Caderno ABEA 22 - Técnicas Retrospectivas

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XI CONABEA Congresso Nacional da ABEA

XVII ENSEA

22 CADERNO

Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

TÉCNICAS RETROSPECTIV AS RETROSPECTIVAS

“Manutenção e Reabilitação da PPaisagem aisagem Construída”

De 14 a 17 de novembro de 2001 Universidade Santa Úrsula Rio de Janeiro - RJ


Realização:

Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Apoio:


XI CONABEA Congresso Nacional da ABEA

XVII ENSEA Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

TÉCNICAS RETROSPECTIVAS “Manutenção e Reabilitação da Paisagem Construída”

De 14 a 17 de novembro de 2001 Universidade Santa Úrsula Rio de Janeiro - RJ


XI CONABEA - Congresso Nacional da ABEA

DIRETORIA ABEA BIÊNIO 2000/2001 DIRETORIA EXECUTIVA Presidente Vice-Presidente Secretário Sub-Secretário Secretário de Finanças Sub-Secretário de Finanças

Itamar Costa Kalil - UFBA/BA Isabel Cristina Eiras de Olivieira - UFF/RJ Fernando J. De Medeiros Costa - UFRN/RN Ester J. B. Gutierrez - UFPel/RS Gogliardo Vieira Maragno - UNIDERP/MS José Roberto Geraldine Jr. - UNIFRAN/BARÃO DE MAUÁ/DOMPEDRO II / SP

DIRETORIA Angela Canabrava Buchman - UEL/PR Eneida Kuchpil - UFPR/PR Manoel José Ferreira de Carvalho - UFBA/BA Maria de Lourdes Costa - USU/RJ Lino Ferrnando Bragança Peres - UFSC/SC Paulo Romano Rechilian - UNITAU/SP Claudio Bahia - PUCMINAS/MG Debora Verde - PUCCAMP/SP Maria Cristina Fernandes de Mello - UFF/RJ José Ackel Fares Filho - UNAMA/PA

CONSELHO FISCAL Titulares José Antonio Lanchoti - Moura Lacerda/SP Enio Moro Junior - UNIABC/SP Roberto Py Gomes da Silveira - UFRGS

Suplentes Júlio de Lamonica Freire - UNIC/MT Wilson Ribeiro dos Santos Jr - PUCCAMP/SP Sérgio Malacrida - BELAS ARTES/SP Organização editorial: Luciano Rodrigues Torres Aloisio Joaquim Rodrigues Jr

Capa: Aloisio Joaquim Rodrigues Jr Itamar Costa Kalil

Impressão e Acabamento: ABEA - Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo Rua Fernando Ferrari, 75 - Botafogo - RJ -CEP 22231-040 Tel.:0xx21 25535446 e-mail:abea.arq.urb@uol.com.br www.abea-arq.org.br

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XVII ENSEA - Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

XI CONABEA Congresso Nacional da ABEA

XVII ENSEA Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

TÉCNICAS RETROSPECTIVAS “Manutenção e Reabilitação da Paisagem Construída”

Comissão Organizadora ABEA Itamar Costa Kalil - UFBA/BA Isabel Cristina Eiras de Olivieira - UFF/RJ Luiz Fernando Janot - USU/RJ Cláudia Maria de Carvalho - Secretária ABEA

Rio de Janeiro, 14 a 17 de novembro de 2001

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APRESENTAÇÃO A escolha do tema TÉCNICAS RETROSPECTIVAS para o nosso Congresso e Encontro de Ensino vem atender a demanda de professores, alunos e dirigentes, que desde a publicação da Portaria MEC no 1.770/94, em diferentes ocasiões apresentam opiniões divergentes ou fluido posicionamento, no âmbito dos Cursos, para o pleno entendimento desta Matéria Profissional, fixada na Portaria MEC no 1.770/94. “O estudo das Técnicas Retrospectivas inclui a conservação, restauro, reestruturação e reconstrução de edifícios e conjuntos urbanos.” Portaria MEC no 1.770/94

Conteúdo este, reafirmado nas Diretrizes Curriculares encaminhadas ao Ministério da Educação, em atendimento aos Editais no 4/97 e 5/98, com o seguinte teor: “Art. 3o - A educação do arquiteto e urbanista deve garantir uma relação estreita e concomitante entre teoria e prática e dotar o profissional dos conhecimentos e habilidades requeridos para o exercício profissional competente, a saber: (...) j) o domínio de teorias, práticas projetuais e soluções tecnológicos para a preservação, conservação, restauração, reconstrução e reabilitação de edificações, conjuntos e cidades.” Diretrizes Curriculares (1998) Alguns questionam o nome da Matéria, outros se encontram com dúvidas quanto ao campo de conhecimento (se ele é teórico, projetual ou tecnológico); outros existem que

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consideram que a ementa presente na Portaria MEC no 1.770/ 94 não é clara, é insuficiente, ou é inadequada; outros, ainda, se indagam quanto a real possibilidade de existência de professores qualificados, e em quantidade suficiente, para ministrar as disciplinas decorrentes da matéria... A Profa Maria Elisa Meira (1998)1 nos lega importantes reflexões sobre este tema ao afirmar que “o arquiteto e urbanista é o guardião da memória registrada pelo patrimônio construído”, e ainda, questiona sobre “que qualificações necessita um arquiteto e urbanista para dominar o conhecimento sobre o patrimônio construído pela humanidade e sobre a intervenção no espaço das cidades já existentes?” Estas e muitas outras visões precisam ser reunidas de modo que, juntos, possamos estabelecer, com segurança e objetividade, o necessário rumo para a educação do arquiteto e urbanista neste campo. Qualificar adequadamente os cursos para esta tarefa é uma necessidade premente. Podemos observar a preocupação com o tema, não só nos preceitos constitucionais, bem como no recém aprovado Estatuto da Cidade, nas ações governamentais cada vez mais abrangentes com programas específicos e ações em conjuntos urbanos, nos obrigatórios e renovados planos diretores, dentre outras iniciativas. Os Cursos de Arquitetura e Urbanismo precisam responder estas demandas, em diferentes escalas, portanto, devem buscar cada vez mais a melhor qualificação dos seus discentes produzindo conhecimento nesta área. O XI CONABEA e o XVII ENSEA debateu estas, e outras questões, em duas mesas redondas estruturadas a partir da discussão das Técnicas Retrospectivas, à luz das Políticas Públicas e do Ensino desta Matéria nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo. 7


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Na primeira convocatória, professores e alunos foram convidados a apresentar trabalhos sobre as Práticas Pedagógicas no Ensino das Técnicas Retrospectivas e suas conexões com as demais Matérias Profissionais e de Fundamentação. O material, reunido no Caderno 22 da ABEA, se constituirá em mais um subsídio para a discussão do tema. Itamar Kalil Presidente da ABEA 1 MEIRA, Maria Elisa (1998). Técnicas Retrospectivas: manutenção e reabilitação da paisagem construída in Anais do XV Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo, ABEA, Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

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Sumário Ata do XI CONABEA e XVII ENSEA .......................... 11 Restauração ou restauro? ........................................ 26 Profa. Maria CristinaFernandes de Mello (UFF)

Relato e reflexões sobre uma experiência de trabalho de restauro: a intervenção no antigo CineTeatro Paramount em São Paulo. ........................ 37 Prof. Dr. Haroldo Gallo (USM,FAAP e FAAM)

“Em busca do tempo perdido: a inclusão social e o ensino de arquitetura e urbanismo.” ................... 74 Prof. Dr. Wilson Ribeiro dos Santos Junior (PUCCAMP)

Uma abordagem dos aspectos didáticos voltados para o Patrimônio Histórico ................................. 78 Profa. Carla Machado Thomazella (UNIMEP)

Novas Possibilidades à Preservação da Paisagem Urbana e do Ambiente Construído com Aplicação do Estatuto da Cidade .......................................... 94 Prof. Luiz Alberto Souza (FURB)

A Memória Operativa – Revendo Paisagens, Visando o Presente: Reflexões a partir da Prática em Ensino e Pesquisa no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFAL ............................................ 110 Profa. Maria Angélica da Silva - PHD (UFAL)

Revitalização da Lapa Histórica, Residencial e Boêmia ................................................................. 131 Profa. Maria de Lourdes Pinto Machado Costa (USU))

Reforçando Retrospectivas: teoria, história, projeto, planejamento e tecnologia; ensino, pesquisa e extensão; Trabalho Final de Graduação ............................. 151 Profa Ester Judite Bendjouya Gutierrez (UFPel) 9


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Conservação e Restauração de Monumentos Arquitetônicos - Desenvolvimento de trabalhos teórico-práticos ................................................... 163 Prof. William S. M. Bittar (UCF e USU) e Profa. Cristina Malafaia C. Stramandinoli (UGF)

Interdisciplinaridade no Ensino de Técnicas Retrospectivas ................................................................ 175 Profa. Ana Aparecida Villanueva Rodrigues

Técnicas Retrospectivas: instrumental para identificação do patrimônio cultural e definição de políticas públicas de desenvolvimento urbano ........ 180 Prof. Enio Moro Junio (UNIABC/SP) e Prof. Silvia Helena Passarelli (UNIABC)

Técnicas Retrospectivas e Projeto ........................ 196 Prof. José Roberto Merlin (PUCCAMP)

Patrimônio: um assunto para especialistas? ....... 207 Arq. e Urb. Ricarda Lucilia Domingues Tavares

“Requalificação urbana de novas centralidades potenciais enquanto práticas projetuais e conceituais multidisciplinares”................................................220 Débora Frazatto Verde (PUCCAMP e UNIP-Campinas)

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XVII ENSEA - Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

ATAS No anfiteatro da Universidade de Santa Úrsula (USU), na cidade do Rio de Janeiro, na noite de 14 de novembro de 2001, ocorreu a abertura do XI CONABEA e do XVII ENSEA, com as presenças do reitor da USU, do Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo da USU, do representante das escolas de Arquitetura e Urbanismo no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA), do representante da Comissão de Especialistas do Ensino de Arquitetura (CEAU),junto ao MEC; do representante da Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FENEA), do presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB)/RJ, representando o IAB/DF e do presidente da ABEA. A seguir, ocorreu o lançamento do livro, Reflexões da professora Maria Elisa Meira, organizado pelas arquitetas e urbanistas Valeska Peres Pinto e Isabel Cristina Eiras. Os eventos contaram com 91 participantes, representando os seguintes cursos de arquitetura e urbanismo: 1. Centro Universitário 9 de Julho, UNINOVE, São Paulo, SP; 2. Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP; 3. Centro Universitário Rio Preto, S. José do Rio Preto, SP; 5. Centro Universitário FEEVALE, FEEVALE, Porto Alegre, RS; 5. Centro Universitário Filadélfia, UNIFIL, Londrina, PR; 6. Centro Universitário FUMEC; FEA-FUMEC, Belo Horizonte, MG; 7. Centro Universitário Moura Lacerda, Moura Lacerda, Ribeirão Preto, SP; 8. Centro Universitário Positivo, UNICENP, Curitiba, PR; 9. Faculdade de Arquitetura Ritter dos Reis, Porto Alegre, RS; 10. Faculdade de Artes “Alcântara Machado”, FAAM, São Paulo, SP; 11. Faculdade de Belas Artes de São Paulo, FEBASP, São Paulo; SP; 12. Faculdades D. Pedro II, São José do Rio Preto, SP; 13. Fundação Armando Alvares Penteado; FAAP, São Paulo, SP; 14. Fundação Educacional de Votuporanga, CEUV, Votuporanga, SP; 16. Pontifícia Universidade Católica, PUC-Minas/ Poços de Caldas, MG; 17. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC-Campinas, Campinas, SP;

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18. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC-Minas, Belo Horizonte, MG; 19. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUC-PR, Curitiba, PR; 20. Universidade Braz Cubas, Mogi das Cruzes, SP; 21. Universidade Católica de Santos, UNISANTOS, Santos, SP; 22. Universidade Católica de Pelotas, UCPel, Pelotas, RS; 23. Universidade da Amazônia, UNAMA, Belém, PA; 24. Universidade de Caxias do Sul, UCS, Caxias do Sul, RS; 25. Universidade de Cruz Alta, UNICRUZ, Cruz Alta, RS; 26. Universidade de Franca, UNIFRAN, Franca, SP; 27. Universidade de Guarulhos, UnG, Guarulhos, SP; 28. Universidade de Passo Fundo, UPF, Passo Fundo, RS; 29. Universidade de Salvador, UNIFACS, Salvador, BA; 30. Universidade de Uberaba, UNIUBE, Uberaba, MG; 31. Universidade do Grande ABC, UNIABC, Santo André, SP; 32. Universidade do Leste de Minas Gerais, UNILESTE, Belo Horizonte, MG; 33. Universidade Estácio de Sá, UNESA, Rio de Janeiro, RJ; 34. Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas, SP; 35. Universidade Estadual de Londrina, UEL, Londrina, PR; 36. Universidade Estadual Paulista, UNESP, Bauru, SP; 37. Universidade Federal da Bahia, UFBA, Salvador, BA; 38. Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG; 39. Universidade Federal de Pelotas, UFPel, Pelotas, RS; 40. Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, SC; 41. Universidade Federal de Uberlândia, UFU, Uberlândia, MG; 42. Universidade Federal do Paraná, UFPR, Curitiba, PR; 43. Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ; 44. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN, Natal, RN; 45. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, RS; 46. Universidade Federal Fluminense, UFF, Niterói, RJ; 47. Universidade Gama Filho, UGF, Rio de Janeiro, RJ; 48. Universidade Metodista de Piracicaba, UNIMEP, Piracicaba, SP; 49. Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, UNIDERP, Campo Grande, MS; 50. Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mackenzie, São Paulo, SP; 51. Universidade Regional de Blumenau, FURB, Blumenau, SC; 52. Universidade Santa Úrsula, USU, Rio de Janeiro, RJ; 53. Universidade Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS, Canoas, RS; 54. Comissão de Especialistas em Arquitetura e Urbanismo, junto ao Ministério da Educação, CEAU-SESu-MEC

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XVII ENSEA - Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

As plenárias e demais atividades ocorreram durante as manhas e as tardes dos dias 15. 16 e 17 de novembro, sob a direção do presidente da ABEA, professor Itamar Kalil, quando, no último ponto de pauta, foi dada divulgação dos resultados da eleição e posse da Diretoria e Conselho Fiscal, o professor Itamar Kalil, reempossado, deu continuidades aos trabalhos. PAUTA PROPOSTA E APROVADA PARA XI CONABEA 1. Relatório da Diretoria 2. Exame Nacional de Cursos (ENC) (Provão); Comissão de Especialistas de Ensino de Arquitetura e Urbanismo/SESU/MEC; Comissão de Avaliação do Curso de Arquitetura e URBANISMO - INEPMEC 3. Selo de Qualidade e Catálogo dos Cursos 4. Curso de Urbanismo 5. Deliberações do XVII ENSEA. Tema: Técnicas Retrospectivas 6. Anuidades 7. Diretrizes Curriculares 8. Greve nas Instituições Federais de Ensino 9. Próximos Eventos 10. Apreciação das Contas - Conselho Fiscal 11. Divulgação dos Resultados da Eleição e Posse da Diretoria e Conselho Fiscal 1. RELATÓRIO DA DIRETORIA Referente ao período compreendido entre agosto de 2001 e novembro de 2001, o relatório foi encaminhado aos presentes no Caderno de Documentos do Encontro e constou dos seguintes itens: 1.1. Secretaria da ABEA; 1.2. Participação em encontros, congressos e reuniões; 1.3. Temas do XI CONABEA (comentários e encaminhamentos) - 1.3.1. Exame Nacional de Cursos - Provão, 13.2. Diretrizes Curriculares, 133. Selo de Qualidade e Catálogo dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo, 1.3.4. Concurso ABEA para Trabalhos Finais de Graduação (TFG), 1.3.5. Comissão de Especialistas de Ensino de Arquitetura e Urbanismo, Comissão de Avaliação dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo - INEPMEC, 1.3.6. Autorização e reconhecimento de cursos; 1.4. Greve nas IFES; 1.5. Apreciação de Contas - Conselho Fiscal; 1.6. Eleição do Representante das Instituições de Ensino Superior no CONFEA/Grupo Arquitetura -

gestão 2002/2005; 1.7. Eleição da Diretoria da ABEA; 1.8. Curso de Urbanismo. 13


XI CONABEA - Congresso Nacional da ABEA

2. Exame Nacional de Cursos - ENC - (Provão); Comissão de Especialistas de Ensino de Arquitetura e Urbanismo/SESU/MEC; Comissão de Avaliação do Curso de Arquitetura e Uubanismo - INEPMEC. A mesa contou com a presença dos seguintes professores que compõe as duas comissões. Roberto Py Gomes da Silveira, Isabel Cristina Eiras de Oliveira, Fernando Medeiros Costa, Gogliardo Vieira Maragno Itamar Costa Kalil e Wilson Ribeiro dos Santos. Por unanimidade, foram aprovados os seguintes encaminhamentos: 1. a diretoria da ABEA, com a ajuda dos coordenadores de cursos de Arquitetura e Urbanismo, enviará correspondência às instituições solicitando os endereços eletrônicos dos professores; 2. quanto ao Exame Nacional de Cursos (Provão), até o final deste mês, a ABEA fará chamada aos cursos, pedindo sugestões (participação ativa) de questões específicas que deverão compor a pesquisa, que acompanha o ENC dos cursos de Arquitetura e Urbanismo. Configurando um processo de ida e volta, as colaborações serão sistematizadas e, dessa maneira, retornarão aos cursos, para mais apreciações. 3. quanto ao instrumento chamado, Padronização dos Instrumentos para a Avaliação das Condições de Ensino - (Versão preliminar), com um prazo entre março e abril de 2002, com a mesma metodologia seguida no ponto anterior a ABEA deverá coordenar as contribuições. 4. nos meses de março ou abril de 2002, com o objetivo de consolidar os trabalhos realizados a ABEA promoverá evento nacional; 5. na mesma data, será realizado o XVIII Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo, com o tema Projeto Pedagógico. Ficou registrado a posição contrária da FENEA ao ENC e, portanto, a não apresentação de propostas para a pesquisa que acompanha o Provão por parte da Federação de Estudantes.

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XVII ENSEA - Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

XVII ENCONTRO NACIONAL SOBRE ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO (XVII ENSEA). Técnicas retrospectivas: manutenção e reabilitação da paisagem construída. Na tarde do dia 15 de novembro e na manhã seguinte ocorreu o XVII ENSEA, com duas mesas redondas: a primeira, sob título, “O ensino de Técnicas Retrospectivas” e, a segunda, “Técnicas Retrospectivas nas Políticas Públicas. Os palestrantes foram convidados a consolidarem suas falas em textos que acompanharão os registros do Encontro. Os debates tiveram o apoio dos trabalhos publicados nos anais e distribuídos no evento. As propostas foram encaminhadas ao XI CONABEA para deliberações. (Item 5) ELEIÇÃO PARA CONSELHEIRO REPRESENTANTE DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO CONFEA No inicio da tarde do dia 16, foi instalada a Assembléia de Delegados Eleitores e procedeu-se a votação para preenchimento dos cargos de Titular e Suplente de Conselheiro Federal representando as Instituições de Ensino de Arquitetura e Urbanismo no CONFEA. A única chapa inscrita, composta pelos professores, Itamar Kalil, Titular, e Wilson Ribeiro dos Santos Jr., suplente, foi eleita por unanimidade. Todo o processo foi executado pela Comissão Eleitoral Federal eleita pela Comissão de Organização do Sistema CONFEA/CREAs e coordenada pelo Conselheiro Federal Arq. Adolfo Maia. ELEIÇÃO PARA NOVA DIRETORIA DA ABEA O Regimento Eleitoral e a Comissão Eleitoral, respectivamente, foram aprovado e escolhida pelo plenário da XXIII Reunião do Conselho Superior da ABEA, realizada entre os dias 16 e 18 de agosto de 2001, no anfiteatro do campus central do Centro Universitário Moura Lacerda, em Ribeirão Preto, SP. Em atenção as determinações do parágrafo 4, do Artigo 3 o do Regimento Eleitoral Para Eleição da Diretoria e do Conselho Fiscal da ABEA, a mesa dos trabalhos foi composta pela Comissão Eleitoral, formada pelos professores Luiz Fernando Janot, da Universidade Santa Úrsula, Marlice Nazareth Soares de Azevedo, da Universidade Federal Fluminense e Maria Amália A. Magalhães, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para a apresentação das propostas e dos componentes

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da única chapa inscrita, antes da eleição. A chapa completa é a que segue:

DIRETORIA EXECUTIVA Presidente

ITAMAR COSTA KALIL UFBA/BA

Vice-Presidente

ISABEL C. EIRAS DE OLIVEIRA UFF/RJ

Secretário

FERNANDO J. DE MEDEIROS COSTA.

Sub-Secretário

ESTER J. B. GUTIERREZ

UFRN/RN UFPel /RS

Secretário de Finanças

GOGLIARDO VIEIRA MARAGNO UNIDERP/MS

Sub-Sec. de Finanças

JOSÉ ROBERTO GERALDINE JR. UNIFRAN/ BARÃO DE MAUA/ DOM PEDRO II/SP

DIRETORIA ÂNGELA CANABRAVA BUCHNAN ENEIDA KUCHPIL MANOEL JOSÉ F. DE CARVALHO MARIA DE LOURDES COSTA LINO FERNANDO B. PERES PAULO ROMANO RECHILIAN CLÁUDIO BAHIA DÉBORA VERDE MARIA CRISTINA MELO JOSE ACKEL FARES FILHO

UEL/PR UEL/PR UFBA/BA UEL/PR UFSC/SC UNITAU/SP PUCMINAS/MG PUCCAMP/SP UFF/RJ UNAMA/PA

CONSELHO FISCAL TITULARES JOSÉ ANTONIO LANCHOTI Moura Lacerda/SP

ÊNIO MORO JUNIOR UNIABC/SP

ROBERTO PY GOMES DA SILVEIRA UFRGS/RS

SUPLENTES

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XVII ENSEA - Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

JÚLIO DE LAMONICA UNIC/MT

WILSON RIBEIRO DOS SANTOS JR PUCCAMP/SP

SÉRGIO MALACRIDA BELAS ARTES/SP

3. SELO DE QUALIDADE, CATÁLOGO DE CURSOS Neste ponto de apreciação a mesa contou com a participação dos conselheiros titular e suplente, representantes das instituições de ensino de Arquitetura e Urbanismo no CONFEA, Prof. Gogliardo Vieira Maragno e Prof. Wilson Ribeiro dos Santos Jr. Por unanimidade, os congressistas: referendaram e ampliaram as deliberações do XXIII COSU; entenderam que, por força de lei, por um lado, todas as escolas devem ser cadastradas; por outro, o catálogo deverá ser composto por aquelas que solicitarem, a seguir, por todos os presentes, foram dados os seguintes encaminhamentos: 1. os conselheiros deverão solicitar mais 120 para a discussão dos dois anteprojetos de resolução, um que regulamenta e cria o Cadastro Nacional das Instituições de Ensino Superior e, outro, que dispões sobre a criação do Selo de Qualidade do Sistema; 2. a ABEA solicitará as escolas a listagem dos padrões de qualidade que julguarem importantes, estas enviarão a ABEA, que sistematizará dos dados recebidos e encaminhará aos cursos, às câmaras de arquitetura, aos CREAs e ao Colégios de Entidades, para novas manifestações; 3. caso a prorrogação não seja concedida, o processo esgota-se em dezembro de 2001; caso contrário, as deliberações finais devem ser tomadas no evento já programado para março ou abril de 2002; 4. a ABEA, somando as informações que tem registradas, deverá buscar, junto aos conselheiros representantes no CONFEA e professores que compõem a Comissão de Especialistas e a Comissão de Avaliação dados para elaborar documento que trate da relação escola x mão-de-obra, política de expansão de escolas públicas e privadas no país; 5. o referendo dos encaminhamentos sugeridos no documento intitulado, Selo de qualidade para a área de arquitetura e urbanismo: proposta preliminar, que fez parte do caderno distribuído aos congressistas, onde constam - 5.1 o estabelecimento de um convênio 17


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CONFEA/MEC visando a troca de dados e informações para integração do sistema de avaliação proposto, bem como uma publicação dos resultados, conjunta ou paralela com os do ENC - 5.2 Convênio com todos os CREAs, como agentes promotores locais, para operacionalização do sistema de avaliação proposto par a área de Arquitetura e Urbanismo - 5.3 apoio e incentivo à Entidades de Ensino para realização de eventos, publicações, pesquisas, cursos de educação continuada que visem a permanente re-qualificação dos Cursos de Graduação - 5.4 participação das Entidades Estudantis na discussão, deliberação e implementação das propostas para avaliação da área de Arquitetura e Urbanismo, agentes fundamentais no processo de ensinoaprendizagem e na garantia da qualidade na educação dos egressos.

4. CURSO DE URBANISMO Por todos os presentes, em primeiro, foram referendadas as posições históricas da ABEA, reafirmadas no XXIII COSU e são as que seguem: a necessidade de manter e buscar a coesão e não a desarticulação e fragmentação da profissão; a habilitação é única e não existe modalidades da profissão; a ruptura entre arquitetos e urbanistas é grave; a decisão de não acolhida pelos Conselhos Regionais; a preocupação com os egressos do referido curso. Em segundo, a diretoria da ABEA deverá elaborar manifestação a ser encaminhada aos Conselhos Estaduais e Nacional de Educação, ao sistema CONFEA/CREAs e ao Curso de Urbanismo, da Universidade Estadual da Bahia, tratando da não concessão de atribuições profissionais aos egressos do referido curso. Essa manifestação, também deve ser veiculada em algum jornal de grande circulação em Salvador. 5. DELIBERAÇÕES DO XVII ENSEA. Tema: Técnicas Retrospectivas Sobre o encontro de ensino forma tomados os seguintes encaminhamentos: 5.1 atualização da enquête sobre maneira de ministrar as (matérias) disciplinas Técnicas Retrospectivas nos cursos. Para isto, deverão ser repassados, pelo IPHAN, os resultados e a metodologias da investigação. 5.2. que no (instrumento) questionário a ser enviado às escolas, sejam

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explicitadas as interfaces entre as disciplinas (e atividades) que envolvem o ensino de Técnicas Retrospectivas; 5.3. orientação para que as Técnicas Retrospectivas contemplem as áreas de teoria e história, tecnologia e projeto; 5.4. quanto a abordagem do universo concernente às Técnicas Retrospectivas que essa “postura” esteja explicita e necessariamente contida nos projetos pedagógicos dos cursos, e, como tal, não seja competência de uma única disciplina, quanto mais só tecnologia; 5.5. promover, pesquisa/cadastro de quais práticas pedagógicas estão sendo adotadas pelos cursos de arquitetura e urbanismo; 5.6. constituir uma comissão que busque estabelecer um glossário de terminologias e conceitos comuns; 5.7. Aproximar políticas e projeto urbano das expectativas dos cidadãos, através da informação, sensibilização e participação das coletividades locais e seus habitantes; 5.8. envolvimento de diferente disciplinas, visando elaboração, materialização e normatização dos projetos de intervenção no meio urbano; 5.9. melhor articulação vertical e horizontal entre instituições de várias esferas administrativas (com presença forte do estado) para lidar com a iniciativa privada, isto é, sob controle e normatização da parte do poder público; 5.10. complementaridade de atuação entre instituições privadas e públicas (parcerias); 5.11. desenvolvimento de instrumentos e mecanismos estruturados no que já conseguimos construir, fundamentados em nossos esforços e processo de democratização/sensibilização/participação da população no estágio que este estiver.

6. ANUIDADES Com um voto contrário, os congressistas autorizaram a correção das anuidades dos sócios individuais e institucionais através dos indicadores nacionais. Caberá à Diretoria eleita, proceder a atualização monetária e aplicar o valor final na cobrança da Anuidade 2002.

7. DIRETRIZES CURRICULARES

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Por unanimidade, foi aprovada A Carta do Rio de Janeiro Nós, diretores da ABEA e da FENEA, diretores e coordenadores de Faculdades e Cursos da área de Arquitetura e Urbanismo, reunidos nesta cidade do Rio de Janeiro no XI CONABEA e XVII ENSEA vimos manifestar nossa preocupação quanto à não explicitação pública, até o momento, dos critérios que nortearão a análise, por parte do CNE, da proposta de Diretrizes Curriculares para a área, encaminhada prontamente em atendimento às orientações contidas nos editais n º 4 e 5 do MEC de 1997 e 1998. Reforçamos nesta carta, nossa intransigente defesa da proposta encaminhada e seus princípios, fruto de extenso e amplo debate e espelhada na nossa prática consolidada de ensino, que vem envolvendo há anos professores e estudantes dos cursos existentes e as entidades representativas da área. Vimos ainda solicitar realização, com ampla convocação e divulgação de audiências públicas para apreciação e discussão da referida proposta em conformidade com o contido no item n º 4 do Edital supra citado. Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2001. 8. GREVE NAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO Pela totalidade dos presentes foi aprovado: 8.1. moções de repúdio ao governo federal, em relação à greve dos professores nas IFES e ao governo do estado do Paraná, em relação à greve nas universidades estaduais.

MOÇÃO DE REPUDIO Os participantes do Congresso Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo – ABEA, realizado entre os dias 14 e 17 de novembro de 2001, nas dependências da Universidade Santa Úrsula, na cidade do Rio de Janeiro, RJ, manifestam seu repudio pelos atos arbitrários e autoritários do Governo Federal frente aos movimentos de greve dos professores das Instituições Federais de Ensino, paralisados ha 86 dias, e dos previdenciários, em greve ha mais de três meses, com a edição de um pacote de PL e MP que permitem a imediata contratação de servidores temporários, instauram processo coletivo de demissão sumaria de servidores em greve ha mais de 30 dias, conferem ao presidente poderes para definir o

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XVII ENSEA - Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

pagamento do funcionalismo e permitem ainda a contratação temporária de profissionais para substituir os servidores paralisados. Estas medidas ferem o artigo 207 da Constituição, que garante a autonomia universitária, onde prescreve que so as universidades tem poder de cortar o ponto ou suspender o pagamento de salários, e fere também o artigo 37 da nossa Carta Magna, que assegura o direito a greve, ainda que este estatuto não tenha sido regulamentado. suspender o pagamento dos salários O governo ataca o direito e movimento dos servidores públicos que ha três meses reivindicam reposição salarial, garantia do regime jurídico único, que o governo já havia reconhecido, e agora o ataca de forma arbitraria. Estes movimentos de paralisação buscam também defender o serviço publico como um todo, particularmente a defesa da universidade publica, gratuita e de qualidade, com destaque na ampliação das verbas, e manutenção do RJU e recuperação das perdas salariais. Considerando que a ABEA historicamente sempre se colocou na defesa da qualidade do ensino dos Cursos e Faculdades de Arquitetura e Urbanismo, manifestamos nossa plena solidariedade dos servidores em greve que buscam garantir as condições institucionais e financeiras dos órgãos públicos, garantido o pleno exercício e direito a cidadania do povo brasileiro.

PELA IMEDIATA REABERTURA DAS NEGOCIAÇÕES! PELA REVOGAÇÃO DOS PROJETOS DE LEI E MEDIDA PROVISÓRIA IMPETRADOS POR FHC QUE PERMITEM DEMISSÃO SUMÁRIA DOS SERVIDORES E CONTROLE DO CORTE DE SALÁRIOS PELA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA! PELO ATENDIMENTO DAS REIVINDICAÇÕES DOS SERVIDORES PREVIDENCIÁRIOS E PROFESSORES DAS IFES! EM DEFESA DO SERVIÇO PÚBLICO E PELA GARANTIA PLENA DE UMA UNIVERSIDADE PUBLICA, GRATUITA E DE QUALIDADE! Participantes do Congresso Nacional da ABEA – XI CONABEA Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2001 8.2. proposta a ser encaminhada ao ANDES-SN e demais sindicatos

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que reúnem professores do ensino superior com o seguinte texto: A ABEA deve encaminhar ao ANDES-SN e ....................................................... a proposta de um Debate Nacional no próximo ano (2002) com os candidatos a Presidência da Republica sobre a Universidade, particularmente a publica, com a seguinte pauta: 1. Papel das universidades na formação e desenvolvimento da sociedade brasileira; 2. A expansão da rede das instituições publicas e privadas; 3. Formas de financiamento ensino superior; 4. A carrreira universitária e política salarial; 5. Sistema de avaliação institucional e acadêmica dos Cursos de nível superior como forma de qualificação acadêmica e profissional, considerando: a) “Perfis e Padrões de Qualidade”, “Parâmetros e Critérios de Avaliação” do INEP e outros mecanismos de avaliação; b) Continuidade ou não do Exame Nacional de Cursos / Povão. Para que se viabilize este evento que a ABEA subsidie o ANDES e ....................., com o acumulo de discussão e elaboração em torno dos temas acima, particularmente o sistema de avaliação acadêmica e institucional, que, com o PAIUD e outros instrumentos e os documentos do ANDES, serviriam de base para as reflexões que se realizarão no evento proposto. A ABEA, ao longo dos anos, tem se empenhado em definir um sistema de avaliação das instituições de ensino de ensino de arquitetura e urbanismo e deve levar para o ANDES e também instituições de direção do setor privado, sua experiência de discussão e reflexão sobre processos de avaliação. Neste sentido, a ABEA pode e deve liderar este processo, como forma de estimular o debate em torno dos temas sobre avaliação institucional, considerando que são temas pouco discutidos e ate ausentes em determinados meios universitários.

9. PRÓXIMOS EVENTOS Por todos os congressistas, foi reafirmado: 9.1. o tema “Projeto Pedagógico” para ser enfocado no XVIII ENSA; 9.2. coincidir as datas, portanto março ou abril de 2002, do XVIII

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ENSA com a revisão da Padronização dos Instrumentos para a Avaliação das Condições de Ensino. 9.3. as candidaturas para acolherem os eventos os eventos foram: da PUC/Poços de Caldas, em Poços de Caldas, MG; da Belas Artes, em São Paulo, SP; da PUC/BH, em Belo Horizonte, MG, que falou em nome das quatro escolas existentes no município; da UCS, em Caxias do Sul, RS; da UNAMA, em Belém, PA e da UNIABC, em Santo André, SP.

10. APRECIAÇÃO DAS CONTAS - CONSELHO FISCAL Após a leitura do parecer do Conselho Fiscal aprovando a contabilidade da gestão agosto de 2000-novembro de 2001 por unanimidade o plenário aprovou o parecer do Conselho Fiscal.

11. DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS DA ELEIÇÃO E POSSE DA DIRETORIA E CONSELHO FISCAL Os trabalhos continuaram com a divulgação dos resultados da eleição pela Comissão Eleitoral onde concorreu uma única chapa inscrita para o período de 2001- 2003 da ABEA.

