VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Cultura Afro-Brasileiras

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VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-Brasileiras

Caderno de Resumos de Trabalhos CTISM - UFSM 3ª Edição Organização

Raiane Tólio Roselene Gomes Pommer Zípora Rosauro



VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-Brasileiras Organização

Raiane Tólio Roselene Gomes Pommer Zípora Rosauro

Caderno de Resumos de Trabalhos – Colégio Técnico Industrial de Santa Maria – UFSM 3ª Edição

Santa Maria - RS 2017


Presidente da República Federativa do Brasil Michel Temer Ministério da Educação – MEC Ministro de Estado da Educação José Mendonça Bezerra Filho Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC Eline Neves Braga Nascimento Instituto Federal de Educação, Ciência e Técnologia do Rio Grande do Sul – IFRS Reitor Osvaldo Casares Pinto Universidade Federal de Santa Maria – UFSM Reitor Paulo Afonso Burmann Vice-reitor Paulo Bayard Dias Gonçalves Coordenadoria de Educação, Básica, Técnica e Tecnológica – CEBTT Luiz Fernando Sangói Colégio Técnico Industrial de Santa Maria – CTISM Diretor Luciano Caldeira Vilanova Vice-diretor Marcelo Freitas da Silva Ará Dudu - Associação de Arte e Cultura Negra Núcleo de Técnologia a Distância – CTISM Coordenação Institucional Paulo Roberto Colusso/CTISM Coordenadora Adjunta Erika Goellner/CTISM Projeto Gráfico e Diagramação Emanuelle Shaiane da Rosa Arte Capa e Ilustrações Morgana Confortin


Ficha catalográfica elaborada por Alenir Goularte – CRB-10/990 Biblioteca Central da UFSM C568c

Ciclo de Estudos sobre História e Culturas Afro-Brasileiras (8. : Santa Maria : 2017) Caderno de resumos de trabalhos : Colégio Técnico Industrial de Santa Maria, UFSM / VIII Ciclo de Estudos sobre História e Culturas AfroBrasileiras ; organização Raiane Tólio, Roselene Gomes Pommer, Zípora Rosauro. – 3. ed.– Santa Maria : UFSM, Colégio Técnico Industrial de Santa Maria, 2017. 74 p. ; 21 cm ISBN 978-85-9450-033-5 Produções textuais dos alunos para o VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras 1. Sociologia da cultura – Eventos 2. Cultura afro- brasileira – Eventos 3. Problemas sociais – Eventos 4.Preconceito racial – Eventos 5. História – Eventos I. Tólio, Raiane II. Pommer, Roselene Gomes III. Rosauro, Zípora IV. Título. CDU 3316.7(81=96)(063) 39(81=96)(063) Copyright © Todos os direitos reservados à Universidade Federal de Santa Maria.



PREFÁCIO Prezados leitores, é com grande satisfação que tornamos público à comunidade santa-mariense o Caderno de Resumos de trabalhos apresentados no VIII Ciclo de Estudos sobre História e Culturas Afro-Brasileiras, CEHCAB, edição 2017. O CEHCAB é um evento anual que o Colégio Técnico Industrial de Santa Maria (CTISM) realiza desde 2010, com ênfase nas apresentações de pesquisas produzidas ao longo do ano letivo pelos/pelas estudantes dos terceiros anos dos cursos técnicos integrados ao ensino médio, ofertados pela instituição. Nesta edição, as pesquisas remeteram à temática história e aspectos culturais dos povos originários do continente africano. Foram elencados quinze reinos a serem trabalhados, entre eles: Songhai, Bantos, Mali, Gana e Sudão. Os trabalhos iniciaram com o ano letivo de 2017, quando os estudantes foram desafiados a elaborarem, em grupos, seus projetos de pesquisa. Na sequência, com apoio bibliográfico e documental, as informações foram sistematizadas para, no terceiro momento, serem produzidos os resumos apresentados neste caderno. As informações coletadas serviram, também, para a organização dos banners usados nas apresentações que envolveram o VIII CEHCAB. Desde a sua primeira edição, o CEHCAB contou com o apoio efetivo de Vilnes Gonçalvez Flores Junior, conhecido como Nei D’Ogum. Ativista político, defensor das causas dos grupos sociais minoritários negros e LGBTs e importante referência religiosa em Santa Maria, Nei faleceu em agosto deste ano. O VIII CEHCAB e os trabalhos aqui referendados constituem a nossa homenagem e o nosso reconhecimento à luta de Nei, “afrogay periférico e de alta autoestima”, como gostava de se apresentar. As Organizadoras

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SUMÁRIO 07 11 35

PREFÁCIO Fazer História A África tem história?

Histórias dos Povos Africanos

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Egito Antigo: Império Negro Reino Songhai O Império de Mali Gana, o Reino do Ouro da Idade Média Os Reinos do Sudão Reino de Aladá: Regido por Estrangeiros Povos Bantos Reino de Benin Os Reinos do Congo O Reino do Ndongo A Cultura dos Povos Bérberes no período de dominação externa Reino Cuxe Império Daomé: Da Ascensão à Queda

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Desenvolvimento econômico e a criação de uma Moeda Própria: O Reino Axum

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Império Kanem-Bornu



Fazer História Arnildo Pommer1 Introdução

Quando me foi solicitada a apresentação desse Caderno, no ano passado (2016), procurei abordar algo que, em geral, passa desapercebido nas discussões sobre os mais diversos tipos de preconceito: uma possível gênese da discriminação racial. Neste ano, ao se repetir o convite, quero ir um pouco além do que então foi exposto. Transcrevi e comentei, na ocasião, de modo sucinto, algumas palavras de Hegel, um dos pensadores mais comentados desde o século XIX. De fato, Hegel elaborou um sistema filosófico como poucos pensadores conseguiram elaborar e, por isso, teve muitos seguidores desde quando ainda era vivo. Ele veio a falecer em 1831, portanto, no primeiro terço do século XIX. Mas, desde muito cedo os seus seguidores dividiram-se basicamente em dois grupos antagônicos: os hegelianos de direita e os de esquerda. Pois bem, os herdeiros intelectuais de ambos os grupos continuam a discutir até hoje o seu legado filosófico, o que é um dos dados que atesta a perspicácia de seus argumentos, quer concordemos ou não com ele. Entre os hegelianos de direita, situam-se todos aqueles que ingênua, propositada ou perversamente vinculam as suas Filosofias da História ao capital como critério absoluto de verdade e de medida para a existência humana. São os seus seguidores apologetas, isto é aqueles que defendem o seu pensamento como uma doutrina verdadeira. Para os apologetas fazer história significa, no máximo, assistir às aulas obrigatórias da disciplina de História. Significa também eliminar propositadamente dos currículos dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação de História, a disciplina de Filosofia da História, substituindo-a por alguma coisa parecida, a qual eles apelidaram de Teoria da História. São os que, ingênua ou propositadamente querem retirar de todos os currículos do ensino fundamental 1

Doutor em Filosofia – pommer.arnildo@gmail.com VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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as disciplinas de História, de Filosofia e de Sociologia, ou por concluírem em suas rasas cogitações que à noite todos os gatos são pardos, propõem-se a aceitar que pedagogos, por exemplo, estejam habilitados a lecionar Filosofia, que historiadores possam lecionar Sociologia, particularmente no Brasil. São deste grupo aqueles que desde a metade do século XIX, de algum modo festejam a liberdade de suas disciplinas em relação a Filosofia, como se Filosofia fosse a prisão do pensamento e não o contrário. Entre os hegelianos de esquerda, situam-se alguns daqueles que, ingênua ou perversamente postularam algo como um Estado de Bem-estar-Social ou socialdemocracia, para os quais, sem que seja alterada a ordem estabelecida a partir da propriedade privada do capital, regula-se a distribuição dos serviços como educação, assistência à saúde e dos bens de consumo através do Estado, mas não a sua produção que continuaria organizada a partir da chamada livre iniciativa, o que produz contradições insolúveis no interior desta pretensa reforma. Contudo, a partir da crítica aos hegelianos de direita e de esquerda surge um terceiro grupo, ainda no século XIX, composto pelos chamados fundadores da ideia de uma vida comunal, cuja regulação dar-se-ia através da organização planejada do metabolismo socioeconômico, os ‘socialistas científicos’ como se autodenominavam na época, para se diferenciarem dos ‘socialistas utópicos’. Para este grupo, fazer história é buscar a emancipação humana do controle absoluto do capital, criando condições cooperativas de associação para a produção material da existência e não somente para a distribuição dos bens necessários, como pretendeu fazê-lo o plano de engodo público conhecido como Estado de Bem-estar Social, ou socialdemocracia. Fazer história, significa bem mais do que ler um livro de História, fazer um curso de História ou mesmo fazer parte da História porque não há como sair dela, ou ainda, entrar para a eternidade mas continuar vivo, gozando das benesses da posse da propriedade privada do capital, em detrimento daqueles que morrem de fome. Fazer história, para este grupo, é agir como intelectual orgânico-militante, tendo por argumento mediador uma Filosofia da História compatível com a busca da emancipação. Esta Filosofia fundamenta-se na interpretação dialética da História cujos pressupostos, por isso mesmo, podem sempre ser revistos, embora não sejam relativos como na visão positivista da História, porque o 12


método dialético consideraria o próprio positivismo como uma das contradições que precisa ser superada dialeticamente. Mas, o que isto tem a ver com a consciência negra? No meu modo de entender não há como separar as consequências de suas causas que, dialeticamente, também são sempre novas causas a produzir novas consequências. Explico: não há como separar, isto é, estudar isoladamente, a discriminação racial e os demais preconceitos da condição de existência da maioria da população que, sumariamente, é explorada em todos os sentidos do termo exploração, pelos proprietários do capital. Estudar a parte em detrimento do todo é como procurar, embaixo de um posto de luz porque ali está claro, as chaves perdidas noutro lugar.

1. Experiências Pessoais

Nasci em 1948, ou seja, três anos depois do término da segunda guerra. No Brasil, os seus efeitos foram danosos econômica e ideologicamente. No plano econômico, um pequeno agricultor pouco poderia fazer além plantar para colher a sua subsistência, caso o sol, a chuva e as pragas, o permitissem. Esse era o caso dos meus pais, bem como de todos os parentes e vizinhos próximos. Em termos de Brasil, a situação era particularmente difícil. O presidente da República era o militar de extrema-direita Eurico Gaspar Dutra que, dentre outros feitos, comandara a repressão à chamada Intentona Comunista de 1935, que resultou no assassinato de 32 jovens militares, durante o governo de Getúlio Vargas. Em 1936, Dutra fora nomeado ministro da Guerra, tendo sido, juntamente com Góis Monteiro, um dos mentores da conspiração que instaurou, em 1937, a ditadura do Estado Novo. Dutra, com este currículo, foi presidente do Brasil entre 1946 e 1951. Antes, durante a segunda guerra apoiara, inicialmente, os países do eixo. Foi obrigado a entrar na guerra ao lado dos chamados aliados, pois, como ministro, precisava acatar decisões superiores ou sair do cargo. Preferiu curvar-se. Dutra, enquanto investido do cargo de presidente, porque não entendia muito bem das questões cambiais acabou por criar imensas dificuldades ao Brasil, nesta área. Dessas dificuldades resultou severo endividamento do país. O marco inicial de seu governo foi a proibição dos jogos de azar. Em 1947, VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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tornou o Partido Comunista Brasileiro ilegal e rompeu relações diplomáticas com a União Soviética, em 1948. Posteriormente, em 1964, Eurico Gaspar Dutra acrescentou ao seu currículo a participação no golpe civil-militar que depôs o presidente João Goulart. Como se observa, quando eu nasci, predominava no Brasil, não só ideologicamente, mas administrativamente, uma direita extremista, golpista e assassina. Aquele direcionamento político da administração brasileira tem a ver diretamente com a discriminação racial e com todos os demais preconceitos, pois não se pode esquecer que durante o governo de Vargas, Olga Benário Prestes foi entregue aos nazistas, numa flagrante violação das leis e dos princípios básicos de humanidade, pois Olga encontrava-se grávida de 7 meses quando foi deportada para a Alemanha sendo, posteriormente, assassinada num campo de concentração. Mas, paradoxalmente, na Constituinte de 1946, o PCB, cujo líder era Luiz Carlos Prestes (marido de Olga Benário), votou contra a criminalização do racismo, proposta pelo movimento negro através do senador da UDN, Hamilton Nogueira, conforme Sales Augusto dos Santos explica no seu livro Educação: um pensamento negro contemporâneo (2014: 79-80). A UDN era um partido de direita que defendia o liberalismo econômico para o Brasil, mas sob tutela dos Estados Unidos da América do Norte. Não é possível estabelecer com exatidão o que houve, pois, o PCB havia apoiado o manifesto a favor desta lei, no entanto, acabou por votar contra a sua aprovação. Existem algumas indicações de que alguns integrantes do movimento negro tinham ligações com o Integralismo de Plínio Salgado2 . Hamilton Nogueira, por sua vez, era ligado ao catolicismo ultramontanista de Jackson de Figueiredo, o que significa que Figueiredo também era de extrema-direita. Além desse contexto, nasci ao lado da área indígena de Inhacorá, na época distrito de Santo Augusto, pertencente ao município de Três Passos. Ao lado, significa que a pequena propriedade dos meus pais fazia divisa com a Terra Kaingang Inhacorá, que hoje pertence ao município de São Valério. A casa na qual nasci ficava a 50 metros da divisa, portando, cresci tendo os índios Kaingang com referência para muita coisa. Quando completei nove anos mudamos para Campo Novo, mas o meu pai manteve a propriedade daquele pedaço de terra onde 2

