como a demanda, é aquilo que não foi feito ainda. Se não, você se satisfaz com esses movimentos, a expressão mais pura dessa época, aparece e tira fotografia dessa obra, e os problemas continuam todos os mesmos. Eu acho que a questão fundamental da arquitetura é resolver problemas. Portanto, se você quiser dizer assim, que qualidade a arquitetura deve ter, imprescindível, se tivesse que dizer uma só qualidade, eu acho que ela deve ser “oportuna”. Estamos em cima desse planetinha, girando perdidos no universo. Agora, ninguém discute mais isso. Veja você, há quão pouco tempo houve um homem que disse que não, que não é o sol que gira em torno da terra, é a terra que gira e foi condenado à fogueira? Faz 400 anos só! Que o senhor Galileu passou por essa aflição. Agora sabe o que é que fazem com os Galileus? Mandam pôr um smoking, vão para uma festa linda e ainda recebem um cheque de um milhão de dólares. Chama-se o Prêmio Nobel. Você acha que não mudou nada? Mudou, principalmente o método. Necessariamente terá que mudar a maneira de encarar esse andamento das coisas. Elas já andam de um modo diferente, já estamos todos, agora, conscientes do que realmente é questão, etc., etc... É a instalação humana na natureza, e coisas do tipo. Não só as coisas são vistas com redimo assim, por capítulos herméticos, como a nossa historia não vai se suceder mais por capítulos herméticos, tão herméticos. Não vai ser possível, você raciocinar assim. Nunca teria sido possível, só que não se sabia com tanta clareza como hoje, tu compreendes? Porque uma questão banal – quando se diz que todo mundo concorda, portanto, quando se diz – fala de multidisciplinaridade. Por exemplo: que hoje a brutal(ismo) 1

arquitetura, é supremamente multidisciplinar. Percebe-se, claramente, que não é um somatório de disciplinas o que resolve essa questão. Se você quiser manter a afirmação porque é imensurável, não é um somatório de disciplinas ou de conhecimentos com uma carga enorme, é uma qualidade peculiar de conhecimento. É conhecer de um modo peculiar, pois estamos todos nessa. Portanto, por exemplo, acho a ciência e a técnica, cada vez mais decisivas na hora de você decidir uma coisa que ainda não existe. Nós somos artistas, técnicos e cientistas, descendentes do macaco, se não, não estaríamos aqui. Portanto as obras suscitam interesse porque conseguem a convocação do conhecimento.

Casa Junqueira, São Paulo

II. Pavilhão Brasileiro e a Expo de Osaka Andrea Macadar: Para Montaner (1996), a sua obra “faz pensar a arquitetura moderna brasileira desde uma outra modernidade. Como um horizonte, onde a autonomia dirige sua arquitetura e se mantém como uma abertura e não como um encerramento [...]. Durante os anos 1970, o Brutalismo Paulista disseminou-se em tom menor pelo país, espalhando-se pela imitação formal diluída e nem sempre criteriosa através de outras regiões brasileiras”. O esgotamento se deu em parte pelo impulso transformador e na obtenção de realizações menos significativas, identificadas muitas vezes em sua grandiosidade e ousadia estrutural como monumetalismo estatal daquele momento. Mas, para o Pavilhão Brasileiro da feira internacional de Osaka – que, a princípio pretendeu representar sua melhor intenção para com a arquitetura internacional, e ainda promover novas aflorações contestativas da cultura nacional – fica a 48

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questão sobre o que o senhor realmente quis demonstrar com a arquitetura do Pavilhão em Osaka, e, quais os pontos sociais e culturais representados por ele para aquele momento (ano 1970)? O senhor afrontaria estas descrições como uma forma de abertura para a arquitetura brasileira? Por quê não um encerramento talvez tardio ou atemporal para a representação arquitetônica daquele período cuja arquitetura brutalista enfrentava novos questionamentos na esfera mundial?

volvimento tecnológico. Mas não sei se todos os países têm essa preocupação com a idéia fundamental do que seja arquitetura, quanto à cidade contemporânea, coisas do tipo: Como é que fica o transporte público? Acho que a vida cotidiana fica muito longe do edifício simbólico de um modo geral. Nós estamos vivendo uma outra época que não é a época que as populações se moviam pela religião, por exemplo. Atravessavam desertos, abriam-se as águas do Mar Vermelho e atravessavam comandados por Moisés. Essa época já passou. Portanto, a catedral, a monumentalidade, atualmente somos nós, a consciência que temos da presença do homem no universo. E passou esse tempo. É impossível você simbolizar essas coisas, já não é mais a nossa época. Então um pavilhão hoje podia ser qualquer coisa muito extraordinária, que não tem muito a ver com a questão arquitetônica, com arquitetura propriamente dita.