DIRETORIA EXECUTIVA Presidente

ITAMAR COSTA KALIL

Vice-Presidente

ISABEL CRISTINA EIRAS DE OLIVEIRA

Secretário

FERNANDO J. DE MEDEIROS COSTA

Sub-Secretário

ESTER J. B. GUTIERREZ

Secretário de Finanças

GOGLIARDO VIEIRA MARAGNO

UFBA/BA UFF/RJ UFRN/RN UFPel /RS UNIDERP/MS

Sub-Sec. de Finanças

JOSÉ ROBERTO GERALDINE JR. UNIFRAN/ BARÃO DE MAUA/DOM PEDRO II/SP

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DIRETORIA ÂNGELA CANABRAVA BUCHNAN UEL/PR

ENEIDA KUCHPIL UEL/PR

MANOEL JOSÉ FERREIRA DE CARVALHO UFBA/BA

MARIA DE LOURDES COSTA UEL/PR

LINO FERNANDO BRAGANÇA PERES UFSC/SC

PAULO ROMANO RECHILIAN UNITAU/SP

CLÁUDIO BAHIA PUCMINAS/MG

DÉBORA VERDE PUCCAMP/SP

MARIA CRISTINA MELO UFF/RJ

JOSE ACKEL FARES FILHO UNAMA/PA

CONSELHO FISCAL TITULARES JOSÉ ANTONIO LANCHOTI Moura Lacerda/SP

ÊNIO MORO JUNIOR UNIABC/SP

ROBERTO PY GOMES DA SILVEIRA UFRGS/RS

SUPLENTES JÚLIO DE LAMONICA UNIC/MT

WILSON RIBEIRO DOS SANTOS JR PUCCAMP/SP

SERGIO MALACRIDA BELAS ARTES/SP

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Em prosseguimento ocorreu a posse da nova diretoria eleita. A partir desse momento, o professor Itamar Kalil continuou dirigindo os trabalhos, na nova gestão que se iniciava, em síntese, apreciou a pauta cumprida e destacou os encaminhamentos aprovados pelo XI CONABEA que a Diretoria e o Conselho Fiscal recém eleitos, junto com os demais associados devem realizar. Não tendo mais assuntos a tratar o professor Itamar Kalil, presidente da ABEA, deu por encerrado o XI CONBEA e XVII ENSEA, dos quais lavro a presente ata. Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2001.

Ester J. B. Gutierrez Secretária da ABEA

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Restauração ou restauro? Prof- Maria Cristina Fernandes de Mello Departamento de Arquitetura da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense

Cultura é expressão em constante movimento, preservação cultural também. Na evolução de conceitos e elaboração de cartas internacionais, o mundo culto manifestou sua preocupação com a manutenção de seus bens culturais - pré-existências significativas, produtos da memória social, sem que, entretanto, provocasse o impedimento da atualização tecnológica nas implantações de serviços, infra-estrutura urbana ou, ainda, que congelasse o edifício ou a cidade, no tempo. Esta tarefa, para ser bem conduzida, sempre necessitou da coordenação de um profissional com formação humanista, tecnológica e artística. Tal formação poderá ser obtida nos cursos de graduação e pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, desde que contemple: história e teoria, metodologia de projeto e estudo de técnicas construtivas antigas e contemporâneas. Mas a pergunta é: qual o conteúdo necessário para formar os arquitetos e urbanistas nessa matéria? O texto relativo às Técnicas Retrospectivas, nas normas curriculares da Portaria 1770, do MEC, de dezembro de 1994, diz: ...”O estudo das Técnicas Retrospectivas inclui a conservação, restauro, reestruturação, reconstruções de edifícios e conjuntos urbanos...”

O texto da Portaria é muito geral e é bom que assim seja. Compete às instituições detalhá-lo conforme suas especificidades sem, entretanto, deixar de oferecer o conteúdo básico para a compreensão de conceitos e teorias, metodologia 26


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de projeto e história da tecnologia construtiva e de materiais, assim como, a pesquisa do novo. Procurando definições nas cartas internacionais encontramos muitas divergências de terminologias e consequentemente metodologias de projeto. Muitas vezes, novos nomes são criados a partir de programas políticos e consolidam-se como uma metodologia de sucesso, sendo copiados pelo Brasil afora. O maior exemplo disso é o Corredor Cultural, projeto de reabilitação urbana, desenvolvido por mais de dez anos, na Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. O Plano Diretor da cidade de Niterói, para definir áreas de preservação urbana, usou as mesmas palavras - Corredor Cultural. O nome virou tipo. Nossa mobilidade cultural não permite deixar de absorver novos conceitos que vão sendo criados e, quando pertinentes, os incorporamos. Ao mesmo tempo, compreender quais tipos de projeto podem ser elaborados e identificar uma mesma terminologia, poderá ajudar o ensino formal. Assim, para promover uma discussão em torno de terminologias, escolhemos algumas definições, por exemplo:

Bem Segundo a Carta de Burra (ICOMOS Australia 1980) “o termo bem designará um local, uma zona, um edifício ou outra obra construída, ou um conjunto de edificações ou outras obras que possuam uma significação cultural, compreendidos , em cada caso, o conteúdo e o entorno a que pertence.” Preservação A preservação é uma ação global voltada à proteção de um bem cultural na sua totalidade, contra qualquer dano ou degradação, através de instrumentos legais. Na Carta de Burra (ICOMOS Austrália 1980) “a preservação será a manutenção no estado da substância de 27


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um bem e a desaceleração do processo pelo qual ele se degrada.” Aqui confunde-se com conservação. Conservação No vocabulário do meio ambiente, a conservação é a utilização racional de um bem, garantindo sua exploração econômica. Esse é um conceito cuja origem reporta às definições relativas ao patrimônio histórico. A conservação, no que se refere ao patrimônio, é um termo abrangente para definir tipos de medidas destinadas a manter ou restabelecer a “saúde” física de organismos e edifícios. Existem vários graus de intervenção conservativa, o mais leve é a manutenção preventiva e o mais sofisticado é a restauração. Já na Carta de Burra “o termo conservação designará os cuidados a serem dispensados a um bem para preservarlhe as características que apresentem uma significação cultural. De acordo com as circunstâncias, a conservação implicará ou não a preservação ou a restauração, além da manutenção; ela poderá igualmente compreender obras mínimas de reconstrução ou adaptação que atendam as necessidades e exigências práticas. Novamente há uma confusão entre os termos conservação e preservação. Adaptação Segundo a Carta de Burra “ a adaptação será o agenciamento de um bem a uma nova destinação (de uso) sem a destruição de sua significação cultural” . Também conhecido como reciclagem (de uso). Restauração ou restauro. Restauro é restauração em italiano, porém, esta palavra já foi incorporada na língua brasileira - são sinônimos. Há uma

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definição clássica, enquanto restauração de obra de arte, de Cesare Brandi, no seu livro Teoria del restauro, que diz: “ ... a restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte na sua consistência física e na sua dupla polaridade estético-histórica, em vista da sua transmissão ao futuro.” A restauração é uma operação de caráter excepcional aplicada somente em edifícios ou conjuntos particularmente prestigiados. Obedece rigorosos preceitos que visam “... colocar a obra em eficiência, facilitar sua leitura e transmiti-la integralmente ao futuro...” (Carta Italiana del Restauro 1972). Na Carta de Burra (ICOMOS Austrália 1980) assim está definida: «a restauração será o restabelecimento da substância de um bem em um estado anterior conhecido». Aqui pressupõe-se uma condição de provocar o rejuvenescimento da matéria, o que não é possível. Na Carta de Lisboa (1995), na definição de restauração, dois graves equívocos contradizem procedimentos e instruções anteriormente estabelecidas. Quando se admite “reposição da totalidade” estimula a criação de um falso histórico e, ainda, quando seleciona “partes correspondentes aos momentos mais significativos de sua história” desconsidera, a priori, que toda a duração de uma obra é a sua história. Restauração urbana Trata-se do conceito anterior ampliado para uma escala urbana, onde há implicações sociais, de soluções tecnológicas de infra-estrutura e desenho urbano, sem descaracterização de seus elementos originais a serem mantidos. Um exemplo desse tipo de intervenção acontece na cidade de Veneza, Italia. Restauração do território Entendemos como uma grande articulação de programas e projetos multi-disciplinares que visam a recuperação do 29


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território, seguindo os princípios do eco-desenvolvimento, ou melhor, desenvolvimento sustentável. Trata de funções e usos reciclados, oferta de emprego e renda, transferência de tecnologia, articulações inter-municipais nos setores da economia, com o objetivo de salvaguardar não só o patrimônio físico, como, principalmente, criar possibilidades novas aos habitantes fixando-os nos seus territórios culturais. São projetos para conjuntos de sítios com elos de ligação histórica e econômica, como, por exemplo, as Missões no Rio Grande do Sul ou as antigas fazendas de café no Estado do Rio de Janeiro. Meio-ambiente, homem e cultura fazem o território cultural. Reconstrução Construir outra vez o que existia, recriando ou baseandose em hipóteses, é procedimento que fere o conceito de autenticidade, valor do patrimônio histórico e artístico. É o que se chama de falso histórico. Brandi diz que o trabalho do restaurador termina quando começa a hipótese. No pós-guerra, por uma necessidade psicológica de ver de novo, de forma íntegra, o antigo cenário, então destruído, muitas reconstruções foram feitas seguindo o lema onde era, como era. Hoje revivemos essa discussão após os atentados ao WTC em New York, de 11 de setembro. O que fazer? Reconstruir as torres? Deixar o vazio? Recriar o volume de outra maneira? Construir uma escultura simbólica? Na Carta de Burra (ICOMOS Austrália 1980) reconstrução “será o estabelecimento, com o máximo de exatidão, de um estado anterior conhecido, ela se distingue pela introdução na substância existente da materiais diferentes, sejam novos ou antigos. A reconstrução não deve ser confundida, nem com a recriação, nem com a reconstituição hipotética, ambas excluídas pelo domínio regulamentado pelas presentes orientações.” A Carta de conservação da restauração dos objetos de arte e cultura (CNR/Italia 1987) recomenda que tecnologia 30


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antiga deve ser restaurada com a mesma tecnologia. Houve muita deterioração nas restaurações realizadas nos últimos 50 anos, onde novas tecnologias vieram marcar grandes diferenças entre partes antigas e restauradas. As partes originais quase sempre continuavam bem conservadas, enquanto as novas necessitavam ser refeitas. Aconteceram incompatibilidades de materiais que fizeram alguns teóricos decretarem o envelhecimento da Carta de 1972, esta muito atrelada à restauração de bens móveis. A partir daí, cai definitivamente a manutenção da pátina do tempo nos bens imóveis, permitindo a recomposição da argamassa com o mesmo traço da original, em vez da consolidação dos fragmentos existentes. As cidades passaram a recuperar suas cores originais, ficaram mais claras. Neste caso há a reconstrução de partes do bem, segundo as técnicas de origem, desde que bem fundamentadas. Reestruturação, Revitalização, Reabilitação, Valorização, Requalificação A Carta de Veneza (1964) amplia o conceito de monumento histórico: este não mais é restrito a exemplos isolados, mas estende-se a todo conjunto representativo, mesmo modesto, testemunho de evoluções, civilizações ou acontecimentos históricos. O continuum do tecido urbano aparece como espaços merecedores de valorização. A “era das demolições” começa a chegar ao fim. Surgem ações integradas e simultâneas, visando a retomada de atividades econômicas, a recuperação física dos imóveis e a fixação da população de origem no seu habitat . Embora nem sempre bem sucedida, essa atitude de reconhecimento das pré - existências, traz um novo conceito, amplamente difundido até os dias de hoje. Surge consequentemente , um elenco de termos com significados semelhantes: valorização, revitalização e reabilitação. Reabilitação, no sentido de origem, significa o 31


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restabelecimento dos direitos. Na jurisprudência é “a ação de recuperar a estima e a consideração” (CHOAY, 1988:573). Segundo DIAZ-BERRIO e ORIVE (1974:11) o termo reabilitação vinha consolidando-se até configurar-se como um dos aspectos fundamentais da conservação e, no texto da Convenção da UNESCO de 1972, substitui praticamente o termo restauração, aplicado tanto em arquitetura como em urbanismo. CHOAY considera reabilitação uma operação mais avançada do que simples melhorias no habitat. Menos custosa do que a restauração, supõe trabalhos delicados, que freqüentemente desencorajam as ações do poder público (CHOAY,1988:573). A Carta de Lisboa apresenta o conceito de reabilitação como estratégia de gestão urbana e induz à compreensão de seu significado como sinônimo de requalificação. A seguir, aproxima esse conceito à definição de revitalização. Tanto num como noutro, vem explicitada a importância de trazer novas atividades econômicas e, com elas, “dar nova vida” às áreas “decadentes” da cidade1 . Na redação dos dois artigos da carta, a diferença é o fato do primeiro exigir a manutenção da identidade e das características, enquanto que o segundo, admite que esse mesmo procedimento pode ser adotado em zonas “com ou sem identidade”. Em nenhum momento, porém, parece haver uma preocupação de definir o significado de identidade - seria essa a qualidade de idêntico? ou a “relação de igualdade válida para todos os valores das variáveis envolvidas”? (HOLANDA FERREIRA:738). Se é possível não encontrar identidades e características próprias de um lugar como “dar nova vida” ao mesmo? Admite-se aí um dom divino e o arquiteto como deus coordenador. A Carta Italiana del Restauro (1972), nas instruções para tutela dos centros históricos, define, como uma das principais ações, a reestruturação urbanística. Esta aborda especialmente as relações, sobretudo do ponto de vista funcional, tecnológico e de uso, entre o território, a cidade e o 32


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“centro histórico”. É possível localizar nesse tempo a origem dos planos de estruturação urbana. Tomando como exemplo, o Rio de Janeiro, na década de 1980, esses planos atendiam reivindicações das comunidades quanto às questões especulativas, de uso, proteção ambiental e cultural, envolvendo o sistema viário e planos de massa em uma escala de bairro (PEU - Plano de Estruturação Urbana). Em abril de 1998, ocorreu no Rio de Janeiro um evento realizado pelo British Council, denominado “Cidade 2000 Regeneração Urbana para o Milênio”, com um seminário e uma exposição de um grupo de arquitetos britânicos. Os projetos expostos mostravam a produção recente desse país, constando de complexos arquitetônicos e design de interiores , sempre colocados como uma nova forma de recuperar ou “revitalizar” setores “deteriorados” nos centros urbanos. Ao ser perguntado, um dos arquitetos desse grupo, de qual seria o significado da palavra regeneração e qual a diferença desta para a revitalização, ele respondeu não ter uma definição precisa sobre o seu significado, acreditando que isso não passava de mais um modismo. Esse termo - regeneração - também foi utilizado na reconstrução das docas de Londres, onde grandes complexos arquitetônicos foram edificados ao longo da década de 1980, sem nenhuma preocupação de continuidade com o tecido urbano remanescente. Contudo, São muitas as contradições encontradas nessas terminologias, mas para qualquer nome será importante discutir metodologia de projeto para bens de valor cultural. Qualquer projeto deve, necessariamente, ser precedido por estudos preliminares e pesquisas necessários à compreensão de seu significado na sua plenitude.

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NOTAS 1. Carta de Lisboa: b) reabilitação urbana - é uma estratégia de gestão urbana que procura requalificar a cidade existente através de intervenções múltiplas destinadas a valorizar as potencialidades sociais, econômicas e funcionais a fim de melhorar a qualidade de vida das populações residentes; isso exige o melhoramento das condições físicas do parque construído pela sua reabilitação e instalação de equipamentos, infraestruturas, espaços públicos, mantendo a identidade e as características da área da cidade a que dizem respeito. c) revitalização urbana - engloba operações destinadas a relançar a vida econômica e social de uma parte da cidade em decadência. Esta noção, próxima da reabilitação urbana, aplica-se a todas as zonas da cidade sem ou com identidade e características marcadas. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ABBAGNANO, Nicola - Dicionário de Filosofia, Editora Mestre Jou, São Paulo, 1982 BERRIO, Salvador Díaz y ORIVE B., Olga - Terminologia general en materia de conservacion del Patrimônio Cultural Prehispanico, Mimeo, ICCROM, Roma,1974 BRANDI, Cesare - Teoria del Restauro, Einaudi, Torino, 1981 Carta da Reabilitação Urbana Integrada, Lisboa, 1995 CESCHI, Carlo - Teoria e Storia del Restauro, Buizoni, Roma, 1970 CHOAY, Françoise - L’allégorie du Patrimoine, Seuil, Paris 1992 CHOAY, Françoise e MERLIN, Pierre - Dictionaire de L´urbanisme et L”Amenagment, Presses Universitaires de France, Paris, 1988 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda - Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Nova Fronteira, Rio de Janeiro FOUCAULT,Michel - Microfísica do poder, Graal, Rio de Janeiro, 1979 34


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FORUM UNESCO Universidade e Patrimônio, Relatório final do VI Seminário Internacional, Universidad Politécnica de Valencia, Espanha, setembro de 2001. GUATTARI, Felix - Restauração da Cidade Subjetiva in Caosmose, Editora 34, Rio de Janeiro, 1992 IPHAN, MINC, CURY, Isabelle (coord) - Cartas Patrimoniais, Brasília, 1995 IPHAN, A Disciplina de “Técnicas Retrospectivas” no Currículo de Arquitetura e Urbanismo das Universidades Brasileiras: Situação Atual e Diretrizes, ABEA, 1998. Instituto do Patrimônio Cultural da Bahia - Centro Histórico de Salvador, programa de recuperação, Salvador, 1995 LYRA, Cyro Illídio Corrêa de Oliveira e MELLO, Maria Cristina Fernandes de, Ementas de disciplinas para a área de preservação do patrimônio cultural, denominadas no novo currículo mínimo como “Técnicas Retrospectivas”, XIII ENSEA/ABEA, UNB, Brasília, 1995. MELLO, Cristina, Restauração: evolução de conceitos e qualidade do projeto no Brasil, in Arquitetando, nº3, jornal mensal do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, abril de 2001. MELLO, Maria Cristina Fernandes de e VASCONCELLOS, Lélia Mendes de, Terminologias: em busca de um significado, VIII Congresso Iberoamericano de Urbanismo Reestruturação urbana e coesão territorial, Associação dos Urbanistas Portugueses, Porto, 1998. MELLO, Maria Cristina Fernandes de e CASCO, Ana Carmen Jara, “Técnicas Retrospectivas” na EAU/UFF, Documento elaborado para o Departamento de Arquitetura/UFF, Niterói, 1998. MELLO, Maria Cristina Fernandes de, O ensino da preservação do patrimônio histórico na formação do Arquiteto e Urbanista na Universidade Federal Fluminense, VI Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo, Salvador, 1993. 35


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MELLO, Maria Cristina Fernandes de, Qual é a saída para a preservação do patrimônio edificado? SBPC, UFPE, julho de 1993. NEVES, Estela e TOSTES, André - Meio Ambiente, a Lei em suas mãos, Vozes, Petrópolis,1992 Portaria MEC nº 1770, de 23 de dezembro de 1994, que define diretrizes curriculares para o conteúdo dos cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo, Brasília 1994. PORTAS, Nuno - Urbanismo e Sociedade: Construindo o Futuro, in Cidade e Imaginação, VASCONCELLOS E.M. e MACHADO, D.P (org.), PROURB-FAU-UFRJ, 1996 SANTOS, Carlos Nelson F. dos - A Cidade como um Jogo de Cartas, EDUFF, Projeto ed., São Paulo, 1988 U.I.A WORK PROGRAMME ‘Education’, U.I.A /UNESCO CHARTER FOR ARCHITECTURAL EDUCATION, junho 1996.

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Relato e reflexões sobre uma experiência de trabalho de restauro: a intervenção no antigo Cine-Teatro Paramount em São Paulo. Prof. Arqº Haroldo Gallo, Dr. Professor Titular na FAU da Universidade São Marcos, da FAU FAAP e FAU FAAM. e-mail: haroldogallo@uol.com.br

Resumo Trata-se de um relato de experiência de trabalho de Restauro e Reciclagem do edifício do antigo Cine Teatro Paramount, no centro de são Paulo, tombado pelo Patrimônio Municipal (Compresp) e transformado no Teatro Abril para sediar grandes espetáculos musicais. O trabalho de projeto e direção técnica de obra de restauro foi desenvolvido no ano de 2000 em co-autoria entre os arquitetos Haroldo Gallo, Dr. e Marcos Carrilho, Msc. e contou com o apoio de arqueologia de superfície realizada pela arqª. Regina Tirello, Dr. O projeto de reciclagem que inclui a nova sala de espetáculos

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foi desenvolvido pelo escritório de arquitetura Aflalo & Gasperini. Trata-se de edifício inaugurado em 13 de abril de 1929, construído pelo engº Arnaldo Maia Lello para sediar o primeiro cinema falado da América do Sul (o cinema falado surge no mundo em 1927), que serviu às elites paulistas. Na época São Paulo tinha 12 cinemas mudos e três teatros, e uma população de 500 a 600 mil habitantes. Como cinema de luxo sua vida foi efêmera, entrando logo em decadência. Seu valor cultural para a cidade se estende por haver sediado, mais recentemente, a TV Record e os festivais de MPB. Sofreu, em 1969, um incêndio que o destruiu em sua maior parte, remanescendo sua fachada e foyer, hoje restaurados. Em 1979, a empresa Hawai o re-inaugurou com 5 salas de cinema para um total de 1750 espectadores. Em 1996, bastante alterado e em mau estado de conservação, a casa de espetáculos fechou suas portas. Infelizmente nenhum dos cinemas da época gloriosa desse tipo de diversão em São Paulo nos chegou íntegro. Sua reintegração à vida da cidade deu-se pela iniciativa da empresa CIE (Corporación Interamericana de Entretenimiento), que nele investiu 12 milhões de reais, cuja construção esteve a cargo da Racional Engenharia. As características arquitetônicas do edifício não constituem um estilo específico, mesclando elementos de referência e inspiração ora clássicas, ora decô, ora coloniais, constituindo uma expressão tardia de linguagem, se relacionado com as idéias modernistas da década de 20 e com a construção, por Warchavchik, da primeira obra modernista em 1927. Para a composição de sua fachada foram utilizados mascarões e outros ornatos de origem indefinida em meio a tradicionais elementos classicistas. Contudo, apresenta um “caráter” peculiar, contido especialmente em seu partido espacial classicizante, em seus esquemas cromáticos, em sua relação de “monumentalidade” mantida com o entorno urbano, e no conteúdo simbólico dos seus elementos arquitetônicos decorativos. Essa obra, que foi realizada em cinco meses, tanto no setor novo de palco e platéia, quanto no restauro de foyer e 38


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fachada, demandou revisões de postura, conceitos e procedimentos por parte dos arquitetos restauradores e um esforço de integração e articulação de partido entre dois projetos e de coordenação e desempenho entre os dois canteiros de obra com características bastante distintas, o tradicional e o de restauro, com um resultado temporal que denota a eficiência alcançada. A intervenção aponta para uma tendência que já se faz identificar, da integração da iniciativa privada na tarefa de preservação, conservação e restauro de edifícios de valor histórico, conquanto, além do aspecto de formação da identidade de uma comunidade, ela também constitui um bom negócio.

Alguns esclarecimentos preliminares sobre os procedimentos de conservação e restauro de edificações de interesse histórico e cultural Para compreender esses procedimentos, é preciso destacar preliminarmente que as conquistas na área de preservação foram sendo formalizadas e incorporadas em documentos normativos e referenciais para a atividade, conhecidos como Cartas Patrimoniais. São eles verdadeiros 39


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guias para a atividade de preservação e restauração. Essas cartas são, de maneira geral, o resultado de eventos promovidos por instituições internacionais de preservação que agregam os mais destacados especialistas da área. Esses documentos, embora sejam seguidos por todos os profissionais da área,, não constituem normas técnicas e não são de aplicação obrigatória. Contudo, alguns dos conceitos desses documentos se tornam muitas vezes obsoletos, pois a atividade de preservação exige constante revisão, em especial nos critérios de intervenção e nos juízos de valor, que se alteram com as próprias mudanças históricosociais, sendo também eles produtos culturais. Assim, muitos dos conceitos formulados nos documentos mais antigos sofrem revisões, ampliações e adequações. Mas, mesmo quando superados, mantêm a importância do seu testemunho histórico e nos permitem compreender com exatidão a dimensão do assunto na atualidade. Destacamos nos anexos alguns documentos principais dentre os existentes, e sintetizamos as principais proposições neles contidas, além de apontar o site do IPHAN, onde todas as cartas podem ser encontradas na íntegra.

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A preservação dos bens pressupõe que eles sejam apropriados pela sociedade, o que subentende várias formas de utilização e fruição do bem pela comunidade. Talvez a mais importante dessas formas seja a capacidade de a sociedade atribuir um uso ao bem. Só mediante o uso é possível preservar artefatos e estruturas arquitetônicas e áreas urbanas. É o uso que reintegra o bem à vida social, impedindo sua degradação. Isso exige a elaboração de um projeto. Projeto no sentido amplo que compreenda todas as modalidades de bens culturais e as disciplinas associadas, tais como a arqueologia, a museologia, o marketing, entre outros, e projeto no sentido específico, que compreenda as operações de conservação, restauração, adaptação, etc. Um projeto específico de restauração e preservação arquitetônica pressupõe as seguintes atividades: pesquisa histórica, concepção, desenvolvimento, realização da obra, documentação da execução e divulgação e difusão. Pesquisa histórica: A pesquisa histórica compreende o estudo das fontes documentais e do objeto da preservação. As fontes documentais são caracterizadas, de modo geral, como primárias e secundárias. As fontes documentais primárias compreendem todos os documentos escritos e iconográficos disponíveis que ainda não tenham sido objeto de análise. São os inventários, escrituras, fotografias antigas, desenhos originais, requerimentos junto aos órgãos públicos, variando com as características da edificação. As fontes documentais secundárias compreendem o conjunto de estudos e bibliografia disponível sobre o objeto de pesquisa, como os estudos analíticos monográficos publicados.

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Mas não só as fontes relacionadas diretamente com o artefato arquitetônico a restaurar são importantes. A pesquisa também deve se estender a fontes subsidiárias conexas. Ou seja, embora centradas em outros objetos, essas fontes se relacionem com o bem em questão. Por exemplo, no caso da Estação da Luz, é necessário recorrer aos conhecimentos relativos à formação da cidade, ao desenvolvimento da ferrovia, à história da arquitetura industrial, etc.

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A pesquisa do objeto constitui uma etapa indispensável da pesquisa histórica. O objeto é, na realidade, o principal documento, o documento de si mesmo, por assim dizer. O seu estudo direto e a interpretação dos dados daí obtidos devem ser confrontados com as informações das demais fontes e as conclusões incorporadas ao processo de pesquisa. A pesquisa do objeto é constituída de levantamento métrico, que compreende a determinação geométrica de toda a edificação, tanto dos bens arquitetônicos quanto dos bens integrados, como obras de arte, mobiliário, equipamentos, etc., e seu registro gráfico pelas formas convencionais da arquitetura, como plantas, cortes e elevações. Além disso, faz também um levantamento fotográfico sistemático, para que se obtenha um registro criterioso de todas as imagens, de maneira a permitir a compreensão e reconstituição integral da edificação no conjunto e em seus pormenores, no estágio que antecede a intervenção.

fig.6

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A pesquisa do objeto prevê também prospecções, que compreendem três categorias de elementos distintos, a saber: os componentes do artefato edifício em si, como materiais e técnicas construtivas, estruturas, componentes e instalações; os elementos artísticos e decorativos, como pinturas, relevos, painéis e etc.; a identificação das alterações e sobreposições. Finalmente, são feitos o levantamento e a análise do estado de conservação e identificação de patologias. Nessa etapa é que se identificam todos os fatores de degradação do edifício, sejam provocados pela ação do tempo, como os advindos do uso ou os causados pelos elementos externos. A pesquisa do objeto e a de pesquisa histórica em forma mais ampla têm especial importância, uma vez que do seu conhecimento pormenorizado emergem as diretrizes de intervenção a serem desenvolvidas no projeto. Esse é um fator distintivo que singulariza o processo de projeto de restauro.

CONCEPÇÃO: A concepção do projeto compreende as etapas de estudo preliminar e de anteprojeto e envolve a definição dos critérios de intervenção e do partido arquitetônico a ser adotado. Isto significa a definição das linhas gerais da futura obra de restauração. Na concepção do projeto de restauro, tem-se uma estrutura pré-estabelecida, com suas características espaciais e estilísticas próprias, que deverá sofrer as correções e adaptações necessárias a um novo uso. Tudo é feito de modo a alcançar-se a adaptação e valorização da base material pré-estabelecida na obra existente em face dos elementos novos nela introduzidos.

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Desenvolvimento: O desenvolvimento do projeto compreende as soluções técnicas e a discriminação dos materiais e componentes a serem empregados. Durante a realização da pesquisa, surgem alguns fatos novos que não foram identificados. Esses fatos devem ser aclarados, mesmo que para isso as definições do projeto sejam redirecionadas. A intervenção de restauro deve ser minuciosamente documentada em todo o seu processo, recorrendo-se tanto a registros escritos e iconográficos, como fotografias e desenhos. Em arquitetura, o projeto de restauro deve sempre ser entendido como uma obra aberta. Como ele baseia-se em estudos históricos e levantamentos do próprio artefato arquitetônico existente a ser preservado, suas premissas de intervenção e a conseqüente determinação das formas de ação e procedimentos vinculam-se de forma indissociável às evidências encontradas nas pesquisas iniciais. Contudo, a própria execução da obra permite investigar o objeto mais a fundo, na medida em que se interfere 45


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diretamente no artefato existente. Assim sendo, a execução dos serviços e os procedimentos de construção levam a novas descobertas que, ampliando o conhecimento do objeto, podem levar à inclusão de novos critérios, serviços e procedimentos técnicos até então não considerados. Nesse sentido, o projeto arquitetônico de restauração de edifícios históricos deve ser entendido como uma obra aberta a revisões. Os métodos e técnicas construtivas utilizadas nos trabalhos de restauro podem envolver tanto procedimentos técnico-construtivos tradicionais, muitas vezes em desuso, quanto à aplicação de materiais e procedimentos atuais. Em ambos os casos, demandam atributos especiais de seus executantes, que devem tomar especial cuidado na execução dos trabalhos, ter respeito pelo objeto pré-existente, além de o acuro e meticulosidade na execução das tarefas. No mais das vezes, o executante precisa ter qualificações especiais, adquiridas pela formação sistemática anterior ou em experiências de trabalho que se aproximam dos ofícios artesanais. O próprio canteiro de obras de restauro demanda cuidados não usuais nos processos construtivos, tanto com relação às partes em que não há interferência nova, e que devam ser mantidas íntegras, quanto às partes novas que devem ir sendo protegidas à medida que forem sendo executadas, e ainda à extrema limpeza e organização que o trabalho exige, evitando-se qualquer acúmulo de entulho e eliminando-se as fontes de poeira ou resíduos. Divulgação e Difusão: Por fim, é preciso considerar que de nada adianta todo esse esforço na restauração e conservação se não forem desencadeadas também ações de divulgação e difusão do Patrimônio Cultural. Dadas as características da sociedade contemporânea, não é suficiente que o bem cultural se preste a um fim que permita a sua apropriação social, mas é 46


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necessário promovê-lo. Trata-se de divulgá-lo das mais variadas formas, tanto por meio de publicações como através dos demais meios de comunicação, habilitando as informações sob a forma de textos, reportagem, documentários, de modo que o público possa se interessar em conhecer a sua história e reconhecer o seu valor e, de algum modo, perceber que aquele bem faz parte de sua cultura. Pesquisa histórica do Cine-Teatro Paramount A pesquisa histórica sobre o Cine-Teatro Paramount buscou, primeiramente, levantar informações sobre o projeto original do edifício. Para tanto, solicitou-se busca no arquivo histórico do Piqueri/ São Paulo, onde infelizmente, não foi localizado o processo de 1929, que continha o projeto original. Foram encontrados, contudo, projetos de reforma recentes, que serviram de referência para a elaboração do projeto de arquitetura.

A partir daí a pesquisa procurou reunir informações de fontes secundárias que permitissem compreender as origens do Cine-Teatro, suas principais características físicas e, 47


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eventualmente, possibilitassem interpretar os dados empíricos obtidos nas prospecções da arqueologia de superfície. As informações obtidas foram genéricas, revelando a importância do surgimento do Cine-Teatro Paramount, por seu pioneirismo na introdução do cinema falado em São Paulo. São freqüentes os comentários sobre os recursos técnicos de que o cinema era dotado, seja em relação às instalações, seja em relação aos equipamentos. A trajetória deste edifício certamente lhe confere um grande significado cultural para a Cidade de São Paulo e para a história das salas de cinema. Mas tem ainda grande importância cultural pelo fato de ter sediado, mais recentemente, a TV Record e ter sido palco dos conhecidos festivais da Música Popular Brasileira. Apesar do incêndio sofrido, que destruiu grande parte de suas instalações, o simples fato de ter sido palco destes eventos – mais do quer pelas características arquitetônicas que ficaram preservadas apenas no seu foyer e fachada – o edifício mereceu toda atenção como documento histórico de alta relevância para a cultura brasileira. Seguem alguns exemplos das referências de fontes secundárias sobre o edifício: Livro: História e Tradições da cidade de São Paulo SILVA BRUNO, Ernani. Histórias e tradições da cidade de São Paulo – São Paulo: Hucitec/Secretaria Municipal de Cultura, 1984. (3 volumes) - Cine Paramount – pioneiro do cinema falado; - 1927 – surge o cinema falado no mundo. Livro: Salas de Cinema em São Paulo, SIMÕES, Inimá. Salas de cinema em São Paulo – São Paulo, PW/SMC/SEC, 1990. “Embora a Empresa Serrador dê demonstrações de ousadia empresarial, não será ele quem oferecerá a São Paulo a inovação saudada efusivamente na imprensa. A cidade obtém a primazia – em toda a América do Sul – no lançamento do cinema sonoro, dos filmes falados, ou talkies, como se dizia. 48


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O cinema sonoro chega pelas mãos de J. Quadros, empresário do ramo, transformado em gerente geral do novo Paramount, cujas reformas custaram 400 contos de réis ao estúdio americano para transformá-lo em cinema de classe. O luxuoso Paramount, na Av. Brigadeiro Luís Antônio, ficava afastado do centro da cidade (...) e as novas instalações fazem até esquecer que ali já funcionava uma praça de touros, diversão popular no início do século, posteriormente adaptada em depósito da Prefeitura para abrigar cadáveres de vítimas da gripe que atingiu SP em 1918. O Paramount é o “máximo”. Seu “estilo afrancesado” e sua suntuosidade rivalizam com o Teatro Municipal, calcado na ópera de Paris, até então o parâmetro máximo de elegância e cultura. Otávio Gabus Mendes, correspondente paulista de Cinearte” [revista] sob as iniciais OM, comenta na edição de 24/04/1929, “SP lucrou com isso. Principalmente por ter um dos melhores cinemas da América do Sul, e além do mais pelo fato de terem sido nele introduzidos, antes de qualquer outra localidade da América do Sul, aparelhos movietone e vitaphone, que tanto vem dando comentários às empresas cinematográficas mundiais. E o Paramount, além do mais, é o cinema que fazia falta a SP. A beleza magnífica de sua construção tem dado o que falar e as enchentes formidáveis que apanhou são sem dúvida o testemunho que o público lhe dá de que aplaude qualquer iniciativa, conquanto que ela seja boa de fato”. Parabéns!” Guilherme de Almeida, na sua coluna no O Estado de São Paulo, não fica atrás nos elogios: “A Paramount acaba de dotar esta capital com um novo cinema perfeitamente à altura do nosso progresso. Sóbrio e elegante, todo construído, decorado e mobiliado com o intuito de proporcionar o máximo conforto. O cine Paramount obedece a uma arquitetura discreta – Luiz XVI modernizado – e a uma excelente disposição interna. Sob uma “marquise” que agasalha toda a calçada de mosaico, as portas de fácil ingresso abrem-se amplas, ladeando a 49


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bilheteria onde vários “guichets” facilitam a venda de entradas. O “Hall”, que não é bem uma sala de espera, é amplo, alegre e claro, com balcões a galerias que dão acesso às localidades do pavimento superior. A sala de espetáculos, vastíssima, com uma forte inclinação, para que de todos os pontos a visão seja fácil, tem um excelente sistema de ventilação e de iluminação (...) O apagar e acender das luzes faz-se por “nuances” que não ofendem à vista. Construção toda de concreto armado, não há ali uma só coluna. O que sobressai nos comentários são as expressões de júbilo pela chegada destas inovações. (...) A concepção suntuosa das salas e o luxo ostentado elite local e é por isso que se insiste tanto no mérito de ser a terceira cidade no mundo ( fora dos EUA) e a primeira da América do sul a contar com tal engenho.”