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O Integralismo era um movimento político reacionário de caráter pró-fascista.


trabalhei, de modo intermitente, até os 19 anos. Em decorrência disso, eventualmente jogava futebol na equipe indígena, na qual, havia mais dois integrantes não-índios, funcionários públicos que trabalhavam no Toldo3 . O Chefe do Toldo era negro e era, também, o ‘técnico’ do time. Os índios não se importavam com isso, além de apreciarem verdadeiramente a nossa participação na sua equipe. Outro dado: quando criança também convivi com os meninos negros de uma família que morava na terra indígena o que, na época, era permitido. Costumava acompanhar o meu pai quando ele ia tomar chimarrão com o seu Nico. Foi com os filhos do seu Nico que eu aprendi algumas técnicas de caça, isto é, fazer armadilhas para caçar pequenos animais, fonte de sustento de muita gente naquele tempo. Foi com eles que, a partir dos cinco ou seis anos de idade, aprendi a orientar-me no mato, a reconhecer plantas, frutos comestíveis e madeira de lei. Isso quer dizer que da infância até a adolescência a minha interação social foi muito rica fora da escola, mas que começou a empobrecer quando passei a frequentá-la a partir dos oito anos de idade, pois foi nela que o racismo e o preconceito apareceram. Ouvir a expressão “alemão batata come queijo com barata” era só a introdução do desfile de asneiras similares. Mas isso não é e nunca foi discriminação racial, é apenas um preconceito ingênuo. Discriminação racial é coisa muito, mas muito mais complexa: implica submissão de um grupo étnico por outro, implica no fechamento de oportunidades como a do acesso à propriedade da terra. A escola sempre foi, desde a sua criação formal na Europa, nos inícios do capitalismo industrial, um local de disciplinar os comportamentos como explicam Adam Smith e Karl Marx. E mesmo lá nas grotas de São Valentim (Santo Augusto) e depois na Vila Turvo (Campo Novo) e em outros lugares nos quais tentei estudar ou até consegui estudar, o resultado foi o mesmo: a disciplina começava com a indicação implícita e, às vezes, até explícita de que havia diferenças intransponíveis entre as pessoas, ou seja, entre negros, índios, brancos, pobres Toldo era o nome dado à sede da reserva indígena. Toda a reserva, a partir do Toldo, era administrada por um funcionário público, o chefe dos outros funcionários públicos que lá atuavam como tratoristas e outros. Os índios mantinham o seu cacique como chefe e este conversava em nome de todos com o chefe do Toldo. Houve, sucessivamente, vários chefes, mas na oportunidade em que eu jogava futebol na equipe indígena, o chefe era negro. 3

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e ricos, mesmo que alguns professores dissessem que “todos eram iguais”, mas jamais conseguiam disfarçar o seu desdém ante os que eles julgavam diferentes. Como se pode observar sempre existe uma motivação histórica real por detrás de cada postura ético-moral, e muitas vezes, as consequências destes acontecimentos históricos geram posturas racistas, preconceituosas e xenofóbicas. Uma pergunta que eu fiz várias vezes ao meu pai, quando menino, era a seguinte: porque o seu Nico não mora na casa dele? Para mim, porque morava numa terra indígena, ele não morava em casa, pois como criança não poderia imaginar que os negros, na época, raramente tivessem acesso à terra como proprietários. A resposta que meu pai não soube me dar eu a encontrei, posteriormente, quando estudei um pouco da história da escravidão negra por minha conta, porque na escola, só se falava que a bondosa princesa Isabel havia libertado os escravos, mas jamais se ensinava porque havia escravos e muito menos porque os negros foram escolhidos para serem escravizados. Mas, este é apenas um lado superficial da questão. Existem outros e que têm raízes mais profundas e complexas. 2. A Origem

da

Humanidade

Também nunca estudei na escola as leis da evolução humana, pois havia e ainda há muito preconceito sobre este assunto. Preconceito que atinge níveis de perversidade inimagináveis e que começam de um modo aparentemente inocente ou ingênuo. Em livros, revistas e sítios eletrônicos, por exemplo, quando se discute a questão da evolução humana, escreve-se que existem duas teorias4 : a criacionista e a evolucionista. Explica-se, em geral (não necessariamente), primeiro o criacionismo e em segundo plano, o evolucionismo. Isso não ocorre em livros científicos especializados, mas naqueles de maior inserção pública, nos chamados livros de divulgação; nos sítios eletrônicos, na televisão e no cinema, isso aparece de modo muito claro e com um caráter marcadamente ideológico através de rebuscada retórica de convencimento. Ocorre que existe única e exclusivamente a teoria evolucionista que começou a ser formulada por Charles Darwin (1809-1882) quando ele tinha apenas 22 anos de idade. Aliás, cientificamente é raro alguém falar em teoria da evolução, porque 4

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Todos os grifos em negrito são meus.


a teoria foi comprovada e hoje se fala em leis da evolução, do mesmo modo do que se fala na lei da gravidade. O criacionismo não é e nunca foi uma teoria. É estritamente um mito tribal primitivo ao qual se atribui um valor dito sagrado, particularmente pelas religiões abraâmicas e que narra a criação do mundo por uma divindade, ou seja, trata-se tão somente de um mito fundador, como milhares de outros mitos que existiram em todas as populações tribais antigas. Essa maneira de apresentar as coisas, isto é, afirmar que existem duas teorias, é perversa porque cria os preconceitos mais agudos relativamente à origem da humanidade. Não se trata, consequentemente, apenas de crença religiosa, mas de uma questão política das mais relevantes. Com isso, não estou sugerindo que a liberdade de crença não deva existir, mas que a liberdade de crença não pode sobrepor-se ao tratamento científico ou filosófico destas questões, tanto no ensino público, quanto no ensino privado. Outra das perversidades historicamente constatadas é o chamado darwinismo social. Charles Darwin estudou e explicou como as espécies evoluem. Mas Darwin, por ser um teólogo cristão protestante, tinha certas dificuldades em aceitar o que ele mesmo descobria. Pode até ter sido levado a imaginar que talvez se pudesse melhorar ou aperfeiçoar a espécie humana. Mas, no cômputo geral, não parece que ele tenha sugerido a transferência do seu conhecimento como naturalista e biólogo, para aplicação na saúde pública, na sociologia e na economia. Ao contrário. Há indicações de que ele costumava afirmar, quando lhe perguntavam sobre as diferenças sociais, que a culpa era dos seres humanos e não da natureza. Mesmo assim, difundiu-se, a partir do século XIX, uma doutrina que foi chamada de darwinismo social a qual procurava justificar as diferenças entre a apropriação da riqueza produzida e os preconceitos raciais por intermédio da ideia de que os mais aptos sobrevivem conquistando, por sua aptidão superior, fortuna e respeito sociais. Para dar mais credibilidade a esta doutrina – que também não é uma teoria e muito menos uma lei científica – pois teoria é algo bem mais sério, o nome de Darwin foi utilizado como argumento de autoridade. Mais do que isso. Houve muitas pessoas que sugeriram intervir no processo evolutivo. Cito a seguir o neurocientista Steven Pinker que, mesmo sendo uma pessoa um tanto quanto controversa em suas posições políticas, explica como VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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pretensos trabalhos científicos acabaram por ser aceitos a fim de fundamentar políticas sociais desde o final do século do século XIX e início do século XX, em alguns países ditos desenvolvidos e civilizados. O preconceito racial também tinha um verniz científico. Era comum a teoria da evolução de Darwin ser erroneamente interpretada como explicação de um progresso intelectual e moral em vez de uma explicação de como os seres vivos adaptam-se a um nicho ecológico. Facilmente se julgava que as raças não brancas eram degraus de uma escada evolutiva entre os macacos e os europeus. E o pior: Herbert Spencer, seguidor de Darwin, escreveu que os caridosos só fariam interferir no progresso da evolução se tentassem melhorar a sorte das classes e raças desfavorecidas, que eram, na opinião de Spencer, biologicamente menos aptas. A doutrina do darwinismo social (ou, como deveria ser chamada, spencerismo social, pois Darwin não queria nada com ela) atraiu defensores nada surpreendentes, como John D. Rockefeller e Andrew Carnegie. O primo de Darwin, Francis Galton, sugerira que se desse uma mãozinha à evolução desencorajando os menos aptos de reproduzir-se, política que ele denominou eugenia. Em poucas décadas foram aprovadas leis em favor da esterilização involuntária de delinqüentes e “débeis mentais” no Canadá, nos países escandinavos, em trinta estados americanos e, ominosamente, na Alemanha. (Pinker: 2004, p. 36).

Outro exemplo histórico, este, porém, pouco conhecido, é dado por Pinker ao referir-se ao capítulo inicial de um livro do filólogo dinamarquês Otto Jespersen (1860-1943), Crescimento e estrutura da língua inglesa, editado em 1905. Apesar de ser considerado um importante linguista, Jespersen, ao iniciar o referido texto de sua autoria, desfila uma série de preconceitos como os seguintes: Há uma expressão que comumente me ocorre quando penso na língua inglesa e a comparo a outras: ela parece ser positivamente e expressamente masculina, é a língua de um homem adulto e tem pouco de infantil e feminino (...). Para evidenciar um desses elementos, seleciono ao acaso, para fins de contraste, uma passagem na língua do Havaí. “I kona hiki ana aku ilaila ua hookipa ia maila oia ke aloha pumehana loa”. Assim ela prossegue, sem uma única palavra terminada em consoante e nunca se encontrando duas ou mais consoantes agrupadas. Alguém pode ter dúvida de que, mesmo que essa língua soe agradável e seja repleta de música e harmonia, a impressão geral é a de uma língua infantil e efeminada? Não se espera muito vigor e energia num povo que fala uma língua assim; ela parece amoldar-se apenas a habitantes de regiões ensolaradas onde o solo requer pouquíssimo trabalho 18


do homem que o cultiva para produzir tudo o que ele quiser e, portanto, onde a vida não traz a marca de uma luta árdua contra a natureza e os semelhantes. Em menor grau, encontramos a mesma estrutura fonética em línguas como o italiano e o espanhol; porém muito diferentes são as nossas línguas setentrionais ( Jespersen, apud Pinker: 2004, p, 34 e 35).

Chama a atenção nesta citação a quantidade de elementos preconceituosos a partir da constatação: “Tal como é a língua é a nação”, ou seja, os povos da Europa Setentrional seriam adultos viris, portanto, não efeminados e teriam um senso prático invejável, de acordo com a estrutura lógica e prática da língua inglesa. Que Jespersen pense desta maneira torna-se até aceitável, pois é seu direito pensar o que quiser. O problema é ele supor, ao publicar as suas opiniões antropológicas moralistas, sem qualquer fundamentação científica, que os outros com ele concordem. Mas, ao que parece, contudo, em 1905, quando o livro foi publicado, a consciência setentrional o aceitou tranquilamente (Pinker: 2004, p, 35). Com estes exemplos adiantei um pouco a questão, mas não expliquei a origem da humanidade. Para fazê-lo cito o resumo feito por Lucien Israël em seu livro Cérebro Direito – Cérebro Esquerdo: Cultura e Civilizações, no qual ele fornece-nos alguns instrumentos para combater o racismo, especialmente na ênfase dada à origem da espécie humana. O homo sapiens, que sucedeu primeiro ao homo habilis e depois ao homo erectus e ao homo sapiens neandertalensis, surge na África Oriental há pouco mais de 100.000 anos e mantém-se isolado e em pequeno número durante uns 20 a 30.000 anos; depois sobe o vale do Nilo, coloniza o espaço neandertaliense, coexistindo com os seus habitantes e trocando possivelmente alguns genes com eles. Seguidamente, em cerca de 15 mil anos apodera-se da Europa, da Ásia, da América do Norte, primeiro, e da América do Sul, depois, e rumou por terra para a Austrália, aproveitando-se da glaciação ambiente. A linguagem articulada complexa aparece há 40.000 anos, comandada por centros especializados do cérebro esquerdo; os dois hemisférios sofreram, desde o homo erectus, um fantástico aumento de volume acompanhado pelo aparecimento, pela primeira vez na terra a um tal grau, da inteligência, da consciência de si, da capacidade de supor uma subjetividade nos outros, com todas as alegrias e calamidades que se seguiram (ISRAËL, 1998, p, 17)5. Na excelente revista Ciência & Ambiente, número 48 (Evolução Humana) da UFSM, existem artigos mais atualizados e muito bem fundamentados sobre a evolução humana que merecem ser lidos. 5

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Este resumo não dá, seguramente, conta de toda a dimensão da saga evolutiva humana. É preciso destacar ainda que a produção técnica (do homo habilis), a linguagem rudimentar e posteriormente a linguagem articulada complexa, o aprendizado da utilização e da preservação do fogo há 900 mil anos atrás, as estratégias de caça e de obtenção de alimentos, a separação do cru e do cozido, a invenção da grande maioria dos instrumentos de intervenção na natureza e muitas outras características estritamente humanas como a racionalidade, o senso estético e moral, tudo isso começou precisamente no continente africano desde os últimos 4 milhões de anos, aproximadamente. É da África, portanto, que evolve a civilização. É da África que viemos, queiram os racistas ou não. Como se explica, então, a mudança da cor da pele? A explicação é a seguinte: Os negros têm pele escura porque sua região de origem, a África, recebe intensas radiações ultravioleta. Como o excesso de sol é nocivo à saúde, a pele escura protege o organismo e mantém o nível de ácido fólico (vitamina do complexo B) no corpo, garantindo, assim, a descendência sadia, pois a deficiência de folato em mulheres grávidas pode causar graves defeitos no feto. Ao migrarem para ambiente onde o sol é mais fraco, como a Europa, os seres humanos passaram a nascer com uma pigmentação mais clara, enquanto recurso de sobrevivência para melhor recepcionar e armazenar a escassez dos raios solares, essenciais para a formação das vitaminas A e D, evitando, entre outros problemas, que as pessoas fiquem raquíticas e anêmicas, pois é a vitamina D que responde pelo sistema imunológico e pelo desenvolvimento dos ossos.