Paulo Mendes da Rocha: Acompanhei a construção do Pavilhão do Brasil lá em Osaka e de muitos outros. E mesmo se eu não soubesse – você deve ficar atenta, no caso, como o Brasil, estou falando de Osaka aqui, por exemplo – como o Brasil já chegou tarde pra questão, eu quando cheguei lá, pude ver os outros pavilhões em fase de acabamento. E você percebe que é uma arquitetura peculiar, não serve como modelo de arquitetura. A União Soviética fez qualquer coisa com cento e tantos metros de altura. Estava na época dos primeiros vôos, não é? Os vôos foram em sessenta e poucos. Aquela, em setenta, era a década dos astronautas. Então as coisas tinham esse caráter fundamentalmente simbólico, inclusive o nosso pavilhão que eu não vou nem comentar. Mas não serve como. Não sei se foi isso que você falou, mas queria dizer que eu não concordo, não representa a arquitetura, de jeito nenhum, porque eu me lembro muito de um país asiático onde havia dois ou três pagodas, verdadeiros pagodas, sabe o que é um pagoda? Aquelas construções de telhadinhos sucessivos. Havia um da Tailândia, cada um se dá o direito... O próprio pavilhão do Japão é um exemplo interessante de tecnologia aplicada: um imenso pavilhão que foi todo suspenso de uma só vez. A cobertura, tudo isso é muito interessante, mas não é uma questão que você pode colocar num âmbito de desenvolvimento da arquitetura, ou da expressão da arquitetura no momento, não é bem isso. Claro que há exceções, como o famoso pavilhão do Brasil, do Niemeyer e do Lúcio Costa. É porque eles estavam levando a arquitetura como uma coisa pra lá de extraordinária, é uma questão tipicamente americana, de consciência sobre a natureza, e vamos inaugurar a cidade contemporânea para os outros. Não era tanto assim, era de novo uma visão efetivamente simbólica.

Pavilhão do Brasil, Osaka

AM: E a identidade cultural não deve permanecer? PMR: Não é, é que tudo isso acabou. Essa história de identidade cultural, ela existe para mover coisas porque existe, nada disso se extingue da noite para o dia. Mas o interesse em exprimir essa identidade ela já não tem, é quase arqueologia para todo mundo. Para um africano se reportar a máscaras, a hábitos, já é uma arqueologia para ele mesmo. Nós somos um homem contemporâneo muito pela primeira vez e temos que assumir consciência disso. Naturalmente, feito com toda história. Não é que sejamos uma novidade, somos novidade para nós mesmos entendermos isso. Tanto que as dificuldades estão aí. Ainda se mata. Se você imaginar um homem matando o outro é uma visão terrivelmente arcaica, não é verdade? Pelo menos

AM: Qual seria a maior função do pavilhão brasileiro em Osaka? Ele existiu para abrigar uma certa função, qual seria a principal? O que deve representar? Deve representar um momento? PMR: Não, ele representa um conhecimento, desenbrutal(ismo) 1

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é o que se imaginava. E imaginar um homem que seja capaz de fazer isso – não porque seja pecado, nos dez mandamentos, seja de que religião for – ou de que código jurídico for, simplesmente porque sim, não é do âmbito humano, leva um tempo. Nós estamos nesse andamento. Só que eu não saberia. Não quero dizer que eu tenha razão, mas acho que não estamos mais em época de dizer quem somos, como uma nação especial, isso e aquilo, numa feira internacional. Somos todos cidadãos desse mundo, inclusive na prática, no ponto de vista antropológico. O que é a população hoje de um país? É toda miscigenada.

fez na Mondadori em Milão, que é o grande Pavilhão da Mondadori. Depois que você entra no subterrâneo, você não sabe onde vai dar lá fora. E quando surgem lá no auditório, no saguão do auditório, a cafeteria e a livraria, você sai num terraço fora e vê aquela Mondadori onde você estava lá longe refletida no lago já andou quase cem metros, cinqüenta metros no mínimo se distanciando um do outro. Isso é muito lindo porque é o contraponto cenográfico de um para si mesmo... É um espelho, uma mirada, uma especulação de si mesmo. É muito interessante. A figura no anexo em arquitetura, é histórica. AM: E esse passeio, gerado de certa forma, ele continua... Em todos os pavilhões, nas formas de acesso e circulação.

AM: No caso do Pavilhão Brasileiro de Osaka, então não teve nenhum motivo para ser de alguma maneira representativo?