A arqueologia de superfície O texto a seguir apresentado nessa seção foi parcialmente extraído e adaptado do relatório original de prospecção de superfícies da arquiteta Regina Tirello, Dr., a 50


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quem atribuímos seu crédito, destacando a importância desse instrumento de apoio das decisões projetuais no trabalho de restauro, especialmente no contexto de ausência de dados do projeto original. Os trabalhos de sondagem de superfície realizados no Teatro Paramount visaram prioritariamente a identificação das cores e características decorativas originais de suas paredes e elementos componentes. Interessava investigar sob as tintas claras hoje visíveis, paletas cromáticas peculiares à época de construção do prédio, efetivamente representativas do gosto e repertório decorativo do final dos anos 20. Sem documentação iconográfica acessível, que embasasse o planejamento de tais pesquisas, com o intuito de obter informações sobre as tonalidades da antiga ambientação do saguão do teatro, optamos pela adoção do método da estratigrafia cromática de superfície, por julgá-lo mais ágil e adequado aos fins requeridos.

Trata-se de um sistema de sondagem das superfícies parietais, não destrutivo das argamassas, que proporciona investigação minuciosa da qualidade e quantidade das modificações ornamentais de que são passíveis os interiores das 51


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arquiteturas ao longo dos anos, especialmente nos edifícios de uso público. O procedimento de remoções limitadas e graduais de sobre-pinturas oferece dados materiais que permitem, na maior parte das vezes, que se vá além da compreensão das decorações ornamentais; possibilita o estabelecimento de periodizações aproximadas de eventuais alterações ocorridas no passado na edificação, das quais dificilmente se tem registro documental convencional, principalmente no caso dos edifícios do início do século XX em São Paulo, só recentemente re-valorizados. Para realizar o diagnóstico solicitado, as investigações iniciaram-se com a execução de “faixas estratigráficas”, ou seja, com a abertura de pequenos quadrinhos sequenciais em ordem decrescente, indo da superfície de tinta visível até a argamassareboco, que serve de suporte à pintura. Embora habitualmente denomina-se como “pintura original” a toda a camada de tinta aplicada imediatamente após a argamassa regularizadora da parede, no caso do Teatro (dadas as especificidades da edificação e lacunas informativas a respeito das características e extensão das modificações nele operadas), convencionou-se classificar de “original” não o primeiro estrato de tinta (a camada 1) encontrado em todas as faixas estratigráficas mas somente àquele aplicado diretamente sobre argamassas categorizadas como antigas.

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Portanto, para interpretar os primeiros resultados obtidos com as aberturas das faixas e prosseguir o trabalho de investigação proposto com “decapagens” de áreas maiores no estrato correspondente às decorações artísticas e cores relativas à época da construção do prédio, analisou-se preliminarmente a natureza e características de empasto das argamassas de regularização das alvenarias de diversos pontos das paredes dos dois pavimentos do ambiente. O objetivo desta categoria de avaliação foi o de estabelecer um “marco diferencial” claro entre o que era material antigo e material agregado posteriormente às paredes do edifício, já que foi vitimado por grande incêndio, sofrendo, em conseqüência, modificações vultosas. Sabe-se sobre as intervenções arquitetônicas empreendidas no Paramount que as salas de espetáculo antigas foram completamente modificadas, dando lugar a outras cinco salas de cinema na década de 70, e somente o saguão teria mantido as características formais da construção original. No entanto, observações mais atentas do prédio durante o desenvolvimento do processo de sondagem superficial das paredes, induziram a formulação da hipótese de que algumas áreas do saguão podem ter sido igualmente modificadas em tempos mais recentes.

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Embora os arranjos dos elementos arquitetônicos de tendência “Art-deco” se harmonizem neste ambiente, certas soluções formais e construtivas ali adotadas simultaneamente causam no mínimo estranheza. As colunas do pavimento superior, por exemplo, têm seção, altura e acabamento completamente diversos daquelas do pavimento térreo; as arcadas baixas e secas de acesso aos compartimentos contíguos à porta principal da sala de espetáculos do andar superior são pouco convencionais no âmbito do estilo decorativo ali traduzido em acabamentos escalonados de gesso; as duas altas colunas centrais do andar térreo parecem ter sido envolvidas por paredes arredondadas, sendo transformadas em pilastras; os vãos externos correspondentes aos três “janelões” da fachada, pela parte interna, induzem a pensar em rebaixamentos dos forros originais e das cúpulas. Mesmo não tendo havido sondagens com cortes na argamassa (sistema destrutivo habitual para investigação da qualidade e características das alvenarias), os indícios materiais representados pelas diferenças entre as tintas e massas individualizadas constituem-se, neste contexto, em testemunhos eloqüentes de mudanças físicas não observáveis facilmente a olho nu. Eles atestam alterações espaciais importantes havidas também no saguão, até então tido como a parte original remanescente do prédio incendiado. Idealmente essa hipótese deveria ser testada com outros métodos analíticos: prospecções de alvenarias, análises comparativas de traços dos revestimentos feitos com instrumentação científica e principalmente, através do aprofundamento da pesquisa histórica que propiciaria o exame de peças gráficas e memoriais descritivos de obras civis realizadas no tempo, permitindo constatações mais balizadas e precisas sobre a natureza e extensão das alterações já operadas. 54


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O fato é que os resultados obtidos com as sondagens cromáticas superaram as expectativas iniciais. As “decapagens” revelaram cores intensas, douramentos, pinturas ornamentais que imitam papéis de parede, compondo uma ambientação sofisticada, mais condizente com a destinação de uso original do prédio: uma grande casa de espetáculos da cidade. Esse relatório, portanto, ao mostrar essas cores e arranjos de materiais, propõe-se enquanto instrumento de trabalho analítico e operacional; razão pela qual priorizou-se a exposição dos resultados das prospecções através de imagens que ilustram as áridas tabelas de codificação cromática. Como a interpretação dos dados obtidos com as sondagens redundou em suspeição de alterações espaciais representadas pelas massas antigas e modernas, construiu-se um texto ilustrado visando permitir que os observadores pouco habituados a essa categoria de investigação arquitetônica perfizessem o caminho percorrido até as conclusões apresentadas sobre a originalidade de certas áreas. 55


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Pretendeu-se com a “datação indicativa” das tonalidades antigas e recentes, listar e fornecer amostras das tonalidades originais adaptadas às tintas comerciais, propiciando um restauro ambiental mais condizente com as características originais do importante Teatro Paramount.

Para permitir uma visão de conjunto sobre a sistematização dos dados desse instrumento, transcreve-se a seguir a estrutura do citado: 1. Breve explanação sobre a metodologia adotada para a execução das sondagens e periodização indicativa da antiguidade das paredes; 2. Mapeamento em desenhos e fotografias dos pontos sondados e “decapados” em diversas áreas do Saguão, distinguindo as paredes julgadas mais novas; 3. Indicação de trechos nos quais, eventualmente, podem vir a ser realizadas “prospecções” de alvenaria, úteis, na falta 56


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de documentos originais, para esclarecimento de dúvidas a respeito das alterações sugeridas pelos resultados das sondagens; 4. Tabela de codificação das superfícies estudadas, divididas por áreas e sub-áreas. Ela apóia a leitura das tabelas subseqüentes e propicia a compreensão da distribuição das diversas tonalidades reconhecidas nas superfícies do saguão; 5. Tabelas contendo especificação do tipo e tonalidade das tintas identificadas em cada sub-área, na qual estão classificadas as cores mais antigas em código Panthone (universal), e a tonalidade correspondente em tinta látex comercial, disponível no mercado, o que permite sejam adequadamente refeitas as decorações, tal qual as originais das paredes; 6. Indicação dos tratamentos originais adotados nos elementos arquitetônicos, compreendidos pelos gradis de ferro, caixilhos de madeira, peças de gesso, etc. Inclui-se neste item informação sobre as cores originais da fachada e observações sobre as características das massas de revestimentos. AS PREMISSAS E O PARTIDO DE RESTAURO: A obra integral compreendeu o restauro da fachada e foyer, a remodelação do palco e platéia, além do redesenho de todas as instalações e espaços de apoio. Para tanto, todas as antigas instalações, exceto a área tombada, foram demolidas e remodeladas. O objetivo central foi atender a um programa que garantisse a apresentação de grandes musicais, tipo Broadway, com grandes cenários e toda uma parafernália de equipamentos. 57


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Quando do início dos trabalhos, o edifício encontravase em precário estado de conservação, embora só estivesse desativado há poucos anos. Não chegava a constituir ruína, mas as fachadas estavam bem deterioradas, os elementos de madeira, tais como a caixilharia e pisos, estavam apodrecidos e infestados por cupins, portas e janelas empenadas, com componentes quebrados e elementos faltantes. As portas de ferro, por exemplo, em sua maior parte, não funcionavam, mas eram de tal qualidade que, depois de tratadas em atelier especializado, foram facilmente reconstituídas e recolocadas em funcionamento. Embora não tenha sido possível localizar o projeto original, que teria sido fonte primária de grande relevância, os trabalhos de levantamento foram desvendando as diretrizes a serem adotadas para o partido de restauro e a orientação de obra. Um projeto de restauro se define em sua maior parte pelo conhecimento do objeto, não só através da pesquisa histórica, mas também através dos levantamentos sistemáticos, fotográfico e métrico arquitetônico, e pelos trabalhos de prospecção e de arqueologia de superfície. 58


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Também decorre daí um grau elevado de imprevisibilidade na obra de restauro, porque à medida que os trabalhos de canteiro se desenvolvem, descortinam-se nuances não previsíveis que constantemente redirecionam e fazem com que decisões projetuais venham a ser revistas, determinando novos rumos aos trabalhos. O próprio canteiro funciona assim como uma etapa posterior de prospecção. É por isso que o restauro tem que ser encarado como uma obra aberta, na qual muitas soluções são determinadas e desenvolvidas no próprio ambiente de obra pelos autores do projeto. Nesse tipo de trabalho, a presença do arquiteto e dos demais técnicos de apoio, como os especialistas nas soluções cromáticas, é indispensável na orientação de canteiro. No caso do Paramount, o transcorrer dos levantamentos evidenciou uma série de incongruências que permitiram a suspeita de que houvesse existido um teatro anterior a 29 no local, ano em que o edifício foi inaugurado como cine-teatro. É possível que a edificação de 29 seja o resultado de uma reforma de outra edificação que funcionaria como teatro. Como já se destacou na seção sobre prospecções, por exemplo, o segundo lance de colunas, no mezanino, é muito atarracado em relação ao primeiro, no térreo. Um erro como esse não seria admitido num teatro dessa época, por mais tosca que fosse a cultura arquitetônica de quem o projetou.

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Outro exemplo nesse sentido é o mezanino, onde fica evidente que, num determinado ponto, as esquadrias estão segmentadas. Há uma série de incongruências entre a altura do forro atual e as esquadrias externas – o que dá a idéia de que o mezanino teve um pé direito muito mais alto do que o atual. Ainda outro exemplo é a inclinação do balcão da platéia – área que está sobreposta ao mezanino. O restante da platéia, a qual ia desde as portas de entrada até o palco, era plana. Pergunta-se então: por que ter um balcão inclinado e a platéia plana? No final, restaram perguntas sem resposta, que põem em dúvida determinados aspectos da atual configuração do teatro remanescente, sem que tenha sido possível obter constatações. Emerge aqui uma importante premissa de trabalho: a de que o restauro termina onde a suposição começa. Na nossa tradição ocidental de preservação, em caso de dúvida o correto é não fazer, porque então se estaria operando uma invenção e não um restauro. Essa premissa delimitou, no Paramount, a transposição das dúvidas acima apontadas para as decisões de projeto. O que foi feito resultou especialmente dos levantamentos e prospecções do edifício. O que não foi possível constatar, mas foi imprescindível refazer, foi suposto, a partir da teoria do projeto clássico. A restauração é sempre uma intervenção radical que significa uma possibilidade de mudança e alteração no artefato, razão pela qual não é essa a melhor forma de manutenção de um bem cultural. Sempre que possível, a restauração deve ser evitada. A melhor forma de manutenção de um artefato de valor histórico e cultural é sua conservação. O que mantém um bem preservado é seu uso correto. Um artefato - dentre eles os edifícios - se deteriora sempre que super ou sub utilizado. É o uso adequado e a restituição do edifício histórico à vida que irão preservá-lo, que alongarão sua existência e integridade material.

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É preciso ainda considerar que a natureza específica desse bem determinou uma escala de flexibilidade nem sempre possível ou desejável nos trabalhos de restauro. O restauro da fachada e do foyer do Teatro Paramount não foi um restauro arqueológico. Este artefato é produto da era industrial - mesmo quando consideramos nosso descompasso com o mundo europeu no final da década de 20 - e, portanto, tem características muito diferentes de uma ruína romana ou grega, ou ainda da arquitetura de terra ou pedra e cal de nossa herança colonial. Essa flexibilidade, que determinará posturas e procedimentos menos ortodoxos é, contudo, limitada por toda a teoria de preservação e pelo “espírito de conservação” que devem assumir os autores. 61


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Durante os trabalhos de projeto, e mesmo durante a obra do Paramount, houve um inter-relacionamento intenso entre as duas equipes de projeto de arquitetura e todos os outros projetistas das instalações complementares, tais como estrutura, ar condicionado, acústica, prevenção e combate a incêndio, cenografia, instalações hidráulicas e elétricas, luminotécnica, programação visual, interiores e outros. Isso aconteceu, em primeiro lugar, porque a restauração tinha de acomodar a demanda técnica da parte nova do edifício. Em segundo, porque a arquitetura nova e a antiga deveriam ser integradas, sem que houvesse dissolução da continuidade. Era preciso amenizar o impacto da transição de uma arquitetura de caráter histórico para uma arquitetura completamente nova. Não se deveria fazer uma platéia nova imitando a parte antiga, o que constituiria uma falsidade no mesmo tempo que não se poderia criar ambientes tão contrastantes que acabassem ocasionando uma situação de estranhamento ao usuário. Assim, adotou-se como partido geral que a passagem de um ambiente para outro deveria ter uma continuidade, sendo as soluções de projeto discutidas em função de algumas exigências de harmonia que não poderiam ser rompidas. Contudo, essa integração foi obtida mais pelo tratamento cromático do que pelos elementos decorativos, ou arquitetônicos. A gama de cores que foi utilizada no espaço da platéia está relacionada com a gama de cores do foyer. A certa altura, as soluções do espaço novo apresentavam um sistema cromático autônomo, que foi alterado com o descobrimento das pinturas originais e com o desenvolvimento dos trabalhos de sua reconstituição. Uma dessas decisões centrais foi alterarse a cor do carpete, que permitia maior variação, optando-se pelo bordô como tom predominante, que também é o tom de fundo das pinturas do foyer. As demandas técnicas também foram equacionadas, optando-se por concentrá-las, sempre que possível, na parede que faz divisa entre os espaços de duas idades. Esta parede 62


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apresentava maior grau de alterações, comparada com as demais, e também apresentava o maior número de elementos decorativos faltantes. Pelo seu estado de conservação e pelas suas alterações, seria mesmo necessário inferir algumas dessas soluções pelos critérios globais de tratamento dos espaços presentes no teatro remanescente, buscando a homogeneidade, mas também correndo o risco de falsear a realidade.

A circulação de acesso à platéia, com os seus dispositivos de segurança e anti-pânico, foram estrategicamente posicionadas nessa parede divisória entre a obra velha e a nova, transversal à entrada do teatro, assim como os acessos aos banheiros e as aberturas necessárias ao funcionamento do bar. Nessa parede de transição, também estão colocadas a maioria das grelhas de entrada e saída do ar condicionado, posicionadas entre as molduras dos painéis de pintura decorativa e os arremates de início de forro. Ela funcionou assim como um efetivo elemento de transição entre os espaços de duas idades históricas. 63


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Foi também nessa parede que constatamos as alterações de espaço mais significativas. Ela sofreu acréscimos, invadiu a seqüência de colunas e cobriu áreas consideráveis de piso e forro originais, alterando e deteriorando elementos decorativos e a paginação da decoração pictórica. O partido de sua recomposição foi referenciado, como já se afirmou, nas teorias clássicas de projeto, em voga na época, e que certamente influenciaram o autor do projeto original, operando-se assim por eixos e simetria para restituir o ritmo, equilíbrio e harmonia do espaço. As retiradas de parede e elementos reservaram surpresa agradáveis, pois essas suposições de projeto foram confirmadas pelos elementos encontrados por sob as alvenarias.

Retornando um pouco ao padrão de decoração do teatro, é preciso registrar que um observador desatento sentirá uma certa estranheza quanto ao padrão de cores violentas e dourações e quanto à peculiaridade de suas figuras decorativas. 64


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Seus motivos decorativos evocam a atividade teatral: ao invés de ter-se os motivos tradicionais dos capitéis – dórico, jônico, coríntio, toscano, etc – temos máscaras. Observando a fachada, embora existam colunas, bases e pilastras, que são elementos decorativos da linguagem clássica, notam-se dois painéis escultóricos com motivos relacionados à música e à dança, entre eles, uma lira decorada com a figura de uma carranca. É curioso ver isso num edifício em que a atividade principal não é o teatro, mas o cinema: é o que na época se chamava cine-teatro. Esse é, pois, um tipo de arquitetura que está transitando entre a forma tradicional do teatro e a então nova forma de arte: o cinema.

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Os trabalhos de recomposição de pisos também merecem um registro especial. Aqueles do térreo do foyer, incluindo suas escadarias com os elegantes degraus de convite, foram preservados e recompostos em mármore original italiano de Carrara. Para tornar essa recomposição possível, foi necessário desmontar-se as escadas de acesso da rua ao edifício, bastante danificadas, re-utilizando-se essa matéria prima. Elas foram recompostas em mármore branco nacional, de jazidas mineiras, o mais próximo possível ao mármore italiano original. Critério análogo foi adotado para o piso do mezanino, encontrado em taco de madeira, numa evidente alteração (outro indício de que o mezanino foi posteriormente alterado). Seu piso foi refeito com esse mármore nacional, no mesmo padrão geométrico do térreo, objetivando-se a reconstituição da unidade estética. Os pisos das calçadas também merecem comentários, pois a única referência sobre sua constituição veio dos textos sobre sua inauguração, na revista do cinema. Sabia-se ser de mosaico, mas sem maiores referências de cor ou geometria. Optou-se, então, pela neutralidade, adotando-se um mosaico português preto contínuo, sem desenhos, em toda a extensão da calçada. Essa referência histórica também possibilitou um destaque da monumentalidade do edifício quando composta com sua cor de fachada em tom de amarelo. O edifício ganha, assim, altura quando observado. Questão polêmica nos meios preservacionistas é a presença da iniciativa privada em obras de restauro e preservação do patrimônio histórico. É difícil desvinculá-la da imagem de vilã que adquiriu, particularmente por sua ação predatória através da especulação imobiliária, que tem feito perder-se exemplares dos mais significativos para a formação de nossa identidade. A forte dinâmica urbana de São Paulo e a destruição de sua memória é um clamoroso exemplo dessa ação, que enche de receios aqueles que dedicaram a vida à causa da preservação. 66


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Contudo, há que se considerar que os tempos são outros, e que não existem apenas especuladores no meio empresarial. Hoje o Estado não tem mais o fôlego para arcar sozinho com os custos da preservação. Aliás, sabemos que o estatuto do tombamento, que defendemos ardorosamente, é um mal necessário e está longe de se constituir como a forma ideal de preservação cultural. Os próprios órgãos preservacionistas, criados para intervir diretamente nos processos de preservação e restauração, adquirem hoje um papel mais normativo e fiscalizador, delegando à sociedade a efetiva intervenção em determinados bens culturais. As mudanças na legislação, as atribuições e poderes novos gerados pela Constituição ao cidadão e à chamada sociedade organizada e os atuais movimentos populares de defesa e preservação patrimonial e de qualidade de vida são exemplos desses novos tempos. 67


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Mas aqui, trata-se de um bem de propriedade privada tombado que tem seu uso mantido e foi restaurado e restituído à vida pela ação total da iniciativa privada. Ë que a iniciativa privada despertou para o fato de que o bem de interesse cultural também é um negócio e tem valor econômico agregado. Se assim não fosse, não se teria investido 12 milhões de reais no restauro de um edifício com um comodato de 10 anos. Talvez sujeitando-me à ira dos deuses, é preciso dizer que se essa obra tivesse sido conduzida pelo Estado, certamente teria durado e custado muito mais. Há que se destacar também o respeito profissional, do qual é preciso que se registre testemunho, mantido pelo contratante para com os arquitetos e demais técnicos, certamente superior ao que se teve em outras ocasiões pelo Estado. O poder profissional de decisão esteve sempre preservado, o que no Estado torna-se muito mais difícil, pela sua hierarquia e impessoalidade de poder e pela lerdeza da máquina Estatal. Hoje a iniciativa privada deve ser mais fortemente incorporada como promotora da preservação do bem cultural.

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Por outro lado, é também preciso constatar que nem sempre a iniciativa privada, e nela os profissionais arquitetos de mercado, estão preparados para a intervenção de preservação e restauro. Os especialistas, com longas e árduas formações, estão em sua esmagadora maioria alocados nos órgãos públicos, até porque a atitude de preservação historicamente se coloca como oposição à livre iniciativa. Esses cada vez mais são mediadores, normatizadores, e fiscalizadores, e não interventores. Cabe assim um papel especial às instituições de ensino, na tarefa de formação e qualificação de profissionais para a área de conservação, preservação e restauro, que além das posturas tradicionais e necessárias de defesa, também disponham de instrumentos e competência para a intervenção efetiva no processo pelo projeto e pela direção de obra. Deve-se finalmente considerar que as mudanças significativas, tais como deslocar a enfoque de preservação da obra isolada para o meio urbano e a cidade como um todo, e as novas temáticas da arquitetura, estão a valorizar e aumentar a demanda pelo trabalho na área. Nesse sentido, a grande temática desse início de século 21, do ponto de vista da arquitetura e do urbanismo, é a requalificação dos espaços e preservação da qualidade de vida. Não vamos mais fazer cidades novas. Vamos ter que trabalhar re-qualificando os espaços existentes com a consciência da sua importância. Nessa medida, o trabalho de preservação começa a ser cada vez mais solicitado. É o escopo desse contexto que motivou e justificou o registro e proposição desse relato, que espero possa contribuir como modesta referência para o ensino de técnicas retrospectivas no país.

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LEGENDAS DAS FIGURAS FIGURA 01: Vista parcial da fachada restaurada. FIGURA 02: Vista do foyer restaurado – destaque-se a presença dos lustres restaurados de cristal belga, o esquema cromático e a paginação do piso de mármore de Carrara italiano. FIGURA 03: Pormenor da representação das carrancas dos capitéis com decoração cromática ao fundo – desenho do projeto de execução. FIGURA 04: Croquís do levantamento métrico arquitetônico: porta de ferro de entrada no vão menor – desenho dos arquitetos. FIGURA 05: Croquis do levantamento métrico-arquitetônico: pormenor da constituição das portas dos janelões de madeira da fachada – desenho dos arquitetos. FIGURA 06: Vista parcial da fachada antes do restauro – figura do levantamento fotográfico sistemático. FIGURA 07: Desenho da fachada – levantamento métricoarquitetônico. FIGURA 08: Foto histórica do Cine-teatro Paramount – fachada em 1963 – fonte: jornal “O Estado de São Paulo”. 70


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FIGURA 09: Vista da platéia e palco re-configurados. FIGURA 10: Decapagem das figuras decorativas do mezanino – arqueologia de superfície. FIGURA 11: Faixas estratigráficas. FIGURA 12: Decapagem de figura decorativa do foyer no térreo. FIGURA 13: Decapagem das carrancas e colunas: arqueologia de superfície. FIGURA 14: Execução da pintura de recomposição dos elementos cromáticos decorativos – pormenor de aplicação das máscaras. FIGURA 15: Desenho de planta do mezanino com a solução de recomposição do espaço. FIGURA 16: Desenho de corte do espaço recomposto com paginação dos elementos decorativos. FIGURA 17: Vista de painel decorativo recomposto no mezanino com destaque para o restauro do “testemunho” na área central. FIGURA 18: Vista interna do bar, na “parede de transição” – destaque para a iluminação embutida que evita ofuscamento e não interfere na leitura do espaço restaurado. FIGURA 19: Alto relevo alegórico à dança em fase de tratamento e limpeza, preliminares à recomposição. FIGURA 20: Degrau de convite da escadaria na etapa de polimento do piso. FIGURA 21: Pormenor da carranca e colunas restauradas. FIGURA 22: Vista da fachada restaurada, já como Teatro Abril, com iluminação artificial. FIGURA 23: Vista do foyer restaurado, a partir do patamar da escada.

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BIBLIOGRAFIA: “Broadway made in Brazil: recém inaugurado, o velho cine-teatro Paramount, em São Paulo, renasce como Teatro Abril restaurado e reformado para sediar grandes musicais” – matéria especial de Lara Braun sobre o Teatro Abril publicada no “Tecto: portal eletrônico de arquitetura, decoração e construção – www.tecto.com.br” - seção de arquitetura, página de reportagens, em 21 de abril de 2001. “Teatro histórico é remodelado para receber modernas instalações: grandes musicais são o foco principal da casa de espetáculos” – matéria publicada na revista “Projeto/ Design: arquitetura, design & interiores” publicação mensal da Arco Editorial Ltda – nº 256, junho de 2001, pp. 42 a 49. ARGAN, Giulio Carlo, 1984. Storia dell’arte come storia della città - Roma: Ed. Riuniti. GALLO, Haroldo, CARRILHO, Marcos e MAGALHÃES, Fernanda . O trabalho de restauro em arquitetura. pp. 108 a 137 In; Vários autores. Um século de luz – São Paulo: Scipioni, 2001. (Coleção Mosaico, ensaios e documentos). IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Brasil), 1995. Cartas Patrimoniais - Brasília: IPHAN, (Cadernos de Documentos nº 3) LEMOS, Carlos A.C., 1981. O que é patrimônio histórico - São Paulo: Brasiliense. MOTTA, Lia e RESENDE SILVA, Maria Beatriz (org.), 1998. Inventários de identificação: um programa da experiência brasileira - Rio de Janeiro: IPHAN. OLIVEIRA, Franklin de, 1967. Morte da Memória Nacional - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. RUSKIN, John. The Seven Lamps of Architecture - London: Century Hutchinson Ltd., 1988 SILVA BRUNO, Ernani. Histórias e tradições da cidade de São Paulo – São Paulo: Hucitec/Secretaria Municipal de Cultura, 1984. (3 volumes) 72


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SIMÕES, Inimá. Salas de cinema em São Paulo – São Paulo, PW/SMC/SEC, 1990. VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauro - in; Pretextos série “b” número “1” - Salvador: Mestrado em Arquitetura e Urbanismo/ UFBA.

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“Em busca do tempo perdido: a inclusão social e o ensino de arquitetura e urbanismo.” Prof. Dr. Wilson Ribeiro dos Santos Junior Coordenador de Curso da FAU PUC-Campinas - Formação básica : Arquiteto e urbanista - Titulação acadêmica: Doutor - Atividade que exerce: Coordenador de Curso Instituição: FAU PUC-Campinas e-mail: fau@puc-campinas.br / ccfau@puc-campinas.br

A construção de uma sociedade democrática e igualitária como condição para a superação do atraso e da miséria social reafirma-se como um compromisso prioritário na extensa agenda das transformações urgentes e necessárias para o pleno exercício da cidadania em nosso país. Esta construção pressupõe, na essência, o reconhecimento e o direito às diferenças, a distribuição dos benefícios do desenvolvimento material e a conquista de padrões de qualidade de vida compatíveis com as necessidades humanas atuais. Nas últimas décadas, ocorreram em nosso país importantes mudanças políticas – o fim do regime militar repressivo e autoritário, a retomada das eleições diretas, a Constituinte de 1988, as eleições diretas, etc. - e econômicas - o propalado “milagre brasileiro” dos anos 70, a chamada “década perdida” dos anos 80 e a sucessão de planos de estabilização econômica, entre outras, com profundas repercussões na estrutura social. Porém, o país que emergiu dessas transformações apresenta um cenário dramático em que uma das maiores concentrações de renda do mundo combina-se com a ampliação progressiva das desigualdades sociais. A transferência de população do campo para a cidade, ocorrida neste contexto veio promover um crescimento extraordinário em torno dos grandes centros, onde, nas condições existentes de miséria e exclusão social, eclodem, no espaço urbano, 74


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problemas de toda ordem. A contribuição do ensino e notadamente, da Universidade – enquanto núcleo de produção de novos conhecimentos, pesquisas e tecnologias de aplicação e alcance social – no enfrentamento destas questões vem se dando de modo rarefeito, e muito aquém de suas possibilidades . O crescimento exponencial do número de cursos e Universidades nas últimas décadas, patrocinado majoritariamente por empresas educacionais sem compromisso social - à exceção das universidades públicas, confessionais e comunitárias - aliado à ausência de um debate e avaliação de padrões de qualidade do ensino oferecido cooperaram efetivamente para a ruptura da interlocução da Universidade com a sociedade, comprometendo a formação acadêmica e profissional de uma geração de estudantes. Apesar do inconformismo e espírito de luta que marcaram estudantes, professores, servidores e demais segmentos integrados à Universidade em nosso país, as dificuldades interpostas ao livre debate e às atividades associativas durante o longo regime militar resultaram no esgarçamento de uma desejada relação entre a produção de novos conhecimentos e tecnologias no âmbito acadêmico e sua apropriação social . Tornaram-se diluídos de maneira significativa, em que pesem algumas exceções neste processo, os laços de conexão das instituições de ensino com os temas, reflexões e demandas apresentadas pela crescente complexidade de nossa sociedade assim como a interação contínua do universo profissional com os rumos da formação escolar. Neste contexto, também no ensino de arquitetura e urbanismo a ausência de foco nas dimensões sociais - com graus variados do ponto de vista teórico-conceitual, da atualização tecnológica e da atuação prática - acabou por tornar episódica a contribuição das escolas existentes no sentido de oferecer à sociedade um campo de reflexão, debate e busca de soluções para problemas pertinentes à área de atuação 75


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profissional. Nas últimas décadas, desafios de geometrias variáveis em escala e complexidade, resultantes das demandas progressivas colocadas pela realidade do país, vêm sendo colocados para a Arquitetura e Urbanismo. Ao aumento vertiginoso da concentração urbana, à escala de ocupação do território nacional e à degradação da vivência coletiva ,sublinhada pela extrema concentração da riqueza e pela ampliação da exclusão social, vêm correspondendo crescente solicitação de novas soluções projetuais e tecnológicas para setores estruturais como moradia, espaços públicos de qualidade, infra-estrutura urbana, saneamento básico, abastecimento energético, preservação e manejo do meio ambiente. A recuperação, com pleno acesso, do espaço público das grandes cidades como o espaço democrático , do convívio, da explicitação das diferenças, da solidariedade humana constituese um dos nossos maiores desafios neste começo de século. A significação cultural da Arquitetura e do Urbanismo permite ampliar os efeitos demonstrativos das obras realizadas nas grandes cidades revelando o potencial pedagógico e de construção de cidadania ao introduzir novos e adequados conceitos de vivência urbana e novas condições de habitabilidade e acessibilidade dos edifícios. A luta pela construção de uma sociedade democrática requer portanto, do ensino de Arquitetura e Urbanismo, o compromisso com a busca de soluções projetuais e construtivas capazes de atender às demandas coletivas e, ao mesmo tempo, as específicas dos grupos que apresentam necessidades especiais. Para retomar o tempo perdido é importante incorporar e inscrever a busca da superação das diversas formas de exclusão social no bojo da implantação das novas diretrizes curriculares para o ensino de Arquitetura e Urbanismo no país, visando um novo parâmetro de ensino que embase uma 76


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atuação profissional crítica e criativa preocupada em equacionar, de um ponto de vista inclusivo, a organização do espaço urbano e regional e apresentar soluções arquitetônicas e urbanísticas aos problemas existentes. Assim é fundamental que sejam introjetados nos diversos âmbitos da atividade escolar , sejam disciplinas, atividades de pesquisas e projetos de extensão, a preocupação ética e os conteúdos necessários para a busca de soluções adequadas às necessidades especiais de grupos diferenciados tanto do ponto de vista dos assentamentos habitacionais como nas as diversas escalas de participação no meio urbano. Para enfatizar a importância da sensibilização e conscientização das novas gerações de profissionais quanto aos temas e procedimentos vinculados à acessibilidade e à inclusão social nos projetos pedagógicos bem como seus reflexos nas práticas formativas cotidianas dos cursos de Arquitetura e Urbanismo o atendimento aos mesmos poderá se constituir num importante indicador nos processos avaliativos que estão sendo implantados na área , seja através de instrumentos como o Exame Nacional de Cursos, vinculados ao Ministério de Educação ou avaliações complementares promovidas por Conselhos e entidades profissionais. O estudo , a pesquisa e a busca de soluções para os agudos problemas decorrentes da exclusão social certamente irá contribuir para a qualificação dos novos arquitetos e urbanistas tornando –os capazes de ampliar as fronteiras de atuação e de restabelecer plenamente o compromisso social da profissão.