Esta explicação foi retirada do livro Fundamentos de Sociologia, dos autores Francisco Manoel R. de Queiroz e Marcos Barbosa Gonçalves, publicado no ano de 2009, através do sítio eletrônico sociedaderacionalista.org6. Na natureza, como se percebe, as coisas se movimentam na direção contrária à de muitos dos seus intérpretes, ou seja, se diferenças culturais e econômicas existem, elas são o resultado das ações humanas, não uma determinação natural, embora seguramente haja diferenças individuais entre as pessoas como indicado na citação. Além disso, umas gostam de matemática outras de filosofia, outras jogam futebol, outras não jogam nem o lixo fora, umas fazem descobertas científicas outra não as fazem ou sequer as compreendem, e assim Utilizo a citação acima apenas por comodidade, isto é, por estar mais resumida, mas ela apresenta algumas inconsistências frente aos novos estudos. 6

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por diante. As determinações naturais, porém, auxiliam as espécies no processo adaptativo ou vice-versa. Isso, contudo, não deve servir de argumento para se defender, novamente, a tosca e funesta ideia de democracia racial do Brasil, porque quando se diz ‘democracia racial’ se está dizendo que existem ‘raças’ diferentes que precisam ser equalizadas através da democracia. Além do mais, tudo o que existe enquanto cultura é de inteira responsabilidade dos seres humanos, para o bem e para o mal. A cultura é o resultado do pensar e do agir humanos. Portanto, a cultura é tudo aquilo que todos nós criamos, fazemos, produzimos, pensamos, o que inclui os racismos, as contradições sociais e as arbitrárias formas de apropriação das riquezas materiais e culturais, bem como a nossa ignorância e o próprio conceito de cultura. Isso mesmo. Aquilo que nós não conhecemos também faz parte de nossa cultura e, quando estudamos, o fazemos para conhecer o conhecido da cultura e, também, o desconhecido, ou seja, compreender o que já foi descoberto e fazer novas descobertas científicas, artísticas, éticas e filosóficas, pois o mundo é opaco ou intransitivo, não sendo, consequentemente, transparente ou transitivo. 3. A Ideia

de

História Universal

em

Hegel

A seguir vou relatar um conjunto de preconceitos a partir do teólogo luterano pietista (pietista, não petista como o programa do computador insiste em grafar) e filósofo idealista alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Hegel é um intérprete de seu tempo e lugar, porque absolutamente ninguém está à frente do seu tempo, muito embora esta besteira seja reiteradamente repetida, ou por ingenuidade ou por perversidade. A sua descoberta filosófica mais importante, a partir da dialética de Heráclito (535-a 475 a. C.), é a de que a verdade evolve da luta dos contrários, justamente o aprimoramento da dialética, embora Marx, com razão, tenha afirmado, posteriormente, que a dialética de Hegel está de cabeça para baixo, em consequência de sua postura idealista. Hegel afirma que a ideia é o espírito absoluto e que o espírito absoluto é o deus cristão. Ignora propositadamente a existência concreta dos seres humanos. Não é o caso aqui de se avançar na exposição dos princípios filosóficos de Hegel, mas de citar, do seu livro Filosofia da História, alguns dos seus principais preconceitos, o que em VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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parte fiz no ano passado, mas vou repetir agora a fim de proporcionar a necessária noção de conjunto ao tema em discussão no Caderno de Resumos. O que vou relatar a seguir não é apenas um deslize eventual de um autor que se aventura a especular sobre o que não conhece adequadamente. Pelo contrário, isso faz parte de seu sistema que trata do desenvolvimento do espírito, ou seja, do Hegel já famoso e com o seu sistema filosófico consolidado. É uma espécie de síntese de toda a sua obra, publicada 06 anos depois de sua morte. Para resumir, pode-se afirmar que a ideia de História Universal para Hegel é a de uma teodiceia, isto é, a realização do plano do deus cristão na Terra por intermédio da manifestação do seu espírito que seria a razão, que a tudo governa e que coincide com a ideia de Filosofia de Hegel, conforme a citação a seguir: A filosofia diz respeito ao esplendor da ideia que se reflete na história universal. Na realidade, ela tem de se abster dos movimentos tediosos das paixões. Seu interesse é conhecer o processo de desenvolvimento da verdadeira ideia, ou seja, da ideia da liberdade que é somente consciência da liberdade. A história universal é o processo desse desenvolvimento e do devenir real do espírito no palco mutável de seus acontecimentos – eis aí a verdadeira teodiceia, a justificação de Deus na história. Só a percepção disso pode reconciliar a história universal com a realidade: a certeza de que aquilo que aconteceu, e que acontece todos os dias, não apenas não se faz sem Deus, mas é necessariamente a Sua obra. (HEGEL: 1995, p. 373). (Grifo meu).

Estas são as frases finais da conclusão do livro Filosofia da História de Hegel, e assim sendo, o diretor da peça de teatro “do palco mutável dos acontecimentos”, embora nesta citação não apareça a ligação imediata, é o Estado burguês, que dirige o mundo na realização da teodiceia. Assim, a “História [enquanto disciplina] estaria em contradição com a atividade filosófica”, pois a história apenas relata fatos exteriores ao espírito, muito embora a filosofia comece sempre depois da ocorrência histórica dos fatos, como ele próprio o explica: O único pensamento que a filosofia aporta é a contemplação da história; é a simples ideia de que a razão governa o mundo, e que, portanto, a história universal é também um processo racional. Essa convicção, essa ideia, é uma “pressuposição” em relação à história como tal; na filosofia, isso não é um

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pressuposto. Mediante o conhecimento especulativo, comprova-se que a razão – ficamos com essa expressão sem discutir a relação com Deus – a substância como força infinita, é em si mesma a matéria infinita de toda a forma de vida natural e espiritual, e também a forma infinita de realização de seu próprio conteúdo (HEGEL, 1995, p, 17).

O que Hegel pretende explicar para nós, pobres ignorantes mortais, é que o espírito divino se realiza no mundo e isso significa que a razão divina governa o mundo. A razão criadora é igual à história universal de caráter filosófico. As consequências destas afirmações serão, como veremos a seguir, profundamente preconceituosas, xenofóbicas e racistas. Ele explica detalhadamente a evolução do espírito, da razão, e as implicações desse desenvolvimento vão resultar na ideia de que o cristão europeu, especialmente, o cristão protestante germânico, é aquele que se encontra com a liberdade depois de o espírito (na cultura alemã) ter alcançado o grau máximo do desenvolvimento. A seguir, depois de explicar os meios de realização da ideia, do espírito ou da razão, Hegel faz uma rápida análise dos fundamentos geográficos do desenvolvimento da história universal e neste passo, os problemas se aprofundam ainda mais. Os seus comentários sobre o mundo natural iniciam desta maneira: O contexto natural que ajuda a produzir o espírito de um povo aparece como um elemento extrínseco, quando contrastado com a universalidade do todo moral e à unidade da individualidade que é o seu princípio ativo. Mas, na medida em que devemos considerá-lo como o palco no qual o princípio atua, ele é um fundamento essencial e necessário. Partimos da afirmação de que na história universal, a ideia do espírito se mostra, em sua forma atual, como uma série de manifestações exteriores, cada uma apresentando-se como um povo realmente existente (HEGEL, 1995, p, 73).

Ele acaba por ligar as condições naturais com o desenvolvimento de cada povo. Esta é uma prática própria do idealismo pietista hegeliano. O catolicismo faz mais ou menos a mesma coisa pelo seu lado, porém, os fundamentos do catolicismo encontram-se basicamente em Aurelius Augustinus e em Tomás de Aquino, a partir da noção de pessoa. A posição de Hegel é, resumidamente, a seguinte: ele explica porque existem povos que têm história e porque existem povos que não têm história. Dentre as razões para tanto, estão as condições geográficas e climáticas que teriam favorecido ou não o desenvolvimento do VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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espírito, ou seja, da razão, da presença do espírito absoluto dando um passeio fora de si mesmo, para recolher a experiência do mundo e melhorá-la através de uma síntese dialética, a fim de produzir uma ideia mais racional ainda, por isso, elas (as condições inóspitas onde o espírito não tem condições de progredir) serão deixadas de lado quando ele explicar o desenvolvimento da história universal. Ou seja, os povos deixados de lado, são irracionais e, especialmente os negros, sequer podem ser considerados legitimamente humanos, como se demonstrará adiante através das palavras tiradas literalmente do texto de Hegel. Na seguinte citação isso começa a se esclarecer. Inicialmente, devemos apontar as condições naturais que devem ser excluídas de uma vez do grande drama da história universal: as regiões frígidas e as tórridas não são o solo propício para povos históricos, pois a consciência que desperta é um reflexo de seu próprio espírito em oposição ao caráter imediato, irrefletido, da natureza. (...). Nas regiões de condições extremadas o homem não é capaz de alcançar a livre atuação. O frio e o calor são forças por demais poderosas para permitir que o espírito construa para si um universo (HEGEL, 1995, p, 73-74).

Hegel refere-se ao Novo Mundo, ao Norte da Europa, à Austrália, a Ásia e, particularmente a uma parte específica da África. Nas Américas, especialmente Américas Central e do Sul, na Austrália, no Norte da Europa, em parte da Ásia e na África, o espírito não tem condições de se desenvolver, portanto, estes povos não têm7 história. Depois de descrever com que facilidade os desenvolvidos e civilizados Europeus conquistaram (assassinando dezenas ou centenas de milhares deles) os nativos americanos, Hegel explica o que segue: Apesar de termos algumas informações sobre a América e sua cultura, principalmente sobre o México e o Peru, sabemos que foram povos bem primitivos, que fatalmente sucumbiriam assim que o espírito se aproximasse deles. A América sempre se mostrou e ainda se mostra física e espiritualmente impotente. Depois que os europeus desembarcaram na América, os nativos declinaram gradativamente à sombra da atividade europeia. Nos Estados livres da América do Norte, todos os cidadãos são descendentes de europeus, com os quais os antigos habitantes não puderam se misturar, 7 Grifo meu. 24


pois foram reprimidos. De fato, os nativos assimilaram alguns costumes dos europeus, como, por exemplo, o de beber aguardente, com resultados altamente destrutivos. No Sul, os nativos foram tratados de forma mais violenta e utilizados para serviços pesados, para os quais as suas forças eram insuficientes. Mansidão e indiferença, humildade e submissão perante um crioulo e ainda mais perante um europeu, são as principais características dos americanos do Sul, e ainda custará muito até que europeus lá cheguem para incutir-lhes uma dignidade própria. A inferioridade desses indivíduos, sob todos os aspectos, até mesmo o da estatura, é fácil de se reconhecer. Somente as tribos que vivem bem ao sul, como as da Patagônia, são de natureza mais robusta; porém, ainda bastante rudes e selvagens. Quando os jesuítas e clero católico quiseram acostumar os índios à cultura e aos costumes europeus (é sabido que fundaram um Estado no Paraguai e mosteiros no México e na Califórnia), deram início à convivência com eles. Os padres davam-lhes ordens como se os nativos fossem incapacitados para as tarefas diárias, as quais eles aceitavam, mesmo sendo preguiçosos, por causa da autoridade dos primeiros. Esses regulamentos (à meia-noite, um sino devia lembrar-lhes de suas obrigações matrimoniais), inicialmente visavam à criação de necessidades – a força motriz da iniciativa da atividade humana. A fraqueza do nativo americano foi a principal razão de se levar negros para a América, com o objetivo de empregar a capacidade que eles têm de trabalhar, pois os negros são muito mais receptivos à cultura europeia do que os índios. Um viajante inglês citou exemplos de vários negros que se tornaram hábeis sacerdotes, médicos, etc. (foi um negro quem primeiro descobriu o emprego do quinino), enquanto era de seu conhecimento que apenas um nativo havia conseguido iniciar-se nos estudos, mas logo falecera, devido ao excesso de aguardente (HEGEL, 1995, p. 74-75).