PMR: É eu sei.

PMR: Não, eu não pensava assim naquele tempo, é quase meio século, nos anos 70, nós estamos...Em 2004. Para mim, ainda naquela época, o que aquele pavilhão queria exprimir, antes de mais nada, era a consciência da ocupação dos estados naturais da América com as construções. Então, simbolicamente, era um teto ideal, que teria um teto de cristal da nossa FAU, colocado sobre a própria paisagem, que seria a paisagem simulada naquelas colinas, com um número mínimo de pilares, ou seja, uma especialidade técnica de construção que pretendia revelar nítido conhecimento técnico para fazer o que quisesse. Portanto duas boas vigas para aquele vão e cada viga apoiada em dois pilares com a sucessão mais normal, mais tranqüila de esforços: balanço – vão central e balanço lateral, porém não em quatro vezes. Um dos apoios se transforma na cidade de modo simbólico. Aqueles dois arcos cruzados são a cidade. E chamamos “largo do café” para dizer uma cidade brasileira, do ponto de vista simbólico. Uma coisa mundana, gentil e um tanto divertida. Afinal de contas é uma feira em que todas as instalações, vamos dizer, enjoadas no caso, são aborrecidas...:Banco do Brasil, Cacex, Itamarati, escritorinhos... Aproveitamos o aborrecimento, o contratempo, para resolver de uma maneira que me pareceu também interessante para a arquitetura dessas feiras mundiais, sempre históricas. Fazer um anexo, ou seja, um lugar onde você vê você mesmo. Porque o anexo é muito intrigante, a figura do anexo em arquitetura, é o mesmo que se vê do outro lado, enfim. Se você construiu alguma coisa em que você estando lá dentro só vê lá fora, a idéia do anexo corresponde a um contraponto de si mesmo. Um dos exemplos mais extraordinários é a famosa torre inclinada em Pizza, que se eu não me engano, é o batistério. Outro famoso, já nosso, digamos, é o que o Oscar Niemeyer brutal(ismo) 1

AM: No caso de 39 a rampa, seria um passeio… PMR: Ah, sim! A rampa é externa… AM: Você vê o anexo, de dentro também vê uma parte lá fora… PMR: Pode ser, mas eu não pensei nisso. Eu pensei no anexo em tese, não pensei nesse ou naquele...

Pavilhão do Brasil, Osaka

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AM: Não teria nenhuma relação… PMR: Não nasceu nada por isso! Não era um pavilhão feito contra a Ditadura Militar, de jeito nenhum... A Ditadura Militar que era contra a liberdade e a expressão da inteligência brasileira. É diferente… AM: A interpretação era deles, no caso? No seu caso a sua arquitetura ela não tem assim, vamos dizer, essa coisa de querer ir contra?

Capela, Campos do Jordão

III. Política, cultura e arquitetura Andrea Macadar: Com relação à questão política, você acha que teve alguma relação importante naquele momento, impressa no Pavilhão de Osaka? Algum conceito proposital a exprimir, ou alguma outra frente... Já escreveram tanto sobre esse assunto... É um assunto que me intriga e realmente gostaria de ter isso mais claro! Paulo Mendes da Rocha: Em que sentido? Em relação à Ditadura Militar? AM: Exatamente. Se o Pavilhão teve alguma referência direta? PMR: O Pavilhão teve para eles. Para nós, era só expressão de liberdade. Bloquearam o propósito da mostra interna que era justamente o ensaio sobre a idéia da consciência, sobre ocupação dos espaços na América pela civilização de um modo geral, e coisas do tipo. Para nós, não era uma intenção de confronto, era simplesmente um exercício da liberdade. Eles interditaram praticamente o Pavilhão para não ficar mal para o Brasil construir a parte edificada de pedra e cimento, digamos em ferro. Mas não mandaram contratar uma empresa para fazer uma “exposiçãozinha mambembe” como sempre se fez, de “berimbau”, “rede” e “tendas de índios”,essas coisas. AM: No inicio não era algo que saiu de dentro, como se quisesse também demonstrar, lá fora, o que estava acontecendo aqui no país? PMR: Não, não seria o caso… brutal(ismo) 1

