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EM DEFESA DOS VULNERÁVEIS

ANA PAULA DE VASCONCELOS: EM DEFESA DOS VULNERÁVEIS

Ela se notabilizou por sua luta ferrenha em defesa dos animais. Advogada do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, ONG que atua em todo o país, ela é também vice-presidente da Comissão de Direitos dos Animais e Ambientais da Subseção de Taguatinga da OAB/DF e faz parte da Diretoria da Comissão Nacional de Proteção e Defesa Animal da OAB Nacional. Nesta conversa, ela conta os percalços que os defensores dos animais enfrentam para criminalizar agressores e conscientizar a autoridades sobre o tema

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PAULO CASTRO

Desde que nossa civilização existe, vivemos a banalização da violência e a desvalorização da vida. Se a própria vida humana é colocada em patamar tão indigno, como considerarmos os direitos dos animais? Infelizmente, a violência sempre existiu em diversas civilizações e sempre irá existir. Acredito que isso faça parte das relações e do con

ACERVO PESSOAL

vívio em sociedade. O homem ainda não conseguiu viver em paz nem com os seus e nem com os de outras espécies. Em relação ao crime de maus-tratos aos animais, vejo que nossa sociedade vem evoluindo muito, não da maneira e nem com a velocidade que gostaríamos, mas vem, sim, se conscientizando e percebendo que os animais precisam de nossa proteção. Os debates que temos hoje não tínhamos há 10 anos. Então, vejo que estamos em um processo evolutivo, mesmo que lento, para que, cada vez mais, os direitos dos animais fiquem em evidência e sejam respeitados. Mas como toda transformação de sociedade, isso leva décadas. Porém, vejo de forma positiva o momento que estamos atravessando como uma constante de crescimento.

A lei brasileira tem regras claras que se aplicam aos animais domésticos. Mas como os animais não domésticos podem ser amparados pela legislação brasileira vigente? A Lei nº 9.605, em seu art. 32, protege animais silvestres, domésticos, domesticados, nativos ou exóticos. Ou seja, a nossa lei federal, que criminaliza as condutas de abuso, maus-tratos e ferimentos a animais, não faz qualquer distinção entre as espé

Movimento de protetores de animais, em protesto contra o caso do cão Luke

cies. Também a Constituição Federal, em seu art. 225, não faz tal distinção. Todos os animais são protegidos pela lei brasileira.

Há muitas décadas, grupos dos direitos dos animais constantemente enfatizam que animais criados para o consumo humano (como porcos, vacas, peixes e frangos, por exemplo) devem ter os mesmos direitos dos animais domésticos (como cães e gatos). Isso pode ocorrer no futuro? Seria o ideal caminharmos para um mundo de respeito a todas as espécies de vida, não só animais silvestres, domésticos ou domesticados, mas também os animais de produção. Mas, infelizmente, estamos ainda muito aquém do que gostaríamos. Hoje, seria muito mais justo se vivêssemos em um mundo vegano, pelo menos em um país vegano. Todavia, acredito que nunca conseguiremos um tratamento igual, porque se trata de questões culturais, de hábitos milenares e de algo que mexe muito com a economia de qualquer país. Porém, dentro do possível, é necessário assegurar, cada vez mais, o mínimo de direito para os animais. O Ministério da Agricultura tem algumas regras, com as quais não concordo, como o abate humanitário, porque não há humanidade nenhuma nisso. Aliás, talvez até haja mesmo muita humanidade, muita maldade, em como esses animais são tratados. Não vejo pelas próximas décadas uma segurança razoável de direito à vida para os animais, que é algo de que precisaríamos hoje. Isso pode ocorrer mais pela conscientização das novas gerações, para que se tornem veganas, e – talvez – daqui a uns 300 anos a gente tenha um mundo sem exploração animal. Não consigo ver isso com muito otimismo, não. Por outro lado, vejo que as novas gerações têm uma visão totalmente diferente. Infelizmente, a gente tenta, hoje, mais ou menos, conter as barbáries, basta ver o que acontece por aí em rodeios, vaquejadas, touradas, exportação de gado vivo... São coisas absurdas que a gente tenta conter e, mesmo assim, é bem complicado.