Hegel continua as suas explicações sobre a ocupação das Américas pelos europeus. Raramente escreve sobre os portugueses, atribui praticamente toda a conquista da América do Sul aos espanhóis que, obviamente, assim como os portugueses, aqui vieram para saquear e roubar tudo o que fosse possível levar para Espanha e Portugal. Continua a desqualificar completamente os nativos das Américas. Destaca as diferenças entre as Américas do Norte e do Sul, pois a América do Norte, por ter sido colonizada basicamente por protestantes ingleses, progrediu mais do que as Américas Central e do Sul. Nesta citação pode se observar uma referência aos negros como sendo, de certa maneira, mais inteligentes e trabalhadores do que os índios. Não se iluda, caro leitor, logo esse ‘elogio’ será devidamente retirado.

VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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Na América do Norte, por influência dos protestantes, ocorreu a industrialização e, portanto, a europeização. Uma acusação suplementar feita por Hegel aos nativos é a de que eles não possuíam qualquer senso moral, organização política, ou seja, nem moralidade e nem leis que pudessem constituir um Estado. Não é possível transcrever tudo sobre os nativos das Américas, por isso, passo a transcrever algumas das suas convicções sobre os povos do Mediterrâneo, da África e da Ásia. Sobre o Mediterrâneo, Hegel escreve o seguinte, em resumo. A Inglaterra e a Bretanha, a Noruega e a Dinamarca, a Suécia e a Levônia eram unidas, pois então o que une estas três partes do mundo é o Mediterrâneo, o centro da história universal. Ali se encontra a Grécia, ponto luminoso da história. Depois, na Síria, temos Jerusalém, o centro do judaísmo e do cristianismo; a sudeste estão Meca e Medina, berços da fé muçulmana; a oeste Delfos e Atenas; ainda mais a oeste, Roma; às margens do Mediterrâneo, acham-se ainda Alexandria e Cartago. Assim, o Mediterrâneo é o coração do Velho Mundo; ele o condiciona e vitaliza. Sem ele não se poderia representar a história universal, que seria como a antiga Roma ou Atenas sem o forum, onde tudo se reunia. A imensa Ásia oriental ficou afastada do processo da história universal e não se inseriu na antiguidade; tampouco o norte da Europa que só mais tarde veio a participar da história universal, pois esta se limitou às terras adjacentes ao Mediterrâneo (HEGEL, 1995, p, 79).

Explico: a história universal começou, se desenvolveu e permaneceu no entorno do Mediterrâneo. O resto do mundo praticamente não tem história, isto é, nele não se desenvolveu o espírito absoluto. Por isso, Hegel faz uma ampla exposição histórica, geográfica e cultural da região do Mediterrâneo. Explica em detalhes a “geografia” das Américas, da Ásia e da África. Mas, devido à falta de espaço tratarei imediatamente das questões relativas a África. Hegel divide a África em três partes, como segue: A África deve ser dividida em três partes: a primeira, situada ao sul do deserto do Saara, é a África propriamente dita, o planalto quase totalmente desconhecido para nós, com trechos estreitos de costa. A segunda parte fica ao norte do deserto, podendo ser denominada de África Europeia; é a faixa litorânea. A terceira é a região fluvial do Nilo, a única região de vale da África e que se junta a Ásia (HEGEL, 1995, p, 82).

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Hegel explica as dificuldades encontradas de se penetrar na África propriamente dita, devido à sua constituição geográfica tropical, diferentemente do que fora encontrado nas Américas. Além disso, existem muitos perigos para os europeus explorarem aquele território, como segue. “Pelo que nos relata a história, essa África propriamente dita ficou fechada para o resto do mundo; é a terra do ouro, voltada para si mesma, a terra-criança que fica além da luz da história autoconsciente, encoberta pelo negro manto da noite” (Hegel:82-83). Depois de localizar geograficamente a África propriamente dita, Hegel conclui a sua análise daquele lugar: “Perto desse ponto, em direção ao interior, encontra-se uma faixa pantanosa de vegetação abundante, excelente ambiente para animais carnívoros e para cobras de todos os tipos – um trecho cuja atmosfera é venenosa para os europeus” (Hegel:83). A seguir descreve as outras duas partes do continente e passa a explicitar o caráter do povo africano, especialmente o da população que habita a África propriamente dita. O caráter tipicamente africano é, por isso, de difícil compreensão, pois para aprendê-lo temos que renunciar ao princípio que acompanha todas as nossas ideias, ou seja, a categoria da universalidade. A principal característica dos negros é que sua consciência ainda não atingiu a intuição de qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas quais o homem se encontraria com a própria vontade, e onde ele teria uma ideia geral de sua essência. Em sua unidade indiscriminada e compacta, o africano ainda não chegou a essa distinção de si como indivíduo e de sua generalidade essencial. Por isso, carece também do conhecimento de uma essência absoluta, que seria um outro, superior a ele mesmo. O negro representa, como já foi dito, o homem natural, selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de tudo o que chamamos sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles, nada evoca a ideia do caráter humano (HEGEL, 1995, p, 84). (Grifo meu).

Hegel escreve ainda mais cinco ou seis páginas deste teor, por isso não é possível reproduzir todas as suas afirmações. Sugiro que os interessados leiam o seu livro. A minha intenção, ao citar trechos de alguns autores, é a de mostrar de onde saem as mais diversas formas, não somente de preconceito, mas principalmente de discriminação racial, bem como destacar a importância do conhecimento da história do pensamento humano para VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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dar suporte teórico à luta contra o racismo. Por isso, é que estou repetindo em parte o que já publiquei no caderno de resumos no ano passado. Nenhuma ação alcança qualquer nível de profundidade se ela não for bem fundamentada. Palavras ingênuas podem ser presas faceis dos demagogos de plantão que rapidamente as transformam em seu contrário, fazendo o feitiço se voltar contra o feiticeiro. Para concluir esta parte mais documental vou citar mais alguns trechos da doutrina de Hegel, destacando algumas frases relativas às formulações jurídicas, de Estados e da moralidade. Não é possível, porém, deixar de lado as referências de Hegel às religiões africanas que também ocupam diversas páginas do seu livro. Na sua comparação daquelas religiões com o cristianismo, estão as motivações ideológicas mais relevantes para a nossa discussão. Hegel afirma, por exemplo, que os africanos, por não conhecerem um ser superior, ou seja, algo como ele supõe que deva ser o deus cristão (se por acaso algum deus realmente existisse), teriam colocado os próprios homens como sendo seres supremos, como segue: Pelo fato de ter sido colocado como ser supremo, o homem não obteve nenhuma consideração para si mesmo, pois só com a consciência de uma essência superior é que ele chega a uma posição na qual um real respeito é atribuído. Se a arbitrariedade é o absoluto, [ela é] a única objetividade real que a intuição alcança, assim o espírito que se encontra nesse nível não pode conhecer a universalidade. Por isso, os negros demonstram esse desprezo total com relação ao homem, que sob o ponto de vista jurídico e moral constitui a determinação básica. Também não existe o conhecimento da imortalidade da alma, apesar de surgirem fantasmas dos falecidos. A carência de valor dos homens chega a ser inacreditável. A tirania não é considerada uma injustiça, e comer carne humana é considerado algo comum e permitido. Se o instinto não nos permite comer carne humana – e se é que se pode falar apropriadamente de instinto entre os humanos – entre os negros isso não acontece, e devorar humanos está ligado ao princípio geral africano, pois para o negro a carne humana é apenas um objeto dos sentidos – apenas carne (HEGEL, 1995, p, 85).

Hegel afirma que devido à inferioridade brutal dos negros africanos eles não têm a menor ideia do que seja um estado, um deus e assim por diante. Prevalece entre eles o despotismo e a ausência de uma autoridade 28


constituída legalmente. A única ligação que eles têm com a Europa civilizada é a escravatura. Acontece que Hegel escreve do ponto de vista do capital. Ele é um dos arautos da defesa do Estado burguês e justamente a escravidão negra nos lugares onde a história ainda não chegou (levada pelos civilizados europeus), serviu como uma luva feita sob medida para a acumulação de capital, para o desenvolvimento industrial da Europa. 4. Conclusão Analítica

Espero ter ao menos mostrado de onde partem certas ideias que tentam naturalizar as diferenças entre as pessoas pela cor da pele, pelos seus hábitos e costumes, muito embora as ideias racistas sejam muito mais antigas do que Hegel nos dá a entender. Elas remontam ao início da chamada civilização humana, ao início da história, no Mediterrâneo. Quero enfatizar, contudo, que não podemos julgar os pensadores do passado com os nossos conceitos e preconceitos de hoje, por isso, devemos ressaltar as suas contribuições ‘positivas’ para o pensamento humano. Obviamente não podemos jamais esquecer, ou fazer de conta que não existem as contribuições ‘negativas’, as quais também devem ser igualmente destacadas. Compete-nos colocar uma ao lado da outra para tirarmos as conclusões necessárias, a fim de fundamentar racionalmente a nossa ação política. Como o leitor pôde perceber, o meu envolvimento com a questão advém desde a minha infância, por isso introduzi alguns dados pessoais neste texto, mas somente enquanto adulto pude estudá-la, ainda que de modo precário. A partir desta compreensão dos fatos historicamente registrados, pretendo tirar deles algumas conclusões. a) Que as religiões, especialmente as abraâmicas, com as suas dogmáticas doutrinais ortodoxas e respectivas vulgatas, constituem-se parte significativa da superestrutura ideológica discricionária, pois nada admitem que não tenha sido criado ex nihilo e ex abrupto 8 pela divindade que cultuam. Essa crença mítica e tribal, quando invade as escolas e as universidades, impede que se estudem adequadamente as leis e os princípios científicos 8

Do nada e repentinamente.

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da evolução humana, nos quais se aprenderá que não existem raças ou diferenças para a natureza. b) Que apesar de Galileu (1564-1642) ter demonstrado cabalmente a necessidade da experimentação para a confirmação, ou não, das especulações metafísicas, elas continuam a persistir e são constantemente afirmadas como verdades sem nenhuma comprovação empírica ou, pelo menos, uma justificação racional mais apropriada. Estas supostas verdades metafísicas são repetidas diariamente em forma de receituário ideológico pela mídia que é, atualmente, o meio mais eficaz de naturalização da superestrutura ideológica que contém todas as formas possíveis de segregação, muito embora, às vezes, pareça o contrário. Mas, é justamente neste parecer afirmar o contrário que a ideologia discricionária se estabiliza como um hábito, de tal maneira que muitas pessoas passam a acreditar, por exemplo, que se o seu deus quer que existam pobres, então isso é verdade e agrada ao seu deus ser pobre. De maneira análoga, o seu bondoso deus escolheu os brancos para serem ricos e mandar nos outros; escolheu-os para serem mais inteligentes e que o pobre, o negro e o índio são naturalmente ignorantes, ou ainda, que a homossexualidade é uma doença ou falta de vergonha. c) O que Hegel escreve sobre a ideia de história universal é a expressão de um tipo de pensamento metafísico sem qualquer comprovação. Atribui aos outros as piores características e ao seu próprio povo as mais evoluídas. E assim, como já o fizera a Igreja Católica Apostólica Romana na Idade Média, o moderno reformado protestante luterano Hegel também não reconhece os africanos como sendo seres plenamente humanos. Afirma reiteradamente que, assim como os nativos das Américas, da Austrália, do Norte da Europa e de outros lugares não alcançados pelo espírito, a indolência, a preguiça e a selvageria são as constantes da sua rude existência sem história e sem cultura. Por isso, todos estes povos precisam ser dominados pelos cultos europeus para que aprendam alguma coisa de útil com eles, para que algum dia, se estudarem bastante (como se diz muito na escola), venham a ter história. Eis aí uma das origens do eurocentrismo e da justificação da dominação europeia do mundo até meados do século XX. Com isso também se justifica a exploração do trabalhador assalariado, especialmente através 30


do chamado darwinismo social. Os mais aptos foram capazes de se tornar os proprietários dos meios de produção e os preguiçosos, os indolentes ou selvagens servem somente para serem mandados, assim como os jesuítas faziam com os nativos sul-americanos. d) O que Hegel escreve sobre a suposta antropofagia, especialmente a dos africanos, parece pretender ocultar a própria herança antropofágica dos cultos cristãos. Muito embora, neste sentido, o cristianismo tenha avançado ao simbolizar a antropofagia pela sua recordação que continua presente em todas as celebrações religiosas. Todos os sacerdotes – católicos ou protestantes – a cada vez que repetem os rituais de suas práticas religiosas assim se expressam: “Tomai e comei: este é o meu corpo. Tomai e bebei: este é o meu sangue”. Ora, não há como esconder que estas palavras denotam práticas antropofágicas não muito antigas, existentes justamente onde a história universal teria iniciado: na região do Mediterrâneo! No entanto, este aspecto da simbólica cristã contém um lado positivo: o de lembrar aos fiéis de que a fase dos sacrifícios humanos em honra aos deuses está encerrada, tornando-se, portanto, algo de pedagógico, ou seja, não se deve mais comer carne humana e nem beber o seu sangue, principalmente dos deuses e das autoridades. Mas, mesmo enquanto um ato simbólico, trata-se de uma prática religiosa anacrônica, a qual não poderia ser justificada somente pela sua pertença a uma dogmática doutrinária, especialmente depois do advento das modernas ciências da natureza, da antropologia, da arqueologia, da história, da sociologia, da psicologia e da psicanálise. e) O que Hegel julga ser demérito entre os africanos é justamente o seu mérito. Não colocaram ninguém acima deles, não inventaram uma entidade chamada alma que se separaria do corpo após a morte, como nas dogmáticas das religiões abraâmicas. O que Hegel julga impedir o surgimento de um Estado e de leis similares às leis europeias não é a falta de crença nalgum ser superior, até porque não temos como saber com clareza como era a organização política e social dos povos africanos devido a mistificação que os europeus esclarecidos fizeram deles9. Aliás, nos dois 9