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PMR: Tem, de querer ir contra, você pode dizer que tem, para eles tem. Tudo que é livre... Quem reprime a liberdade... Mas não era panfletária se você quiser, não fazia parte de um movimento contra a ditadura... Eu fui cassado pelo AI5... Eu fazia parte como muitos filósofos, professores na universidade, colegas. Por essa razão ou aquela razão. Eram obstáculos à implantação de um regime fascista, de fundamentos repressivos fascistas. AM: Retomando a parte conceitual do Pavilhão em Osaka. Com relação à representação nacional, o senhor acha que não teria e não tem porquê, vamos dizer, uma arquitetura que deva ser nacional lá fora? Isso aí estaria fora de cartaz, vamos dizer... Não estaria relacionada diretamente ao que estava se fazendo aqui naquele momento? PMR: Essas questões são muito delicadas, mas eu nunca vi assim. De qualquer maneira, elas mudam, no tempo, esses conceitos... Ou pelo menos o conceito propriamente não, mas a ação das pessoas. Eu acho que talvez não volte nunca mais, porque essas coisas não voltam para trás. A afirmação de peculiaridades especificas daquela cultura, ao contrário das diversidades culturais, tem que demonstrar que todas, cada uma a sua maneira, almejavam justamente esse encontro definitivo do habitante no planeta. Naturalmente você jamais construirá nada nas regiões polares árticas do mesmo modo que constrói nas costas mediterrâneas ou nas nossas cálidas e deliciosas praias. Isso é mais ou menos óbvio. Por outro lado não faremos, com certeza, palácios de blocos de gelo como um “iglu” de camponês no lugar do esquimó. Isso que eu quero dizer, é que a técnica, a ciência e as artes do arquiteto são uma coisa só. Você vai fazer o oportuno. Se você tiver que fazer uma universidade na Amazônia, você vai saber perfeitamente que nessa universidade, de um modo muito peculiar, vai se especular sobre a natureza, entrevista


e tudo isso. Portanto, é de presumir que uma grande parte dessa universidade seria dedicada à botânica, à vida vegetal e animal, e à vida no planeta de certas águas. Portanto, serão laboratórios refinadíssimos, com instrumentos que exigem climatização perfeita, microscópios eletrônicos, por exemplo, balanças de precisão total, centrífugas que se aborrecem até com a rotação da própria terra. Portanto, se você pensar que, porque está na Amazônia vai fazer uma universidade de pau a pique, como alguns arquitetos já pensaram, é uma ingenuidade total. Você não tem que representar mais que no macaco está a sua origem Já sabemos. Somos um homem contemporâneo, então você vai ter que fazer alguma coisa muito bem fundada no clima todo, naquelas terras frouxas e inundáveis, portanto turbilhões pneumáticos, estacas travadas, o clima todo, os ambientes absolutamente controlados do ponto de vista climático, o grau de umidade isso e aquilo. Por outro lado, tão transparente, de cristais, e tão belo, com a floresta tão encostada tão perto quanto possível, são problemas técnicos. Portanto, não vai fazer com a mesma madeira da floresta para dizer que esta fazendo uma arquitetura do lugar que representa... Isso é uma idiotice que não tem tamanho. O fio de prumo, por exemplo, não tem nacionalidade. Por isso você pode fazer um croqui aqui e construir depois lá no Japão. É essa a minha opinião. A presença fundamental e o grande encanto do momento que estamos vivendo da arquitetura. Isso não nos afasta da mais remota memória do passado, ao contrario; é justamente uma manifestação como conseqüência, já na expectativa, há muito tempo, esperada, por todo esse esforço que fizemos, digamos, desde o neolítico. É para isso, não é para demonstrar cada vez mais qual é a tribo desse macaco, ou qual é a tribo daquele outro. Isso não faz sentido nenhum.