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Uma abordagem dos aspectos didáticos voltados para o Patrimônio Histórico Profa. Carla Machado Thomazella Formação Básica: Arquiteto Urbanista Titulação: Mestranda do IFCH – UNICAMP Atividade: Professora Instituição: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Metodista de Piracicaba email: carlatho@zaz.com.br

Resumo: O presente trabalho busca demonstrar como a disciplina Técnicas Retrospectivas, oferecida pela FAU – UNIMEP, dialoga com o conteúdo contido nas ementas institucionais, as práticas – pedagógicas, vinculando-as com as demais disciplinas. Indica, neste sentido o caminho que traçamos através da noção de Patrimônio Histórico Artístico – Ambiental, o qual busca contribuir por uma melhor preservação do nosso habitat, e por uma melhoria da qualidade de vida urbana. Aponta também, a possibilidade de desvendarmos objetos arquitetônicos caracterizados enquanto bens culturais, em uma região que convive no seu cotidiano, com uma constante mutilação da sua paisagem construída, impulsionada por uma urbanização desenfreada. “A estudante de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Carolina Marinho Bastos, defende a utilização do prédio da antiga S. A Têxtil Nova Odessa (Satno) como um “ponto irradiador de vida” no Centro da Cidade. A defesa da aluna da Unimep, que mora em Nova Odessa, é feita por meio do seu trabalho de conclusão na Universidade. Segundo Carolina, o valor do imóvel não está na concepção arquitetônica, mas no espaço físico, que guarda lembranças das relações desenvolvidas em seu interior. Hoje no prédio funciona uma cooperativa que fica ao longo de 500 metros na avenida Carlos Bothelho. A estudante afirma buscar 78


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no imóvel um elo com o passado, pois por meio de estimulação do uso do espaço os sentimentos seriam revividos. “A população só cuidará da cidade se fizer parte dela”, pregou. A aluna do curso de Arquitetura e urbanismo decidiu focalizar seu estudo em cima do prédio, depois de verificar um “buraco” na história da cidade na década de 70. “Foi ai que entrou a empresa têxtil” revelou” 1

As palavras da estudante Carolina, mostram a preocupação que a FAU-UNIMEP, encontra no seu cotidiano acadêmico com a região na qual a escola está inserida. A paisagem urbana que nos circunda é constituída de fragmentos que revelam aos nossos olhos a constante construção – reconstrução de objetos construídos. Esta prática não é um fenômeno recente, mas foi, na medida do tempo, subsidiada por uma rápida e desenfreada urbanização, decorrente do processo de industrialização e de especulação fundiária que as cidades do interior do Estado de São Paulo sofreram nas últimas décadas. Atualmente o debate oriundo desta falta de cuidado com as nossas cidades, pode ser encontrado não só no elenco das disciplinas que envolvem o nosso meio acadêmico, mas também na mídia local, e em algumas iniciativas de ordem pública e privada, incluindo autores – arquitetos, historiadores, geógrafos, sociólogos, etc, que buscam nos alertar da importância da manutenção física da cidade: “Buscar a evolução urbana, via descrição física da cidade, torna-se uma viagem frustrante , quando ao lado de textos, saímos à procura dos elementos materiais em conjunto que permeiam a percepção do passado.”2

Esta “viagem” que nos relata Raquel Glezer, em se tratando da cidade de São Paulo, pode provocar uma indução de iniciativas e procedimentos que nos auxilia a frisar o conteúdo presente em “Técnicas Retrospectivas”, alicerçada em um 79


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debate que busca mostrar a importância de mantermos na materialidade urbana elementos arquitetônicos que possam contar um pouco do nosso percurso histórico. Portanto, o presente trabalho busca contribuir para este mesmo debate, demonstrando o nosso caminho didático – pedagógico que percorremos ao longo de um semestre, vinculando-o com as demais disciplinas existentes no nosso meio acadêmico. Sendo assim, a disciplina Técnicas Retrospectivas oferecida pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Metodista de Piracicaba, está alocada atualmente no oitavo semestre. Os alunos que encontramos em sala de aula já percorreram nos semestres anteriores, disciplinas as quais tangem no seu conteúdo os fundamentos, a História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo, incluindo as técnicas construtivas vinculadas ao contexto Brasileiro e Internacional. Todavia, a ementa a qual consta em nossos documentos acadêmicos nos traça o caminho a seguir balizados pelas Cartas de Restauração, incluindo o papel jurídico dos agentes públicos e privados, os quais visam a preservação – manutenção do Patrimônio Histórico Cultural. Além do mais, incorpora no âmbito da disciplina o Patrimônio Ambiental, trazendo assim questões que contemplam as atuais preocupações com uma constante melhoria da qualidade de vida, na qual o habitat humano e as suas relações de identidade coletiva são fatores essenciais no mundo contemporâneo. Nestes mesmos documentos, encontramos os objetivos com os quais a disciplina deverá dialogar, nos conduzindo assim, a criarmos práticas pedagógicas que visam inventariar – documentar conjuntos arquitetônicos – elencar outros - incluindo a técnica construtiva utilizada – buscando dar-lhes “valores” através de uma interpretação projetual. 80


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Estes procedimentos possuem na sua base teórica a intenção de formar um repertório, possibilitando assim ao futuro arquiteto, propor uma intervenção prática mais coerente e crítica, subsidiando um estudo de caso, relacionando-o com o seu entorno. Neste sentido, a disciplina Técnicas Retrospectivas dialoga no seu conteúdo didático a linguagem arquitetônica e urbanística ocorrida em vários momentos históricos. Neste momento, um especial olhar se volta para o contexto brasileiro, envolvendo a Arquitetura Brasileira, entrelaçando-a com a noção3 de Patrimônio Histórico. Para tanto, convidamos os nossos alunos a refletirem sobre as verbetes: Patrimônio, Histórico, Cultura, encontradas no próprio dicionário4 da língua portuguesa. Interpretando estas noções, abrimos um debate que nos leva a sublinhar que Patrimônio Histórico Cultural seria: a herança que nos é legada, a qual pertenceu a um outro momento temporal. Portanto, este dialogo inicial que buscamos elencar, desvenda aos olhares dos nossos alunos a paisagem natural, a paisagem construída, os modos e maneiras de uma determinada sociedade inseridos nesta mesma paisagem, as suas expressões artísticas, a música, os rituais, a culinária, etc...; conduzindo assim os nossos alunos a valorizarem – imaginando que esta herança poderia se referir – materializando –se em bens5 moveis e imóveis e ambientais. Neste sentido, enfatizamos que a noção de Patrimônio Histórico Cultural, entrelaça-se com a de: cidadania, simbólico, afetividade, pois a própria discussão oriunda destas noções nos conduz a reforçar que preservar significa traduzir : as características comuns de uma sociedade representada6 nas suas expressões artísticas, permitindo assim ao cidadão comum não só reconhecer-se com o mundo no qual ele vive, mas também permitir que esta mesma sociedade transmita para as futuras gerações estas expressões culturais. 81


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Para tanto, retomamos uma discussão fundamentada no conceito de Restauração 7 e no constante debate da necessidade de inventariar, de manter o Patrimônio Construído, como também a Paisagem Natural. Esta discussão tem como objetivo introduzirmos a Carta de Atenas8 , e como a Cidade Funcional9 promulgada pelo CIAM, dialogava com o elemento urbano, constituído enquanto Patrimônio Histórico e seu entorno. Para tanto se torna importante aqui lembrarmos: “A Carta de Atenas, visando discutir uma nova arquitetura e um novo urbanismo, renega a herança do passado. Os monumentos históricos seriam conservados quando não contrariassem as novas posturas em relação à higiene, salubridade e circulação. Grande parte do tecido urbano e de edifícios passados estavam condenados à demolição. Em alguns de seus tópicos é discutido o papel do patrimônio histórico e é reconhecida a importância, responsabilidade e obrigação de transmitir para o futuro os valores arquitetônicos de gerações precedentes, desde que a sua permanência: seja de interesse para a cidade; não implique sacrifício das populações carentes; não interfira em uma melhor circulação. Exceção aos “obstáculos”, caso em que outras soluções para a circulação deveriam ser buscadas. Se o monumento se situasse em área com construções degradadas ao seu redor, essas edificações deveriam ser removidas mesmo em detrimento da ambiência do monumento. Condenavase, ainda, veemente o uso das estilos “históricos” para novas construções.”10

Na Cidade Moderna11 , as noções de circulação e de uma maior concentração da densidade urbana, deveriam permear a concepção da paisagem construída e do traçado urbano, indiferente à sua localização e de seus referenciais urbanos anteriormente estabelecidos.

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Neste sentido, lembramos e discutimos com os nossos alunos, que este mesmos argumentos contribuíram para a demolição de inúmeros objetos construídos, seja no contexto nacional12 , como no internacional13 . Enfatizamos também que os danos causados pela rápida mecanização14 da vida humana, pela urbanização desenfreada, incluindo aqui as cicatrizes deixadas pelas grandes guerras mundiais, foram se consolidando em debates15 e iniciativas que buscavam discutir o Centro Histórico, a preservação e os princípios conceituais e técnicos para efetua-los. Todo este percurso conceitual elaborado a partir da noção de Patrimônio Histórico Cultural, voltado para a História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo, nos auxilia a compor junto ao aluno o processo da política de preservação no contexto internacional e principalmente no nacional. Portanto, neste percurso abrimos a discussão do quanto difícil é definir regras universais que visam gerenciar o ato de preservar, e como faze-lo. E que a síntese dessas mesmas discussões e documentos encontramos registrado no documento intitulado: A Carta de Veneza16 . “A Carta de Veneza surgiu no contexto desses debates, sendo resultado de um Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos realizado em Veneza, em Maio de 1965. Redigida e aprovada na forma de dezesseis artigos, a carta foi adotada pelo ICOMOS em 1965.”17

Relacionando a noção de monumento histórico à criação arquitetônica, a Carta de Veneza estende esta noção não só às grandes obras arquitetônicas, mas também às obras modestas, possuidoras de uma relação cultural com a comunidade que a circunda, seja ela urbana ou rural.

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Inclui a presença de outras disciplinas as quais estariam envolvendo-se e discutindo o próprio elemento arquitetônico – patrimônio, e os meios técnicos necessários para a sua preservação. Realça a importância de uma discussão ampla a nível internacional e nacional sobre o Patrimônio Histórico Artístico, mas delega aos países, a cada lugar, dar ênfase e aplicar os conceitos teóricos e práticos referentes ao Patrimônio Histórico, relacionandoo ao seu contexto cultural e as suas próprias tradições. Neste sentido, enfatizamos que as noções de Preservação, Restauro, Revitalizações, deixam de fazer parte de um vocabulário de uma ou outra atividade especifica, ou de temáticas de pesquisa propriamente dito, para se tornarem objetos de analise, propostas de intervenções práticas, mais presentes na formação de futuros profissionais, incluindo o arquiteto urbanista, o qual tem como atributo 18 e responsabilidade o habitat humano. Sendo que estas mesmas noções, citadas acima, estão fundamentadas no contexto histórico, na leitura da paisagem construída e natural, na interpretação da linguagem arquitetônica, no sistema construtivo utilizado aqui ou acolá, por engenheiros, arquitetos, construtores de época, e que a valorização desta temática contribui em esforços para garantir a um monumento, edifício, conjunto urbano, a sua perenidade e transmissão para futuras gerações, sem esquecermos de uma melhora efetiva da qualidade de vida urbana, fundamentada numa relação de identidade com o espaço urbano. A partir do conjunto destas interpretações, abrimos praticamente um segundo momento dentro da disciplina, o qual parte da leitura e analise de exemplos de intervenções projetuais em objetos construídos. Este mesmo percurso é percorrido em sala de aula, e na medida do possível em visitas ou viagens programadas. Sendo assim, e a título de exemplo podemos citar alguns dos exemplos que utilizamos em sala de aula: Sesc Pompéia, 84


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obra de Lina Bo Bardi; O restauro da estação ferroviária da cidade de Bananal, o restauro – requalificação do Mercado da cidade de Recife; A fazenda Santa Maria na cidade de São Carlos, a revitalização da Praça da Liberdade em Belo Horizonte, etc. As visitas ou viagens programadas que ocorrem, junto a disciplina Técnicas Retrospectiva, vão de encontro com o conteúdo ministrado em sala de aula, objetiva-se com esta prática didática – pedagógica, ampliar – materializar mais facilmente, aos olhos dos nossos alunos, possibilidades concretas, bem como termos um constante debate que busca a manutenção do nosso Patrimônio Cultural Artístico e Ambiental. Estas visitas que organizamos não se limitam somente a esta disciplina, elas ocorrem na realidade ao longo da formação do aluno, envolvendo temáticas e disciplinas variadas, tais como: Percepção e Representação das Formas, História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo, Meio Ambiente e Paisagem, Arquitetura Brasileira, Projeto Arquitetural, Planejamento Urbano, etc. Devido ao fato da disciplina Técnicas Retrospectivas estar alocada no nono semestre, percebe-se junto a estes alunos a formação de um repertório absorvido ao longo de sua permanência na escola, o qual é ampliado com as nossas visitas, extrapolando assim os referencias encontrados no nosso próprio entorno de interior do Estado, ou em uma bibliografia especializada. Esta didática também nos auxilia a demonstrar junto ao aluno as diferenças entre as técnicas e práticas frente as noções de Restauro e Revitalização. Nos auxiliando também a enfatizar a importância da interdiciplinidade que constitui a prática destas mesmas propostas frente a cada objeto de estudo, incluindo as obras de arte, como também o envolvimento da comunidade - o futuro usuário. Pois, como introduzimos nas primeiras páginas deste trabalho, o que rege a noção de Patrimônio Histórico é o presente que dialoga com o passado, buscando conhece-lo, 85


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contextualizando-o, dando–lhe valor através da Arquitetura e Urbanismo, para que este ou aquele objeto – conjunto arquitetônico – ambiental possa ter uma vida mais longa, possibilitando as futuras gerações, identificarem-se, apropriarem-se, usufruírem das expressões artísticas e culturais que o passado e o presente vivenciaram. Assim, já se tornou comum ouvirmos em sala de aula, por parte dos alunos a seguinte exclamação: “Mas .... junta tudo!”..... Além do que, estas mesmas visitas possibilitam a formação de uma documentação – acervo, que estamos arquivando – elaborando junto ao nossos laboratórios, e ao Escritório Modelo. Acervo que documenta - organiza um inventário de sítios, buscando interpretar as relações existentes no habitat humano, e que volta à sala de aula em forma didática – pedagógica. Dentro desta perspectiva, que busca reforçar e construir “novos olhares” sobre o Patrimônio Histórico e suas relações com melhoria na qualidade de vida; se torna relevante aqui lembrar que disciplina Técnicas Retrospectivas convida o aluno a escolher um tema – um lugar – um objeto construído, por livre iniciativa. Contrapondo, colocamos deste o início elementos urbanos, os quais o aluno deverá evitar escolher, tais como: edifícios religiosos, a casa do Povoador (Piracicaba), o engenho central ( Piracicaba), etc., pois a disciplina julga que, a própria obra arquitetônica, mais o contexto nos quais estes elementos estão inseridos, mais a representação simbólica e afetiva já estão consolidados enquanto Patrimônio Histórico Cultural. Neste sentido, cabe ao aluno “fugir” destes objetos, e buscar outros, os quais estão escondidos pela constante renovação da paisagem construída. Partindo destas diretrizes, o aluno deverá indicar a importância do objeto arquitetônico escolhido, envolvendo–o com o contexto histórico, com o entorno, volumetria, etc. 86


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Justificando os procedimentos adotados na sua proposta, frente as noções que envolvem o Patrimônio Histórico, demonstrandoos através de desenhos – croquis – fotos, e outros meios de expressão – a patologia do edifício – conjunto arquitetônico. A partir destas informações o aluno desenvolve um trabalho, o qual deverá induzir o leitor a descobrir o objeto escolhido e seus pormenores arquitetônicos, para que este mesmo leitor possa compreender o contexto no qual o tema escolhido está inserido, e principalmente compreender a escolha de preservação indicada. O aluno deverá mostrar através de desenhos a proposta projetual para este mesmo objeto. O que mais nos surpreende quando percorremos os trabalhos dos nossos alunos é uma ampla possibilidade de compreensão e valorização do espaço construído. Pois percebe-se a riqueza enquanto linguagem arquitetônica, partido, sistemas construtivos, implantação no lote, traçado urbano, e principalmente novas possibilidades de uso, que se escondem na paisagem urbana contemporânea, promulgada pela constante renovação de emblemas19 que visam a comercialização de inúmeros produtos. E acompanhados destes “novos olhares” sobre as nossas cidades, a “viagem frustrante”20 , que nos alerta Raquel Glezer, se torna em uma viagem instigante. Esta prática pedagógica nos auxilia a desvendar a riqueza e o potencial existentes em nossas cidades de grande porte, e principalmente nas cidades menores localizadas no interior dos Estados Brasileiros. Incluindo neste sentido, o nosso caso específico, pois a FAU-UNIMEP esta situada em Santa Barbara D’Oeste, Estado de São Paulo, cuja paisagem construída foi ao longo do tempo, mutilada pela constante construção – reconstrução de edifícios, sem uma leitura e analise crítica, a qual poderia elencar outros procedimentos frente as edificações, e seu entorno.

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Esta situação encontramos também presente nas cidades mais próximas tais como: Americana, Nova Odessa, Sumaré, etc. Cabe aqui lembrar que na paisagem construída que compõem o conjunto urbano destas cidades, encontramos a presença de objetos arquitetônicos que até recentemente eram poucos valorizados no contexto regional ou nacional, enquanto Patrimônio Histórico Cultural. Assim sendo encontramos: antigas usinas de açúcar, Serrarias, Mercados, o conjunto de edificações que compõem a rede ferroviária, pequenas habitações: as casinhas de porta e janela, etc. Estes objetos edificados praticamente a partir da segunda metade do século XIX e começo do século XX, são o resultado de uma miscegenação dos inúmeros imigrantes que aqui chegaram, de novas possibilidades de mercado e de uma maneira de pensar e racionalizar a arquitetura através de um sistema construtivo, os quais fazem parte do nosso conjunto urbano e ao mesmo tempo do nosso Patrimônio Arquitetural. Esta riqueza é apontada pelos trabalhos dos nossos alunos, seja no âmbito da própria disciplina Técnicas Retrospectivas, seja na continuidade do percurso acadêmico, representado pelo Trabalho Final de Graduação, cujo tema é também de escolha do aluno A título de exemplo podemos citar: “Restauro, requalificação, revitalização do sítio Sertãozinho na cidade de Sumaré”, Camilla Vitti Mariano, Carolina Marinho Bastos, Flávia Luiza Mori, Lúcio Carmona, Moacyr Corsi Jr., Rafael Travassos (2000); “São Roque – Sitio Santo Antônio – proposta de requalificação do espaço”, Fabian G. Alvarez, José Fernando Roma, Mara Simoso, Rafael Bergamasco, Thiago Louveiro, Vivian Lys Reami, etc; ou ainda se referindo as temáticas de TFGs: “Revitalização do Bairro Monte Alegre: projeto da Casa de Cultura “Usina de Artes”, Lúcia Helena Favaro (1998); “Revitalização da Fazenda Rochelle – Pyles, proposta de um 88


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Hotel Fazenda”, Silmara Rossi Benedetti (1999); “Revitalização da Usina São José”, Edson Roberto Malosso (1999); “Centro Histórico de Porto Feliz: valorizando seu patrimônio através do turismo, com intervenção e desenvolvimento no Parque das Monções” Francine Bello Ishizu (2000); “Americana: revitalização de sítio histórico – Carioba”, Samanta Garbi (2000); “Revitalização do Conjunto da Têxtil Bignotto”, Simoni Adelina Furlan (2000); “Ilha do Cardoso – Projeto em núcleo Ambiental”, Luciana Suguinoshita (2000); “Revitalização do Palacete Souza Queiroz” Milena Nazatto (2000); etc. O elenco de professores que constitui o nosso meio acadêmico é formado por: Arquitetos, Historiadores, Engenheiros, Sociólogos, Filósofos, etc, os quais estão em sintonia com a Política Acadêmica21 da Universidade Metodista de Piracicaba, que possui nas suas diretrizes, a preocupação com a construção da cidadania. Além do mais, estes mesmos profissionais estão envolvidos em atividades práticas ou acadêmicas que englobam estas diretrizes, dialogando entre Pesquisa, Ensino e Extensão22 . Absorvendo neste sentido, não só a comunidade que nos circunda, mas buscando devolver a ela profissionais os quais carregam em si a preocupação em contribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária. Portanto, o conteúdo discutido e enfatizado em Técnicas Retrospectivas, vai de encontro com estas diretrizes, pois em se tratando dos fundamentos contemporâneos que tangem a Arquitetura e Urbanismo neste mundo globalizado, os quais partem de um apelo23 constante pela busca de uma melhor qualidade de vida, embuido pelos “direitos culturais” 24 , [...] “fará tanto mais sentido quando mais amplamente estes bens possam ser “lidos” e “apreciados”, por um conjunto de ações que englobam cada vez mais a sociedade como um todo”. [...]25 Tal como, Carolina Marinho Bastos nos lembra: [...] “a população só cuidará da cidade se fizer parte dela” [...]26 , sendo que este seria o caminho esboçado para o [...] “exercício da 89


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cidadania”. [...]27 , e para a formação de profissionais28 criativos, frente a uma realidade urbana tão dilacerada pela constante construção e reconstrução da paisagem construída. Notas: 1 “Especulação destroi perfil dos Centros – Prédios Históricos são descartados para implantação de novos empreendimentos”, Jornal: O Liberal : Americana, domingo 7 de outubro de 2001, p. 6-7. 2 GLEZER, Raquel (1994) “Visões de São Paulo”, Imagens da Cidade – Séculos XIX e XX, BRESCIANI, Stella (org.), São Paulo: AnPuh/São Paulo-Marco Zero,Fapesp, 1994, p. 165. 3 LEMOS, Carlos A C. (1981) O que é Patrimônio Histórico, São Paulo: coleção primeiros passos: editora brasiliense, 1981. 4 Dicionário da Língua Portuguesa – Larousse Cultural (1992) São Paulo: Editora Nova Cultural, p. 842 – 592 – 298. 5 FONSECA, Maria Cecília Londres. (1997) O Patrimônio em Processo, trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/MINC-IPHAN, 1997. 6 ARGAN, Giulio Carlo (1993) História da Arte Como História da Cidade, São Paulo: Martins Fontes. 7 KÚHL, Beatriz Mugayar. (1998) “Notas Sobre a Evolução do Conceito de Restauração” Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo. Reflexões sobre a sua Preservação, São Paulo: Ateliê Editorial: Fapesp: Secretaria da Cultura, p. 179-197, 1998. 8 LE CORBUSIER (1957) La Charte d’Athènes, avec un discours liminaire de Jean Giradoux, suivi de: Entretien avec les édutiants des écoles d’Architecture, Paris: Édition du Minuit, 1957.

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9 HATJE, Gerd (org.) (1982) Diccionario Ilustrado de la Arquitetura Contemporánea, Barcelona: Estudiopaperback: Editorial Gustavo Gili, S. A: 3ª edição revisada, p. 78-80, 1982; e, MERLIN, Pierre & CHOAY, Françoise (1988) Dictionnaire de L’Urbanisme et de L’Aménagement, Paris: P.U.F.: Presses Universitaires de Françe, p. 166, 1988. 10 KÚHL, Beatriz Mugayar (1998) “Da Carta de Restauro de Atenas à Carta de Veneza”, Arquitetura do Ferro e a Arquitetura ferroviária, op. cit., p. 200. 11 BENEVOLO, Leornado; MELOGRANI, Carlo; LONGO, Tommaso Giura (2000) La Proyectación De La Ciudad Moderna; Barcelona: Editorial Gustavo Gili, Col. “GG Reprints”, 2000. 12 PUPPI, Marcelo (1998) Por Uma História Não Moderna da Arquitetura Brasileira, Questões de Historiografia, Campinas: Coleção Pandorra: Pontes: CPHA: IFCH: Unicamp, 1998; e, SANTOS, Afonso Marques dos (1997) “Entre a Destruição e a Preservação: Notas para o Debate”; Memória, Cidade e Cultura, Rio de Janeiro: EdUERJ-IPHAN, p. 15-27, 1997. 13 PUPPI, Marcelo (1998) Por uma História Não Moderna da Arquitetura Moderna, Questões de Historiografia, op. cit.; KÚHL, Beatris Mugayar (1998) Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo, op. cit.; DERIENJ, Jussara da Silveira (org) (1993) Arquitetura do Ferro: Memória e Questionamento: Belém: CEJUR, Universidade Federal do Pará, 1993. 14 BRAHAN, Reyner (1979) Teoria e Projeto na Primeira era da Maquina, São Paulo: Editora Perspectiva, 1979; e, BERMAN, Marshall (1986) Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade, São Paulo, Companhia das Letras, 1986. 91


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15 KÜHL, Beatriz Mugayar (1998) Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo, Reflexões sobre a sua Preservação; op. cit.; FONSECA, Maria Cecília Londres (1997) O Patrimônio em Processo, trajetória da política federal de preservação no Brasil, op. cit.; e, CHOAY, Françoise (2001) A alegoria do patrimônio, São Paulo: Estação Liberdade: Editora da Unesp, 2001. 16 “Carta de Veneza, carta internacional sobre conservação e restauração de monumentos e sítios”(1964) Revista do patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 22, Rio de Janeiro: SPHAN-prómemória, p. 106-107. 17 KÚHL, Beatriz Mugayar (1998) Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo, Reflexões sobre a sua Preservação, op. cit., p. 206. 18 “Diretrizes Curriculares Nacionais Para o Ensino de Graduação em Arquitetura e Urbanismo”, mimeo. 19 RELPH, Edward (1990) A Paisagem Urbana Moderna, Lisboa: col. Arquitectura & Urbanismo: Edições 70. 20 GLEZER, Raquel (1994) “Visões de São Paulo”, Imagens da Cidade – Séculos XIX e XX, op. cit., p. 165. 21 Universidade metodista de Piracicaba (1998) Política de Extensão, Prefácio de Ely Eser Barreto Cersar, Piracicaba: Editora da Unimep, 1998. 22 Ibdem 23 CAUQUELIN, Anne (1992) Essai de philosophie urbaine, Paris: P.U.F.: Presses Universitaires de France, 1992; ARGAN, Guilio Carlo (1993) História da Arte Como História da Cidade, São Paulo: Martins Fontes, 1993; JACOBS, Jane (2000) Morte e Vida de Grandes Cidades, São Paulo: Martins Fontes, 2000. 24 FONSECA, Maria Cecília Londres (1997) O Patrimônio em Processo, trajetória da política federal de preservação no Brasil, op. cit., p. 259. 25 Ibdem

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26 “Especulação destroi perfil dos Centros – Prédios Históricos são descartados para implantação de novos empreendimentos”, Jornal: O Liberal: Americana, domingo 7 de outubro de 2001, p. 6-7. 27 FONSECA, Maria Cecília Londres (1997) O Patrimônio em Processo, trajetória da política federal de preservação no Brasil, op. cit., p. 258. 28 ARGAN, Guilio Carlo (1993) “O espaço Visual da Cidade”, História Da Arte Como História Da Cidade, op. cit., p. 225241.

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Novas Possibilidades à Preservação da Paisagem Urbana e do Ambiente Construído com Aplicação do Estatuto da Cidade Prof. Luiz Alberto Souza Arquiteto e Urbanista. Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Regional de Blumenau – FURB e Doutorando em Planejamento Urbano e Regional no IPPUR/UFRJ FURB- Rua Antônio da Veiga, 140/CCT – Blumenau / SC 0(xx)47-321-0200 e-mail: arqlasouza@aol.com

Introdução Com a recente aprovação da Lei nº 10.257 denominada de Estatuto da Cidade, abre-se novas perspectivas na gestão do espaço urbano das cidades brasileiras, que tem sido sem dúvida nenhuma, um dos grandes desafios aos seus governantes, principalmente em como compatibilizar o crescimento urbano com a máxima ou possível proteção da paisagem urbana e do ambiente construído das nossas cidades. O ressurgimento do Plano como elemento articulador e legitimador das ações públicas a nível do urbano reaparece como nova possibilidade para o urbanismo. O papel a ser desempenhado pelo Projeto Urbano ganha com a aprovação do Estatuto da Cidade a dimensão explícita de operacionalizar as possíveis transformações do espaço urbano, com a conjugação de forças entre o setor público e os agentes privados. Dessa forma, o ensino nas escolas de arquitetura de disciplinas sobre Técnicas Retrospectivas e de Conservação do Patrimônio Histórico, não pode limitar-se à simples transmissão de experiências técnicas sobre este assunto. A nosso juízo, inicia-se um novo tempo que demandará dos profissionais envolvidos com esta temática mais que simples conhecimentos técnicos sobre restauração de edifícios e elaboração de projetos. 94


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Passado mais de uma década da promulgação da Constituição Brasileira de 1988 e no alvorecer do século XXI, a retomada da discussão sobre o planejamento urbano e possíveis novas formas de gestão das cidades, deverão com certeza, permear os meios políticos e acadêmicos agora mais intensamente. Os atuais e tradicionais instrumentos utilizados no planejamento urbano, como por exemplo o zoneamento e os planos meramente normativos( Matus, 1997:76)1 , não tem encontrado respostas e muito menos mostrado-se eficazes como ferramentas na preservação da paisagem urbana e do patrimônio construído de nossas cidades. Por outro lado, a simples existência de um conjunto de planos e normas jurídicas, que convencionalmente compõe o chamado Plano Diretor, na maioria das vezes apresentam-se incapazes de articular as relações sociais entre os diversos consumidores do espaço urbano e sua representação espacial, projetando apenas um imaginário de cidade muito aquém das suas reais necessidades. Nosso senso comum nos leva a acreditar que a lei pode e deve ser um instrumento para o aperfeiçoamento na gestão das cidades, imprescindível para a conservação do meio ambiente e fundamental na contribuição da melhora no nível de qualidade de vida de seus habitantes. Porém, para que isso aconteça faz-se necessário uma revisão teórica e conceitual para mudanças na concepção dos atuais “modelos” de políticas urbanas. As políticas de desenvolvimento urbano atualmente em prática, priorizam a questão do crescimento econômico em detrimento das demais funções sociais da cidade, e em particular, perversa para os países em desenvolvimento onde deveria-se prever até que ponto a implementação dessas políticas podem perdurar sem um desequilíbrio sócio-ambiental mais grave e de conseqüências incontroláveis para sua população.

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Resgate Histórico do Estatuto da Cidade Julgamos necessário um breve resgate histórico para situar a contextualização e a trajetória que permeou a aprovação do Estatuto da Cidade. A partir da explosão urbana verificada no decorrer da década de 1970 e que provocou um forte impacto na urbanização brasileira, principalmente nas grandes e médias cidades, os fortes fluxos migratórios provocados pelo êxodo rural e os atrativos da cidade, aceleraram no seu interior um movimento de natureza sócio-espacial: a chamada “desordem urbana”. Na ausência de uma efetiva política nacional de planejamento, o ônus deste crescimento urbano descontrolado impactou diretamente os governos a nível municipal. Através de debates travados no meio acadêmico, nos setores mais progressistas da igreja e nos movimentos populares organizados, lançou-se as bases para a adoção de uma legislação urbanística a nível nacional, tomando-se como bandeira de luta, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana. O então Código Civil datado de 19162 já previa alguns dispositivos relacionados ao direito de vizinhança, mas ainda insuficientes para regular o crescimento urbano. A crescente verticalização das cidades face ao avanço dos processos construtivos e dos interesses do capital imobiliário, fez com que o governo publicasse em 1964 uma lei com o objetivo de regulamentar a construção de edifícios na forma de condomínios e o processo das incorporações imobiliárias(Lei nº 4.591 de 16/12/64). Em 1979, o Congresso Nacional aprova a Lei nº 6.766 que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano com o objetivo de disciplinar a implantação dos loteamentos e desmembramentos urbanos. Neste período, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU, órgão vinculado ao Ministério do Interior e responsável a nível nacional para o trato das questões urbanas, propõe em 1983 ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Nº 775, que conforme Eros 96


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Graus(1983:117) 3 tinha como objetivo promover a política nacional de desenvolvimento urbano, mas transitou lentamente pelas comissões parlamentares face a reação contrária dos setores mais retrógrados do capital imobiliário. O movimento político pela redemocratização do país que culminou com a eleição de Tancredo Neves e a implantação da Nova República(1985), desviou a atenção das forças envolvidas neste processo que passaram a lutar pela realização de uma Assembléia Nacional Constituinte, na esperança de ali depositar suas esperanças e desejos, deixando segundo Steinberg e Bruna(2001:49), de “existir um discurso oficial de política urbana nacional,”4 que mobilizasse as forças neste sentido. O Congresso Constituinte eleito, pela primeira vez na história constitucional brasileira, contempla no bojo da Constituição Federal de 1988 um capítulo dedicado ao trato das questões urbanas através da edição dos arts. 182 e 183. Em 1989 é apresentado um Projeto de Lei Substitutivo de autoria do Dep. Raul Ferraz, ao então Projeto de Lei Nº 775/83, visando regulamentar os arts. 182 e 183 da C.F. Paralelamente, em 1990 o Senado Federal aprova e apresenta ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Nº 181/89 de autoria do Senador Pompeu de Souza e que passa a ser chamado de Estatuto da Cidade, tramitando no Congresso Nacional como Projeto de Lei nº 5.788/90(Castilho, 2000:09)5 . Durante mais de dez anos, o referido projeto tramitou pelas comissões internas do Congresso Nacional até vir a ser aprovado em 10/07/2001, sob a denominação de “Lei nº 10.257 que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, e estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências”. Diretrizes Gerais do Estatuto da Cidade Com a sanção presidencial ao denominado Estatuto da Cidade, abre-se após uma década quase perdida em expectativas e debates insólitos, um novo espaço na discussão sobre um dos 97


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temas atuais mais importantes e complexos do momento de como enfrentar os desafios na gestão das cidades brasileiras. A regulamentação das diretrizes sobre a Política Urbana contidas nos arts. 182 e 183 da Constituição de 1988, insere no debate político e acadêmico, a retomada mesmo que tardia, da discussão do papel que a lei através dos Planos Urbanísticos, pode, e se é que pode, desempenhar como instrumento de planejamento, no desenvolvimento e na gestão de nossas cidades, uma vez que atribui-se aos problemas sociais e urbanos, segundo muitos, a falta ou ainda a ineficácia de uma adequada legislação intra-urbana representada principalmente pela hoje desacreditada figura do Plano Diretor. A retomada deste debate e a possibilidade de inserir através do Plano Urbano e consequentemente do Planejamento Urbano, um novo patamar de atuação instrumental na gestão de nossas cidades, tendo como um dos seus objetivos, ações à preservação da paisagem urbana e do ambiente construído. Através do poder de regulação legal de nossas cidades, ajudase a compreender o atual processo de urbanização e o permanente discurso dicotômico neoclássico do planejamento situar-se entre o Plano e o Mercado. As possibilidades de sua utilização como ferramenta a favor da preservação do ambiente construído e da paisagem urbana se apresenta agora mais forte. Para tanto, tentaremos neste artigo, situar ao nosso juízo, o papel estratégico reservado às políticas públicas relacionadas ao patrimônio histórico e a sua interface com o Estatuto da Cidade, como elementos indissociáveis para uma nova prática urbana estabelecendo possíveis conexões e perspectivas na aplicação deste novo instrumento legal. A entrada em cena, através da regulamentação destes “novos” instrumentos jurídicos e urbanísticos contidos no Estatuto da Cidade, insere em tempo, a possibilidade da necessária retomada da discussão do papel a ser desempenhado pelo poder público e pela iniciativa privada no processo de preservação do espaço urbano. 98


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As questões de natureza infra-constitucional decorrentes da aplicação dos arts. 182 e 183 da C.F., a serem aplicados com a aprovação do Estatuto da Cidade abre novas perspectivas para o planejamento urbano e na gestão das cidades brasileiras. Sem dúvida, durante mais de dez anos, as administrações municipais usaram o discurso da falta de regulamentação deste capítulo relativo a Política Urbana para não avançar na implementação de diversos instrumentos de controle urbanístico. Questões relativas ao direito de propriedade com certeza estarão sempre presentes nas discussões e nas demandas judiciais que conduzirão pelos próximos anos o embate nestas ações. A falta de clareza conceitual tanto jurídica, como sociológica, sobre o que se entende por “função social da propriedade”, pode ser o principal foco de controvérsia e levar o Estatuto da Cidade a impasses judiciais decorrentes de sua aplicabilidade. Do ponto de vista jurídico, a questão do direito de propriedade aparece na Constituição Federal em seu art. 50 que assim se expressa: “ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade...” , reiterando esse aspecto no inciso XXII do mesmo artigo onde - “é garantido o direito de propriedade”, mas limitada sua utilização pelo inciso XXII onde “ a propriedade atenderá a sua função social”. No capítulo referente à Política Urbana, no art. 182, parág. 20; a constituição determina que “ A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”, onde se deduz que este é o instrumento normativo e legalizador das ações no âmbito urbano. Novos Instrumentos nas Políticas de Preservação do Patrimônio Urbano É aqui a nosso ver, que o Estatuto da Cidade se apresenta inovador e progressista, face a novas possibilidades positivamente 99


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apresentadas, tanto no âmbito do planejamento urbano como na gestão, já que anteriormente, mesmo que muitos deste instrumentos não se caracterizem como novidades necessitavam de uma normatização infra-constitucional para sua aplicação. De qualquer forma, o Estatuto da Cidade reacende a discussão sobre a importância do Plano Urbano como o instrumento básico e imprescindível para a sustentação dos instrumentos e mecanismos de controle e gestão do espaço urbano. Ele é o ponto de partida e de chegada para esta retomada nas políticas públicas de planejamento urbano. Destaca-se os seguintes instrumentos com possibilidades de aplicação em Programas de Preservação e Conservação da Paisagem Urbana e do Ambiente Construído: 1) o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; 2) IPTU progressivo no tempo; 3) desapropriação com pagamentos em títulos; 4) direito de preempção; 5) outorga onerosa do direito de construir; 6) operações urbanas consorciadas; 7) transferência do direito de construir. Vamos procurar abordar as possibilidades de cada instrumento, de sua aplicação e os respectivos impactos em políticas e programas de preservação e conservação do patrimônio cultural urbano. 1) Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios Trata-se de mecanismo que visa possibilitar às administrações municipais obrigar o proprietário de imóvel que por ventura se encontre subutilizado, a parcelar, edificar ou utilizá-lo de forma coercitiva. Sua aplicação é válida para áreas que estejam previamente incluídas como tal no Plano Diretor, e sua aplicação depende de lei municipal específica, que fixe as condições e os prazos para o cumprimento da referida obrigação. O conceito de subutilização neste caso não fere o direito de propriedade, pois tal instrumento não retira em nada tal faculdade, 100


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apenas impõe uma condição, uma obrigação ao seu proprietário, em nome do interesse social e da coletividade. O prazo não poderá ser inferior a 01(um) ano para a apresentação do projeto e de 02(dois) anos para o início das obras após a provação do projeto pelo órgão municipal competente. A lei admite como excepcionalidade os empreendimentos de grande porte, onde o prazo para a conclusão das obras, estipulado pela lei específica, poderá estabelecer que sejam por etapas, desde que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo. De acordo com o pensamento do jurista Celso Bastos(1990:222)6 , tais instrumentos contidos na Constituição Federal de 1988, são medidas coercitivas e cuja possibilidade final pode ser a desapropriação com pagamentos mediante títulos da dívida pública, que decorrerá do não cumprimento pelo proprietário da obrigação imposta. Pode ocorrer em alguns casos concretos, dúvidas com relação à modalidade a ser excercida pelo proprietário em caso de aplicação de tal instituto sobre imóvel de sua propriedade. Segundo o entendimento da Procuradora da Fazenda Nacional, Maria Conceição Maranhão Pfeiffer(2001:05) 7 , este não esclarecimento no bojo do Estatuto da Cidade é uma grande falha, pois remete a cada município a decisão de qual instituto aplicar, mas onde houver mais de uma possibilidade, no seu entendimento, a opção deverá ficar a critério do titular do imóvel. Abre-se assim, para as cidades que possuam imóveis de valor histórico – cultural e que estejam “abandonados”, a possibilidade de utilizar este instrumento afim de forçar seu proprietário dar-lhe uma destinação ou um uso, sob pena final de sofrer um processo de desapropriação. 2) Do IPTU progressivo no tempo A nosso juízo, é um dos instrumentos mais polêmicos regulamentado pelo Estatuto da Cidade e que demandará por decisões judiciais sua implantação, uma vez que poderá ser interpretado como uma desapropriação indireta ao longo do tempo, 101


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cabendo à jurisprudência tornar ou não este instituto eficaz. Este instrumento somente pode ser utilizado em imóveis previamente incluídos no Plano Diretor e considerados como subutilizados na lei municipal que os obrigou à utilização compulsória(art. 5º), e por isso não tem aplicação imediata, antes de seu proprietário ser notificado para cumprir a respectiva obrigação. O Estatuto da Cidade prevê a majoração progressiva da alíquota do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) pelo prazo máximo de cinco anos consecutivos e desde que seu percentual não exceda a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitado o limite máximo de quinze por cento. Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não seja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, sob pena do Município promover a desapropriação do imóvel como demonstramos a seguir. 3) Da desapropriação com pagamento em títulos Os imóveis incluídos no Plano Diretor e objetos da aplicação do instituto da utilização compulsória e do IPTU progressivo no tempo, poderão ser desapropriados caso o proprietário não cumpra a obrigação no prazo e nas condições estabelecidas pelo Plano. A desapropriação do imóvel só poderá ocorrer após decorrido o prazo de cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação do parcelamento, da edificação ou da utilização compulsória. O município poderá efetuar a desapropriação mediante o pagamento através de títulos da dívida pública, que deverão ter prévia aprovação do Senado Federal, que podem ser resgatados no prazo de até dez anos, desde que assegurado o valor real da indenização e com juros legais de seis por cento ao ano.