Hoje em dia já existem estudos históricos mais completos sobre a África e seus povos. VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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grandes teóricos do cristianismo Aurelius Agustinus10 e Tomás de Aquino, o Estado sempre é depreciado. f ) Pelo exposto torna-se evidente a necessidade de se conhecer a história da filosofia, a história da evolução das espécies, a história da produção das técnicas de intervenção na natureza, a articulação dos postulados da superestrutura ideológica. Torna-se necessário também, estudar como ocorreu o desenvolvimento dos modos de produção material e cultural da humanidade, para que possamos atuar politicamente em defesa da igualdade de direitos não somente formais de todos os seres humanos, para podermos propor, racionalmente, a criação de uma vida comunal entre pessoas livremente associadas, sem o controle do capital. 5. Moral Provisória

da

História

No ano de 1948 o espírito absoluto ainda não havia chegado a São Valentim, Santo Augusto, São Valério, São Jacó, São Pedro, São João, São Martinho. Por isso, no lugar e no tempo do meu nascimento, ainda não havia história (provavelmente por causa da existência da terra indígena de Inhacorá no interior, ao lado e próxima destas localidades), razão pela qual, não sou um filósofo famoso de expressão internacional, mas apenas um filósofo de província, pois a história só começou a chegar ao Brasil, mesmo como coisa de segunda mão, quando os bondosos ianques a trouxeram, séculos depois de os europeus a terem levado para a América do Norte. Contudo, modestamente, faço parte da luta contra a segregação racial. Hasta siempre comandante Zumbi dos Palmares.

Aurelius Augustinus, ou Santo Agostinho, Bispo de Hipona, era originário de Tagaste, Norte da África. Antes da conversão ao cristianismo era cidadão romano e professor de retórica (gramático). Tagaste é uma antiga cidade da Numídia, onde sobre as suas ruínas foi edificada a atual cidade de Souk Ahras. O país atual é a Argélia, que foi dominado pelos civilizados franceses de 1830 até 1962. Algumas fontes indicam que Agostinho era negro, outras afirmam que ele era mulato, mas a maioria omite qualquer informação. 10

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Referências: HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da História. Brasília: Edu – UNB, 1995. ISRAEL, Lucien. Cérebro Direito – Cérebro Esquerdo: Cultura e Civilizações. São Paulo: Santos Editora, 1998.

PINKER, Steven. Como a Mente Funciona. São Paulo: Cia das Letras, 2004. QUEIROZ, Francisco; GONÇALVES, Marcos. Fundamentos de Sociologia. Disponível em www.sociedaderacionalista.org. Acesso em 02/10/2017.

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A África tem história? CASTRO, Bruno; PEREIRA, Vítor1 Se fosse possível reunir o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, que viveu na passagem do século XVIII para o século XX, com o rei Mansa Musa, do Império Mali, que viveu na África, no século XIV, que diálogos históricos seriam produzidos nesse encontro? Uma das possibilidades poder ser a seguinte:

Ilustrações representativas de Friedrich Hegel (esquerda) e de Mansa Musa (direita).

Prezado Sr. Musa, “A principal característica dos negros é que sua consciência não atingiu a intuição de qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas quais o homem se encontraria com sua própria vontade, e onde ele teria uma idéia geral de sua essência. (...) O negro representa, como já foi dito, o homem natural, selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de tudo o que chamamos de sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles, nada evoca a idéia Estudantes da Turma 433 – Curso Técnico em Informática para a Internet Integrado ao Ensino Médio. Trabalho realizado para avaliação em História no ano de 2016. 1

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de caráter humano. (...) Entre os negros, os sentimentos morais são totalmente fracos – ou, para ser mais exato, inexistente. (...) Com isso, deixamos a África. Não vamos abordá-la posteriormente, pois ela não faz parte da história mundial; não tem nenhum movimento ou desenvolvimento para mostrar.” (Hegel, 1995, p. 84) “Será mesmo, senhor Hegel? Então me permita contar um pouco sobre a minha história e a do meu império. Antes disso, vou me apresentar: sou Musa Keita I ou Mansa Musa, como preferir, a pessoa mais rica da história. “Era uma vez um poderoso, grande e rico reino africano chamado Império do Mali, que se originou do reino do Mali. Este império foi por muito tempo meu. Ele existiu na África Ocidental entre os séculos XII e XVI e teve como capital a cidade de Niani, com cerca de 100 mil habitantes. Porém o império detinha, ao todo, algo próximo a 40 milhões de pessoas. A crença mandinga relata que a criação do nosso império se deu quando o rei do Mali e sua família foram massacrados pelo rei do Sossoe, o Sumatoro Kante. Porém, uma criança enferma chamada Sundiata Keita conseguiu escapar viva do massacre. Sundiata recuperou a saúde após encostar no cetro real e prometeu vingar a morte de nossos familiares. Em 1235, ele alcançou seu objetivo e originou nosso império. “Porém, a história conta que o nosso império se expandiu a partir de um pequeno reino chamando Cangaba, localizado às margens do rio Níger, até conquistar algumas das regiões comerciais mais importantes da época. Nosso Império foi um dos três que dominaram essa região, o mais extenso territorialmente se comparado com os outros dois (Songhai e Gana). As nossas fontes de riqueza eram o comércio e a mineração de ouro, o que nos fez o império mais rico da África em sua época. Nós, o povo malinqué, tínhamos como principais cidades: Niani, a capital, Kumbi-Saleh, antiga capital do império de Gana, Walata, Tombuctu, Djenné, Kirina e Gao.

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Mapa da localização do Império do Mali.

“E então Sr. Hegel, ainda acha que a África não tem história?” Mansa Musa “Ora Sr. Mansa, não é porque um pequeno e insignificante império existiu, que o seu continente vai ter história, ele não faz parte das conquistas tecnológicas de meu continente” – Hegel.

Ilustração representativa de Friedrich Hegel

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“Caro Hegel, mesmo o Sr. não concordando, todo povo tem história. Porém, essa história só vai poder ser contada se existir alguma linguagem verbal ou não-verbal e, nesse caso, nós tínhamos desenvolvido as duas. Então Sr. Hegel, não fale que nós não temos história.

Ilustração de Mansa Musa.

“O meu império destacou-se pela grande produção de ouro, sendo um dos maiores da África. Nós também praticávamos agricultura, pecuária e artesanato, sendo este último extremamente importante para a formação econômica e cultural do nosso império. “Nossos produtos circulavam por Tomboctu, como sal, ouro, nozes, tecidos, peles e instrumentos de metal. Por volta do século XIV, Tomboctu se tornou um grande centro intelectual, possuindo mais de 150 escolas e atraindo estudantes de todas as partes da África. O poder político estava nas mãos de imperadores, no entanto, o meu povo podia ter acesso a eles através das chamadas “reclamações”, assemelhando-se a um regime democrático. O documento que estabeleceu a estrutura política do império foi a Carta de Kurukan Fuga. Mansa é o nome dos nossos imperadores, os quais usavam como vestimentas artefatos feitos de ouro e uma túnica vermelha chamada Monthanfas. O meu trono era feito de ébano chamado de pempi.

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Representação de Mansa sentado no Pempi

“Nós imperadores tínhamos, entre outras funções, assegurar a justiça no reino e comandar as tropas em caso de guerra. O nosso império era governado de duas formas: no centro, o controle era direto dos nossos imperadores. Porém, na periferia nós criamos reinos protetorados. O reino central era subdividido em províncias, com um governador, o dyamani tigui. As menores unidades de uma província eram os kafo e os dugu. Os reis da periferia reconheciam a nossa soberania, mas não perdiam seu estatuto de reis. Estes normalmente pagavam impostos a mim. “Além disso, nós tínhamos uma excelente estrutura social. Vou lhe contar como ela foi estabelecida e como funcionava: Sundiata venceu Sumatoro na batalha de Kirina e reuniu seus apoiadores para definirem as bases de governo do nosso império. A grande assembleia, chamada de Gbara, ocorreu próxima a nossa capital, na planície de Kurugan Fuga, onde foram estabelecidas as administrações do império, que consistiam de: VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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• Sundiata se torna Mansa, o que significa imperador, chefe dos reis e juiz supremo. O poder passaria para as mãos de seu herdeiro, que precisava ser de mesma linhagem, e assim sucessivamente; • Os chefes de Nema e Wagadu foram proclamados reis; • Os demais chefes receberam o título de farin; • A sucessão se daria de forma fraternal, ou seja, irmão sucede irmão; • Os cinco clãs dos Marabu, aliados de Sundiata na batalha foram declarados “guardiões da fé”; • Os trabalhadores foram divididos em quatro clãs de acordo com o seu tipo de ofício: - Griots, porta-voz e mestre de cerimônias do império; - Sapateiros; - Ferreiros; - Barqueiros, denominados ‘mestres das águas’.

Ilustração representativa dos clãs de trabalhadores Marabu

“Nossa religião oficial era o islamismo. Porém, essa apresentava algumas características das religiões animistas do Reino do Mali como: os dyeli (sacerdotes) praticavam ritos com os rostos cobertos por máscaras animistas, a nossa população comia carnes consideradas impuras pelo islã, etc. Os principais agentes da divulgação do Alcorão no Mali eram os comerciantes sarakholés e diúlas. 40


“Como o islamismo está ligado ao estudo, não só do Alcorão, mas ao ensino em geral, procurei incentivar a cultura, ensino e expansão do islã. Inclusive peregrinei à Meca e trouxe de lá mercadores e sábios que me ajudaram a divulgar a religião islâmica. Também trouxe um poeta-arquiteto, Abu Issak, mais conhecido como Essaheli, ou Ibrahim Abû Ishaq Essaheli. Foi ele quem planejou a grande mesquita de Djingareiber, nossa joia da arquitetura, que começou a ser construída em 1325 e concluída por Kandu Mussa. Esse rei também enviou estudiosos para o Marrocos, a fim de estudarem na universidade de Fez. Esses sábios voltaram ao Mali e fundaram centros de ensino e estudo corânico. Timbuktu se tornou um centro de difusão de conhecimento para comerciantes e para estudiosos. “O auge do nosso Império foi após Sundjata Keita, quando governou seu filho Mansa Ulé. Mansa Ulé entregou o controle das províncias imperiais a diferentes generais, proporcionando a descentralização do reino. Um escravo do Mansa Abubakar I, Sakura, foi o imperador que aumentou os domínios do Mali, fazendo com que mais reis se tornassem vassalos do império. Sakura foi assassinado após retornar de uma peregrinação. Meu reinado é considerado a Era Dourada da História do Mali. Durante o reino de Maghan, Timbuktu foi saqueada por povos estrangeiros. Mansa Suleiman recuperou a economia do Império e tentou restaurar a sua influência sobre a periferia, fazendo reconhecer sua soberania sobre os Tuaregues. Os reinados de Mari Djata e Mussa II marcaram o início do período de decadência do Império. “A queda do Império está relacionada às lutas internas pela posse do trono, ao crescimento do Império de Gao e aos levantes dos reinos vassalos. Os Peules iniciaram um movimento de resistência liderados por Djadjé no começo do século XV, ao mesmo tempo em que povos do Tekrur se associaram aos estados volofos, e as províncias do leste foram anexados por Gao. Em 1490 o Gao já havia conquistado o Futa, o Toro, o Bundu e o Dyara. Nessa época, tentamos formar uma aliança com o rei João II, de Portugal, mas as missões diplomáticas não chegaram à Europa. A investida VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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das dinastias Askias de Gao fez com que o Mali se dissolvesse de vez, quando a capital do Mali foi ocupada em 1545. Em 1599, o domínio do Gao foi substituído pelo controle marroquino, o Mansa Mahmud organizou uma nova resistência se aproveitando da situação, mas seus homens foram derrotados pelas armas de fogo dos marroquinos, marcando o fim do império.” - Mansa Musa

Ilustração representativa de Hegel.