tiveram a sua importância. São inaugurações de uma idéia que já está consolidada e que se desdobrou na própria ONU, ONG’s, etc. Mas já deu os frutos que tinha que dar. Compreende? Isso não quer dizer que não tenhamos que voltar a outras formas originárias para futuros frutos. Entretanto, o mesmo tipo de exposição talvez seja tolice, já estamos carecas de ver um ao outro. Você aterriza no aeroporto do outro hoje em dia, quase que diariamente. Então essa exposição mundial está num “tour” que hoje se faz, aterrizando em Paris, depois em Roma etc... E você está vendo, pois hoje nós visitamos o mundo inteiro. Isso tudo ainda é muito recente. A América foi descoberta como quem diz a cinco, seis gerações atrás. É nada quinhentos anos. A explosão do universo, não representa coisa nenhuma. A nossa vida é muito breve. De qualquer maneira é a nossa vida e não temos outra, não podemos reclamar disso. É todo o tempo de nossa vida, é uma vida inteira. Mas as coisas andam de geração em geração, de século em século. Então para mim, essas feiras já deram os frutos que são esses, justamente, a estreita convivência dos dias de hoje entre as nações do mundo. Poderiam se fazer outros eventos com caráter de feira. Já estão fazendo sobre a cidade contemporânea, sobre isso, sobre aquilo, fórum social mundial. Esse é o fruto das feiras. O padre Vieira tem discursos que eu guardei de cor, mas não porque eu seja um sábio que lê Vieira, não leio. Eu vi citado numa coisa muito bonita que comentava justamente cinema. Esqueci o nome do nosso querido cineasta que fez isso, infelizmente, mas todo mundo deve saber. Eu acho mesmo que era o projeto da vida do Vieira. Não sei se foi Nelson Pereira dos Santos quem que fez, mas ele deu uma entrevista sobre isso em que ele comenta que o próprio Vieira já tinha, nos seus discursos, uma visão absolutamente cinematográfica. Ele convocava as pessoas para entenderem o que ele estava dizendo em última estância, ou entre outras estâncias, com imagens. Ele estava falando justamente sobre as virtudes do discurso, como quem diz “eu estou falando tudo isso e vocês não estão entendendo, não levam a sério, não acreditam”. Então, lá pelas tantas ele diz assim: “quereis ver com os olhos de ver, então vede. A árvore possui raízes, troncos, galhos, ramos, folha, flores e frutos”. Ou seja, ele está jogando com os frutos, que aquilo frutifique. Então já frutificou. Seria um pouco absurdo reservar imensas áreas não sei aonde e territórios para as feiras. Têm-se usado como argumento, nas últimas feiras, a idéia de modernização das cidades, o que eu acho no sentido da palavra, na

AM: Você mesmo coloca essa mutação conceitual das próprias exposições como um caminho necessário. Qual a sua opinião em relação a este assunto? Ainda se justificaria esse tipo de exposição universal, no caso de Osaka, no mundo? O senhor acha que tem a mesma justificativa? Mudou em relação ao século passado, vamos dizer, do séc. XIX aos dias atuais, desde as primeiras que enfatizavam a troca, comércio e produtos? Você acha que hoje esse tipo de evento ficaria com esse mesmo conceito comercial ou mudou? PMR: A minha impressão é a seguinte: que essas exposições do passado, tão comentadas e tão faladas, brutal(ismo) 1

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minha opinião, uma infâmia. É como se fosse a necessidade de rede de saúde melhorada para atender às crianças, de transporte público para apaziguar as aflições da população e realizar mesmo a espacialidade da cidade contemporânea. O enfrentamento da questão da habitação acessível para todos é ineficaz! Os governos, os órgãos de decisão, a democracia na sua representação não se comovem com isso, simplesmente não fazem. Então eu preciso fazer uma estapafúrdia, uma “Feira Mundial” para mexer com a cidade. Eu sou absolutamente contrário a essa idéia, alimentar essa idéia. Porque o que sobra das feiras, geralmente, é um desastre. Isso, para os arquitetos é uma pena. Você comenta – pelo menos no pequeno dossiê que me mandou – a extinção dos CIAM’s, etc. É uma pena que não se mantenha esse tipo de fórum permanente como discussão de questões de arquitetura para comentar coisas desse tipo. Você move o capital e enriquece as empresas de turismo e outras tantas e larga um escombro que a cidade, mesmo ela, não tem condições de absorver aquilo tudo como útil para si mesmo, apesar de uma avenida ou outra, uma coisa ou outra servirem. Portanto, você produz justamente uma exibição de como é a classe dominante de um modo geral, os governos. Perdulárias em relação ao atendimento das questões cruciais da população que justamente contém essa demanda crucial. O desenho essencial da cidade. Eu acho uma estupidez fazer cidades com carnaval, feiras e coisas do tipo. É mesmo um museu extraordinário. AM: Até mesmo as Olimpíadas, que já são um caso… PMR: A Olimpíada pode-se dizer que também. Eu tenho a impressão que vai dar algum desastre. Mas, de qualquer modo, a história das Olimpíadas deve-se elogiar porque tem sido um fator importante na construção da paz. Mas também a tendência é degenerar por que já começa a questão da disputa dos prêmios, etc. De um modo exagerado.