A invasão do Instituto Royal (2013) e o PL do deputado Ricardo Izar [que retira os animais da categoria de coisas e os qualifica como seres não humanos] mostram que nossa percepção sobre o tema tem mudado. Como conciliar a dicotomia insolúvel entre a perspectiva econômica (que vê os animais simplesmente como um indicador do PIB) e a visão humanista estendida aos animais (que também são merecedores do mesmo respeito que se deve ter pelos humanos)?

O episódio da invasão do Instituto Royal prova que a sociedade não consegue mais conviver com essa crueldade, porque é inadmissível usar seres sencientes como se fossem máquinas, como já foi comprovado por neurocientistas. É muito cruel e medieval tal

prática. O PL nº 27, do deputado Ricardo Izar, é um grande avanço no nosso ordenamento jurídico, pois – além de nossos animais deixarem de ser considerados “coisas” – nos possibilita um grande leque de discussões. Mas sabemos da resistência do Congresso, principalmente porque a bancada ruralista é muito forte. Toda vez que se fala de direitos dos animais, eles tentam, de todas as formas, excluir da lei os animais de produção, para evitar que seus lucros absurdos sejam atingidos de algum modo, para que essa exploração absurda não seja nunca colocada em risco. Isso faz parte da mudança social da qual lhe falei. A lei não conseguirá amparar todos os animais, pois o PL deve, no máximo, se estender aos animais domésticos e domesticados. Se não for assim, o Congresso não aprovará. A gente não vai conseguir todos os direitos de uma vez só, mas não podemos desperdiçar cada pequeno avanço em prol dos animais, porque isso abre a possibilidade de discussão jurídica, de levar vários casos aos tribunais e de positivar, cada vez mais, os direitos dos animais no nosso ordenamento jurídico.

Qual é o principal obstáculo que a lei enfrenta para ser cumprida no tocante ao trato dos animais no Brasil? São vários os entraves. Primeiro, nossa legislação é branda. Na prática, não traz nenhuma punição aos agressores dos animais. Tudo termina em apenas um acordo, com o pagamento de cesta básica ou a prestação de serviço comunitário. Outro problema é a falta de efetivo nas delegacias e nos batalhões. Falta, ainda, sensibilidade aos policiais. Está provado que quem maltrata um animal maltrata também um ser humano. Quando atendemos denúncias, vemos que onde ocorrem maus-tratos a animais também ocorrem abusos à mulher e às crianças, porte de arma ilegal, tráfico de drogas... A violência no lar atinge não só o animal, mas também toda a família. O Ministério Público também trata esse tipo de crime de forma muito banal. Para muitos promotores, é suficiente um agressor pagar R$ 200,00 por ter quebrado as duas patas de um cachorro, enforcado e arrastado o animal. Isso não tem caráter educativo, não tem o mínimo de punição possível. O Judiciário também trata isso como crime continuado, que é algo contra o qual temos lutado, para uma mudança de entendimento. Se um agressor maltratou 40 animais e outro maltratou apenas um, os dois vão responder pelo mesmo crime, com uma pena de três meses a um ano de prisão, um absurdo. Buscamos aplicar a tese do concurso de crimes, para o agressor responder por cada animal maltratado. Nossa fiscalização também é ineficiente, porque existem poucos fiscais no Ibram. Os debates públicos são importantes para trazer o tema à tona. A educação também é fundamental. Há pouco, algo me chocou muito: em uma palestra que ministrei em uma escola em Ceilândia, de 30 alunos em uma sala, pelo menos 28 encaram os maus- -tratos aos animais como algo banal ou engraçado. São adolescentes de 17 anos que já são potenciais agressores, que não respeitam de forma alguma outras espécies de vida. Eles crescem vendo o pai batendo na mãe, o irmão mais velho sendo preso por tráfico, e a agressão animal se torna natural para eles. Precisamos mudar isso. Quando você se sensibiliza com o sofrimento de um ser vulnerável, você leva isso para toda a sua vida. É uma luta árdua da qual não podemos desistir.

Entrevista com a advogada Ana Paula e o comandante do BPMA, major Souza Jr.

BPMA BATALHÃO DE POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL

‘’SE VOCÊ NÃO GOSTA DE ANIMAIS O PROBLEMA É SEU! MAS SE VOCÊ MALTRATÁ-LOS, O PROBLEMA É NOSSO’’

DENUNCIE!

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