“Por favor Sr. Mansa, dessa forma o Sr. não convencerá ninguém. De que forma um império sem personagens heroicos ou pessoas influentes pode ter história? Além disso, nunca irão se igualar ao meu país ou a qualquer outro país europeu. Só poderiam ter sido colonizados pela França mesmo. Quando o senhor reconhecerá isso?” – Hegel

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Ilustração representativa de Mansa Musa.


“De novo o Senhor peca em seus argumentos, Sr. Hegel. Nós temos vários personagens e eu citei alguns. Mas, retomarei as histórias deles, porém, retomando a discussão sobre países, ser colonizado pela França não apaga nossa história gloriosa, pelo menos nós não perdemos e nem a França perdeu duas guerras mundiais em função da prepotência expansionista. Aqui pode ser a África, e estou sentindo frio, o Senhor, não? Aqui parece a Rússia. “Alguns personagens importantes da nossa história foram: • Sosoe Kemoko, chefe de um clã Maninka, especialistas em metalurgia. Ele juntou duas cidades, Kaniaga e Sosoe, para formar um reino, chamado Império da Gana, onde no poder esteve a dinastia Kante. • Sumatoro Kante, conhecido como Rei-Feiticeiro e opositor ao islamismo. Ele reinou de 1200 à 1135, controlando todos os reinos dominados pelo Império da Gana, exceto Mandem. Possuía um grande exército que disseminava o terror, tanto pela sua força, quanto pela magia. • Nare Fa Magham, rei de Mandem entre 1218 e 1230, que lutou contra Sumatoro Kante. • Mansa Ulé, filho de Sundiata Keita, que descentralizou o reino dos seus generais e fez com que Mali aumentasse o seu poderio. Além disso, ele foi o responsável pela criação da constituição do reino, a qual o tornou reconhecido como imperador e fez com que a população pagasse impostos ao império. “Estes são alguns de nossos personagens importantes, agora lhe contar a história de nossos personagens mais importantes, Sundiata Keita e eu, obviamente. “Vamos começar com Sundiata. A origem do nosso fundador ainda é um mistério, pois fontes que se referem a ele são escassas, por isso nos baseamos em tradições orais, que constituem fontes tão genuínas de documentação quanto os seus documentos oficiais. O seu nascimento deu-se VIII Ciclo de Estudos Sobre História e Culturas Afro-brasileiras

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em circunstâncias extraordinárias. Ele foi filho da segunda esposa do rei Naré Fa Maghan. Nasceu por volta de 1210, feio, com deficiência motora e débil. Com três anos ainda não sabia andar e falava mal. Nossa tradição conta que uma doença incurável o impedia de caminhar. “Sumaoro Kantê, rei dos Sossoe, ocupou o Mali e matou todos os filhos do rei Naré, exceto o nosso fundador Sundiata. O menino teve salva a sua vida porque a sua deficiência não aparentava qualquer perigo. Sumaoro lamentou por toda a vida essa atitude. “O príncipe Sundiata fugiu para Gana. Converteu-se em um grande mago e, graças ao seu poder mágico, curou-se da doença. Aprendeu a caçar, a lutar e a recitar frases que contêm a sabedoria dos seus antepassados. Começou a recrutar um bom grupo de soldados e formou um exército. “Então, ele decidiu reconquistar o trono do seu pai e o anúncio da sua chegada trouxe grande entusiasmo aos Malinqués, cujos clãs haviam formado exércitos próprios, que apoiaram Sundiata. “Nossa tradição conta que tanto o príncipe Sundiata, como o rei Sumaoro foram feiticeiros. Este último foi vulnerável ao ferro e o seu animal preferido era um galo branco, o único que poderia destruí-lo. “Sabendo disso, Sundiata construiu um arco de madeira com um esporão de galo branco numa das extremidades. O dia da batalha decisiva ocorreu em 1235, quando os adversários mediram forças em Kirina. “Durante a batalha, Sundiata armou a flecha no seu arco especial e disparou.

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Ilustração representativa de Sundiata.

“O esporão de galo branco roçou o ombro esquerdo do rei Sumaoro que sentiu suas forças lhe faltarem, fugiu e teve a derrota confirmada. O príncipe Sundiata, agora ‘quase’ rei, perseguiu-o, mas não o encontrou. Depois da grande vitória de Kirina, o rei Sundiata estabeleceu a capital do reino em Niani, na atual fronteira do Mali com a Guiné. Uma grande aliança com os chefes da região foi estabelecida para a criação de um grande império, que aclamou Mansa como chefe supremo. “A vitória de Kirina favoreceu a economia. Depois dela, a agricultura desenvolve-se com o cultivo de arroz, favas, inhame, cebolas e algodão. O imperador Sundiata passou a controlar o comércio e as minas de ouro do Gana. No seu apogeu, este império abarcou grande parte da curva do rio Níger. “Tal como o nascimento, também a morte de Sundiata esteve envolvida em mistérios. A tradição oral diverge, para alguns ele morreu no decurso de uma cerimônia, trespassado por uma flecha. Para outros, morreu afogado em circunstâncias inexplicáveis. O certo é que faleceu por volta de 1255. Glorioso, não?

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“Não precisa responder, reconhecemos que foi glorioso, tanto que a história de Sundiata Keita foi inspiração para um filme de muito sucesso do século XX, ‘O Rei Leão’. Esse filme não conta muito da nossa cultura, mas já é extremamente significante. Caro Hegel, acompanhe essa citação do site ‘African, Black & Diasporic History’ (com tradução livre de Léo Rossetti): ‘A Disney tem sido elogiada por usar animais africanos como personagens da história, pela utilização da paisagem africana, pela utilização da arte africana na ilustração do projeto e pela utilização de atores africano-americanos nas vozes dos personagens do filme. Se o filme consegue fazer com que a cultura africana seja aceita pelas pessoas geralmente resistentes ao reconhecimento de qualquer outra cultura, a não ser a sua própria, então realmente ele merece ser conhecido por esta pequena brecha na divisão racial. No entanto, no sentido mais amplo, o filme diminui a rica herança cultural da história e da história da qual deriva. Sundiata era o 12º filho do rei do Mali, e ele era visto pelos reis “griot”, como destinado à grandeza. Esta é a história de um verdadeiro rei que fundou, no oeste africano, o reino de Mali, um império cujo maravilhas deixaram uma herança brilhante de cultura e uma sabedoria antiga iluminada e rica. “Agora vou lhe contar a minha história. Meu nome verdadeiro é Musa I, mas todo mundo me chama de Mansa Musa ou “Rei dos reis”. Quando cheguei ao trono, o Império Mali consistia nos territórios anteriormente pertencentes ao Império Gana e Melle (Mali) e nas áreas circundantes. Obtive muitos títulos, incluindo Emir do Melle, Senhor das Minas dos Uangaras, Conquistador de Ganata, Futa-Jallon e, pelo menos, outra dúzia de estados. Na minha peregrinação à Meca levei muito, mas muito ouro e distribuí uma parte aos pobres, causando uma crise por onde passei, uma crise de oferta e demanda, sabe porquê? Porque fui a pessoa mais rica da história. “Existem muitas especulações sobre a minha fortuna. Alguns afirmam que ela variava entre 400 bilhões e 400 trilhões do atual dólar. Porém, apenas eu sei realmente quando tinha, mas não vou contar por que 46


não vejo relevância nisso. Minha história é que foi realmente rica, e é sobre isso lhe contei anteriormente. E então, o que acha Sr. Hegel?” - Mansa Musa Então, ainda pode-se afirmar que os povos africanos não têm história?

Referências:

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da História. Brasília: Edu – UNB, 1995. Sites: http://profissaohistoria.blogspot.co.uk/2013/11/o-imperio-mali.html. Acesso em nov/2016. http://imperiodemali.blogspot.co.uk/. Acesso em nov/2016. http://diasporicroots.tumblr.com/post/46890640418/nok-ind-sundiata-keita-the-true-lion-king-of Acesso em nov/2016. https://pt.wikipedia.org/wiki/Mansa_Musa. Acesso em nov/2016. http://escola.britannica.com.br/article/481815/Imperio-do-Mali. Acesso em nov/2016. http://www.infoescola.com/africa/imperio-mali/. Acesso em nov/2016. https://pt.wikipedia.org/wiki/Imp%C3%A9rio_do_Mali. Acesso em nov/2016. http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/ Raoni%20Arroyo%20-%2024%20-%20_216-222_.pdf. Acesso em nov/2016.

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Egito Antigo: Império Negro

MORAES, Jackson1 SILVEIRA, Maria CERIPES, Pedro Yves SEBASTIANY, Pedro Henrique CORADINI, Pietro Resumo

A construção histórica, sendo ela de qualquer natureza, além de representar o passado, reflete o pensamento político-social do presente. Nesse sentido, ao verificar a análise feita sobre o Egito Antigo percebe-se, explicitamente, a postura racista, uma vez que historiadores europeus trataram de branquear o caráter negro da população egípcia, a fim de diminuir a cultura negra e defender interesses políticos. Desse modo, mostra-se necessário uma nova compreensão histórica que revele a etnia negra da civilização egípcia. Um historiador que trouxe esta discussão à tona, buscando quebrar o paradigma eurocêntrico foi o senegalês Cheikh Anta Diop, relatando na obra A Origem dos Antigos Egípcios que “o povo egípcio se auto considera parte do continente africano como um todo, mesmo que dividido entre reinos e impérios”. Um dos principais motivos para essa afirmação foram as trocas de valores socioculturais, a partir das relações comerciais com outros povos. Esse povos ficaram conhecidos como os KMTs, cujo o significado é “preto como carvão”. O império egípcio apresentou considerado avançado técnico, tanto na ciência, como no desenvolvimento de grandes obras com aprimoramentos em diversos campos, todos de fundamental importância para os avanços vividos pela humanidade. O império egípcio surgiu por 1

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volta de 3.200 a.C., a partir da união dos reinos do Alto e do Baixo Egito, envolvendo as férteis terras ao longo do Nilo. As referências documentais em afrescos e decorações em cerâmicas evidenciam a negritude de seu povo.

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Reino Songhai

RIOS, Arthur2 VARGAS, Eduardo BORTOLUZZI, Heitor PADOIN JÚNIOR, Hildo STANGHERLIN, Karoline Resumo

Este trabalho tem por objetivo apresentar alguns aspectos do Reino Songhai, que expandiu-se ao longo do vale do rio Níger, nos séculos XV e XVI. O Império teve como peculiaridade a organização político administrativa, com a estruturação de uma moderna monarquia em Gao. Esta se distinguiu do sistema tradicional de outros reinos, tais como, Gana e Mali. Sua localização geográfica foi determinante para a realização dos intercâmbios transaarianos, facilitando as comunicações, além da região ser privilegiada com um vale fértil às margens do Níger. Teve como capital Gao que, ao chegar ao seu pleno desenvolvimento econômico, tornou-se grande centro comercial cosmopolita, relacionando-se com diferentes localidades africanas como: Líbia, Egito e Magreb. Provavelmente uma fração da população do reino, miscigenada com os berberes, dedicava-se a agricultura às margens do rio Níger. Ao se tornar uma espécie de senhor da “curva do Níger”, o reino alcançou o apogeu estatal e econômico, o que lhe permitiu abandonar a pilhagem, substituindo-a por conquistas territoriais, fato que exigiu a organização de um exército experiente e bem estruturado. Ao conquistar Tombuctu - em 1468 - concretizou ainda mais seu poderio territorial e comercial. Vale ressaltar que, da mesma forma que conquistava territórios, acabava com as ameaças de outros povos em relação ao domínio 2

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do Níger. O imperador Sunni Ali Ber criou novas províncias, concedendo a tutela a soberanos de sua confiança, os quais controlavam todas as regiões daquele rio. Em relação à política religiosa, sob o governo de Sunni Ali Ber permaneceram fiéis às suas crenças e práticas tradicionais, frente a expansão do Islã no século XV. Com a morte de Sunni Ali Ber em 1492, teve início uma “guerra civil”, pois seu sucessor converteu-se ao islamismo, utilizando-se da religião para expandir e consolidar o império fundado por Ali Ber. Isso se deu através da organização do conselho imperial, estabelecimento de hierarquias, o incentivo ao comércio, e também, ao cultivo e à criação de numerosas colônias agrícolas que passaram a ser trabalhadas por escravos de guerra.