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Após desapropriado o imóvel, o poder público municipal ou ainda terceiros escolhidos através de processo licitatório, deverão promover o devido aproveitamento do imóvel objeto da desapropriação num prazo máximo de cinco anos, mantidas as mesmas condições e obrigações anteriores. 4) Do direito de preempção Também pode ser chamado de direito de preferência, pois confere ao Poder Público municipal o privilégio na aquisição de determinados imóveis urbanos. Para aplicação deste instrumento, o município deverá aprovar uma Lei, que baseada no Plano Diretor indique previamente os imóveis passíveis de aplicação da preempção e qual a finalidade e interesse social a que se destina. O prazo de vigência deste direito, não poderá ser superior a cinco anos, podendo ser renovável após um ano de findo o prazo inicial. O proprietário do imóvel não fica impedido de negociar o imóvel, apenas tem o dever notificar o Município, para que este manifeste por escrito ou não o seu interesse num prazo máximo de trinta dias. O art. 26 do Estatuto da Cidade, estabelece que o direito de preempção poderá ser exercido sempre que o Poder Público necessitar entre outras coisas de áreas para: criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico; outras finalidades de interesse social ou de utilidade pública, definidas no Plano Diretor. O Município deverá publicar em órgão oficial e em pelo menos um jornal local ou regional de grande circulação, o edital de aviso da notificação, recebida nos termos definidos pelo caput do art. 26 e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da proposta apresentada.

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5) Da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso Ao nosso ver, trata-se de um dos instrumentos mais polêmicos e avançados aprovados pelo Estatuto da Cidade, que ficou mais conhecido como Solo Criado e que pode ser utilizado em programas e projetos de preservação da paisagem urbana e do ambiente construído. Aqui, deve novamente o Município através do seu Plano Diretor determinar as áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. A utilização deste instrumento também poderá ser utilizada para situações onde haja necessidade de alteração de uso de uma atividade prevista na Lei de Zoneamento. O Estatuto da Cidade estabelece a possibilidade da adoção de índices diferenciados de aproveitamento do solo, acabando assim com o debate jurídico e acadêmico que suscitava sobre a legalidade em estabelecer índices de aproveitamento diferenciados no zoneamento urbano. O Plano Diretor definirá os limites a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área. Para aplicação deste instituto, o Poder Público deverá aprovar uma Lei Municipal específica, que estabelecerá as condições a serem observadas para a sua utilização, onde se determinará: I – a fórmula de cálculo para a cobrança; II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga; III – a contrapartida do beneficiário. Os recursos arrecadados com a aplicação deste instrumento, deverá necessariamente ser aplicado em programas e projetos urbanos de interesse social, e em particular como descrito no inciso VIII do art. 26 do Estatuto da 104


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Cidade, para a proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico. 6) DAS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS Por definição, entende-se como operação urbana consorciada, o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área, transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. Trata-se portanto, como uma forma particular de intervenção urbanística e com finalidades específicas, denominada em alguns casos como operação interligada. Deverá ser prevista através de lei própria aprovada pela Câmara de Vereadores, para cada intervenção prevista. A lei, contemplará o plano de operação a ser desenvolvido, contendo, no mínimo: i) a definição da área a ser atingida; ii)o programa básico de ocupação da área; iii)o programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação; iv)a finalidade da operação; v) o estudo prévio de impacto de vizinhança; vi) a contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previsto pela Lei; vii) a forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil. Os valores pecuniários obtidos pelo município através deste instrumento, só poderá ser aplicado exclusivamente na própria operação urbana consorciada, sendo que a partir de sua aprovação, todas as licenças e autorizações de construção e funcionamento deverão estar de acordo com o plano aprovado, sob pena de nulidade das mesmas. A negociação poderá envolver a emissão pelo Município de “Certificados de Potencial Adicional de Construção”, que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação, podendo 105


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ser livremente negociados, porém utilizáveis unicamente na área objeto da operação e até os limites fixados pela lei aprovada. 7) DA TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR Este instrumento permite segundo o Estatuto da Cidade ao proprietário de imóvel urbano, seja ele privado ou público, exercer em outro local ou alienar mediante escritura pública, o seu direito de construir estabelecido no Plano Diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o imóvel for considerado necessário entre outras finalidades, para a implantação de equipamentos urbanos e comunitários e para fins de preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural, conforme estabelecido no art. 35. Este instrumento também pode ser utilizado no caso de doação de imóvel ou parte dele ao Poder Público municipal, onde o proprietário poderá exercer o direito de transferência do seu potencial construtivo em outro local, mas de qualquer forma esta operação somente poderá ser efetuada mediante aprovação junto a Câmara de Vereadores de uma lei específica para tal fim. Portanto, este instituto pode ser amplamente utilizado em programas e projetos de preservação de imóveis considerados de interesse coletivo e cuja finalidade seja histórica, ambiental, paisagística, social ou cultural, bastando o município criar um cadastro técnico desses imóveis, e integrá-los ao Plano Diretor através de uma lei complementar que estabelecerá as condições relativas à aplicação da transferência do direito de construir ao seu proprietário. Considerações Finais A possibilidade de aplicação do Estatuto da Cidade, em políticas intra-urbanas de preservação da paisagem e do ambiente construído está mais forte com sua aprovação, porém a figura do Plano Diretor aparece como o instrumento de 106


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viabilização e legitimação das ações a serem desenvolvidas em prol da preservação e da conservação de imóveis, do mobiliário urbano e da paisagem. Agora, caberá aos órgãos responsáveis pelo patrimônio público, implementar dispositivos capazes de alavancar medidas de natureza instrumental para nossas cidades, ao estabelecer normas públicas de interesse social que regulem o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como o equilíbrio ambiental. A preservação da paisagem urbana e do ambiente construído se insere como uma das principais questões relativas à Política Urbana, que ao definir seus objetivos deve procurar ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, garantir o direito à cidades sustentáveis, entendido no seu sentido amplo de direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente, provendo a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.8 Acreditamos que através da implementação de instrumentos previstos nos respectivos Planos Diretores, as cidades possam através de programas e projetos específicos, adequar o cenário urbano e o seu ambiente cultural para as presentes e futuras gerações, bem como os elementos de natureza simbólica no cuidado da imagem e identidade do seu povo, ou seja programas e projetos pela preservação da cultura local(Vaz & Jacques, 2001:670)9 . Também, com a introdução de novos conceitos sobre o papel do planejamento e do plano urbano na gestão das cidades, pode ser possível a criação de condições mais favoráveis para melhorias do cenário urbano. Progredir na direção conforme aponta Fernández(2001:195) e que tem sido adotado pela maioria das 107


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cidades espanholas, “... para um sistema integrado e coerente de execução de cidade, que concilia o caráter público que deve presidir a ordenação e a gestão urbanística com a atividade empresarial mais empreendedora, mantendo um escrupuloso respeito pelos direitos constitucionais que definem a propriedade urbana.” 10 Precisamos urgentemente repensar conceitualmente nossa visão sobre o planejamento de nossas cidades. Resgatar a figura do plano como uma primeira e necessária ponte para o planejamento(Cardoso,2000:146)11 , admitindo-se a idéia do plano urbano como um pacto territorial(Rolnik,1997:208)12 permanentemente negociado entre os diversos atores da cena urbana, ou ainda como uma espécie de convenção urbana(Abramo, 2001:213)13 , mutante às leis do mercado. De qualquer forma, a compreensão de que na construção deste cenário não existe apenas figurantes, mas atores, todos com função de consumidores e produtores do espaço urbano, coresponsáveis por tudo que acontece ou que deixa de acontecer com nossas cidades. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. Matus, Carlos. Política, Planejamento & Governo. Brasília, IPEA, 1997. 2. O atual Código Civil Brasileiro, está em processo de alteração pelo Congresso Nacional mas sua implantação está prevista somente para 2003 e depende ainda da sanção presidencial. 3. Grau, Eros. Direito Urbano. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1983. 4. Steinberg, Marília & Bruna, Gilda C. Cidades médias: elos do urbano-regional e do público-privado. In: Andrade, Thompson Almeida & Serra, Rodrigo Valente. Cidades Médias Brasileiras. Rio de Janeiro, IPEA, 2001. 5. Castilho, José Roberto F. Algumas Observações sobre o Estatuto da Cidade. In: Estatuto da Cidade: política urbana e cidadania. Rio Claro, UNESP/IGCE, 2001. 108


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6. Bastos, Celso R. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo, Ed. Saraiva, 1990. 7. Pfeiffer, Maria Conceição Maranhão. Estatuto da Cidade. A regulamentação dos novos instrumentos urbanísticos: edificação, parcelamento e utilização compulsórios. Artigo publicado no site www.caixa.com.br, 2001. 8. Conforme estabelecido nas diretrizes gerais do Estatuto da Cidade. Lei Federal nº 10.257 de 10/07/2001, publicada no D.O.U. do dia 11/07/2001. 9. Vaz, Lilian Fessler & Jacques, Paola Berenstein. Reflexões sobre o uso da Cultura nos Processos de Revitalização Urbana. Rio de Janeiro, Anais da ANPUR, 2001. 10. Fernández, Gerardo Roger. Novos Instrumentos Urbanos: Mecanismos de Reparcelamento e Compensação Fundiário-Imobiliária. In: Abramo, Pedro. Cidades em Transformação: entre o plano e o mercado. Rio de Janeiro, O Autor/IPPUR, 2001. 11. Cardoso, Adauto Lucio. Visões da Natureza no Processo de Constituição do Urbanismo Moderno. Rio de Janeiro, Cadernos IPPUR/UFRJ, Vol. XIV, nº 1, 2000. 12. Rolnik, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo, Ed. Stúdio Nobel/Fapesp, 1997. 13. Abramo, Pedro. Mercado e Ordem Urbana: do caos à teoria da localização residencial. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 2001.

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A Memória Operativa – Revendo Paisagens, Visando o Presente: Reflexões a partir da Prática em Ensino e Pesquisa no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFAL Profa. Maria Angélica da Silva (PHD) Professora Adjunta do Dep.to de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas - Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Arquitetura da Cidade” Professora do PRODEMA – Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente email : mas@fapeal.br

RESUMO Este trabalho baseia-se em experiências vinculadas a atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas. Trata-se de uma proposta de reflexão sobre técnicas retrospectivas, trabalhadas em disciplinas afins à área, e que busca adequar o conhecimento da teoria, da história, do estudo da forma e da prática projetual à resolução de problemas relacionados à conservação, restauro, reestruturação, reabilitação e reconstrução de paisagens construídas. Trata-se de uma reflexão sobre o patrimônio edificado, mas acentuando sua vinculação com as demandas do presente. Sua metodologia baseia-se no estudo da história de paisagens, acessadas especialmente através de recursos do sensorial e de fontes iconográficas. Uma das experiências que o texto menciona realizou-se a partir de uma investigação sobre um conjunto de vinte antigas cidades do período colonial – algumas bastante conhecidas, outras raramente estudadas, que envolveu desde atividades de pesquisa até trabalhos propositivos, buscando a re-valorização do patrimônio local e encontrando alternativas de retorno do trabalho às localidades, envolvendo ações de fundo educativo, cultural e de apoio à cidadania. 110


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A intenção deste artigo é ilustrar esta proposta de abrir janelas entre disciplinas, construindo redes de afinidades, na tentativa de realizar uma leitura pluri-disciplinar interna ao próprio campo da arquitetura, entendendo as práticas retrospectivas não apenas no sentido de seus vínculos estritos ao passado mas na exploração das possibilidades do seu comprometimento com as outras dimensões do tempo.

REVENDO PAISAGENS, VISANDO O PRESENTE: REFLEXÕES A PARTIR DA PRÁTICA EM ENSINO E PESQUISA NO DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UFAL 1. APRESENTANDO ARGUMENTOS: PAISAGEM, HISTÓRIA DA CIDADE E AS TÉCNICAS RETROSPECTIVAS Os estudos sobre o restauro e a conservação arquitetônica demandam diversos tipos de conhecimento, como por exemplo, de teoria e história. Esta teoria e história possui 111


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certa especificidade: está ancorada na existência de objetos reais, na sua forma total ou parcial – no caso das ruínas ou dos fragmentos. O importante é que as técnicas retrospectivas exigem da teoria e história um compromisso com um determinado recorte espacial existente. Portanto, pressupõem que os estudos sejam circunstanciados, e dotados da consciência do que é constatado de visu. Não são as demandas de estilo ou de uma cronologia que impõem a ordem ao conhecimento mas as advindas de um determinado e concreto objeto artístico, arquitetônico, urbano ou paisagístico. Quando se toma como referência a paisagem, este estudo torna-se ainda mais rico já que o conceito pressupõe, de princípio, igualmente, um determinado enquadramento do objeto a ser estudado. Este enquadramento vai, inclusive, para além do simples referencial geográfico. A paisagem é um produto cultural, fruto de uma acumulação de saberes e práticas que se incorporam num desenho em palimpsesto, e apenas a sua observação sob tal complexidade, garante uma aproximação produtiva com o conceito. Portanto, ao tratar da manutenção e reabilitação da paisagem construída, diversas disciplinas podem ser convocadas como a história, a geografia, os estudos que estimulam um aporte ambiental e todos os outros que tenham como princípio um comprometimento com uma visão contextualizada e complexa do objeto a ser trabalhado. Guilio Carlo Argan, ao trabalhar a história da arte como história da cidade, mostra como o espaço urbano não é apenas feito da pedra, mas possui interiores, partes ocas, vazios. Não é apenas a basílica mas também o pórtico e o pátio. Não é composto apenas de uma acumulação de objetos arquitetônicos mas aciona recursos mnemônico-imaginários. A experiência urbana pode ser entendida como uma orquestração de inúmeros dados, envolvendo desde grandes eventos como os monumentos, o traçado de avenidas, as principais celebrações que agitam o cotidiano, mas também os pequenos acontecimentos como o agrupamento das edificações comuns, 112


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os equipamentos urbanos, os homens que habitam a cidade, o vestuário, os campos de onde provém o alimento da cidade, os bosques e até mesmo a obra do pintor que, à distância, ou de memória, retrata a cidade 1 . Dentro desta visão, e em uma leitura na ordem inversa, pode-se tomar a hipótese que o estudo da paisagem construída precisa estar atento a múltiplos e diversos componentes, alguns visíveis, que se submetem ao tato, bem como a outros tantos, imaginários – como sonhos e desejos - ou menos palpáveis mas de ação imperativa – como a ordem econômica que gera as normas de propriedade deste espaço. 2. PATRIMÔNIO HISTÓRICO E AS POSSIBILIDADES DE MANUTENÇÃO DO PASSADO Desta maneira, ao acessar um objeto paisagístico, toda uma visão patrimonial é alavancada. Entendendo o patrimônio, segundo Françoise Choay, como uma bela e antiga palavra, que na origem, relaciona-se a estruturas familiares, econômicas e jurídicas, ao tomar a expressão “patrimônio histórico”, esta “designa um fundo destinado ao usufruto de uma comunidade alargada a dimensões planetárias e constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objectos que congregam a sua pertença comum ao passado: obras e obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e conhecimentos humanos. (....) remete para uma instituição e para uma mentalidade “ 2 . A palavra “monumento”, vinda do latim monumentum, derivado de monere, que significa advertir, recordar, assinala o monumento como algo que interpela a memória 3 . É marco de tempo e duração embora possa ser uma criação deliberada ou facultada posteriormente, a partir de uma seleção promovida pela sociedade ou seus eleitos para tal. O conceito atrela a compreensão do monumento a uma visão de mundo, a um entendimento do tempo e de um determinado contexto mental. 113


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Portanto, o monumento precisa estar circunstanciado para que manifeste sentido. Esta forma de entender o monumento como objeto de memória sempre interpretado pelos homens do presente, torna o trabalho no campo das práticas retrospectivas muito mais vivo e compromissado com a reflexão sobre o que significa o hoje. A reabilitação e a manutenção passam a ser atividades engajadas nas demandas contemporâneas. Sem abrir mão da seriedade da busca histórica, seu entendimento passa a se pautar pela atitude de um historiador que vive o presente e suas incertezas. Neste caso, faz-se referência a um campo de saber que já questionou seu próprio percurso e já produziu a crítica sobre suas filiações à Grande História 4 , ou seja, a história dos grandes fatos, das grandes datas da humanidade. A concepção de história que se busca atrelar às práticas retrospectivas é a que se dispõe a estudar a investigar também o que se refere ao tempo do cotidiano. Desta forma, usos, costumes, acontecimentos da vida privada, os “homens sem qualidade”, os fatos rotineiros, que se referem à marginalidade, ao corpo, à sexualidade, interessam à investigação. Dentro da nova tradição aberta pela História dos Anais, acata-se as estreitas relações entre ciências humanas e história, em suas múltiplas perspectivas 5 . No sentido de uma reflexão mais dirigida às práticas de restauro , preservação e conservação, cabe lembrar que as discussões sobre o que é o monumento já nos anos sessenta, incorporava a arquitetura fabril, a arquitetura vernácula e outras manifestações de fundos bastante variados. Se o monumento, como mostra Françoise Choay, faz parte de uma arte da memória universal, o monumento histórico não é uma invariante cultural mas uma invenção especificamente ocidental e em constante crescimento no contexto da contemporaneidade. Calcado no humanismo do Quattrocento, momento que elege a Antiguidade como objeto histórico e a arte como disciplina autônoma, determina-se que há de se proteger um determinado antigo: o greco-romano. 114


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Com Alberti consolida-se a solidariedade com o monumento histórico e a teorização do que é arquitetura e o arquiteto, ambos tomando como base esse entendimento do antigo. Rebatemse as noções de patrimônio e história e em vez do monumento celebrar a crença no mito ou na religião, passa a celebrar especialmente a beleza, que passa a ser o fim supremo não só do monumento, mas da arte 6 . No século XVIII embora permaneça o crença na superioridade da arte greco-romana, tornou-se possível, sob o sentimento do patriotismo, adaptar o culto ao monumento às particularidades das culturas nacionais. Sem deixar de lado a discussão sobre as grandes correntes do estudo da preservação e do restauro, desde Viollet le Duc, passando por Ruskin, cabe destacar os autores que acenaram para a condição de observar o monumento na sua inserção na cidade e o entendimento do pensamento da preservação ligado ao sítio urbano, como no caso de G. Giovannoni ( 1873-1943), que busca combinar o valor de utilização e o valor museólogico da cidade. Libertar um edifício do contexto seria mutilá-lo. Ao criar o termo “patrimônio urbano“ 7 , acata a complexidade da condição da cidade moderna e das suas possibilidades ilimitadas de crescimento. Ao conceder ênfase não à paralização, mas ao movimento, acentua a dimensão vital da cidade. Dentro desta mesma intenção de aprofundar o sentido plural da prática conservacionista e de entender o patrimônio na sua complexidade, Alois Riegl (1858-1905) empenha sua condição de jurista, filósofo e historiador para criar uma escala variada e complexa de valores que pautam a necessidade do conservar. Em “O culto dos monumentos” 8 , ao mostrar que o valor de arte absoluto é puramente fictício, ou seja a obra de arte antiga atende a vontade artística contemporânea apenas sob determinados aspectos, busca encontrar categorias que abriguem as diferentes vertentes que já visualizava no processo de entendimento deste patrimônio. Ao criar o “valor de arte relativo”, Riegl sublinha o fato de que a conservação pode somarse à criação. Pode-se destruir para reconstruir como é o caso 115


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dos templos japoneses, com suas milenares estruturas de madeira, fielmente refeitas sempre que necessário e segundo o modelo existente, mas passíveis de serem naturalmente substituídas e alteradas a partir do momento em que uma técnica mais eficiente torna-se disponível. Há também o caso de destruir para “construir melhor”, como no exemplo paradigmático do processo de destruição e inúmeras reconstruções de São Pedro de Roma, desde do túmulo de Pedro, passando pela basílica constantina e os trabalhos de Bramante, Bernini e Miguelângelo, no ápice da celebração do urbanismo barroco, marco da noção do monumento como expressão essencialmente urbana. Cabe aos séculos XIX e XX refinar os procedimentos e os objetivos da restauração, quando o monumento histórico passa a contar com um cortejo de instituições e personagens que celebram sua existência. Desta forma, gerações posteriores, especialmente as filiadas ao denominado Movimento Moderno, deparam com uma condição de trato com o monumento que consideram já enrijecida o que resultará mais à frente na tomada de decisões no sentido de repensar estas práticas. Contudo, por um outro lado, os que se postam a favor da conservação embasam seus argumentos na premência de proteger as cidades face às demandas da Revolução Industrial. A noção de um patrimônio urbano histórico, segundo Choay, está na contracorrente do moderno processo de urbanização. Embora a cidade não tenha sido erigida para cumprir este fim, ela passa a ser entendida como monumento em si mesma. pelo seu “duplo e maravilhoso poder de enraizar os seus habitantes no espaço e no tempo “ 9 . Neste sentido encaminha-se a reflexão de Camilo Sitte, ao destacar, pela via do contraste, o papel da cidade antiga, pré industrial. 3. PATRIMÔNIO, CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIA Dentro destas referências, a proposta que se pretende apresentar parte de uma experiência desenvolvida em atividades de ensino e pesquisa, com participação ativa dos estudantes. 116


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Técnicas retrospectivas não estarão necessariamente atreladas à manutenção de uma paisagem antiga mas, dentro desta ampliação de horizontes permitida pela contribuição acima reportada, também contemplam um trabalho sobre porções territoriais recentes mas que demandam um tipo de intervenção onde se sublinha a noção de processo. A herança do Movimento Moderno legou ao arquiteto a sedução do novo. Reforça-se a concepção albertiana que vinculava a função do arquiteto ao projeto, ou seja, a uma ação profissional engajada no vir a ser. O contexto contemporâneo, com um ritmo de mudanças distraído quanto à possibilidade de duração dos objetos arquitetônicos, obriga a se repensar esta fidelidade ao novo. No campo da teoria e prática arquitetural há uma tendência de entender o projeto mesclado ao existente. Os procedimentos de colagem, da superposição, do contextualismo, do deconstrutivismo, tornam-se opções ao projeto que antes brotava livre no chão liso corbusiano. A própria noção de lugar ganha vulto e passa a ser geradora de sentido. Contrapondo-se à voz única do projeto, celebram-se as alternativas que se superpõem, conflitam-se e alteram-se, em um movimento orquestrado com o que vem do contexto. Em vez de obstáculo, o existente é potencial para a criação 10 . Articular tempo e espaço significa subtrair do espaço de uma dimensão passiva e submeter o tempo a uma prodigalidade que o seu desenho vetorial sempre parece negar. Contraria-se uma leitura de gênero que coloca o espaço na ordem do feminino e o tempo, do masculino. Quando foi proposto aos estudantes investigações sobre antigas vilas e cidades coloniais situadas no Nordeste brasileiro, a idéia era entender estas vilas e cidades como paisagens urbanas que deveriam ser acessadas, na sua existencial mais concreta: a partir de sua presença material. Portanto, seria importante colocar-se na pele do viajante. Seria preciso ouvir outras vozes que pregaram outras práticas de urbanismo, já 117


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pondo em discussão as premissas do Movimento Moderno e sugerindo um outro tipo de pacto com o novo : “Todas as cidades são geológicas e não se pode dar três passos sem encontrar fantasmas, armados com todo o prestígio de suas lendas. Evoluímos em uma paisagem fechada, cujos pontos de referência nos conduzem sem cessar para o passado. Alguns ângulos móveis, algumas perspectivas fugazes, nos permitem entrever concepções originais do espaço mas esta visão permanece fragmentária. É preciso buscá-la nos lugares mágicos dos contos de folclore e dos escritos surrealistas: castelos, muros intermináveis, pequenos bares esquecidos, caverna do mamute, espelho dos cassinos”. As viagens às cidades foram realizadas sem nenhum estudo prévio, aguardando que a própria experiência sensorial com o lugar trouxesse as dúvidas e inquietações sobre como manter e/ou reabilitar aquelas paisagens. Dentro da prática da deriva situacionista, os estudantes encontraram individualmente a forma de colocarem-se estranhos e ao mesmo tempo, participantes daqueles lugares, buscando a seguir montar “diários de bordo”, ou seja, relatos onde as impressões do lugar eram registradas, no calor do momento, e com a possibilidade de livre utilização das técnicas de expressão.

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Estes registros acumulam desenhos, colagens, relatos tomados a partir de entrevistas com habitantes, desenhos de moradores compondo uma narrrativa escrita e visual, às vezes até sonora e olfativa, cujos temas abordados vão desde os relacionados com a arquitetura e o urbanismo e o paisagismo a considerações sobre costumes, usos, hábitos da população, dados sobre o patrimônio imaterial como música, dança, manifestações folclóricas etc. Através dos diários de bordo, fica estabelecida um pacto pessoal entre o lugar e o visitante e é a partir do que foi extraído que se propõe as estratégias de estudo. Sugere-se, muitas vezes, alguns exercícios que alteram a base de expressão dos dados. Ou seja, se o suporte é a escrita, faz-se uma experiência de transformar o texto em forma. Este texto também pode virar um cartoon, pode transformar-se numa performance, ou em um design gráfico, e nestas atividades, outras formas de cumplicidade entre o lugar e o estudante vão sendo amadurecidas. Se cada pessoa é acessada individualmente há um momento em que se coloca a produção de cada um no contexto do coletivo, seja no âmbito da disciplina lecionada em sala de aula, seja na experiência com o grupo de pesquisa. Por vezes, o próprio espaço de práticas coletivas da escola é usado para a manifestação dos trabalhos, provocando novos tipos de interação. Muitas vezes há a alternativa de retornar à paisagem que motivou o trabalho, de forma a compartilhar a experiência com os habitantes do lugar. A fase de busca de dados históricos e teóricos faz-se sob as demandas que o próprio trabalho suscitou. A partir desta fase, tenta-se organizar superfícies conformadas por pontos de interseção que os trabalhos apresentam de maneira a criar uma lógica que alinhe estes trabalhos e os coloque em contato, seja pela complementariedade ou até mesmo pelo antagonismo. 119


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4. ICONOGRAFIA E AS RAZÓES DA PAISAGEM Nestes trabalhos têm-se concedido uma ênfase especial à iconografia, entendendo que esta fonte histórica apresenta uma aproximação especial com o rotina do arquiteto. De alguma forma, ao trabalhar com imagens, os estudantes de arquitetura são levados a repensar sua própria produção e as relações entre processos de representação e as possibilidades de absorção do real. No caso específico do trabalho com as vilas e cidades coloniais nordestinas, foi possível o acesso a um material bastante rico, composto da cartografia de origem portuguesa como também mapas e vistas de paisagem produzidos pelos holandeses no contexto do século XVII, especialmente no período da presença do conde Maurício de Nassau na região. Novamente, neste ponto, é importante sublinhar a operacionalidade do conceito de paisagem. Diversas são as formas de abordar o conceito mas não há como não descartar a história da origem da palavra no terreno da representação pictórica, no contexto da produção dos Países Baixos no século 120


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XVI, e suas relações com o desenvolvimento da noção de perspectiva, na Itália renascentista. Paisagem que entrava pela janela das casas reportadas nas cenas religiosas medievais e que depois assume toda a superfície da tela com o Renascimento. Se atentarmos para a importância da experiência de Brunelleschi e do surgimento da perspectiva como elemento fundante da noção de arquiteto tal qual nos chega aos dias de hoje, a paisagem passa a ser uma base, alicerçando em comum a arte, a arquitetura e a modernidade. A palavra atinge os dias de hoje do formato que toma quando a pintura de paisagem holandesa passa a ser reconhecida especialmente pelos italianos que embora a princípio, desvalorizassem a pintura paisagística holandesa, de uma outra forma produzirão, também eles, paisagens. Se os holandeses trazem para a tela o lugar onde vivem, quase como se estivessem presos nele, os italianos concedem a este fato o mesmo estatuto do movimento humanista que separa sujeito e objeto. Portanto o “lugar” é o motivo da tela porque o artista não está mais preso a ele. Está próximo o tempo da gestação da idéia da construção dos estados nacionais. Portanto, paisagem compartilha não gratuitamente o berço etimológico da palavra país. Em alguns dos lugares onde este processo foi bastante importante, as denominações dos mesmos ficaram marcadas pela importância da característica da terra em si mesma. É o caso da Inglaterra (England, terra dos Angle, povos que ocuparam o território inglês no século V) ou dos Países Baixos ( Nether-lands, ou Neder – baixa e –land- terra, em holandês) e sua antiga província principal, Holanda, (Holtlant, Holt - bosque, land – terra , em holandês). A palavra “paisagem” refere-se, na sua origem, a uma unidade de ocupação humana apresentada ao observador. A palavra “país”, a terra natal 12 . Por este aspecto, não é acidental que “paisagem” ( landschap) tenha berço os Países Baixos, famosos por sua luta em salvar e criar solos através de formidável engenharia. Portanto o que os quadros retratam, com o gado e seus cuidadores, os campos de 121


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plantio e até a mesmo a cidade , são expressões de um “país” 13 . Portanto, paisagem indica a idéia de uma identidade comum, explicitamente ligada ao lugar. É um termo geográfico e artístico que sublinha a idéia de pertencimento. É objeto construído, com sua operação vinculada aos sentidos, a uma consciência fugidia mas interiorizada 14 . A compreensão mais contemplativa do conceito cobre apenas um dos seus aspectos. A invocação da paisagem no contexto da reflexão das práticas e técnicas retrospectivas, sublinha o caráter identitário da experiência espacial e sugere o exercício do entendimento da arquitetura contextualizada, envolta, com em pintura de paisagem, na moldura de céu e vegetação e em contato com as figuras humanas agrupadas segundo a hierarquia social da época e exibindo usos e costumes. Voltando ao trabalho com as fontes iconográficas dos séculos XVI e XVII, elas inclusive evocam um aspecto interessante da história das técnicas conservacionistas, quando se recorda que, os estudos realizados pelos holandeses no Brasil Colônia reportando paralelamente o panorama das cidades e o minucioso registro de fauna e flora, ilustram uma prática da época onde o estudo morfológico submetia a obra dos homens e da natureza a um mesmo procedimento de investigação e registro, talvez numa premonição de que ambas poderiam, no futuro, ser objeto de um estudo comum 15 . É o que ocorre na atualidade, quando as pesquisas a partir das imagens holandesas permitem não apenas acessar informações sobre edificações mas também sobre a flora e a fauna presentes, por exemplo, nas cenas urbanas. E tais estudos, muitas vezes, estão engajados na prática de conservação do meio ambiente e arquitetura. Voltando ao tema da opção pela iconografia, deparamse novas pontes com a Nova História que, além de novos objetos, visava acessar novas ferramentas metodológicas. Se na Escola de Warburg, especialmente no contexto dos trabalhos de Aby Warburg e à produção de Erwin Panofsky, a 122


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imagem deixa sua posição de mera ilustração de um texto para ser a referência para a compreensão dos processos de representação na sua complexidade, nesse contexto a iconologia ainda estava voltada para a recorrência de motivos antigos e da arte clássica da Renascença e do Barroco. Posteriormente os estudos iconológicos servirão de uso para diferentes objetos e temas, tornando-se importante para a história das mentalidades. Acessando as diversas camadas de entendimento que a imagem faculta, vão-se abrindo os pactos selados pelas convenções, passando pelas normas profissionais e/ou sugeridas por escolas de estilo, até revelarem-se efeitos literários e artísticos que se instalam subliminarmente sob camadas de entendimento tidas como consensuais. A partir de Gombrich, Francastel e outros, pode-se acessar os estudos de história das mentalidades que prescrevem uma outra atenção às fontes imagéticas como demonstram as obras de Georges Duby , Robert Darton e Carlo Ginzburg. A atenção ao detalhe - típica da prática arquitetônica, mas também partilhada com outras áreas de saber, por exemplo, com os avaliadores de obras artísticas, com profissionais ligados à medicina, e até com detetives e investigadores - passa a ser enfocada de uma outra forma pois, num caminho inverso, analisa-se os detalhes do trabalho de outrem para entender suas razões e seu significado. É o oposto à prática comum do arquiteto que produz os detalhes da obra que imagina e que deverá ser decodificada, em outro espaço e por outros profissionais, como por exemplo, no canteiro de obras. 5. PROJETO E MEMÓRIA O projeto de arquitetura, de paisagismo ou design é usualmente atrelado a um determinado presente e futuro, mas pode ser também ligado ao passado. Pode-se entender que 123


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qualquer porção geográfica a ser trabalhada mesmo sem a memória de outras ocupações, acessa uma circunstância do território, que é também tempo e memória. Portanto, o trabalho em técnicas retrospectivas pode ser uma causa a que se abraça, um exercício completo de investigação que não separa a prática da manutenção da possibilidade fértil de criar a partir do entendimento do passado. Os defeitos, a dissolução, a fragmentação, deixam o arquiteto frente a frente com os sentimentos do devir e da morte, não cabendo enfrentar apenas a frugalidade da sua própria obra mas também da vida. Se Utopos emblematiza o trabalho do arquiteto criador do mundo, quando este arquiteto se aproxima do passado, tem a alternativa de brecar o serviço do tempo e da natureza, mas tem também a possibilidade de contemplar a riqueza do declínio. O arquiteto enfrenta a vida no seu intenso e inconfundível diálogo com a morte. Este tema alimenta, na concepção de Riegl, o “culto do valor de antiguidade”, que então, coloca-se diretamente em oposição à conservação do monumento 16 . Esta estratégia atualmente é empregada no caso de ruínas que são apenas estabilizadas quando o “valor histórico” exige sua conservação. Mas quando se trata de acionar o “valor da novidade”, cabe a alternativa de silenciar o tempo e restaurar completamente a obra 17 . Talvez seja esta solução, dentro de uma outra leitura, um outro tipo de morte. A obra antiga é tema dos homens do presente. Dentro desta posição, foram sugeridas experiências de ensino e pesquisa de como ativar o potencial das paisagens urbanas, sejam elas coloniais ou contemporâneas, de forma a diversificar os significados da cidade, criar novos focos de observação, promover outras atitudes e posturas, alimentar o senso de pertencimento e a auto-estima dos cidadãos através de um referenciamento na paisagem. A partir da tentativa de alteração da base de tratamento dos dados, já mencionada, o processo didático muitas vezes 124


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conduziu-se pela escolha de palavras e expressões suscitadas pelo lugar, ou seja, que resumissem o impacto mais forte trazido pela experiência com o espaço eleito como fonte de estudo. Estas palavras e expressões posteriormente deveriam subsidiar experiências com forma e com os sentidos e, em uma última etapa, a proposta de intervenção espacial. Como exemplo desta etapa do processo de transformar uma sensação em palavra e depois em forma, foi realizado um trabalho por um grupo de estudantes onde a “sutileza” – palavra qualificadora evocada pela paisagem construída em estudo, foi reformatada e projetada em termos de uma intervenção. Esta foi realizada em uma área do edifício onde localiza-se o Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Na forma de uma instalação, a obra valeu-se da forte corrente de vento que ocorre sempre neste espaço, que concedeu movimento a inúmeros sacos plásticos coloridos, cheios de ar, criando uma cortina de sensações, com barulho, mobilidade, tato e cor .