Croqui do Pavilhão do Brasil, Osaka brutal(ismo) 1

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Praça do Patriarca, São Paulo

IV. CIAM, Pavilhão de Sevilha e outros assuntos Andrea Macadar: Com o fim dos CIAM’s, houve uma ruptura em termos ideológicos. Não mais existiam pretensões de mudar o comportamento, o modo de vida, de produção ou regime de propriedade do homem sobre o solo. A intenção que passou a vigorar foi a utopia do possível, da aceitação das expectativas do ser. A arquitetura passou a refletir sobre a convivência das diversidades. O paradigma formal passou de um modelo genérico universalista do homem, onde os aspectos contextuais e culturais passaram a determinar novas considerações. Qual foi a sua posição defendida naquele momento, que ideais foram seguidos e efetivamente configurados na sua posição de arquiteto? Paulo Mendes da Rocha: Na minha consciência, eu posso estar enganado, eu não passo por esse dilema. Para mim, as questões postas pelo CIAM, pelos paradigmas assumidos como paradigmas, por muitos que eu tenho visto, lido, para a arquitetura moderna, chamado o movimento moderno da arquitetura, nunca foram dogmas. Eu continuo o mesmo porque eu acho que as convocações tidas naqueles chamados paradigmas, que para mim nunca foram paradigmas, são de caráter urbanista que permanecem às vezes com mais ênfase ainda. Nunca a população brasileira foi tão humilhada, porque nunca esteve tão na frente de todos, no âmbito urbano, com a sua pobreza. Vieram muito rapidamente do campo, ultimamente. Para que nós saibamos que habitação popular é na área central, porque é lá que estão os benefícios, etc., etc., já instalados, dentro daquilo que consideramos uma cidade. Nós não enfrentamos ainda. Não tem nada que ver com o CIAM. É uma pena que o CIAM tenha sido extinto, porque como até já comentamos, seria muito interessante manter esses fóruns, ainda que modernizados. entrevista


AM: Referente à seleção do último projeto realizado mediante o concurso nacional de arquitetura organizado pelo IAB – Nacional junto ao governo para a realização do Pavilhão Brasileiro da Expo’92, em Sevilha. Gostaria de saber qual foi sua opinião frente aos projetos propostos, tendo em vista sua participação na banca examinadora por parte do Itamarati? Quais foram os critérios de avaliação? Qual foi sua posição frente às discussões geradas pela polêmica da não participação do país junto ao Pavilhão vencedor selecionado?

mas modos para “continuar” aquilo a que estamos condenados: ‘idéia e coisa’.

A linguagem é única realidade do pensamento. Toda a construção é um discurso, a cidade é um discurso, na imagem que fazemos de nós mesmos. Da história, a totalidade do conhecimento, só existe entre nós, os vivos ao mesmo tempo. Portanto nada começa ali, e acaba aqui. As pirâmides do Egito não estão só lá, estão agora, para sempre, na imaginação dos humanos porque são uns extraordinários discursos, estão entre a arte, a ciência e a técnica em um só tempo. Aquilo é a “máquina” de sua própria fabricação: o “inclinado” uma das chamadas “maquinas simples” no primeiro capítulo de mecânica em qualquer tratado de física elementar, eis seu incalculável valor. Não é coisa de estilo, de uma época, é para sempre.

PMR: No caso de Sevilha, a votação foi unânime frente ao projeto vencedor do concurso para o Pavilhão Brasileiro. É certo que houve outros projetos interessantes, houve de certa forma uma abertura de idéias na diversidade das propostas relacionadas no concurso. Comentários de Paulo Mendes da Rocha transcritos frente a algumas indagações correspondidas em carta pelo entrevistador e o entrevistado PMR: Suas indagações estão formuladas através de “afirmações” e muito compartimentadas. As coisas, estas coisas, não são assim. Há uma idéia de “totalidade” das idéias que envolvem também o que ainda não apareceu de modo claro, mas já estava entre os vivos. Por isso mesmo num dado momento parece que “então surgem”. Não é possível encarar o “fim dos CIAM” muito menos associá-lo a uma ruptura ideológica. E os movimentos nazi-fascistas? O século XX foi terrível assim tão simples e de modo esquemático. Não há nada que mereça grande atenção, quanto à ética e à estética no chamado movimento “brutalista paulista”, com apelo para “verdade estrutural” se você lembrar que as pirâmides do Cairo... A ponte Golden Gate... As catedrais medievais... Muito menos a questão do revestimento ou do “aparente”. São muletas dos ditos críticos ou teóricos para criar “uma” teoria e “nomear” coisas, estratagemas de quem diz antes de, de fato, ver o que estava dizendo de quem fez. Quando se leva em consideração a entidade fundamental da existência humana, principalmente seu “eterno inacabado”, que são as “origens da formação da consciência e da linguagem, todo discurso – em qualquer das linguagens – enfrenta o indizível, a monumental dificuldade para dizer e a urgência na invenção no enquadramento no estratagema. Não são nunca afirmações definitivas, brutal(ismo) 1