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O Império de Mali

BOHER, Arthur3 GRASEL, Gabriel LUZ, João Gabriel PIASENTINI, Julio LINHARES, Nathan Resumo

Localizado no noroeste da África, o império de Mali surgiu a partir de um pequeno reino chamado Cangaba, entre os séculos XIII e XVI. Mali, extremamente grande e rico, tinha como grande vantagem estar perto de importantes áreas comerciais e, juntamente a isso, o império tinha uma vasta área de extração de ouro, onde se localizavam diversas minas. O povo Malinqué habitava o reino e seu fundador, Sundiata Keita, liderou grandes tomadas de terras em regiões estratégicas, ricas em recursos. Esse é um dos fatores que justificou a soberania de Mali. Ao assumir o trono, por volta de 1300, Mansa Mussa definiu o Islamismo como a religião oficial do império. Mansa Mussa organizou uma grande força tarefa no que diz respeito à religião nas suas cidades, investindo fortemente na construção de monumentos, edifícios e na cultura Islâmica. Decorrente da riqueza abundante, a cidade de Tombuctu se transformou em um grande centro intelectual do mundo da época, onde pelo menos 150 escolas foram estabelecidas. Por volta do século XV, teve início o declínio de Mali. Disputas pelo poder interno, conflitos por áreas e batalhas territoriais, iniciadas por adversários, trouxeram fraqueza ao reino e, posteriormente, a queda do império de Mali.

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Gana, o Reino do Ouro da Idade Média

CHARÃO, Filipe4 COPETTI, Giovanna PEREIRA, Isabella PAIRÉ, Luísa MORÁN, Sabrina Resumo

Ao oeste da extensa faixa de Sahel, na África Subsariana, se localizou o Reino de Gana, também chamado de Uagadu e que, atualmente, corresponde as regiões de Mali e Mauritânia. O reino era conhecido pela grande quantidade de ouro que possuía, por isso, foi a principal autoridade econômica da região entre os séculos VII e XI. A palavra “Gana” deriva de um termo do povo Uagadu que significa “país dos rebanhos”. O território foi nomeado como Reino de Gana pois a intenção era usá-lo apenas para multiplicar riquezas, sem intenções expansionistas, diferindo-se de um império. O Reino controlava as rotas de comércio que atravessavam o Saara e que chegavam às cidades e aos portos no norte da África. Possuía uma religião baseada no culto aos ancestrais e em manifestações da natureza. No século XI, Gana foi atacado pelos almorávidas, uma dinastia mulçumana originalmente berbere, que queria impor às populações dominadas a fé que considerava “verdadeira”, a fé em Alá. Isso deu início a jihad, uma guerra santa mulçumana contra reinos e civilizações vizinhas, causando a formação de um novo império, localizado nos atuais territórios de Mauritânia, Saara Ocidental, Marrocos e sul da Espanha. Entre 1076 e 1203, a capital Kumbi Saleh foi invadida e saqueada, fato que contribuiu para a ruína do Reino 4

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de Gana, o qual não conseguiu mais se recuperar e restabelecer seu poder. Hoje em dia, a situação dos povos que vivem nas regiões onde o reino se localizou é caracterizada por problemas socioeconômicos como o baixo IDH e o analfabetismo. Apesar disso, possuem uma grande diversidade cultural. O estilo de música árabe prevaleceu na Mauritânia, bem como os chás de menta após as refeições. Já em Mali, os cidadãos usam um traje tipicamente colorido denominado “boubou” e podem dispor da Biblioteca Nacional, local onde são encontrados documentos históricos da época colonial e pré-colonial do país.

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Os Reinos do Sudão

SOUZA, Ana Carolina5 BITENCOURT, Christian SCHMIDT, Esthér SILVA, Júlia HORVATH, Rafael KANTORSKI, Vitória Resumo

Localizado na parte ocidental da África Subsaariana, o Sudão é um dos maiores países do sul da África, possuindo a extensão de aproximadamente 2.505.815 km2. Os primeiros reinos a se formarem na região foram Kush e Núbia, estabelecidos através da união de comunidades localizadas as margens do rio Nilo. Esse é um país afro-árabe predominantemente muçulmano, onde em torno de 75% da população professa o islamismo, 20% liga-se às manifestações religiosas originárias e 5% da população professa o cristianismo. O Sudão é um dos países mais diversos do mundo em termos linguísticos e étnicos. Nos anos de 1990, havia cerca de 600 etnias que falavam mais de 400 línguas ou dialetos. O árabe é a língua franca da região, se fazendo, contudo, o uso do Inglês por muitos grupos das elites. A economia sudanesa é baseada na agricultura, sendo essa a atividade que corresponde a 40% do PIB (Produto Interno Bruto), tendo como principal produto o algodão. A economia do país tem sido impulsionada pela grande riqueza do solo, através da exploração de petróleo, gás natural, ouro, urânio, cobre, níquel, chumbo etc. Desde a sua independência, em 1956, o Sudão tem vivido conflitos internos, como a Primeira Guerra Civil Sudanesa (1955-1972), a Segunda Guerra Civil Sudanesa (1983-2005) 5

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que culminou com a secessão do Sudão do Sul- e o conflito em Darfur (2003 – 2010). Apesar dos problemas políticos, o povo sudanês apresenta uma diversificada e rica cultura que se expressa através das várias línguas faladas e da gastronomia. Por esse ser o maior país em extensão territorial do continente africano, possui diversos ecossistemas que vão desde os oásis típicos das áreas desérticas, até as heterogêneas matas tropicais.

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Reino de Aladá: Regido por Estrangeiros

VIRAGO, Alan Renato M6 QUAGLIATO, Andrey¹ MONTEIRO, Felipe M.¹ REIS, Thiago A.¹ HOBUSS, Wellington R.¹ Resumo

Localizado no sul da atual República de Benim, entre os séculos XVI e XVII formou-se um dos reinos mais importantes da costa oeste africana, o reino de Aizo de Aladá. A proliferação da cultura desse reino deveu-se, em grande parte, ao comércio de escravos. A data de fundação do reino é incerta. Um mapa português do ano de 1539, apresenta a primeira referência a Aladá. A tradição histórica aponta que a fundação do reino se deu a partir da migração de um príncipe do reino Aja de Tado, que fundou a cidade de Assem, Zima ou Assimá, já que diversos são os nomes dados pelos europeus à capital de Aladá. Porém, sua denominação original foi Togudo-Awute e ela não se localizava no território da atual cidade de Aladá. Sabe-se que essa capital era povoada por cerca de 30.000 habitantes no ano de 1660. O território do reino era composto pelos seus tributários e por povos conquistados. Devido a sua boa localização no importante Golfo de Benim, o reino foi um dos primeiros da região a ter contato com os europeus. Uma prova disso é o fato de que a língua falada no reino, chamada aizô, foi a primeira do oeste africano escrita em texto com caracteres latinos, na tradução de um livro de catecismo denominado “Doutrina Cristã”, datado de 1658. Em sua maioria, os contatos com os 6

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europeus tiveram como objetivo a evangelização. Por isso, hoje muitos dos comerciantes aizôs falam o português. Em 1670, um português subiu ao trono do reino. Então, diversos embaixadores foram enviados à França a fim de expandirem as relações comerciais de Aladá com países europeus. Uma significativa parcela do seu setor econômico era composta pelo comércio de escravos, prática cultural entre os povos originários da África, que foi apropriada pelo nascente capitalismo europeu, no início do período moderno.

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Povos Bantos SIMÕES, Camila7 PEREIRA, Gabriel SANGER, Gabrielle ANTUNES, Heverlin BARRIOS, Isadora Resumo

Este trabalho é o resultado de um projeto de pesquisa desenvolvido na disciplina de história, com base em artigos disponíveis na web e que tem por objetivo publicizar conhecimentos construídos sobre a cultura dos povos bantos. O “banto” é um tronco linguístico, ou seja, uma língua africana que deu origem à várias outras. Hoje, cerca de 600 povos africanos são caracterizados como bantos por falarem essa língua. Os bantos originalmente se localizaram na África Central, região que durante o processo colonialista dos éculo XVI foi utilizada como grande fonte de escravos. E é devido aos três séculos de escravatura que os povos bantos foram massivamente inseridos no território brasileiro. Tal inserção acabou definindo diversos aspectos de nossa formação social e cultural, como a música, a dança, a religião e até o próprio idioma. Sendo assim, é fato que os povos africanos contribuíram para a formação do que hoje chamamos de “brasilidade”, porém, o escasso estudo das manifestações bantas dificulta a compreensão da relevância do legado africano para o Brasil e contribui com o histórico e violento desprezo sofrido por tal cultura. Conclui-se, então, que o estudo e a visibilidade das manifestações desse grupo étnico seja imprescindível para o seu reconhecimento como parte da formação da identidade brasileira.

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Reino de Benin

MARTINS, Eduardo 8 RADDATZ, Glauco A ESPÍNDOLA, João Otávio RIGHI, Túlio Resumo

O Reino de Benin, Império de Benin ou Império Edo foi um dos mais poderosos impérios da costa oeste da África, entre os séculos XIII e XVI. Abrangendo o território que hoje pertence a Nigéria, o Reino de Benin teve origem na cidade de Ife. Formado no século XII e dizimado pelos europeus no fim do século XIX, o Reino de Benin foi muito importante para a afirmação do processo colonialista português, especialmente na América, pois era um dos maiores fornecedores de escravos para os comerciantes lusos. Além dos escravos, Benim comercializava especiarias como pimenta, marfim, tecidos e peças artísticas feitas em bronze e cobre. Devido ao fortalecimento econômico, o reino se tornou uma potência africana e exerceu grande domínio sobre as terras da costa oeste do continente. No final do século XIX, com a exploração neocolonialista europeia, o Reino de Benim chegou ao fim após um ataque devastador realizado pelos ingleses. Mesmo que politicamente o império tenha chegado ao fim, suas referências culturais ainda estão presentes no mundo atual, afinal, muito das contribuições culturais africanas existentes nos países colonizados, foram trazidas pelos povos que integravam esse reino.

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Os Reinos do Congo

NUNES, Emanuel9 MORAIS, Gabriel SILVEIRA Gianlucca FAGAN, Henrique Resumo

O chamado Reino do Congo, ou Império do Congo localizou-se no sudoeste da África. Na sua máxima dimensão, estendia-se desde o oceano Atlântico, a oeste, até o rio Cuango, a leste, e o Rio Ogooué, no atual Gabão, a norte, e até o rio Kwanza, ao sul. Era marcado por um governo monárquico fortemente estruturado conhecido como Congo. Fundado por volta do século XIV, esse Estado centralizado dominava a região centro-ocidental da África. Nessa área se encontrava um amplo número de províncias, onde vários grupos da etnia banto, principalmente os bakongo, ocupavam o território. Apesar da organização centralizada, o reino do Congo contava com a presença de administradores locais, provenientes de antigas famílias ou escolhidos pela própria autoridade monárquica. Mesmo com a existência destas subdivisões na configuração política do reino, o rei, conhecido como Manicongo, tinha o direito de receber o tributo proveniente de cada uma das províncias subordinadas. A principal cidade do reino era Mbanza, onde aconteciam as mais importantes decisões políticas e o local em que os portugueses entraram em contato, pela primeira vez, com essa diversificada civilização africana. A principal atividade econômica dos congoleses envolvia a prática de um desenvolvido comércio em que predominava a compra e venda de sal, metais, tecidos e produtos de origem animal. A prática comercial poderia ser feita através do escambo ou com a adoção do nzimbu, uma espécie de concha somente encontrada na 9

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região de Luanda. Concluímos que, como muitas civilizações que marcaram a história da humanidade, a que habitava o reino do Congo apresentou características importantes que se perpetuaram através de seus descendentes, muitos deles brasileiros.

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O Reino do Ndongo

SANINI, Ana Lívia10 LINK, Diogo CRISTO, Eliézer BASTIANELLO, Isadora TASCHETTO, Monise Resumo

Na fase pré-colonial africana, a região na qual se localizaria posteriormente o Reino do Ndongo, era habitada por subgrupos étnicos que tinham como língua o Kimbundu. Estima-se que o Reino de Ndongo tenha sido fundado no século XVI, pelo chefe dos ambundu, um grupo étnico local que, possivelmente, controlava o comércio de ferro. Os ambundus se estabeleceram na região da atual Angola, pois era propícia para a agricultura e para a pecuária. Desde o século XVI, além de trabalharem com a agropecuária, extraíam sal do mar, pescavam e comercializavam seus produtos com o Reino do Kongo. Esse povo vivia entre os rios Longa, Bengo e Luhando. O Ndongo tornou-se um reino com hierarquia definida, tendo como cargo mais alto o do rei, com o título de ngola. Os primeiros ngolas estenderam a autoridade do Ndongo sobre diversos sobas – senhores de distritos – e, assim, em meados do século XVI, já ocupavam terras entre os rios Dande, Lucala e Cuanza. Porém, sabe-se que este reino não era o maior da região, já que era considerado estado vassalo do grande Reino do Kongo. Ainda no início daquele século foi enviado de Ndongo à Portugal uma embaixada pedindo missionários e, indiretamente, o reconhecimento da sua independência deste outro reino. O mesmo também ocorreu por volta 10

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de 1556, já que a primeira missão não obteve sucesso. Então, pelo fato de o Reino do Kongo ter se enfraquecido com os conflitos internos e externos, em 1556 o Reino do Ndongo conseguiu ficar independente dos tributos que pagava ao manicongo – soberano do Reino do Kongo. Assim, também ocorreram várias investidas dos ngolas para conquistarem a independência em relação à metrópole portuguesa. Uma importante liderança nessa época foi a Ngola Nzinga Mbandi. Muitos historiadores a apresentam como um exemplo de mulher combatente, no entanto, é bom frisar que ela foi sempre um expoente de uma elite senhorial envolvida no tráfico escravista e sua resistência visava manter o monopólio das rotas de escravos. Depois, quando foi estabelecida a paz, Nzinga estreitou seus contatos com os negreiros portugueses, guardando até a morte o poder e o prestígio que o comércio negreiro lhe assegurou e continuou sendo reconhecida entre seu povo como Rainha Ginga.