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Em uma outra experiência, já voltada para uma intervenção mais “utilitária” na paisagem e a ser implemendada em uma das cidades coloniais visitadas, buscou-se criar um convite para uma apreciação do entorno verde de uma antiga cidade colonial, através da instalação de grandes lentes de aumento possibilitando ver, de uma outra forma, o coqueiral.

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Um outro exercício recebeu a denominação de “jardim de fragmentos”. Trata-se de uma proposta de intervenção em um adro colonial sem destruir a sensação de continuidade do mesmo. Seria ocupado delicadamente por pequenas referências extraídas do seu patrimônio paisagístico e arquitetônico barroco. A denominação “jardim“ foi adotada justamente pela ambiguidade que revela, ao aproximar arquitetura e natureza, ao mesmo tempo em que aciona certa ambiência nostálgica, acordando referências a um tempo anterior à presença de cidades 18 . Um outro exercício de intervenção buscava a confecção de objetos cujo design fosse motivado pelas lugares visitados, dentro de uma reconstituição ligada não só à morfologia da paisagem, mas aos seus processos de representação. Os elementos para a produção são sugeridos a partir da observação minuciosa dos elementos compositivos , na escala do detalhe, através do estudo iconográfico e das possibilidades de sua manipulação via computador. A proposta constou de uma série de equipamentos urbanos que se colocavam quase invisíveis na paisagem de forma a não quebrar sua sensação de amplitude e de vazio.

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Concluindo , nesta reflexão sobre as técnicas retrospectivas, a arquitetura ela mesma é entendida como representação e as dimensões do tempo e do espaço são consideradas na sua fluidez. Maleabilidade do espaço e maleabilidade do tempo permitem a concepção de novas formas, em exercícios lúdicos que tomam essa técnicas como alternativas de relativização de valores, hábitos, conceitos. Ao mesmo tempo em que a manutenção da paisagem construída guarda relações com a vitalidade da história, sabe também sobre sua penosa construção e manutenção. E se é difícil a conservação dos monumentos, no outro extremo, há muitas vezes dificuldades também em demoli-los. Neste sentido, pode-se reportar à vanitas, aprender com o sentimento da passagem rápida do tempo que está no âmago da sensibilidade do barroco mas que também pode ter diálogo com o tema das técnicas retrospectivas, hoje. Esta foi a alternativa perseguida nesta comunicação que buscou acionar os contrários, as discrepâncias deste campo do saber, de maneira a fornecer outros pontos de vista para acessar o que já parece estar seguramente estabelecido, qual seja, o lugar desta disciplina para a formação do arquiteto.

NOTAS: 1. ARGAN, Giulio Carlo (1984), Historia del Arte como História de la ciudad, Barcelona, Editorial Laia, 1984, especialmente o capítulo “La História del Arte”. 2. CHOAY, Françoise (1982), A Alegoria do Patrimônio, Lisboa, Edições Setenta, 1999, p. 11. 3. Idem, Ibidem, p. 16. 4. Denominação utilizada pelas novas correntes da historiografia e que cataloga as expressões do estudo histórico comprometidas como uma visão tradicional dos objetos, fontes e ferramentas da história.

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5. “Fomos progressivamente descobrindo que a objectividade do conhecimento histórico é um mito, que toda a história é escrita por um homem e que quando esse homem é um bom historiador põe na sua escrita muito de si próprio. Descobrimos, por outro lado, que o campo de acção do historiador se desloca ao longo dos tempos, que a função da história na sociedade se transforma e que temos absolutamente de ter em consideração, no trabalho dos historiadores que nos precederam, o meio em que viveram e sua própria personalidade, para aproveitarmos ao máximo as suas contribuições. “DUBY, Geoges at al (1986) “O Historiador, hoje.”, História e Nova História, Lisboa, Teorema, 1986, p. 7-8. 6. CHOAY, Op. Cit, 1999: 18. 7. Idem, ibidem, 1999: 169. 8. RIEGL, Alois, (1984), Le Culte moderne des monuments – son essence et sa genèse, Paris, Éditions du Seuil, 1984. 9. Idem, Ibidem. p. 159. 10. Neste aspecto, ver KAHN, Andrea, (1996), “Overlooking: a look at how we look at site or... site as ‘discret object’of desire”, in RUEDI, Katerina at al, Desiring Praacticesarchitecture, gender and the interdisciplinarity, Londres, Black Dog Publishing Limited, 1996. 11. IVAIN, Gilles , “Formulário para um novo urbanismo”, (1953), Oculum, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – PUC Campinas, nov. 1993. 12. Sobre o conceito de paisagem ver Enciclopédia Einaudi, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, V.8 e sobre “país”, ver ZUMTHOR, Paul (1993), La mesure du monde, Paris, Éditions du Seuil, 1993, p. 80 . Consultar também ROGER, Alain, “La naissance du paysage en Occident” e BERQUE, Augustin, “Urbss dat esse homini! La trajectivité des formes urbaines”, in SALGUEIRO, Heliana Angotti,(2000), Paisagem e Arte, São Paulo, Comitê Brasileiro de História da Arte, 2000. 129


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13. Ver SCHAMA, Simon (1995), Landscape and Memory, Londres, HarperCollins Publishers, 1995, p. 10. 14. “La nature ne sait rien de ce que nous nommons paysage”. Mels Van Zutphen, citado em ZUMTHOR, Op. cit, 1993, p. 15. Ver imagens comentadas por Choay, Op. Cit, após a página 161 realizadas por Claude Perrault, na França, no mesmo período. 16. RIEGL, Op. Cit, p. 69. 17. Idem, ibidem, p. 96. 18. Este trabalho foi selecionado para ser apresentado durante o evento Landscpe and Poltics Conference, promividdo pela Universidade de Edimburgo, Escócia, em março de 2001, com o auxílio do CNPq e da FAPEAL (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas). IMAGENS: 1. Desenho em aquarela extraído de um diário de bordo – Anna Victória Azevedo, UFAL, 1999. 2. Diários de bordo – Visita a cidades coloniais nordestinas – Grupo de Pesquisa, UFAL, 2000. 3. Grupo de Pesquisa, UFAL, 2000. 4 e 5. Experiência conduzida na disciplina Estudo da Forma, trabalho de estudantes da turma de 1999, UFAL.. 6 e 7. Croquis do projeto de intervenção de Anna Victória Azevedo, UFAL, 1999.

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Revitalização da Lapa Histórica, Residencial e Boêmia Maria de Lourdes Pinto Machado Costa Doutora em Arquitetura e Urbanismo - Coordenadora de Urbanismo / Centro de Arquitetura e Artes / Universidade Santa Úrsula e-mail: lourdescosta@gbl.com.br

Resumo O Projeto Revitalização da Lapa foi desenvolvido por solicitação da Secretaria do Estado de Cultura do Rio de Janeiro, a partir de 1999. Teve como resultado, sub-projetos que se destinam a beneficiar direta ou indiretamente usuários e espaços desse setor urbano periférico à Área Central da cidade, que conta com forte legado material e simbólico, nitidamente expressos em seu meio construído. Traduz sua identidade em tudo que ficou inscrito em seu espaço, em documentos, lembranças, memórias individuais e coletiva, relatos contados e escritos, impressões, crônicas literárias, charges, acervo musical. O Projeto buscou as relações entre o processo social e a forma espacial assumida, tendo como suporte a cultura. Associou, no âmbito pedagógico, no campo das Técnicas Retrospectivas, Ensino e Pesquisa, teoria e prática, voltados para a intervenção nas cidades existentes. Foram apontados, ao longo do trabalho, alguns pontos sobre os quais se requer ação imediata, entre tantos: (a) infra-estrutura básica e de serviços para a área, visando a dinamização do lazer, turismo cultural (b) questão habitacional na área, (c) concertação entre os agentes sociais envolvidos, com protagonismo dos poderes públicos, para viabilizar revitalização total, mesmo que gradativa, com participação da população, entidades representativas de seus diversificados segmentos, concessionárias de serviços urbanos, empresários, investidores. 131


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O texto menciona as etapas desenvolvidas ao longo do Projeto, a pesquisa realizada, com trabalhos inseridos no Programa de Iniciação Científica da Universidade e o quadro de intervenções, configurando-se um conjunto de propostas passíveis de contribuir para a revitalização da área. Revitalização da Lapa Histórica, Residencial e Boêmia O Projeto Revitalização da Lapa proporcionou a interação de conhecimentos, com base na realidade sócio-econômica e histórico-cultural local e o resultados obtidos possibilitaram que houvesse o intercâmbio entre instituições, profissionais, alunos e populações envolvidas. Ele contém sub-projetos e alternativas urbanísticos, integrados a ações setoriais para a valorização e qualificação da área. Buscando as relações entre o processo social e a forma espacial assumida nesse setor urbano, tendo como suporte a cultura, foi desenvolvido por solicitação da Secretaria do Estado de Cultura do Rio de Janeiro, em 1999/2000, chegando a estudos e sub-projetos que tratam de seus espaços, permitindo simultaneamente a formação de acervo documental, proveniente da recuperação de registros antigos e contemporâneos, objetivando a criação de um Centro de Memória dessa área periférica à Área Central da cidade. A Lapa com suas realidades objetiva e subjetiva pode ter sua vitalidade destacada, a partir da utilização do que de mais forte possui em sua identidade, apreendida através do que ficou nos ambientes, em documentos, lembranças, memórias individuais e coletiva, relatos contados e escritos, impressões, crônicas literárias, charges, acervo musical. O Projeto foi realizado duas etapas: a primeira composta de (a) Investigação Urbana, (b) Elaboração de Proposta Conceitual e (c) Montagem de Termo de Referência, com Projetos de Intervenção para a área. Esta etapa foi desenvolvida em duas disciplinas obrigatórias de Urbanismo, com alunos de duas turmas consecutivas, durante os dois semestres de 1999(1). 132


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A segunda etapa foi desenvolvida em disciplina eletiva, já que é raro que um trabalho solicitado tenha seu conteúdo totalmente tratado dentro de disciplina específica, que incluiu a complementação de estudos e a sistematização preliminar do conjunto de propostas. Foram desenvolvidos com base na pesquisa maior dois trabalhos de Iniciação Científica, que se estenderam até meados de 2001. (2) O texto evidencia um olhar sobre a área objeto de estudo e dos sub-projetos, a estrutura e referências básicas da pesquisa, a menção dos estudos e sub-projetos propostos nas disciplinas, no amplo âmbito das Técnicas Retrospectivas. A Lapa e seu legado A Lapa na cidade passou, de acordo com seu quadro evolutivo, de lugar privilegiado de moradia a centro da boemia, na primeira metade do presente século. Suas referências mais sólidas remontam ao século XVIII, quando nas origens sua área de terrenos alagadiços, vizinhos à Lagoa do Boqueirão (Passeio Público), ela contava com poucas residências, antigos caminhos e abrigava algumas edificações de arquitetura religiosa, como a Igreja e o Seminário da Lapa do Desterro. Na época, havia o problema do abastecimento de água potável, antes transportada por escravos, que tinham de vencer grandes distâncias, o que foi resolvido com a construção do Aqueduto da Carioca / Arcos da Lapa, levantados também pelo braço escravo, utilizando tijolos, pedra, areia, cal e óleo de baleia. Os Arcos foram o símbolo da cidade durante muitos anos. A Lapa no século XIX, enquanto arrabalde do centro, sentiu o movimento de expansão da cidade depois da chegada da família real portuguesa, com D. João VI aportando com sua comitiva. Instalou-se a corte no núcleo urbano, insuficiente então para acolhê-la. Foi por isso que surgiu na área aristocráticos sobrados construídos em antigas chácaras, 133


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onde até então se plantava mandioca, milho, cana e os primeiros pés de café. A Lapa virou passagem obrigatória, de acesso a outros cantos da cidade. Seus caminhos levavam para Estácio, Catete, Flamengo e com a divisão das terras feita sobre aterros de brejos, a cidade também por aí se estendeu, com parcelamentos nas ruas dos Inválidos, Rezende e Lavradio, disputadas pelas elites da época. Para o Morro de Santa Teresa iam os que queriam se distanciar das epidemias que diziam grassar na parte baixa da cidade. Pode-se desde cedo associar a imagem da Lapa às manifestações populares e religiosas, às comemoração da festa do Divino Espírito Santo, das mais importante daquele tempo. Bandas de violinos, tambores e clarins se mesclavam à barraquinhas armadas em seu Largo, com fogos de artifício à noite. No final do século, o Aqueduto foi desativado, passando o mesmo a comportar a linha de bondes, de acesso a Santa Teresa, servida até então por plano inclinado movido a vapor. No século XIX, em suas cercanias, foram construídos grandes teatros e os primeiros cinemas. A Lapa no final do século XIX era um espaço predominantemente de uso residencial, ocupado em boa parte por famílias abastadas, negociantes, profissionais liberais, homens de prestígio, com importantes papéis na esfera política. Junto haviam também casas de diversão - como o Alcazar Parque - hotéis, pensões, repúblicas de jovens poetas. As casas de “chopp berrante” continham palco para apresentações e música, especialmente nas ruas do Lavradio, Visconde do Rio Branco, no próprio núcleo da Lapa e adjacências. Já no período republicano, o século XX emerge revelando a idéia de “civilizar” o Rio de Janeiro, com o Prefeito Pereira Passos gerenciando grande empréstimo vindo da Inglaterra. A par da abertura de avenidas e construção de um moderno porto, a cidade conviveu com a expulsão de trabalhadores, moradores do centro, em conseqüência de desapropriações e demolições 134


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de residências, casebres e cortiços, mais a proibição de criação de vacas e porcos em área urbana. A Av. Mem de Sá rasga na Lapa, em diagonal, seus meios construído e natural, com o desmonte do Morro do Senado e aterro de lagoas ainda ali existentes nos arredores. Assim, as imagens da Lapa das “famílias” e da Lapa da boemia ocorrem devido ao período compreendido entre o final do século XIX e o começo do XX, com a oscilação na ciranda de valorização e desvalorização de bairros, fazendo com que moradores com maiores recursos aos poucos abandonem a Lapa, trocando-a por Botafogo, Jardim Botânico, Gávea, Copacabana, Leme, Ipanema ou Tijuca. Também a abertura de túneis, como o de Copacabana, contribui para isso. Com a valorização do centro para novos usos, esse movimento provocou na Lapa o aparecimento de cortiços, pensões, casas de cômodos, tascas, casas de lazer barato, retalhando o espaço de morar. A partir da primeira década do século XX, a Lapa, teoricamente identificada como zona periférica do núcleo central da cidade acolhe em seus limites artistas, poetas, escritores, que registraram seu cotidiano, com a presença da prostituição e da malandragem, marcadas em seus percursos diários. Eles ajudaram a desenhar boa parte do que ficou nas memórias histórica e coletiva do lugar. Muito se quer resgatar, através do reconhecimento dos elementos que permitiram a construção no passado de suas identidades espaciais, representados na paisagem urbana atual e nos registros das instituições da memória, entre museus, arquivos, bibliotecas e nas lembranças dos que a mantêm viva. A identidade espacial também pode ser reconstituída pelas músicas produzidas, em prosa e versos criados pelos jornalistas e contistas boêmios. Mas, a partir dos anos 40, a Lapa passou a sofrer intensa campanha de repressão e moralização, o que faz com que perdesse muito na sua 135


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aparência e conteúdo social, embora permanecessem as construções de interesse histórico e cultural. Cirurgias urbanas foram alterando fisionomias e pedaços de bairros da cidade, na medida em que estes se encontravam nas linhas dos vetores de expansão da cidade, exigidas pela imposição do transporte individual. As reurbanizações desde os anos 50 provocaram modificações substanciais do Largo da Lapa. Nos anos 70, a descaracterização em toda a cidade se faz muito pela demolição de parte do casario mais antigo, para abrir espaços para a circulação de veículos, sendo a “febre viária” responsável por muitas dessas subtrações em nosso patrimônio construído. A Lapa da atualidade se ressente da substituição de muitas atividades e, embora, nesse sentido tenha recebido considerável reforço quando do funcionamento do Circo Voador (a ressurgir com novo projeto e instalações), da Fundição Progresso e do movimento provocado pela Sala Cecília Meireles. Não conseguiu, contudo, contar com uma contaminação positiva permanente extensiva a toda a área, mas já receba de iniciativas particulares investimentos que vão pontuando aqui e ali dinâmica e animação, sobretudo à noite, o que vem se complementando com instalação ou recuperação de bares, restaurantes, gafieiras, casas de cultura, além dos espetáculos que têm tido como cenário os Arcos. Assim, a Lapa sinaliza positivamente com alguns empreendimentos, notadamente em relação aqueles levados pelos proprietários de antiquários, em especial da rua do Lavradio, que recebeu os benefícios de projeto de reurbanização. Considerando a localização e a origem das atividades, as vizinhas Cinelândia e Lapa configuram uma das áreas do Projeto do Corredor Cultural, apesar de sua diferenciação: na primeira, estão os principais monumentos do início do século - Teatro Municipal, Biblioteca Nacional e Escola Nacional de Belas Artes - próximo a um recorte espacial do movimento moderno, representado pela Av. Chile, além de contar com 136


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amplos espaços públicos; na segunda, a malha urbana se estreita, onde podem ser encontrados os antigos lotes de testadas reduzidas e grande profundidade, e uma arquitetura de características mais populares. No acervo arquitetônico da Lapa, quando se trata de bens tombados pelas esferas federal, estadual e municipal estão incluídos na primeira instância igrejas, aqueduto e o passeio público; na segunda lampadário, a Fundição Progresso, escolas e edifícios; na terceira estão registrados cortiço, garagem e conjunto arquitetônico. Guardando ainda significativo uso residencial, a Lapa mantém comércio de gêneros alimentícios e artesanato, apesar do esmorecimento destes dando lugar a oficinas mecânicas, aliás fato comum a tantas áreas que sofreram desativações econômica e social e que não se constituem território de especial interesse para promotores imobiliários. Dentro do quadro, destaca-se a situação precária da infraestrutura e de serviços urbanos, em especial da drenagem, que se agrava sob chuvas intensas. Reivindica-se até a coleta regular do lixo, de limpeza e varrição, bem como iluminação para melhorar as condições de segurança em seus setores. Outras carências são encontradas, como de estacionamentos e vagas controladas, sobretudo em período noturno. Esse atendimento faz-se necessário à preservação da Lapa. CONCEITOS E PRESSUPOSTOS DA INTERVENÇÃO A amplitude do conceito de revitalização entendido se apresentou aberto, flexível, com a preocupação precípua de beneficiar não só a área objeto de estudo, mas também as adjacências desse espaço a ser tratado, potencializando ou estimulando possíveis reverberações de setores do interior do Estado. As propostas pretendidas tiveram como traço comum 137


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tratar as ações de maneira a otimizar o potencial existente e se valer da colaboração e das articulações entre agentes, sem depender de investimentos onerosos, apenas concentrados em determinados pontos. Com isso, entendeu-se pressupor transformações gradativas, sem rupturas bruscas, valorizando história e tradição. Desta forma, a revitalização entendida logicamente como capaz de dar vida novamente é uma estratégia de intervenção, com a preservação do meio, incrementando e investindo em setores e atividades que pudessem reverter seus declínios, sejam de natureza social, econômica ou físico-ambiental. Trabalhou-se com os valores pertinentes às áreas consolidadas da Lapa, levantando-se os interesses dos segmentos da população, com sua diversidade, fazendo valer as marcas emblemáticas adquiridas ao longo de sua história. A intervenção urbana teve seu conceito baseado em PORTAS/86, que a entendeu como um conjunto de programas e projetos públicos ou de iniciativas autônomas, que incidem sobre tecidos antigos e/ou relativamente recentes como o do setor urbano em questão. Além da revitalização, ele aponta para outras intervenções que, no caso da Lapa, foram também utilizadas em alguns de seus sub-setores, como projetos de recuperação ou reabilitação urbana e reconstruções que se destinaram a recompor conjuntos arquitetônicos, urbanísticos ou paisagísticos, podendo ir da grande escala à escala da edificação, com o restauro. As propostas rebateram quaisquer práticas pautadas na substituição de configurações sócio-espaciais antigas por novas, sem descartar a possibilidade de novas inserções em meio à ocupação já consolidada. Operações articuladas entre poder público e iniciativa privada foram tão estimadas quanto assim o desejaram e demonstraram população local e representantes das associações, lojistas, hoteleiros e demais empreendedores dos setores culturais, de lazer e turismo da 138


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área. Etapas metodológicas e Princípios adotados para as propostas As etapas e procedimentos adotados na primeira etapa foram em síntese os seguintes: • Análise da área estudada integrada histórica e fisicamente no contexto urbano • Elaboração de Termo de Referência com os pressupostos das intervenções, visando melhoria das condições da área, sua autonomia, baseada no lturismo cultural • Propostas de intervenção, considerando os planos e programas para a área, com discernimento sobre a integração entre esferas públicas, entidades, agentes e população em geral. Valorização do potencial existente, com menores investimentos financeiros e geração de emprego e renda. Os princípios norteadores das propostas foram: • Projetos de intervenção respeitando os elementos estruturantes da dinâmica local, baseados em valores históricos, sócio-culturais e de identidade do lugar e seus usuários; • Abordagem de contexto, com estudos e levantamentos de área de intervenção e suas respectivas áreas de influência; • Processo de elaboração sustentado pela ação articulada entre os agentes a serem envolvidos com as intervenções: (1) O Estado, através de sua Secretaria de Cultura; (2) a Prefeitura, sobretudo por suas atribuições na ordenação do uso e ocupação do solo atual e futura; (3) a Comunidade local com suas entidades representativas e moradores; (4) as entidades públicas e privadas, objetivando inclusive o estabelecimento de possíveis parcerias nos empreendimentos;

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• Concepção de modo a considerar os resultados estéticos e de racionalização de custos, dando especial atenção à exeqüibilidade das propostas, com viabilidade de manutenção das instalações e funcionamento de equipamentos e mobiliário, cuidado no emprego de materiais, técnicas de execução e de utilização de mão-de-obra; • Envolvimento da população da área, não apenas como legitimadora das decisões, mas desde cedo integrado nas fases de identificação de precariedades e expectativas até a de propostas, visando implantação dos sub-projetos. SÍNTESE DOS ESTUDOS E SUB-PROJETOS As propostas tiveram também o propósito de trazer à discussão novas possibilidades de desenvolvimento da área, a elaboração de projetos alternativos, apoiados em recursos humanos, redes de relações sociais e potencial existente. Assim, vale destacar a ocorrência dos tipos mais freqüentes de sub-projetos para a área: • De desenvolvimento sócio-econômico - fortalecimento de estrutura hoteleira, habitações coletivas, restaurantes; • De urbanização – transformação de ruas comuns em especiais, a exemplo da rua de pedestres, tratamento de espaços públicos, qualificações com recuperação e conservação de conjuntos e construções; • De circulação: com altenativas de deslocamento na área, com veículos para circulação interna e de visitação de monumentos, de sinalização; • De animação cultural – centro de documentação da Lapa, centro de restauro, centro de arte, eventos programados em calendário oficial, circuitos associados de interesse histórico, gastronômico, turístico; • De geração de emprego e renda – centros profissionalizantes, treinamentos especiais

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A Pesquisa A Pesquisa deu seguimento aos estudos. Seu conteúdo pautou-se: pela viabilização e compatibilização entre subprojetos, pelos princípios acordados entre a Secretaria e o Núcleo de Pesquisa do CAA / USU e pela orientação requerida aos alunos do Curso de Graduação. Apresentou-se o Projeto como uma oportunidade para o estabelecimento de um processo de colaboração entre Governo e Universidade, discernindo os elementos irrefutáveis para a história desta cidade e desenvolvimento sócio-econômico e cultural da população envolvida. A Pesquisa se voltou para responder, com instrumentos atualizados, as transformações ocorridas em seu meio, vivenciadas por gerações da população de diversas épocas. Ela buscou resgatar noções de identidade cultural e de imagem local para a própria cidade, de forma que o morador e usuário em geral continue a se identificar com o lugar, fazendo crescer sua economia, sociabilização e auto-estima. Tais atualizações se deram na revisão do uso e ocupação, na busca de novos recursos que proporcionassem maior conforto e adequação aos ambientes, garantindo, ao mesmo tempo, maior segurança aos moradores, agentes sociais, com elos sedimentados nas redes de relações, de inovações e processos de criatividade. Nas propostas complementares, abriu-se espaço para novas possibilidades e parcerias, vislumbradas ao longo dos estudos, a existir entre setores público e privado, incluindo organizações não governamentais, entidades religiosas, associação de moradores, de lojistas, entre outros, visando patrocínio para construção e manutenção de equipamentos, tratamento de áreas e permutas que pudessem ser viabilizadas. Foi dada atenção também à normatização e regulamentações vigentes, como suporte legal que visasse indicar procedimentos necessários por ocasião das implantações. Adequações e inadequações de uso frente à 142


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revitalização urbana, dentro da qualificação local, com recomendações à legislação urbanística - usos, atividades e funcionamento de estabelecimentos comerciais (horários noturnos, comércio ambulante). Previu-se indicações para uma legislação urbanística compatibilizadora para a área. Considerou-se o trato das fachadas, com estudo e propostas para a padronização de anúncios, cartazes e luminosos e as alternativas que atingissem incentivos fiscais aplicados aos diferentes tipos de intervenção, tais como recuperação, preservação, reconstrução e reabilitações de edificações, conforme as propostas feitas, complementando as recomendações. A Iniciação Científica A Iniciação Científica desenvolveu-se a partir da Pesquisa realizada. Assim, no decorrer da investigação sobre a Lapa, evidenciou-se a necessidade de se considerar, com maior atenção, alguns setores que se apresentavam como estratégicos, mas que, de acordo com sua história, vêm sofrendo declínio sócio-ambiental. Foi o caso de seu setor habitacional, considerado indispensável para a revitalização da área. As propostas dirigidas, relativas à reabilitação de diferentes setores residenciais na área, passaram pelas fases preparatória (métodos e técnicas de pesquisa), de levantamentos, de análise e interpretação, e de consolidação de propostas, envolvendo diretrizes de intervenção, identificação de programas e projetos específicos, indicação de instrumentos legais, agentes e recursos viáveis para a implementação dos sub-projetos, com atenção, entre outras, da permanência dos moradores, capacidade de organização e respeito à sua situação financeira. As pesquisas de Iniciação Científica, desdobradas do Projeto de Revitalização solicitado, envolveu (1) o tratamento da moradia na área, procurando responder de forma adequada ao 143


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perfil dos moradores, recorrendo tanto a experiências e processos conhecidos, já utilizados institucionalmente, quanto a propostas que abrangessem mecanismos organizativos, com seus objetivos e propostas e (2) o desenvolvimento do setor de hospedagem, de apoio ao turismo cultural. Articulou a hotelaria e demais estabelecimentos com a qualificação dos espaços públicos, através da construção, recuperação e manutenção de equipamentos e infra-estrutura no setor. (3) A título de ilustração, foram selecionadas propostas provenientes de disciplina de Urbanismo e do Programa de Iniciação Científica da Universidade. 1º exemplo: Proposta apresentada para a Rua da Lapa, em disciplina de Urbanismo A Rua da Lapa constitui-se um canal de circulação, situado num dos extremos do setor urbano estudado. Encontra-se em situação que demanda intervenções em seus espaços públicos, valorização de monumentos como a Igreja N. Sra. do Desterro da Lapa, restauração de casarios e melhoria das condições de infra-estrutra e serviço de segurança, face a significado. A proposta foi de transformar a Rua da Lapa e o trecho inicial da Av. Mem de Sá até os Arcos em um grande corredor de atividades dinâmicas dioturnas, direcionando-as para a cultura e o lazer (livrarias, teatros, ateliês, cafés, restaurantes). Foi previsto o aproveitamento do recuo existente em frente ao edifício situado no No. 120 da rua, destinando o espaço para ocupação com mesas ao ar livre (centro gastronômico e bares). Da concepção consta a criação de um ambiente que facilitasse a transição entre as edificações contemporâneas e as de padrão arquitetônico predominante na rua. Foram redefinidos O Programa de Iniciação Científica contou com Bolsas da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, para as alunas Ana Isabel Espinha Ferreira da Costa (Hospedagem e Turismo) e Diliane Dayrell Drummond de Andrade (Habitação), de 3/2000 a 7/2001, tendo a orientação da autora. 144


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os usos, estimando-se seu fechamento eventual nos fins de semana, para atividades recreativas infantis e juvenis ou em ocasião de grandes eventos. O estacionamento de suporte seria o da Praça Mahatma Gandhi, adjacente à área. Tem como indicação a restauração das fachadas dos prédios de interesse histórico e arquitetônico, dos dois lados da rua, com utilização dos espaços internos dos sobrados desocupados para ateliês de artistas, estúdios de músicos e para o acolhimento de cursos de reciclagem e profissionalizantes, abrigando inclusive estudantes vindos do interior do Estado; para o andar térreo dos sobrado, sugeriu-se galerias de arte para os não ocupados. Optou-se pela padronização dos letreiros das fachadas, tendo como modelo a experiência do Projeto do Corredor Cultural já implantado. Foi definido o tratamento das calçadas, com harmonização do alinhamento e remanejamento de banca de jornal, visando a melhora da circulação de pedestres hoje existente. Torna-se essencial a complementação de serviços de apoio às novas e antigas atividades. Propôs-se, também, impedir-se a circulação de veículos pesados, mediante a inserção de um elemento limitador de altura de veículos. Proposta de Reabilitação Urbana, tendo como áreapiloto a Rua do Rezende: A implementação de um programa habitacional massivo nas áreas centrais e consolidadas da cidade é viável, tendo alternativa de moradia digna não só para encortiçados como para outros trabalhadores, que hoje, por falta de opção, habitam bairros periféricos da cidade. Trariam também efeitos extremamente positivos, o uso de áreas hoje subutilizadas, para essa finalidade. Por outro lado, a demanda por transportes e a necessidade de deslocamento seria reduzida, devido à proximidade da habitação com as áreas polarizadas de emprego, evitando-se a criação de novas demandas de infraestrutura e equipamentos sociais, sobrando mais recursos para 145


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atender as necessidades já existentes. Dados obtidos da Contagem feita pelo IBGE e, 1996, faz constatar que grande parte dos investimentos terá que se concentrar no setor habitacional, somando-se ao déficit existente a grande incidência de imóveis desocupados. Por estas razões, o Projeto de Reabilitação da Rua do Rezende visou recuperar, potencializar atividades compatíveis com a habitação e trazer novas possibilidades para a qualificação da área. A metodologia adotada no Projeto seguiu as seguintes etapas e obteve os seguintes produtos: (a) preparatória, de pesquisa bibliográfica e seleção de textos de natureza técnico-metodológica, (b) de levantamentos, análise e interpretação de informações disponíveis, (c) de propostas, partindo de entrevistas dirigidas, (d) de elaboração de diretrizes de intervenção, (e) de projeto de inserção de sobrados novos. Sua abrangência passou pela identificação de instrumentos legais e de agentes e recursos viáveis para sua implantação. Este projeto examinou o tratamento da moradia na área, buscando responder de forma adequada ao perfil dos moradores atuais e futuros, tendo como base as experiências. Os princípios da intervenção foram os seguinte: Manutenção do padrão de ocupação da Rua do Rezende, de forte caráter residencial; Reocupação de sobrados desocupados com uso residencial; Recomposição de fachada irregular de prédio inacabado de construção mais recente; Inserção de novas construções obedecendo as características do contexto presente na Rua do Rezende, de uso misto com proposta de ocupação em torno de pátio interno; Qualificação de espaço público com implantação de mobiliário urbano compatível (arborização, iluminação, pavimentação, orelhões, bancos e luminárias). Como fundamentação do projeto, vale destacar alguns aspectos: o fato de a Lapa se encontrar carente de iniciativas 146


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coordenadas por parte do poder público, arriscando descrédito em relação às ações públicas, por parte da população, onde aquelas hoje estão bastante sinalizadas pelas iniciativas autônomas, privadas. Contudo, estimou-se que a Lapa venha a receber, em seu território, investimentos coordenados pelos poderes públicos, bem como ser objeto de articulação entre setores afins com o habitacional e as atividades presentes em sua dinâmica.