Casa Millan, São Paulo

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Andrea Macadar Arquiteta formada pela Universidade Ritter dos Reis em Porto Alegre-RS/ Brasil. Professora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação Propar-RS/UFRGS. Entrevista Entrevista realizada no ateliê do arquiteto, no dia 14 de julho de 2004 em São Paulo SP, Brasil, e disponibilizada no Portal Vitruvius em maio de 2006. Referências bibliográficas “Pavilhão do Brasil na Expo’ 70”. Acrópole, nº 361. São Paulo, maio 1969. “Arquitetura Brasileira para Expo’ 70”. Acrópole. São Paulo, abr. 1970. MONTANER, Ma. Josep; VILAC, Isabel Maria. Paulo Mendes da Rocha. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1996. ROCHA, Paulo Mendes. Paulo Mendes da Rocha. Textos: Paulo Mendes da Rocha, Organização: Rosa Artigas, memoriais: Guilherme Wisnik. São Paulo, Cosac e Naify, 2004. ZEIN, Ruth Verde. “Arquitetura brasileira, Escola Paulista e as casas de Paulo Mendes da Rocha”. Dissertação de mestrado. Porto Alegre, UFRGS, jun. 2000, p. 89. brutal(ismo) 1

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Pilares do Brutalismo

Desde a antiguidade, observa-se uma íntima relação entre concepção estrutural e expressão simbólico-representativa da arquitetura, a partir de seus elementos. As principais linhas técnicas e estéticas exploradas pelos gregos- por meio de cálculos matemáticos e geométricos, regras, proporções e perspectiva, já representavam a íntima relação destes aspectos. Na arquitetura clássica, as colunas jônicas, dóricas e coríntias refletiam, por exemplo, as ordens das quais faziam parte. A forma mais clara de diferenciação entre elas estava no capitel das colunas: da elegância dos traços coríntios à simplicidade e ao rigor das formas dóricas, estes elementos estruturais materializavam, também, o pensamento plástico de um período. Com o advento do concreto armado na primeira metade do Século XX, os materiais empregados nas construções antigas cederam seu espaço na construção: capaz de aliar a durabilidade da pedra com a resistência do aço, além das vantagens da maleabilidade, flexibilidade formal, rapidez e facilidade construtivas, o novo material apresenta-se resistente aos esforços de flexão, já que possui boa resistência não só à compressão, mas também, à tração simples, por meio de sua armação metálica. Como as peças de concreto armado são muito robustas, o problema da flambagem também é reduzido ao mínimo. A estrutura de uma coluna, ou mesmo de um pilar, passa a não ser mais necessariamente organizada em base, corpo e coroamento: a plasticidade do material passou a permitir maior liberdade de projeto. A partir desta perspectiva, pode-se observar um tratamento particular dado aos elementos elaborados em concreto armado, muitos dos quais passaram a

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assumir um caráter, por vezes, escultórico, de forma a sustentar arquitetura em verdadeiras obras de arte. O movimento Brutalista, neste contexto, tirou partido da liberdade plástica, de forma a ressaltar o valor da estrutura, capaz de carregar, consigo, as conotações conceituais dos próprios edifícios. Desta forma, optou-se por categorizar em três modalidades distintas os pilares do Brutalismo: prisma piramidal, capitel escultórico e pilar escultórico, de acordo com suas características formais e suas relações com as obras como um todo. O prisma piramidal pode ser identificado nas duas tipologias de pilares encontradas nos Vestiários do São Paulo Futebol Clube. Essa modalidade de pilar, bastante utilizada por Artigas, surge desta possibilidade tecnológica advinda do fenômeno da industrialização, que passa facilitar a atribuição de símbolos expressivos aos sistemas portantes. O pilar em Y pode ser encontrado na parte central do edifício, enquanto os demais são encontrados nas partes periféricas. A relação dos pilares com o edifício em sua totalidade, principalmente em relação ao encaixe e ao diálogo estabelecido com os demais elementos, denota uma integração entre as partes. A arquitetura que se constrói apenas pelo território coberto, por meio de uma laje-abrigo, utilizada por Artigas, faz surgir novos pontos de apoio na obra do Pavilhão do Brasil, em Osaka. Os pilares, artificialmente cobertos por taludes naturais, são a marca da intervenção humana no lugar. Em uma das extremidades, percebe-se a presença de um pilar aparente por inteiro na forma de dois arcos cruzados: esse ponto proporciona uma ampla continuidade e permeabilidade visuais, bem como continuidade do nível do piso.

artigo


Rodoviária de Jaú: Detalhe do pilar escultórico

Foto: Nelson Kon

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“Então, simbolicamente, era um teto ideal, que teria um teto de cristal da nossa FAU, colocado sobre a própria paisagem, que seria a paisagem simulada naquelas colinas, com um número mínimo de pilares, ou seja, uma especialidade técnica de construção que pretendia revelar nítido conhecimento técnico para fazer o que quisesse. Portanto duas boas vigas para aquele vão e cada viga apoiada em dois pilares com a sucessão mais normal, mais tranqüila de esforços: balanço – vão central e balanço lateral, porém não em quatro vezes. Um dos apoios se transforma na cidade de modo simbólico. Aqueles dois arcos cruzados são a cidade. E chamamos “largo do café” para dizer uma cidade brasileira, do ponto de vista simbólico. Uma coisa mundana, gentil e um tanto divertida.”