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A Cultura dos Povos Bérberes no período de dominação externa

SOUZA, Ana Flávia11 PAVLACK, Gabrieli PERIPOLLI, Guilherme BARBEIRO, Letícia PALMEIRA, Raélle Resenha

O presente trabalho é o resultado de uma pesquisa cujo objetivo foi o de analisar a reação dos povos berberes à dominação estrangeira, quando os mesmos tiveram de se submeter a outras culturas, a fim de garantir a sobrevivência. Através desse trabalho buscamos, também, identificar as consequências da dominação europeia sobre os povos do continente africano, com vistas a superação de ideias preconceituosas, de mentalidades racistas e/ ou eurocêntricas que serviram de base para a subjugação dos povos africanos. Por meio da análise de livros e de artigos disponíveis na web, com destaque especial a “Síntese da Coleção História Geral da África - Século XVI ao Século XX” e a “Berberes na Antiguidade”, de autoria, respectivamente, de Valter Roberto e de Valter Pitta, buscamos conhecer a história dos referidos povos. Os Berberes foram povos nômades que, no passado, faziam uso de camelos e dromedários como meio de locomoção e para o transporte de mercadorias, tais como joias, peles de animais selvagens, tecidos, artesanatos, cerâmicas, lanças, sal, alimentos e até mesmo escravos. Tendo uma economia baseada na compra e venda de produtos de diversos povos e de variadas regiões da África, os berberes foram responsáveis pelo estabelecimento das rotas comerciais da África sub-saariana com o Oriente Médio e com a Europa, e 11

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tiveram uma economia bastante próspera até as interferências espanhola e portuguesa, decorrentes do expansionismo que teve início no século XVI e se estendeu até o XIX. Esse sistema favoreceu a pilhagem que devastou não só as trocas comerciais, mas também diversos agrupamentos populacionais, especialmente os rurais, cujos indivíduos tiveram de retomar os estilos de vida nômade, com base na caça e na coleta, em função da estagnação das atividades de comércio entre as cidades e o campo, além de ter favorecido a intensificação do comércio de escravos do século XVI. A partir disso, concluímos que foi durante esse período de dominação que o cristianismo e o islamismo se espalharam pela África, com a maior adesão ao islamismo por parte dos povos berberes, em função do fato de que os chefes de tal religião prometiam igualdade social e justiça a esses povos, em estado de vulnerabilidade. A disseminação da fé, no entanto, não ocorreu de modo a substituir a religião tradicional de cada povo, existindo concomitantemente a ela, resultando, de certo modo, em um sincretismo religioso. Além disso, percebemos que os eventos que transcorreram afetaram as estruturas social, religiosa e econômica dos povos dessas regiões profundamente, gerando danos à economia que perduram até os dias de hoje.

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Reino Cuxe ROSA, Carlos Alberto12 ALLES, Henrique GRAFEN, Mateus PIVETTA, Lucas SILVA, Pedro Henrique Resenha

O Reino Cuxe, ou Reino de Kush, foi um antigo reino africano situado ao sul da barragem de Assuã, entre a primeira e a sexta catarata do Rio Nilo, onde hoje se localiza a república do Sudão. Estabelecido após a desintegração do Novo Império Egípcio, em sua primeira fase a principal cidade era Napata. Após a invasão do Egito pelo rei Kashta, no século VIII a.C., os reis cuxitas reinaram também como faraós da XXV dinastia egípcia por um século, até que foram expulsos por Psamético I, em 656 a.C. Durante a Antiguidade clássica, a capital do império cuxita foi Meroé. Para os geógrafos gregos antigos, o império meroítico era conhecido como Etiópia. O Império Cuxe, tendo Méroe como capital, persistiu até o século IV d.C., quando perdeu força e se desintegrou devido às rebeliões internas. As primeiras sociedades que se desenvolveram na área surgiram na Núbia antes da Primeira Dinastia do Egito (3100-2890 a.C.). Em meados de 2500 a.C., os egípcios começaram a avançar na direção sul, o que ajudou na disseminação da cultura cuxita. A queda do Médio Império Egípcio inibiu esta expansão por um tempo, no entanto, por volta de 1500 a.C. os egípcios começaram a se expandir novamente, encontrando, dessa vez, os cuxitas organizados para resistir a uma nova dominação. Os historiadores não têm certeza se esta resistência foi oferecida por cidades-estados múltiplas ou por um império unificado, e debatem se o conceito de Estado 12

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surgiu ali de modo independente, ou se foi tomado do exemplo egípcio. O Egito, por sua vez, durante o reinado de Tutmósis I, cujo exército mantinha fortalezas nas margens do Nilo, tentou vencer a resistência cuxita e fazer da região, sua colônia. Dessa expansão decorreu a influência cultural que o continente africano recebeu do povo cuxita. Muitas lendas ainda hoje presentes na cultura dos povos da África Meridional e Ocidental contam sobre uma iniciação trazida por homens oriundos do leste, provavelmente os meroítas. Os cuxitas eram habilidosos na metalurgia do ferro e, ainda hoje, muitos povos africanos continuam derretendo o bronze pelo processo da cera perdida, da mesma forma como era feito no reino de Cuxe. O presente estudo teve como finalidade apresentar alguns fatos históricos de um dos povos africanos que muito contribuiu para a manutenção, ressignificada, de elementos culturais da África Antiga. O povo cuxita constituiu uma brilhante civilização, no passado, contudo, não teve sua história contemplada e valorizada devidamente pela história tradicional.

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Império Daomé: Da Ascensão à Queda CASTRO, Bruno13 GARCIA, Camila CASOLA, Katherine COLOVINI, Lucas MARQUES, Rafael PEREIRA, Vítor Resenha

A história que inspirou o filme “Rei Leão”, um dos maiores sucessos da The Walt Disney Company, foi baseada na lenda de origem do Reino de Daomé. O povo de Daomé viveu uma história de muitas guerras contra o Império de Oyo, seja em luta pela independência, ou pelo aumento do território. No entanto, a situação que mais impactou na situação do povo de Daomé foi o fim do comércio escravista, que por mais de 300 anos foi a principal atividade comercial do reino. Também foi importante para esse império, a participação social e política que as mulheres de Daomé exerceram para o desenvolvimento do reino. Além de terem constituído, na antiguidade, um dos poucos exércitos compostos por militares do sexo feminino, essas garantiam a segurança do Rei, servindo-lhe como guarda-costas. Com o passar do tempo, Daomé se militarizou fortemente e as mulheres foram rigorosamente treinadas, receberam uniformes e foram equipadas com armas dinamarquesas, obtidas através do tráfico de escravos. Afrontosas para os colonos europeus, essas mulheres eram muito temidas, visto que os franceses perderam diversas batalhas travadas contra elas, devido a bravura e habilidades das amazonas de Daomé. Com a guerra Franco-Daomeana e a intensificação das invasões francesas, essas guerreiras desempenharam um papel fundamental na resistência e suporte contra o poderio francês, 13

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o qual utilizava inclusive metralhadoras, cavalaria e infantaria. Entretanto, com a economia em situação precária e com o aumento da ambição francesa sobre o território, Daomé foi derrotado, sucumbindo ao poderio bélico e à ganância dos colonizadores por matérias-primas e reservas de metais precisos.

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Desenvolvimento econômico e a criação de uma Moeda Própria: O Reino Axum SOUZA, Daltro14 VIEIRA, Danillo AGUIAR, Giuliene MACHADO, Guilherme RIBEIRO, Pedro D. HAPPKE, Rafaela Resenha

O povo axumita se localizou na região subsaariana da África (onde atualmente se localiza a Etiópia) e, no século I, fundou o Reino de Axum, que durou até, aproximadamente, o século XII. Esse povo destacou-se dos demais devido ao seu foco no setor econômico, do que resultou a criação de uma moeda própria utilizada em suas negociações. O presente trabalho resultou da pesquisa que buscou estudar e interpretar a história e a estrutura desse reino, justificar a criação de sua moeda e identificar que fator determinou esse fato específico do Reino de Axum, em relação aos demais reinos africanos. A partir de estudos de artigos científicos, sites da internet e livros, foram reunidos dados que nos levam à concluir sobre o tema. Historicamente, o grande reino Axum começou a se estruturar com as civilizações que se formaram na África, abaixo do Egito. Teve uma grande influência da cultura grega, presente no meio social, político e econômico, como por exemplo as imagens dos soberanos de um lado e de divindades de outro. Outra característica do reino de Axum era a sua semelhança com o sistema feudal, característica europeia da época. Havia a divisão em reinos vassalos, o rei era o soberano e todos os demais deviam respeito a ele, como também, tinham o dever de pagar-lhe tributos. Em relação à religião, vale 14

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ressaltar a conversão do rei Ezana ao cristianismo, promovida por um monge cristão. Após isso, regiões da Etiópia e da Núbia receberam forte influência dessa religião, a maior parte da população também se converteu e Axum se tornou um império eminentemente cristão. Durante os séculos VIII e IX, conquistou territórios da Península Arábica, da Etiópia do Norte e parte da antiga Pérsia, tornando-se assim, um dos mais poderosos impérios da época. Com isso, obteve o domínio das rotas de comércio que passavam pelo sul da Península Arábica e pela Arábia Meridional, pela região da Núbia e da Etiópia, que atravessavam o Mar Vermelho, assim como das terras férteis que possibilitaram a agricultura e a pastagem de bovinos. A partir dessas ideias, a pesquisa concluiu que o fato do povo axumita ter criado uma moeda foi determinante para seu desenvolvimento econômico, além de ter sido uma resposta às demandas geradas pelas transações comercias, facilitando as trocas e as negociações entre os diversos povos. O estudo também proporcionou a divulgação e visibilidade da história dos povos africanos, pouco abordada em função da centralidade recebida, durante muito tempo, pela história das sociedades europeias. Dessa forma, foi possível demonstrar que os povos africanos, diferentemente do que escreveu Hagel no século XIX, possuem uma rica história, com culturas e religiões diversas, o que nos auxiliou na compreensão das marcas da contemporaneidade que tiveram inspirações nesses povos.

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Império Kanem-Bornu CIPRIANI, Ana15 DENARDI, Érica SCHERER, Hierro ROSSATO, Vanessa PIZZUTTI, Vitória Resenha

Entre os anos de 750 e 1075 deu-se o surgimento do império de Kanem-Bornu. Este é considerado um dos mais importantes impérios da história, em função de sua variedade de estilos de vida e de seu vasto território. As atividades realizadas nesta região eram diversas, iam desde a caça e pesca, até a o pastoreio e agricultura. A ocorrência de tamanha diversidade econômica e cultural possibilitou que povos vizinhos se instalassem nesse território, gerando, assim, um intercâmbio de costumes. No entanto, muitas competições passaram a surgir, pois o convívio de vários grupos em um mesmo espaço, favoreceu as divergências. Durante a dinastia Sef, o império controlou territórios que hoje fazem parte de países como Nigéria, Camarões, Chade, Níger e Líbia. Além disso, Kanem-Bornu dominou o comércio em várias regiões do continente africano, tendo como um dos principais produtos o sal. Esse império era conhecido, originariamente, somente como Kanem. Fortaleceu-se nos séculos XII e XIII, sendo que depois desse período perdeu territórios, exceto a província do sul, chamada Bornu. No início do século XVI, Bornu recuperou o restante de Kanem e tornou-se Kanem-Bornu. O império alcançou o apogeu durante o reino de Idris Alawma, que governou de 1571 até 1603. Até o século XIX, a situação ficou estável, porém, em 1808, o povo fulani, da Nigéria, tomou a capital do império. Um guerreiro de Kanem chamado Muhammad al-Kanami logo 15

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derrotou os fulanis. Mesmo assim, o império jamais recuperou seu antigo poder. Em 1846, a dinastia Sef, que estava no poder desde o século IX, se extinguiu e o filho do guerreiro Al-Kanami assumiu o poder. No ano de 1893, guerreiros do Sudão derrotaram Kanem-Bornu, mas não governaram por muito tempo, pois franceses, britânicos e alemães estavam formando seus próprios impérios na África e logo dividiram Kanem-Bornu entre si, marcando o fim do vasto império.

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