Notas: 1. As disciplinas obrigatórias contaram com a orientação dos professores Maria de Lourdes P. M. Costa, Maria Paula L. G. de Albernaz, Mirian Capllonch Pérez-Gomar e Orlando de Magalhães Mollica. 2. A disciplina eletiva e a atividade de Iniciação Científica foram orientadas pela autora, coordenadora do Projeto. Em disciplina eletiva de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo, o Projeto contou-se com a colaboração de turma, também eletiva, orientada pela Professora Maria de Lourdes de Oliveira Luz.

Bibliografia Básica: ABREU, Maurício de A. (1987. A evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO/ J. Zahar, 1987. _________________ (1998). “Sobre a memória das cidades”. V Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. PUC Campinas 1998, 12 p. ALVES, Maria Juçá G. (1999). Lapa in festa 2. Rio de Janeiro: 147


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Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, 1999, 8 p. ANDRADE, Carlos R. Monteiro; BONDUKI, Nabil e ROSSETTO Rossella. Arquitetura & Habitação Social em São Paulo 1989-1992. Universidade de São Paulo / Escola de Engenharia de São Carlos/Departamento de Arquitetura e ª Planejamento. 2 Bienal Internacional de Arquitetura. AZEVEDO, Aluísio (1992). O Cortiço. São Paulo: Editora Ática, 1992. BANDEIRA, Manuel (1957). Flauta de papel. Rio de Janeiro: Alvorada Edições de Arte, 1957. BARREIROS, E. Canabrava (1965). Atlas da Evolução Urbana da Cidade do Rio de Janeiro: 1565 -1965. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1965. BONDUKI, Nabil (1999). “Do cortiço à habitação digna: Uma questão de vontade”. In Revista Urbs, fev./mar., 1999, pp. 34-44. COSTA, Maria de Lourdes P. M. (1998.) Transformação do espaço da cidade do Rio de Janeiro sob a ação do poder público entre 1964 e 1988. São Paulo: FAUUSP, 1998. Tese de doutoramento. COSTA, Rosalina Costa (1993). Em busca do espaço perdido. A reconstrução das identidades espaciais do bairro da Lapa na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ / Instituto de Geociências, 1993. Dissertação de mestrado. DAMATA, Gasparino (1965). “A Lapa está virando saudade”. In DAMATA, Gasparino (org.) Antologia da Lapa: vida boêmia no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Leitura, 1965. HARMS, Hans; LUDEÑA, Wiley; PFEIFFER, Peter.(Editores) 148


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(1996). ”Vivir en el centro”. Hamburgo: Techinische Universität Hamburg-Hargurg, 1996, 280 p. HARVEY, David (1993). A condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyila, 1993. INSTITUTO MUNICIPAL DE ARTE E CULTURA (1989). Corredor Cultural: como recuperar, reformar ou construir seu imóvel. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: ª RIOARTE,IPLANRIO, 1989 (2 edição), 82 p INSTITUTO DE PLANEJAMENTO MUNICIPAL - IPLANRIO. (1991) Arcos da Carioca 1755 – 1988.Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1991 (4a. edição). KOWARICK, Lucio y ANT, Clara. “Cortiços, cem anos de promiscuidade”. São Paulo: Revista Novos Estudos CEBRAP, vol. 3 ,No. 2. MAGALHÃES, Sergio Ferraz, MOREIRA, Clarisse da Costa (1999). “Cortiço e outras oportunidades”. In Revista Urbs, fev./mar.,1999, pp 44-47. MEIRA, Maria Elisa (1998). “Técnicas Retrospectivas: manutenção e reabilitação da paisagem construída”. In Anais do XV Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo. ABEA, Campo Grande, Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, 1998. PORTAS, Nuno. (1986) “Notas sobre a intervenção na cidade existente”. Revista Espaço e Debates No. 17, pp. 94-104. PREFEITURA DA CIDADE DO Rio de Janeiro. (1998) Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO, 1995-1997. SALES, S. Doya. “Tipologia habitacional em áreas de zonas do 149


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Grande Recife”. (1998) Revista Projeto. São Paulo: Projeto Editores / Fademac, 1998 (número especial). SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. (1984) “Preservar não é tombar. Renovar não é botar tudo abaixo”. In Revista do Patrimônio, 1984. VILLAÇA, Flavio. (1980) A estrutura Territorial da metrópole sul brasileira: áreas residenciais e comerciais. São Paulo: Universidade de São Paulo / FFCL. Tese de Doutorado. Imagem: Reconstituição da evolução do Largo da Lapa, em 1758 (1o. quadro), 1840, 1906, 1958 e 1988 . Painel montado pela autora a partir dos painéis da linha de trabalho de “história visual” desenvolvida pelo IPLANRIO, em seu Núcleo de Memória Urbana, em 1991(4a. edição).

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Reforçando Retrospectivas: teoria, história, projeto, planejamento e tecnologia; ensino, pesquisa e extensão; Trabalho Final de Graduação Ester Judite Bendjouya Gutierrez Graduação: Arquitetura e Urbanismo/UFRGS - Especialização: Fenomenologia da Educação/UFPel - Mestrado: História Ibero-Americana/PUCRS - Doutorado: História do Brasil/PUCRS - Trabalho: Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/ UFPel e-mail: ester@ufpel.tche.br e ester@conex.com.br

Resumo Como diz o título, Reforçando Retrospectivas, nos dois primeiros momentos, chamados, respectivamente, de “Teoria, história, projeto, planejamento e tecnologia” e de “Ensino, pesquisa e extensão” resgata e comenta textos já apresentados, citados e discutidos em eventos anteriores da ABEA, por último, em “Trabalho Final de Graduação” cita pesquisa inédita, mostrando a freqüente escolha dos novos profissionais em arquitetura e urbanismo em trabalhar com a matéria Técnicas Retrospectivas. A temática: colocação do problema e da resposta A temática, Técnicas Retrospectivas, com seus título, subtítulos e itens: “Manutenção e Reabilitação da Paisagem Construída”, A questão das práticas pedagógicas no ensino das Técnicas Retrospectivas e suas conexões com as demais matérias profissionais e de fundamentação constituí uma área de conhecimento ampla. Ultrapassa as próprias fronteiras. Essa afirmação foi reforçada, pelo presidente da ABEA, professor Itamar Kalil, através de pontos para reflexões enviados 151


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aos professores, estudantes de graduação e de pós-graduação, coordenadores, chefes de departamento e diretores dos cursos de arquitetura e urbanismo com o objetivo de aquecer os debates e deliberações do XI CONABEA e XVII ENSEA. Fundamentalmente, os encaminhamentos referem-se a questão levantada pela professora Maria Elisa Meira, no XV ENSEA: ‘[...] que qualificações necessita o arquiteto e urbanista para dominar o conhecimento sobre o patrimônio construído pela humanidade e sobre a intervenção no espaço das cidades já existentes?’

A mesma correspondência, citando as Diretrizes Curriculares, enviadas ao MEC em 1998, a responde, quando descreve os conhecimentos e habilidades requeridos para o exercício profissional: ‘[...] o domínio de teorias, práticas projetuais e soluções tecnológicas para a preservação, conservação, restauro, reconstrução e reabilitação de edificações, conjuntos e cidades.’

1. Teoria, história, projeto, planejamento e tecnologia Está respondida a pergunta. Parece fácil. Seria simples caso tivéssemos como princípio pedagógico o compromisso das escolas com o interesse coletivo. Além dos valores histórico, artístico e cultural, da importância para a identidade um povo, o patrimônio arquitetônico, urbano e rural pode ser compreendido como um capital social, uma herança coletiva, construído por gerações de trabalhadores escravizados, libertos, livres pobres, modernamente, assalariados, hoje, muitas vezes, terceirizados, acompanhados de biscateiros e que, apesar de terem construído esse legado, continuam a 152


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sobreviver, ou a vagar em locais sujeitos às intempéries, às maiores secas ou enchentes. O reaproveitamento das construções passa por uma amplo espectro que vai, do pagamento da dívida social, atualmente, discutida nos fóruns locais e internacionais, como percorre a economia e atravessa a ecologia. Não é possível reconstruir o nosso entorno a cada geração. A recuperação das áreas edificadas está intimamente ligada à manutenção do patrimônio natural. A preservação vincula-se a sustentabilidade. Não a sustentabilidade dos agentes financeiros que a entende como ganhar mais dinheiro, mas sim, a sustentabilidade do planeta, da dignidade da vida humana; que quer dizer, a manutenção, reabilitação e construção da biodiversidade, das diferentes sociedades, culturas e da cidadania. O momento agora é de aniquilamento de monumentos da Antigüidade, da contemporaneidade, das crianças, dos adultos, dos velhos, dos homens e das mulheres, pela fome, armas mortíferas de todos os tipos e das terras, das águas, dos céus, pelas opções de novas tecnologias de produção de massas que atende a poucos. Por isso, nossas práticas pedagógicas tem de ser ao contrário, ao revés de todo o imaginário que tem passado nos últimos tempos. Não a competição, sim a cooperação, não a destruição, sim a conservação. Nessa conjuntura de devastação, parece utópico falar assim. Trabalhar com a utopia é próprio dos professores, dos arquitetos e urbanistas no processo de formar, de dar forma, de desenhar, de designo, de vir a ser, de projetar e planejar. Em primeiro, a matéria Técnicas Retrospectivas, responde de uma postura frente ao mundo. Obviamente, os olhares, nas diversas escolas de diferentes regiões, vai parecer e ser, entre sombras e luzes, diversas cores, em diferentes matizes. 153


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Em A cidade e o arquiteto, Leonardo Benévolo, trata dos “executores da conservação”, nesse item, começa dizendo: “Se quisermos conservar os artefatos tradicionais é preciso salvaguardar as profissões tradicionais, que já serviram no passado para construir esses artefatos e que têm agora de servir para os manter.”1 De certa maneira, o autor condiciona à manutenção da profissão à conservação dos edifícios. E, termina, dizendo: “A conservação dos bens culturais, dos edifícios e dos centros históricos faz portanto parte de um programa mais vasto: a manutenção e a reabilitação de toda a paisagem construída no passado distante e próximo. As técnicas as que podemos chamar retrospectivas - de conservação, restauro, restruturação e reconstrução de artefatos - têm um peso cada vez maior na produção contemporânea.”2 Esse ponto é reforçado pelas diretrizes curriculares para os cursos de arquitetura e urbanismo, Portaria 1770/94, que adota a terminologia de Benevolo para diferenciar as intervenções - conservação, restauro, restruturação e reconstrução de artefatos, que no caso do currículo brasileiro, “artefatos” foi inteligentemente substituído por “edificações, conjuntos e cidades”. Particularmente, acrescentaria as construções rurais. A terminologia de Benévolo e das Diretrizes Curriculares é reforçada, em 1998, pela professora Maria Elisa Meira, no XV Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo, no texto “Técnicas Retrospectivas: manutenção e reabilitação da paisagem construída”. Para isto, a autora, em primeiro, cita a Carta da Unesco/UIA, onde recorta o que chama de eixo ético que “norteia” - particularmente, por morar na fronteira meridional diria - que “direciona”, a ação pedagógica dos cursos de arquitetura e urbanismo é o desenvolvimento de uma atitude de responsabilidade técnica e social que tem como princípios: ‘a) qualidade de vida para todos os habitantes dos assentamentos humanos; b) uso tecnológico que respeite as 154


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necessidades sociais, cultural e estéticas dos povos; c) equilíbrio ecológico e desenvolvimento sustentável do ambiente natural e construído; d) valorização da arquitetura e do urbanismo como patrimônio e responsabilidade de todos.’ 3 Em segundo, Maria Elisa chama a atenção para Antônio Gramsci, na seguinte citação: ‘um especialista conhece seu ofício não apenas praticamente, mas também teórica e historicamente. Ele não só pensa com maior rigor lógico, com maior coerência, com maior espírito de sistema do que os outros homens, como conhece também a história de sua especialidades.”4 Depois, assume o repertório explicitado nas Diretrizes Curriculares e exposto por Benévolo para as Técnicas Retrospectivas, dos quatro tipos de famílias de intervenção, como já foi dito, a conservação, o restauro, a restruturação e a reconstrução.5 Maria Elisa afirma que a pobreza não só justifica como obriga à atitude de preservar, como tentei fazer no início deste texto, explica: “para não comprometer mais homens, paisagem e produtos das relações com o acervo construído, patrimônio cultural, econômico e social de nossas gentes [...].”6 Por fim, assegura que o campo da matéria Técnicas Retrospectivas envolve todos os aspectos - teoria, história, projeto e tecnologia e acrescenta; “Não poderia ser diferente visto que na proposta Técnica Retrospectivas correspondem as tarefas relativas a manutenção da arquitetura e do urbanismo.”7 Não restam dúvidas que a matéria Técnicas Retrospectivas está relacionada com a teoria, a história, o projeto, o planejamento e a tecnologia, no que diz respeito, à construção, aos sistemas estruturais, ao conforto ambiental. O nó com o projeto abrange à arquitetura, ao urbanismo, ao paisagismo. A trama com o planejamento está no urbano e no regional. O laço envolve os conhecimentos de fundamentação como a estética e história das artes; os estudos sociais, econômicos e ambientais; o desenho e meios de representação e expressão. 155


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No citado livro, A cidade e o arquiteto, no item “O contributo da história para o ensino de arquitetura”, o autor faz uma crítica e uma proposta ao ensino da história nas faculdades italianas. Em síntese, propõe para os primeiros anos um ensino que considere: “[...] de modo unitário as tipologias da projecção nas várias escalas, que mostre a evolução das tipologias e o valor metodológico deste processo aberto, em que o autor dos projetos terá de inserir-se na prática, forneceria, pelo contrário, uma orientação imediata aos alunos que estudam a projecção e equilibraria a importância das pesquisas sobre ambientes (antigos e modernos) considerados como possíveis de campos de intervenção.”8 Para o ensino precedente, conduzido com o mesmo espírito do antecedente, deveria ser completado e generalizado por um tratamento de todo o campo da arquitetura do passado, aquele que vai da Baixa Idade Média até o século XIX. No caso desses dois ensinos serem simultâneos, sobressairia o estreito laço de união entre os dois temas. Um terceiro tipo de ensino, o da História das Artes, distinto e paralelo ao da arquitetura, permitiria o confronto entre os dois pontos de vista e evitaria subordinação de um ao outro. Quem sou eu para discordar do autor? Porém, no meu ponto de vista, a análise do desenvolvimento das tipologias ao longo da história fazem parte do processo de projetação. Além do proposto por Leonardo Benévolo, somari uma outra linha de estudos, neste caso, enfocando a história da arquitetura, do urbanismo e da cidade como representativa da história geral. Não mais uma história que só fale dos grandes mestres e dos monumentos, mas que, sobretudo, enfoque os lugares marginais e foque os trabalhadores manuais. Que relacione as histórias da arquitetura, do urbanismo, da cidade, do trabalho intelectual e, sobretudo, braçal e, ao mesmo tempo, os vincule às soluções estéticas e técnicas. Atualmente, historiadores da chamada “Nova História”, para contar a história social, tem utilizado como fontes de 156


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pesquisas edifícios, cidades, projetos, tratados. Sem desmerecer esses investigadores, nós arquitetos e urbanistas fizemos uma leitura qualificada desses documentos iconográficos. Claro, que nosso interesse não é contar a vida sócio econômica ou política, mas, a dos objetos arquitetônicos e urbanos, que obviamente são representativos da economia, da política, da ideologia de determinados momentos de uma sociedade, de um determinado lugar. Essa quarta linha de estudos justifica-se por dois motivos: o primeiro, diz respeito a uma formação que leve professores e alunos a uma consciência política; o segundo, ao avanço do conhecimento, que sem dúvida, ao lado da graduação de profissionais, faz parte dos objetivos gerais das universidades. Identificar as permanências e as rupturas das sociedades e das suas construções ajudam na compreensão e na solução da problemática em agora em debate. Esses são conhecimentos difíceis de serem produzidos fora do âmbito acadêmico. Acrescente-se ainda ao proposto por Benévolo, em especial, o estudo das cidades ibero-americanas, sobretudo, das brasileiras, particularmente, das regiões onde cada curso de arquitetura e urbanismo está inserido, sem esquecer a contribuição dos nativos, dos africanos e afrodescendentes. Escrevendo sobre “A disciplina de Técnicas Retrospectivas”, o arquiteto e urbanista Antônio Custódio resumidamente conclui que a falta de formação especializada, sobretudo na execução: 1. envolve questões éticas, fere a qualidade das intervenções, conceitualmente, tecnicamente, atingindo a autenticidade da obra, o que é irreversível; 2. leva a não utilização de métodos científicos e, com isto, as obras são abordadas como reformas e colocados usos inadequados em detrimento dos valores culturais do lugar. Por isso, defende “[...] a importância de investir estrategicamente na capacitação de técnicos e especialistas, nos diversos níveis, para efetivamente, preservar com qualidade e excelência requeridas, o patrimônio brasileiro.”9 157


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O mesmo autor, junto com sua equipe do Departamento de Promoção do IPHAN, no mesmo XV ENSEA, apresentou a pesquisa, A disciplina de ‘Técnicas Retrospectivas’ no currículo de arquitetura & urbanismo das universidades brasileiras. Nesse trabalho, foram solicitadas a aproximadamente 50 Faculdades do país, que enviassem ao IPHAN, as emendas da(s) disciplina(s) em questão. Entre outras conclusões, independente da freqüência dos conteúdos ministrados nos cursos, a investigação mostrou um quadro, contemplando a teoria, a história e, mesmo sem aferir a incidência e carga horária é possível detectar um pouco das tecnologias e dos projetos, reunidos em cinco blocos, que chamou de unidades: 1. Teoria e história da conservação - Internacional e no Brasil, conceitos de patrimônio cultural, arquitetônico, arqueológico e afins, enfoques e critérios; 2. Aspectos normativos e institucionais - Cartas patrimoniais internacionais, legislação pertinente no Brasil, instituições internacionais e nacionais; 3. Prática da conservação I - O tombamento e outras formas de proteção, inventários: métodos, modelos, aplicação, exercício prático, levantamento arquitetônico -; 4. Prática de conservação II - Materiais e técnicas tradicionais, degradação dos materiais, patologias do edifício e diagnóstico, métodos de restauração, utilização de novos materiais, revitalização / “refuncionalização” (adaptação de usos), noções de museologia e arquitetura e museus, monumentos históricos e turismo, estudo de caso; 5. Preservação no contexto urbano - Planejamento urbano e conservação, núcleos históricos: conservação e revitalização, funções urbanas e metabolismo das cidades, a questão do entorno dos monumentos, novas intervenções em contextos pré-existentes, núcleos históricos e turismo, estudo de casos e viagem de estudos.10

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2. Ensino, pesquisa e extensão No quadro apresentado, observa-se que as viagens de estudo, diferente ao que diz a Portaria 1770/94, permanece dentro de disciplinas. Esta é uma das dificuldades, que permanecem nas escolas e que poderiam ser soluções. Tanto a dita Portaria, de 1994, como a Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, prevêem outras atividades práticas e teóricas, individuais e em equipe, para o desenvolvimento dos conteúdos essenciais. Todas elas, explicitadas nas diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, como, viagens de estudos para o conhecimento das obras arquitetônicas e dos conjuntos históricos, de cidades e regiões que ofereçam soluções de interesse e de unidades de conservação do patrimônio natural, como também estão, as visitas a canteiros de obras, levantamentos de campo em edificações e bairros, consultas a arquivos e a instituições, contatos com autoridades da gestão urbana, além de aulas teóricas, complementadas por conferências e palestras, produção em atelieres, experimentação em laboratórios, elaboração de modelos, utilização de computadores, consulta a bibliotecas e a bancos de dados, pesquisas temáticas, bibliográficas e iconográficas, documentação de arquitetura, urbanismo e paisagismo e produção de inventários e banco de dados; projetos de pesquisa e extensão; emprego de fotografia e vídeo; escritórios-modelo de arquitetura e urbanismo; núcleos de serviços à comunidade; participação em atividades extracurriculares, como encontros, exposições, concursos, premiações, seminários internos ou externos à instituição, bem como a sua organização, adaptam-se perfeitamente à matéria Técnicas Retrospectivas. Ainda mais, podem fazer parte de pesquisas e extensões. Até aí nenhuma novidade. E, é tão fundamental a novidade? Saber ver, também pode ter valor.

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3. Trabalho final de Graduação (TFG) Tenho realizado algumas pesquisas sobre o ensino de arquitetura e urbanismo. Entre essas, como tema de aula, em 1998, analisei os Trabalhos Finais de Graduação, entre os anos de 1989 e 1997, encaminhados ao concurso nacional de graduandos. Nesse período, do evento participaram 1712 trabalhos de 57 cursos de graduação em arquitetura e urbanismo do país. Sucessivamente, esses trabalhos passaram por avaliações locais, comissões julgadoras regionais e nacionais. Para cada avaliação anual foram compostas diferentes bancas e vinte e cinco trabalhos foram selecionados para compor uma mostra e devidas premiações. No final do ano de 1994, a portaria 1770 do MEC instituiu as condições e diretrizes dos cursos de graduação em arquitetura. Nesse documento, entre outras determinações, a matéria Técnicas Retrospectivas e o TFG tornaram-se obrigatórios, nesse último, dentro das habilitações profissionais, o tema é de livre escolha do graduando. Os cursos tiveram seis anos para se adaptar. No momento da pesquisa, cada escola estava numa situação. Ao analisar os 225 trabalhos escolhidos foi observado que 73, ou seja, 32% diziam respeito ao patrimônio. Desses 40, 18%, a maior freqüência entre os diversos temas escolhidos, trataram das intervenções em áreas urbanas; dois, acolheram a problemática da legislação patrimonial nas cidades; 31, 14% preocuparam-se com os edifícios, sendo 14, sob o título de revitalização; onze, de reciclagem; dois, de restauração e quatro, de intervenção. Esses números demonstram o interesse dos jovens profissionais pelo tema da preservação e que esses preferem as fatias urbanas aos prédios isolados. Esta escolha evidencia que os cursos estão trabalhando com a matéria, porque muitos formandos sentiram-se seguros em tratar da matéria em pauta. Apesar disso, mostram a confusão conceitual do tipo das intervenção e não seguiram o repertório 160


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da Portaria, conceituado por Leonardo Benévolo e defendido por Maria Elisa Meira. Anualmente, as comissões julgadoras, reforçaram falta de habitação entre os temas escolhidos. As escolhas habitação, no seu sentido mais amplo, e patrimônio cultural não são antagônicos. Nossos centros históricos estão cheios de cortiços em casas degradadas, de ruínas abandonadas, servindo de refúgio a população que perambula pelas ruas das cidades.

NOTAS: 1 BENÉVOLO, Leonardo. (1984) A cidade e o arquiteto. São Paulo: Martins Fontes, 1984. p. 139. 2 Id. ib. p. 146. 3 UNESCO/UIA (1996). Charter for architectural education UIA Work Programme Education, s/i. Citado por MEIRA, Maria Elisa. “Técnicas Retrospectivas: manutenção e reabilitação da paisagem construída”. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO (15: 1998, Campo Grande- MS). Anais. Campo Grande: ABEA, 1988. p. 250 4 GRAMSCI, Antônio (1991). A concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. p. 34 citado por MEIRA (1998), obra citada. p. 250-1 5 MEIRA (1998), obra citada. p. 252. 6 Id. Ib. p. 253. 7 Id. Ib. p. 254. 8 BENÉVOLO (1984), obra citada. p. 134-5

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9 CUSTÓDIO, Luiz Antônio Bolcato. “Disciplina de Técnicas Retrospectivas” In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO (15: 1998, Campo Grande- MS). Anais. Campo Grande: ABEA, 1988. p. 258. 10 INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Departamento de Promoção. (1998) A disciplina de Técnicas Retrospectivas no currículo de arquitetura e urbanismo nas universidades brasileiras: situação atual e diretrizes. Palestra proferida no XV ENSEA, Campo Grande - MS, 1998. Material editorado.

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Conservação e Restauração de Monumentos Arquitetônicos Desenvolvimento de trabalhos teóricopráticos William S. M. Bittar Arquiteto, Livre Docente em Arquitetura, Professor de Arquitetura no Brasil e Técnicas Retrospectivas da UGF/ UFRJ/ USU e-mail: wiiliamb@domain.com.br

Cristina Malafaia C. Stramandinoli Arquiteta, Mestre em Conforto Ambiental, Professora de Conforto Ambiental e Modelos Reduzidos da Universidade Gama Filho e-mail: arqdt@ugf.br

Resumo Este trabalho tem como objetivo apresentar como o programa da disciplina de Conservação e Restauração em Monumentos Arquitetônicos é desenvolvido no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Gama Filho, enfocando sua aplicação na prática de propostas de intervenções em bens culturais localizados principalmente na cidade do Rio de Janeiro e sua integração com disciplinas do mesmo período ou já concluídas. Esta integração vertical ou horizontal ocorre utilizando como elementos essenciais às suas propostas a representação tridimensional e gráfica desenvolvidas em unidades de programa constantes nas disciplinas de desenho de arquitetura, maquetes e computação gráfica.

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1 - Antecedentes O Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Gama Filho há cerca de quinze anos vem oferecendo regularmente a disciplina Conservação e Restauração em Monumentos Arquitetônicos, inicialmente em caráter eletivo, até a edição da Portaria nº1770, de 21/12/1994, que fixa as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo. A referida portaria estabelece a obrigatoriedade da inclusão de Técnicas Retrospectivas como Matéria Profissional e define que “o estudo das Técnicas Retrospectivas inclui a conservação, restauro, reestruturação e reconstrução de edifícios e conjuntos urbanos”.1 Considerando o conteúdo programático assim como os trabalhos curriculares desenvolvidos, a disciplina Conservação e Restauração em Monumentos Arquitetônicos já preenchia os requisitos e foi incluída no currículo ou conteúdo mínimo conforme o disposto na referida portaria. Com esta inclusão na grade curricular obrigatória, foi possível estabelecer uma correspondência com outras disciplinas, inclusive aquelas que a orientação acadêmica recomenda cursar no respectivo período. 2 - OBJETIVOS DA DISCIPLINA Esta disciplina está inserida no aconselhamento curricular no sexto período do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Gama Filho, possuindo como pré-requisitos as disciplinas de Evolução da Arquitetura, Teoria e crítica da Arquitetura e Arquitetura no Brasil 1 e 2. Os seus objetivos principais são: a análise do valor cultural e social das arquiteturas próprias de outras épocas, bem como das técnicas construtivas utilizadas e suas evoluções; a habilitação para pesquisa e elaboração do inventário arquitetônico; o desenvolvimento de habilidades para o projeto de restauração e revitalização. Estes objetivos são 164


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desenvolvidos através do estudo da sua conceituação, critérios e recomendações nacionais e internacionais, legislação, confecção de inventário, tipos de intervenção e propostas de restaurações e revitalizações. 3 – Metodologia da Disciplina A disciplina de Conservação e Restauração é definida em duas fases principais: Inicialmente instrumentaliza-se um embasamento teórico, apresentando a conceituação de patrimônio histórico, artístico e cultural e a sua conservação, restauração, reconstituição e revitalização, analisando-se legislações nacionais e internacionais e recomendações atualizadas. A segunda fase compreende a aplicação prática dos conceitos, quando o aluno realiza uma análise um projeto executado como ferramenta de crítica pós-ocupacional e posteriormente desenvolve uma proposta própria, realizando um inventário sucedido de estudos preliminares referentes a uma proposta de intervenção em um bem cultural. 3.1 – DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO 3.1.1. A escolha do objetivo de estudo Visando maior integração da disciplina com a prática profissional, esta etapa procura utilizar com objetos de estudo bens localizados na cidade do Rio de Janeiro. Esta restrição permite que os alunos, de forma mais otimizada, tenham acesso não apenas aos arquivos públicos mas também ao bem em questão, permitindo uma visitação mais constante para realização e confirmação de dados para confecção do inventário. Em alguns casos, admite-se a inclusão de imóveis fora

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do estado do Rio, considerando que vários alunos da Instituição são originários de outros municípios e estados, estabelecendo uma ligação política e até mesmo afetiva com o objeto de estudo. Em algumas ocasiões este trabalho produziu resultados surpreendentes, encaminhados às prefeituras locais. P.ex. Campanha, em Minas Gerais. Além desta sugestão restritiva, apenas recomenda-se que o bem tenha considerável valor cultural e esteja em condições insatisfatórias de uso e conservação, permitindo a intervenção. Por uma questão de metodologia, não se restringe época para as edificações, procurando ratificar o aspecto cultural e não apenas o histórico, desconsiderando-se tempo de existência, situação já consagrada internacionalmente. 3.1.2 - A realização do inventário Após a seleção do objeto de estudo, este deve ser inventariado de forma completa, coletando dados correspondentes à planta de situação, implantação, entorno, histórico, evolução, tipologia estilística, funcional e construtiva, detalhes significativos, plantas, fachadas, descrições e toda a referência iconográfica que puder ser resgatada. Todo o material é organizado em fichamento, em modelo padrão desenvolvido por alunos da Instituição, conforme modelos utilizados em Instituições de excelência na área e são apresentados desenhos registrando o estado atual do bem, apoiado em farta documentação fotográfica. 3.1.3 – A realização dos estudos preliminares Devido às exigências temporais (duração do semestre letivo), após a realização do inventário e algumas informações preliminares recolhidas no local, são desenvolvidas propostas de intervenção, cuja decisão estará relacionada às condições do bem avaliado, em nível de estudos preliminares. Conforme a avaliação do estado de conservação, 166


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caracterização, necessidades locais e a intenção de tornar o bem útil à sociedade2 para viabilizá-lo, define-se a proposta de uso, com apresentação de material gráfico correspondente. 3.1.4 – Interdisciplinaridade no Desenvolvimento da Proposta de Intervenção Considerando-se que, segundo o aconselhamento curricular, a disciplina é oferecida no sexto período (3º ano), o aluno cursou, além dos pré-requisitos, algumas disciplinas projetuais, outras associadas à concepção estrutural e todas aquelas que tratam da representação gráfica e tridimensional, portanto instrumentos suficientes para subsidiar sua proposta e representá-la graficamente de forma compreensível e coerente. Paralelamente à disciplina de Conservação e Restauração em Monumentos Arquitetônicos o aluno deve estar cursando as disciplinas de Projetos de Estruturas Especiais, onde ele adquire informações sobre o comportamento das estruturas em aço e madeira visando o projeto de arquitetura, e a disciplina de Concreto Armado I, que tem como objetivo o desenvolvimento de noções básicas do cálculo estrutural em concreto armado. Estas duas disciplinas, servem como suporte para o aluno realizar análises ou propostas das estruturas utilizadas nos imóveis que serão estudados. As propostas de intervenção são apresentadas através de inventário, desenhos e, em alguns casos, com modelos tridimensionais. O desenvolvimento gráfico, em sua maioria, utilizandose da computação gráfica, com o programa AUTOCAD, facilita a reprodução de desenhos em qualquer escala, a confecção de legendas, etc.. Esta ferramenta, computação gráfica, é ministrada no primeiro ano de curso através de duas disciplinas (Int. à Computação Gráfica aplicada a arquitetura (Autocad) e Computação Gráfica aplicada a arquitetura (3D studio),

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complementada pelo uso diário do o laboratório de informática para desenvolvimento dos trabalhos. Para melhor compreensão das propostas, a visualização do objeto em três dimensões é ferramenta fundamental, obtida através de maquetes eletrônicas ou modelos tridimensionais. Apesar da qualidade dos laboratórios de informática da Instituição, utilizando sempre programas atualizados, o modelo reduzido ainda é o meio mais utilizado pelos alunos, pois é um recurso que pode apresentar todos os detalhes da intervenção, prescindindo de equipamentos mais sofisticados, nem sempre disponíveis. O suporte para o desenvolvimento desses modelos é feito através da disciplina de Maquetes, locada no segundo período, com apoio da oficina de maquetes com funcionamento integral e orientação do corpo docente para dirimir dúvidas, apresentar sugestões e auxiliar na confecção de detalhes mais complexos. Produzida durante um trabalho interdisciplinar, a maquete do Chafariz da Praça XV de Novembro, no Rio de Janeiro, atribuído ao Mestre Valentim é um exemplo da qualidade desta integração. Considerando-se seu estado atual (outubro de 2001), que apresenta danos relevantes em seus ornamentos, este registro torna-se importante referência para futura restauração.

Fig.1 – Foto da Maquete do Chafariz

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4 – Atividades de extensão como produto da interdisciplinaridade.

O CASO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO EM MONUMENTOS ARQUITETÔNICOS O incentivo aos alunos na busca de objetos de estudo onde a intervenção se mostre factível tem produzido propostas que se tornaram alvo de convênios da Universidade com a Comunidade, despertada pelo interesse no trabalho, permitindo a implementação de projetos de extensão. O caso mais recente corresponde à proposta de Restauração da Igreja de São Pedro do Encantado, no Rio de Janeiro, trabalho inicialmente desenvolvido por um grupo de alunos da disciplina de Conservação e Restauração. Considerando-se a alta qualidade dos resultados, o material foi encaminhado ao Padre José Maria, responsável pela Paróquia. Interessado no desenvolvimento da proposta, mediou o convênio entre a Universidade Gama Filho, a Câmara Comunitária de Piedade e a Arquidiocese do Rio de Janeiro, ficando o Curso de Arquitetura e Urbanismo responsável pelo detalhamento do projeto. Contando com a participação do corpo discente e com a orientação do corpo docente, o trabalho foi desenvolvido durante cerca de um ano, resultando no inventário completo do bem que, embora tombado pela prefeitura, não possuía documentação, na proposta de restauração, revitalizando o antigo templo, num painel ilustrado para exposição junto à comunidade que junto a um modelo reduzido, doados à igreja, funcionam como instrumentos de divulgação daquele patrimônio e da

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necessidade de sua recuperação.

Fig.2 - Igreja de São Pedro, durante os trabalhos de levantamento

Fig.3 - Levantamento de planta e fachada em seu estado atual (2001) 170


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Fig.4 - Legenda: O modelo tridimensional como instrumento de visualização dos resultados

O Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Gama Filho já esteve envolvido em outros convênios, inclusive tratando de bem de maior complexidade, como a proposta para restauração da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da antiga Sé, no Rio de Janeiro, trabalho que já mereceu artigos em revistas especializadas e elogios da UNESCO. Naquela ocasião também houve a relação de interdisciplinaridade e a participação conjunta de professores e alunos que produziu extenso inventário, o levantamento completo de todas as plantas e fachadas e uma proposta de restauração, acompanhada de uma proposição de uso e um cronograma de serviços. A maquete desenvolvida por uma equipe de alunos com orientação de professores da Instituição foi doada à Arquidiocese 171


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e se encontra em exposição na sacristia da edificação, cujas obras iniciaram-se em setembro de 2001.

Fig.5 - Maquete da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé Centro - RJ.

5 – Considerações Finais. Quando foi publicada a portaria 1770, supracitada, muitos dos itens ali dispostos já registravam-se como prática no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Gama Filho, facilitando de sobremaneira seu ajustamento àquelas recomendações. Na área em questão, a disciplina de Conservação e Restauração em Monumentos Arquitetônicos já era oferecida, ainda que em caráter eletivo; o curso já realizava, regularmente, visitas a cidades e conjuntos históricos, inclusive internacionais; já havia o objetivo de integrar disciplinas com a realidade cotidiana e a prática profissional. Assim, mais do que adequar currículo e programas a uma 172


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nova realidade foi possível extrapolar estes objetivos e associar o trabalho desenvolvido no curso de graduação a atividades de extensão através de convênios, proporcionando ao aluno o contato direto com a vida profissional, ainda quando estudante, a reciclagem e aperfeiçoamento do corpo docente e a inserção da universidade na sociedade, numa desejável troca de conhecimentos. Portanto, no ensino de Técnicas Retrospectivas, aqui representado pela disciplina Conservação e Restauração em Monumentos registramos interdisciplinaridade, atualização de ferramental e aplicação de conhecimentos, fatores conjugados na tentativa constante de obter produtos de excelência.