ROCHA, Paulo Mendes.

Pavilhão do Brasil: Detalhe do pilar escultórico

Desenho: Arquivo Paulo Mendes da Rocha


Neste projeto, nota-se o comportamento da viga, que pousa em um ponto de apoio no pilar. A sutileza do toque das estruturas evidencia a identidade dos elementos e reforça o entendimento das partes dissociadas do todo, de forma não a integrar, e sim a evidenciar ainda mais essa separação, colocando em evidência o pilar, que adquire um caráter escultórico e eleva o elemento estrutural ao patamar de obra de arte, o que pode ser ressaltado, inclusive, pela presença da rótula. O pilar da Rodoviária de Jaú, por outro lado, se distancia das demais obras de Artigas, já que se contrapõe em relação aos princípios da linguagem do início do período Brutalista, em São Paulo, especialmente em relação à racionalidade construtiva, reflexo de uma linguagem compatível com a industrialização construtiva. A expressividade da estrutura se dá a partir de pilares angulosos, capazes de representar as linhas de força, às quais a estrutura está submetida. Assim, o sistema portante desempenha papel expressivo e transforma os pilares em novos símbolos da arte, verdadeiros capitéis escultóricos, capazes de gerar invólucros em concreto aparente que, articulados com viga e laje, cobrem espaços contínuos e dinâmicos, permitindo a entrada de iluminação zenital. Ressalta-se, desta forma, a plasticidade ornamental da estrutura, cujo capitel é esculpido pela

luz natural. Os pilares duplos revestidos de mármore branco do edifício A22, localizado na 206 Norte de Brasília, possuem a base e o coroamento do prisma retangular em concreto aparente. Seu desenho, proveniente da interseção e da subtração de formas geométricas, constitui espaços negativos também marcados geometricamente: dois quartos de círculo na base e um triângulo isósceles invertido no lado superior fazem parte da concepção plástica destes elementos. Este jogo de volumes culmina em pilares escultóricos, cuja plasticidade gera maior dinamicidade para a obra como um todo. A lâmina do edifício se apoia no pilar a partir da estrutura de transição, o que não integra a estrutura ao edifício, pelo contrário: destaca o elemento escultural, como o que ocorre no Pavilhão do Brasil, em Osaka. Desta maneira, analisando os diferentes exemplares do Brutalismo, percebe-se que, independentemente das diferenciações provenientes da classificação das obras em relação à tipologia, à morfologia e ao diálogo entre elemento estrutural e bloco edificado, os pilares adquirem um caráter essencial na apreensão estética dos projetos, já que passam a desempenhar funções que transcendem às questões funcionais e passam a ser fundamentais no que tange às questões de composição, ou seja, são elementos intrínsecos do processo da apreensão estética edilícia. Vestiários do SPFC: Detalhe dos Pilares

Fotos: Angelo Cecco Jr.

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Referências Bibliográficas ZEIN, Ruth Verde; BASTOS, Maria Alice Junqueira. Brasil: Arquiteturas após 1950. São Paulo: Perspectiva, 2015. PISANI, Daniele. Paulo Mendes da Rocha: Obra completa. São Paulo: Editora Gustavo Gili, 2013. 400 p. ZEIN, Ruth Verde. A arquitetura da escola paulista brutalista 1953-1973.200. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura. Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura, Porto Alegre, BR-RS, 200. Ori.: Comas, Carlos Eduardo Dias. http://civilnet.com.br/Files/Sistemas%20Estruturais/APOS TILA_IT_829.pdf http://www.estilosarquitetonicos.com.br/arquitetura-classica. php http://www.deecc.ufc.br/Download/TB798_Estruturas%20d e%20Concreto%20I/HIST.pdf KRAWCTSCHUK, Stepan. Lógica e Poesia: a obra de Marcílio Mendes Ferreira. 2011. 195 f. Tese (Mestrado) Curso de Arquitetura, Universidade de Brasília, Brasília, 2011.


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