CONTOS O BESOURO E A ROSA A Luís Emilio Soto30
Belazarte me contou:
Não acredito em bicho maligno mas besouro, não sei não. Olhe o que sucedeu com a Rosa... Dezoito anos. E não sabia que os tinha. Ninguém reparara nisso. Nem dona Carlotinha nem dona Ana, entretanto já velhuscas e solteironas, ambas quarenta e muito. Rosa viera pra companhia delas aos sete anos quando lhe morreu a mãe. Morreu ou deu a filha que é a mesma coisa que morrer. Rosa crescia. O português adorável do tipo dela se desbas‑ tava aos poucos das vaguezas físicas da infância. Dez anos, quatorze anos, quinze... Afinal dezoito em maio passado. Porém Rosa continuava com sete, pelo menos no que faz a alma da gente. Servia sempre as duas solteironas com a mesma fantasia caprichosa da antiga Rosinha. Ora limpava bem a casa, ora mal. Às vezes se esquecia do paliteiro no botar a mesa pro almoço. E no quarto afagava com a mesma ignorância de mãe de brinquedo a mesma boneca, faz quanto tempo nem sei! lhe dera dona Carlotinha no intuito de se mostrar simpática. Parece incrível, não? porém nosso mundo está cheio desses 30 A dedicatória ao crítico literário Mário Luís Emilio Soto (Buenos Aires, 1902‑1970) marca as relações de MA com intelectuais argentinos (V. Correspondência Mário de Andrade: Escritores/artistas argentinos. Org. de Patricia Maria Artundo. São Paulo, Edusp/IEB ‑USP, 2013). Aposta a este conto em Primeiro andar, no ano de 1926 (São Paulo, Casa Edi‑ tora Antonio Tisi, São Paulo), perdura na passagem dele para o livro Belazarte, na tiragem de 1934 (São Paulo, Editora Piratininga S/A), na de 1943 (Rio de Janeiro, Americ Edit) e na edição póstuma intitulada Os contos de Belazarte em 1947 (São Paulo, Livraria Martins Editora; Obras Completas).
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