NOTAS: 1. Art. 4º, §2º, da Portaria nº1770, de 21 de dezembro de 1994. 2. Conforme recomenda a Carta de Veneza em seu Art.5º. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANAIS DO I SEMINÁRIO SOBRE EXTENSÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO. Salvador: ABEA, nº14, set. 1994. ANONI, Ambrogio. Scienza ed Arte de Restauro Archittetonico - idee ed exempli. Milano: Artistiche Framar, 1946. BITTAR, William Seba Mallmann. A evolução do ensino de Arquitetura no Brasil. Monografia apresentada ao Curso de “Especialização Docente”, UGF. Rio de Janeiro: dat, nov. 1994. CESCHI, Carlo. Teoria e Storia del Restauro. Roma: Mario Bulzoni, 1970. 173


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CHUVA, Marcia. A Invenção do Patrimônio. Brasília: IPHAN, 1995. COELHO, Olinio G.P. Do Patrimônio Cultural. Rio de Janeiro: 1992. CONSEIL DE L’EUROPE. Criteres er methodes pour inventaire de protection. Barcelona: Conseil de la Cooperatinon Culturelle, 1965. INSTITUTO MUNICIPAL DE ARTE E CULTURA. Corredor Cultural: como Recuperar, reformar ou construir seu imóvel. Rio de Janeiro: Rio Arte/IPLAN RIO, 1985. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Cartas Patrimoniais. Brasília: IPHAN, 1995. LEMOS, Carlos A.C. O que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense, 1981. MENDES, Marylka e BAPTISTA, Antonio Carlos Nunes. Restauração: ciência e arte. Rio de Janeiro: UFRJ; IPHAN, 1996. Portaria nª1770, de 21 de dezembro de 1994. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, nº243, 23 de dezembro de 1994, seção 1. VARINE-BOHAN, Hugues. Patrimônio Cultural: a experiência internacional. São Paulo: FAU/USP, 1975.

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Interdisciplinaridade no Ensino de Técnicas Retrospectivas Ana Aparecida Villanueva Rodrigues Arquiteta e Urbanista - Mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP/ SP - Coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocinio, ITU-SP - Professora das Disciplinas: Técnicas Retrospectivas e Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo das Seguintes Instituições: Universidade Paulista em Campinas em Campinas -SP e Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocinio ITU-SP. - Coordenadora da Coordenadoria do Patrimônio Cultural, Secretaria Municipal de Cultura Esportes e Turismo, Prefeitura de Campinas-SP e-mail arabesco@correionet.com.br

Nas diretrizes curriculares aprovadas em 1998, a disciplina Técnicas Retrospectivas aparece no campo de conhecimentos profissionais, e suas competências e habilidades vêm definidas da seguinte forma: Técnicas Retrospectivas: adequado conhecimento da teoria e das possibilidades de resolução tecnológica e habilidade para resolver problemas e conceber projetos, para conservação, restauro, reestruturação, reabilitação e reconstrução de edifícios e conjuntos urbanos pertencentes ao acervo construído e ao patrimônio cultural. Nesta definição, fica explícita a interdisciplinaridade pretendida para a matéria porém, na prática torna-se complexa e ampla demais para sua execução no período de um ano letivo. Teoria, tecnologia, projeto, planejamento urbano e regional devem, segundo tal definição, estar contidos nas competências e habilidades da disciplina de T.R. Esta característica abrangente da disciplina, faz com que alguns Cursos optem por enfatizar uma ou outra área do conhecimento, para vencer o programa curricular e a sua carga horária. Parece-me conveniente indagar sobre as competências definidas: 175


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O que é o “adequado conhecimento da teoria?” Em outubro de 1994, a F.A.U. U.S.P. organizou o Seminário Nacional sobre o “Estudo da História na Formação do Arquiteto”, onde dentre várias reflexões, cabe aqui ressaltar as considerações do professor Nestor Goulart Reis Filho¹, sobre o ensino da História nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo na passagem do Academicismo para o Modernismo: Segundo Reis Filho, o Movimento Modernista era o foco nesta época, e “Para os modernistas, a Arquitetura era desistoricizada. O modernismo era uma ruptura com o passado. A principal diretriz de trabalho era a negação do passado recente – século XIX e início do XX. A arquitetura desse período era vista como um conjunto quase homogêneo e rejeitada em bloco. As diferenças entre as obras e mesmo os trabalhos dos arquitetos de maior talento nesse período eram simplesmente ignorados”. ²

Esta negação da arquitetura eclética do século XIX e início do XX permeou e permeia o ensino de Arquitetura e Urbanismo nos nossos Cursos. Mas como negá-la, numa cidade como Campinas, onde o patrimônio arquitetônico significativo existente hoje é fruto da riqueza do café, da implantação da ferrovia e dos ideais republicanos do final do século XIX? E assim como Campinas, muitas outras cidades brasileiras com um rico acervo arquitetônico eclético. A atitude dos arquitetos do Movimento Moderno de desistoricizar o projeto, pode ser compreendida no seu momento histórico, entre outros motivos pela necessidade de negar o seu passado recente para impor a arquitetura que se pretendia. Mas qual a conseqüência desta atitude para o ensino de arquitetura? Ainda citando Reis Filho: As questões teóricas e históricas que deixavam de ser tratadas com maior profundidade no meio universitário e nas áreas profissionais até 1950, foram abordadas no 176


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Brasil de forma sistemática, a partir do final da década de 30, pelas equipes do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.³

O SPHAN, desta forma acabou preenchendo a lacuna causada pelos Modernistas na reforma do ensino de Arquitetura, na década de 30. Porém, mesmo sendo de grande qualificação, a visão dos técnicos do SPHAN estava comprometida com a valorização e conservação da arquitetura colonial brasileira, e em especial a arquitetura colonial mineira, ficando a arquitetura eclética desprestigiada e muitas vezes com indicação do próprio órgão para sua demolição. Hoje, com a introdução obrigatória da disciplina Técnicas Retrospectivas nas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Arquitetura, o ensino universitário retoma para si a discussão que jamais deveria ter deixado os meios acadêmicos (não significa que os órgãos de preservação devam deixar de exercer pesquisas para proceder a obras de restauro). As questões teóricas irão permear também outras áreas do conhecimento, dentro da disciplina Técnicas Retrospectivas, pois como obter o “adequado conhecimento das possibilidades de resolução tecnológica”, se não houver o adequado ensino da “história das técnicas?” E ainda como conceber projetos, sem o devido conhecimento dos conceitos teóricos fundamentais sobre o que é conservação, restauro, reestruturação, reabilitação e reconstrução? Sem o conhecimento das teorias do restauro estilístico de Viollet lê Duc, sem a reação racionalista de Ruskin e Morris, sem o conhecimento das Cartas Internacionais, sem a Teoria e prática do restauro de Cesari Brandi? E tudo isto aplicado à edificação e à cidade. Por outro lado as questões teóricas não são capazes de por si só, de abranger todos os problemas tecnológicos e de projeto, por exemplo, como é composta quimicamente uma parede de taipa de pilão? Como construí-la hoje? Qual o sistema de apoios necessários para sua sustentação? Que forças 177


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atuam na sua estabilidade? Como consolidar em termos de material, uma parede de taipa semidestruída, independentemente da linha conceitual de restauro adotada? Qual a forma adequada à intervenção ou reconstrução, dentro de uma determinada linha conceitual de restauro e ao programa arquitetônico adotado no exercício de projeto da disciplina? Fica claro que sem o conhecimento de técnicas construtivas e das especificidades de projeto, não é possível aplicar o conhecimento das teorias defendido anteriormente. Mas além de tudo isto, é necessário: conhecer as legislações existentes no mundo, no Brasil e regionalmente; saber como os órgãos oficiais têm atuado; como ocorre a preservação não oficial e como acontecem as experiências contemporâneas de projetos de restauro ou consolidação. Acrescente-se a tudo isto as discussões filosóficas: O que é valor? O que deve ser preservado, o que tem significado, para que e para quem deve ser preservado o patrimônio cultural? Como definir patrimônio cultural e bens intangíveis? Estas são questões que nem os órgãos de preservação conseguem responder. Então, como fica nosso amplo currículo da disciplina Técnicas Retrospectivas? Nenhuma destas questões é simples o suficiente para ser abordada de maneira mais superficial, e por outro lado, não se tem tempo hábil para aprofundá-las. Devido à interdisciplinaridade de T. R. pode-se imaginá-la como um “pré T.F.G.”, que deveria ter continuidade neste trabalho final de graduação. Deste ponto de vista, é aconselhável esta disciplina encontrar-se na grade curricular do penúltimo ano do Curso. Negativamente, já pude observar alunos que passaram por esta disciplina no penúltimo ano do Curso, conseguiram integrar as diversas áreas do conhecimento, mas quando chegaram no T.F.G., não alcançaram a desejada interdisciplinaridade em suas intervenções em áreas ou prédios históricos. Talvez por uma limitação da estrutura do T.F.G., talvez 178


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pelo quadro especializado dos docentes. A verdade, é que as competências da disciplina Técnicas Retrospectivas, suscitam um outro problema maior, difícil de ser equacionado e quase sempre deixado de lado por comodismo, ou por falta de condições estruturais, que é a sonhada integração das disciplinas. Argan sintetiza no meu entender, a integração das diversas facetas do conhecimento do Arquiteto e Urbanista, no seguinte pensamento: Projetar é conservar e transmitir! Do mesmo modo, e com a mesma parte de erro e de razão com que dizemos que o urbanista projeta para o futuro, podemos dizer que projeta para o passado, na medida em que também projeta o que deve ser conservado; e, mesmo que projete não conservar nada, projeta conservar as idéias pelas quais decidiu não conservar nada e mudar tudo. Quem estivesse realmente convencido de que a cidade de amanhã será total, radicalmente diferente da do passado e da atual (o que, afinal, significaria totalmente privada de memória) e quisesse de fato ajuda-la a ser assim, só poderia conceber um projeto: a destruição total, absoluta do mundo. Esse projeto infelizmente existe, mas a bomba atômica não foi inventada pelos urbanistas.4

Nem pelos Arquitetos Modernos... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. REIS FILHO, Nestor Goulart. ALGUMAS RAÍZES. Origens da pesquisa sobre História da Arquitetura, da Urbanização e do Urbanismo no Brasil.São Paulo: Seminário Nacional “O estudo da história na formação do Arquiteto”, Mesa Redonda ”Arquitetura, Sociedade, História”, FAUUSP, 1994. 2. Ibid. 3. Ibid. 4. ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1992. 179


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Técnicas Retrospectivas: instrumental para identificação do patrimônio cultural e definição de políticas públicas de desenvolvimento urbano Enio Moro Junior Arquiteto e Urbanista, Mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Doutorando pela mesma instituição, Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Unviersidade do Grande ABC.

Silvia Helena Passarelli Arquiteta e Urbanista, Mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Doutoranda pela mesma instituição, Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Grande ABC, Coordenadora do Laboratório Espaço Urbano de Qualidade. e-mail: silviahp@directnet.com.br

Resumo Nosso Curso de Arquitetura e Urbanismo está localizado no município de Santo André, em um campus único que integra os cursos da Universidade do Grande ABC, Sub-região Sudeste da Região Metropolitana de São Paulo – Região ABC –, e, desde seu início, em 1994, teve como preocupação desenvolver junto aos alunos a problemática da Região Metropolitana de São Paulo e, particularmente da Região ABC e de seus sete municípios. É dentro deste enfoque que desenvolvemos o programa das disciplinas de formação em Arquitetura e Urbanismo, onde o olhar sobre a cidade e sobre seus marcos históricos, culturais e de identidade é exercitado nas Disciplinas de Desenho Urbano, Planejamento Urbano e Regional, Paisagismo e de Técnicas Retrospectivas. Este documento busca relatar nossa experiência junto à

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Disciplina de Técnicas Retrospectivas, cujo programa se propõe, a partir do conceito de cultura, desenvolver junto ao corpo discente questões de identificação do patrimônio cultural e de instrumentos legais para sua preservação e alternativas para sua manutenção, recuperação e preservação. Neste sentido, a história urbana recente da Região ABC, sua relação com o trabalho na indústria e com a moradia e o crescimento recente do setor terciário, forma um pano de fundo interessante para o debate e o exercício de “o que”, “por que” e “como” preservar bens culturais dentro do momento histórico atual de globalização e transformações urbanas. Algumas considerações sobre o nosso Curso O pressuposto da proposta de trabalho de nosso Curso tem por objetivo coordenar as características gerais da formação do Arquiteto e Urbanista de modo o habilitar a exercer democraticamente e em plenitude suas atribuições profissionais, conforme a Lei 5.194, de 24 de dezembro de 1966 que regulamenta o exercício profissional. Dentro deste princípio, toda a atuação acadêmica procura contextualizar a realidade brasileira, particularmente no que se refere às mudanças dos paradigmas das relações entre Estado e Sociedade, buscando a inserção do profissional aos problemas da cidade e da sua responsabilidade social como cidadão. Esta opção acentua na Região ABC, berço da indústria automobilística e da organização do trabalhador, que assiste a recente redução das possibilidades de emprego na indústria em um aglomerado urbano com um grande passivo acumulado de carências urbanas, sociais e ambientais. Esta situação se mostra de forma bastante evidente, também nos diferentes momentos históricos da ocupação urbana, transformando espaços específicos de nossa realidade em um imenso painel de problemas arquitetônicos e urbanísticos, desafiando a criatividade do profissional, bem como exigindo a capacidade de trabalho interdisciplinar e em grupo. 181


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Mesmo considerando a abrangência da nossa atuação profissional, o Arquiteto e Urbanista da UniABC possui conhecimentos específicos sobre a região do Grande ABC: a migração industrial, a ocupação irregular de áreas, a reestruturação econômica, ocupação de áreas ambientalmente sensíveis e de área de mananciais, assim como a reciclagem de usos e atividades, a reurbanização e a recuperação, bem como as carências por equipamentos de cultura, turismo e lazer numa área desenhada para o trabalho. Preocupados com esta realidade, totalmente distinta e inovadora deste início de século, adotamos as seguintes diretrizes para formação dos novos arquitetos e urbanistas: a regionalização dos objetos de estudo – tendo a Região do ABC como principal foco de nossas atividades –; a integração comunitária, reforçando em todos os aspetos o papel social do arquiteto dentro da perspectiva de desenvolvimento de projetos que visem a inclusão social. Assim nosso Curso trabalha com o objetivo da formação de profissionais para o pleno exercício de suas atividades nos diversos campos que compõe as áreas da Arquitetura e Urbanismo, enfatizando os compromissos com a Região do Grande ABC, habilitando o profissional arquiteto e urbanista para o pleno exercício e integrado às grandes questões das demandas globalizadas e para a sua atuação como um profissional liberal, assalariado ou prestador de serviços em entidades públicas e privadas. Assim, buscamos formar um profissional que não só reproduza os conhecimentos adquiridos, mas que também se mostre capacitado a desenvolver posturas críticas que possibilitem a ampla discussão por melhorias das condições de qualidade de vida, além de assumir uma postura crítica ao processo de ensino, que por vezes limita-se à simples reprodução de técnicas e exercícios, discutimos Arquitetura e Urbanismo como elemento fundamental para um objetivo maior: a produção de uma sociedade mais digna e justa. 182


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A Região ABC: nosso objeto de estudo Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras. (Ítalo Calvino)

A localização privilegiada de nosso Curso, nos coloca , assim, em frente ao desafio das rápidas transformações ambientais e urbanas, reflexos das mudanças da economia mundial. Formada por sete municípios: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, é parte integrante do maior pólo industrial e de serviços da América Latina, possuindo cerca de 2,4 milhões de habitantes de acordo com dados do último censo do IBGE, realizado no ano 2000, correspondendo a 13% da população da Região Metropolitana do Estado de São Paulo.

O ABC e a Região Metropolitana de São Paulo – no destaque, o Município de Santo André.

A Região como um todo teve um forte crescimento econômico e social desde o início do século XX com a duplicação da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí – a primeira 183


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ferrovia paulista posta em funcionamento em 1867 – e a instalação de indústrias às suas margens, uma indústria diversificada em seus setores: química e farmacêutica, têxtil, de transformação da madeira e da borracha. Durante toda a primeira metade do século, o emprego industrial atraiu moradores do interior de São Paulo – descendentes de colonos italianos que fugiam da queda do café de 1929 –, Paraná e Minas Gerais e grupos de imigrantes europeus que fugiam da escassez do período entre guerras.

Moinho Fanuchi – implantado no final dos anos 30, junto à via férrea, Santo André

Durante esta primeira metade do século XX, foi grande a expansão urbana com a implantação de bairros, em sua maioria para operários, e com uma característica urbana bastante distinta da maioria das cidades brasileiras: na Região ABC, particularmente nas cidades servidas pela via férrea, a estação ferroviária e sua praça frontal formam o principal centro da 184


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cidade, o local de compras, de circular e encontrar as pessoas. A Igreja Católica, em geral, está distante das áreas de maior circulação de pessoas, afastada do centro. A década de 50, assistiu a uma nova expansão industrial, desta vez com a indústria do automóvel, que passou a ser marca de identidade do ABC e de seus trabalhadores, e a construção de vias expressas e rodovias, como a Rodovia Anchieta, local preferencial das muitas montadoras de veículos que aqui se instalaram. Junto a este crescimento da indústria, o crescimento populacional foi, sem dúvida, desproporcional a pouca estrutura urbana existente, com grande número de migrantes nordestinos que procuravam por emprego nas indústrias automobilística e de construção civil. Neste cenário, fortes transformações urbanas já se mostram, com o início da verticalização dos centros urbanos, a implantação de grandes conjuntos habitacionais para operários e a ocupação de áreas ambientalmente sensíveis como margens de córregos e terrenos de alta declividade, assim como a invasão de terras públicas e privadas com a formação das primeiras favelas na década de 60.

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Núcleo Tamarutaca – Santo André

Desde meados da década de 1980, os mesmos problemas de todas as metrópoles do mundo: com a desconcentração industrial, automação da produção e crescimento do terciário, aliado à expulsão da população de menor renda para as áreas de maior fragilidade ambiental, em área de proteção e recuperação aos mananciais, áreas estas que têm apresentado taxas de crescimento populacional superiores à média de crescimento do Estado e da Região Metropolitana, estabelecendo desafios para a formação do Arquiteto e Urbanista no que se refere a garantir adequadas condições de qualidade de vida, desenvolvimento econômico e qualidade ambiental.

Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Região do ABC – Bacia da Represa Billings

A formação do Arquiteto e Urbanista, neste cenário oferece-nos um especial desafio. Além de necessitarmos preparar o acadêmico para o pleno desenvolvimento profissional, capaz de responder a demandas tradicionais e emergentes da sociedade, precisamos também habilitar um profissional com um denso aparato crítico que o conduza à reflexão e evolução de conceitos e o prepare 186


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para uma análise crítica das mudanças que vivemos. A concepção, implantação e desenvolvimento de um curso de Arquitetura e Urbanismo na região do Grande ABC referenda-se no papel social da Universidade: identificar demandas regionais, criar espaços para a produção de conhecimentos gerais e específicos, responder às necessidades da comunidade por meio da formação de profissionais conscientes e atuantes. Técnicas Retrospectivas: a valorização de identidade cultural local A Disciplina de Técnicas Retrospectivas, dentro do contexto de nosso Curso, busca, então, fornecer instrumental ao acadêmico em formação para reconhecer e valorizar os marcos de identidade cultural do ABC em diferentes escalas de abordagem: o bairro, o município, a Região, e se coloca diante do desafio de identificar, em um território de pouco mais de um século de história, o patrimônio cultural existente, mesmo não sendo ele reconhecido pelos organismos de salvaguarda de bens históricos e culturais – sejam eles de caráter nacional, como o IPHAN, estadual, como o CONDEPHAAT, ou ainda de caráter municipal (este último, existente em algumas destes sete municípios, porém sem grande atuação). Nesta perspectiva, a disciplina se desenvolve com atividades teóricas e conceituais e exercícios práticos em áreas urbanas da Região, onde se procura identificar elementos construídos pelo homem ou do meio natural que merecem ser tratados como bens culturais, cabendo ao aluno estabelecer as formas de valorizar e preservar aquele bem. Dentro das atividades teóricas, por meio de aulas expositivas, debates de textos, exposição de imagens e vídeos, conceituar cultura e patrimônio. Durante todo o transcorrer da Disciplina, por meio dos recursos disponíveis na Universidade 187


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e a experiência do aluno, é destacado o caráter dinâmico da cultura e que ela se estabelece a partir de um processo de comunicação que se transmite e apreende e, portanto, forma a identidade. Ao mesmo tempo, são destacadas as inúmeras formas de manifestação da cultura: pelos processos de trabalho, organização social, política e econômica, festas e tradições, manifestações artísticas e saber popular, possibilitando reconhecer que há uma cultura oficial, reconhecida e consagrada pelos órgãos que realizam sua salvaguarda – Museus, Arquivos, Bibliotecas e Conselhos de Preservação – e uma cultura “não oficial”, uma cultura que faz parte do cotidiano do cidadão que se mostra nos bairros, no interior da fábrica, no interior dos bares. Diante da amplitude do tema, também são enfocados os aspectos históricos e legais sobre a preservação, restauro e mecanismos de salvaguarda do patrimônio cultural, a partir da análise das cartas patrimoniais das Conferências da Unesco, UIA, DOCOMO entre outras entidades de caráter internacional, bem como as cartas de recomendação de congressos nacionais e a legislação de proteção do patrimônio – cultural e natural – existente no Brasil. Dentro de um resgate da história local, os bens culturais consagrados pelos órgãos de defesa do patrimônio são apresentados, destacando a monumentalidade e a excepcionalidade destes bens em relação à paisagem regional. É curioso observar, que poucos conhecem os bens tombados da Região, a exceção da Vila de Paranapiacaba, a vila de operários ferroviários construída pelos ingleses no final do século XIX, o que desperta um interesse maior dos alunos em conhecer os bens culturais da Região e, ao mesmo tempo, executar o exercício de reconhecer e identificar outros elementos marcantes da cultura local e regional, possibilitando uma formação mais generalista do Arquiteto e Urbanista e uma 188


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atuação mais objetiva quando sua atuação frente a reformas e reciclagens de espaços, elaboração de planos urbanos e projetos de identidade visual, urbanização das favelas, gerenciamento de obras públicas, e participação em equipes multidisciplinares para elaboração de relatórios de impacto de meio ambiente e relatórios de impacto de vizinhança, ambos previstos na legislação brasileira pós-aprovação da Constituição de 1988 e mais recentemente com a aprovação do Estatuto da Cidade.

Vila de Paranapiacaba – vista aérea de 1940.

Dentro de nossa Região, são poucos os exemplos de bens restaurados e efetivamente preservados – o antigo primeiro Grupo Escolar de São Bernardo, atualmente abrigando o Museu de Santo André, e a Capela do Pilar, no Município de Ribeirão Pires, são os raros exemplos de bens culturais tombados pelo Estado que se encontram em bom estado de conservação. Muitos projetos e estudos de recuperação e revitalização de 189


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bens tombados também são apresentados, analisados e debatidos na sala de aula, como os de revitalização da Vila de Paranapiacaba, do acervo histórico do Caminho do Mar, que envolve a Calçada do Lorena, a Estrada Velha do Mar e os Monumentos ali existentes e construídos em 1922, mostrando alternativas de intervenção no espaço edificado e no meio natural, bem como a dificuldade de implementação de projetos públicos e a necessidade do envolvimento da sociedade para a efetiva preservação e recuperação do patrimônio cultural. Diante da necessidade de avaliação dos conhecimentos apreendidos na Disciplina, os alunos são motivados a propor intervenções urbanísticas e/ou arquitetônicas para a valorização de um bem cultural, escolhido e devidamente justificado pelo grupo o que permite destacar aspectos positivos da paisagem local e regional, escondidos em meio aos deslocamentos do cotidiano. Todo este conteúdo é também integrado às Disciplinas de Desenho Urbano, Planejamento Urbano e Regional e Paisagismo, onde é valorizada a identificação de áreas de interesse de preservação, recuperação, revitalização ou, ainda, renovação da paisagem urbana, bem como o estabelecimento de alternativas legais e intervenções urbanísticas e paisagísticas. Ainda dentro do processo de formação do aluno e de modo a viabilizar a experimentação e a vivência destas questões nos mais variados graus de complexidade, o Curso de Arquitetura e Urbanismo da UniABC promove viagens a locais de interesse ao desenvolvimento do estudo e assim, aproxima o aluno a outras realidades e a vivência de situações reais. Visitas ao Rio de Janeiro, cidades históricas de Minas, Salvador, Santos e outras cidades reforçam o aprendizado e destacam o caráter interdisciplinar da formação do Arquiteto e Urbanista. Laboratório Espaço Urbano de Qualidade: a pesquisa institucional e a prática 190


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O Curso de Arquitetura e Urbanismo inaugurou, em 1998, o primeiro ciclo de pesquisa institucional, onde professores passaram a desenvolver estudos sistemáticos sobre aspectos sobre o ensino, tecnologia e questões habitacionais e de desenvolvimento urbano. Dentre as dezoito pesquisas concluídas neste ciclo, três delas tiveram referência direta a diferentes abordagens sobre o patrimônio cultural, o que deu suporte a colocar a Universidade na coordenação do Laboratório Espaço Urbano de Qualidade, aprovado pela Câmara Regional do Grande ABC, com a participação do Governo do Estado, representado pelo CONDEPHAAT, do Consórcio Intermunicipal do ABC, que reúne os prefeitos dos sete municípios que compõem a Região, e da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, que oferece suporte técnico e de pesquisa ao Consórcio. A criação do Laboratório Espaço Urbano de Qualidade faz parte de um dos acordos da Câmara do Grande ABC, aprovado em Assembléia do Conselho Deliberativo em 28 de janeiro de 2000, dentro do Eixo Estruturante 5 – Ambiente Urbano de Qualidade. O Laboratório de Espaço Urbano de Qualidade deverá analisar os diversos padrões de urbanização na Região, com o objetivo delinear os fatores que configuram os espaços de qualidade, e propor mecanismos para divulgar e valorizar estes bens para a própria Região, bem como identificar áreas de potencial de qualidade urbana a serem revitalizadas; além de subsidiar a consolidação de um Plano de Preservação através da realização de um Inventário de Bens Históricos, Culturais e Ambientais da Região. Assim, os professores pesquisadores do Laboratório, em conjunto com os técnicos dos órgãos públicos municipais e estadual, estarão trabalhando na identificação do patrimônio cultural como um fator de melhoria da qualidade de vida e desenvolvendo estudos e pesquisas sobre o espaço urbano dentro de uma ampla gama de temáticas, desde a 191


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representação de idéias em seu aspecto sensível, através da leitura, registro e iconografia do espaço, até a avaliação crítica e propositiva. Neste sentido, o Laboratório integra, dentro da UniABC, uma linha de pesquisa sobre o espaço urbano e o patrimônio cultural e que se propõe a contribuir com o desenvolvimento e aprimoramento de conceitos, metodologias e visão crítica sobre a formação e as transformações do espaço urbano. Dentro desta abordagem, durante o ano 2000 e início de 2001, está sendo desenvolvido um primeiro projeto de pesquisa do Laboratório: o projeto 7Cidades. A pesquisa 7Cidades tem como objetivo o inventário de espaços significativos e marcos referenciais das sete cidades da Região ABC e, para tanto, se propõe a aplicar uma metodologia de percepção do espaço urbano que permita integrar o olhar do pesquisador, do técnico das prefeituras e dos moradores-usuários das cidades, numa perspectiva de valorização da memória urbana local e regional. O enfoque da pesquisa recai sobre o patrimônio cultural, elemento que acreditamos ser de fundamental importância para a gestão pública e o desenvolvimento social e econômico das cidades e, portanto, de melhoria de qualidade de vida urbana. Trata-se, portanto, de uma produção de dados primários, que permitirá outras abordagens científicas, bem como embasar tomadas de decisões para a gestão urbana, tanto de organismos regionais como os de caráter local. O processo metodológico da pesquisa se desenvolve, paralelamente em duas frentes: uma primeira desenvolve a abordagem conceitual e metodológica, e outra de levantamento de dados primários, a partir de dados históricos e do conhecimento dos técnicos das Prefeituras e de visitas de campo, com a identificação de aspectos significativos do espaço urbano em seu aspecto sensível, através da leitura do espaço, registro e iconografia, a partir das seguintes etapas:

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a. varredura perceptiva por todos os centros das sete cidades que compõem o ABC, bem como da malha de articulação regional, de modo a favorecer a percepção da totalidade do espaço. b. mapeamento dos condicionantes geográficos e históricos do Grande ABC. c. registros iconográficos e documentação dos espaços significativos, buscando a participação da população por meio de oficinas de desenhos e entrevistas. d. debates com técnicos das prefeituras, associações profissionais e/ou associações de moradores. e. análise e interpretação dos dados, contendo recomendações sobre os elementos significativos do espaço urbano, ou seja, aqueles que são referenciais para a população. Pretende-se, a partir destes elementos, fornecer instrumentos de ação aos Poderes Executivos Municipais no que refere à definição de políticas públicas de desenvolvimento urbano e de requalificação ambiental das cidades que formam a Região ABC. O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o quê, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo e abrir espaço. (Ítalo Calvino)

Arq. Enio Moro Junior Arquiteto e Urbanista, Mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Doutorando pela mesma Instituição, Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Grande ABC. 193


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Arq. Silvia Helena Passarelli Arquiteta e Urbanista, Mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Doutoranda pela mesma Instituição, Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Grande ABC, Coordenadora do Laboratório Espaço Urbano de Qualidade. Email: silviahp@directnet.com.br BIBLIOGRAFIA: ARGAN, Giulio Carlo (1984). História da arte como história da cidade. Tradução Pier Luigi Cabra. São Paulo: Martins Fontes, 1995. BRASIL; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1995). Cartas Patrimoniais. Brasília: IPHAN, 1995. CALVINO, Ítalo (1972). As Cidades Invisíveis. Tradução Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CARDOSO, Fernando Henrique, CUNHA LIMA, Jorge, COSTA, Tito (1981). Álbum memória de São Bernardo. São Bernardo do Campo: Secretaria Municipal de Educação Cultura e Esportes, 1981. CHOAY, Françoise (1992). A alegoria do patrimônio. Tradução Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade; Unesp, 2001. CONSÓRCIO Intermunicipal do Alto Tamanduateí e Billings. Câmara ABC: A Região encontra soluções. São Paulo: MZ Comunicação & Marketing, s.d. CONSÓRCIO Intermunicipal do Alto Tamanduateí e Billings; CÂMARA do Grande ABC. “Planejamento Regional Estratégico – documento” in: Câmara ABC: A Região encontra soluções. São Paulo: MZ Comunicação & Marketing, s.d. CULLEN, Gordon (1971). Paisagem Urbana. Tradução Isabel Correa e Carlos Macedo. Lisboa: Edições 70, 1996.

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KAMIDE, Edna; EPITÁCIO PEREIRA, Tersa (coords) (1998). Patrimônio Cultural Paulista: CONDEPHAAT, bens tombados 1968-1998. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1998. KOLSDPORF, Maria Elaine (1996). A apreensão da forma da cidade. Brasília: UNB, 1996. LANGENBUCH, Richard Juergen (1971). A estruturação da Grande São Paulo. Estudo de Geografia Urbana. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia, Departamento de Documentação Geográfica e Cartográfica, 1971. LYNCH, Kevin (1980). A imagem da cidade. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1997. MARTINS, José de Souza (1992). Subúrbio. Vida cotidiana e história no subúrbio da cidade de São Paulo: São Caetano, do fim do Império ao fim da República Velha. São Paulo: Hucitec, 1992. MORO JUNIOR, Enio; PASSARELLI, Silvia Helena (2001). Projeto Pedagógico Arquitetura e Urbanismo. Santo André, SP: UniABC, 2001. MOTTA, Lia; SILVA, Maria Beatriz Resende (orgs) (1998). Inventários de Identificação. Um panorama da experiência brasileira. Rio de Janeiro: IPHAN, 1998. PASSARELLI, Silvia Helena (1994). O Diálogo entre o Trem e a Cidade: o caso de Santo André (Dissertação de Mestrado). São Paulo: FAUUSP, 1995. PEIXOTO, Nelson Brissac (1996). Paisagens Urbanas. São Paulo: Senac; Marca D’água, 1996. PETRONE, Pasquale (1995). Aldeamentos Paulistas. São Paulo: Edusp, 1995. SANTO ANDRÉ, Prefeitura (1991). Santo André, cidade e imagens. São Paulo: Bandeirante, 1991. SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Cultura; Secretaria dos Transportes Metropolitanos, EMPLASA (2001). Memória Urbana: a Grande São Paulo até 1940. São Paulo: Imprensa Oficial, 2001. 195


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Técnicas Retrospectivas e Projeto José Roberto Merlin Mestre pela EEUSP São Carlos e Doutorando FAUUSP-SP - Professor da FAU PUCCampinas e FAU N.S. do Patrocínio Itu e-mail: jrmerlin@uol.com.br

Resumo Este trabalho procura conceituar questões que interferem na prática projetual da disciplina PROJETO BTR ( técnicas retrospectivas), ministrada na FAUPUCCampinas, onde o departamento de projeto se propôs a enfocar a questão projetual, levando em conta espaços urbanos que contenham edifícios significativos enquanto arquitetura, enfocando relações urbanas entre diferentes linguagens: a contemporânea e a patinada pelo tempo. O substrato teórico contempla a história e os elementos de composição arquitetônica, onde “velho” e “novo” atuam como atores compondo uma paisagem única (cenário), e os preceitos arquitetônicos, inclusive os de natureza ético-política, devem parametrizar ações passíveis de concretização. No processo do projeto tipologias, proporções, visualidade, tecnologia, função, etc, e especialmente o “espaço entre”, o vazio como negação da materialidade da arquitetura, tornam-se fundantes da proposta estética. Melhor dizendo, são as relações entre o “velho e o “novo” que aparecem como problemática principal, remetendo à essência da arquitetura enquanto disciplina, onde racionalidade e intuição, aparecem em simbiose no desenho, onde mão-olho-cabeça, se concatenam fazendo do traço a concreção do pensamento. Técnicas retrospectivas “O estudo das Técnicas Retrospectivas inclui

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conservação, restauro, reestruturação e reconstrução de edifícios e conjuntos urbanos” Portaria MEC n°1.770/94 “Art 2 °. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: XII- proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.” Estatuto da Cidade Lei n° 10.257/2001 Breve histórico Os processos e métodos preservacionistas foram se transformando no decorrer da história, e parece importante categorizá-los, mesmo que sumária e imprecisamente, numa seqüência que possa ajudar a definir partidos arquitetônicos para o ensino da ação projetual objetiva próprias dos ateliês de projeto. 1. restauro estilístico Apareceu no século XIX, sendo Eugènne Viollet Le Duc seu principal protagonista, e propunha ações e inserções nos edifícios objetivando que esteticamente voltassem ao passado, recuperando sua origem estilística, dando-lhes a unidade do estilo inicial. Foi um importante movimento, pois para restaurar nesta linha de concepção tornou-se necessário estudar profundamente a arquitetura, o quê acabou gerando verdadeiros tratados de arquitetura. O caso de erro mais paradigmático desta linha de restauro foi registrado quando um discípulo de Lê Duc, promoveu a demolição dos campanários no Panteão Romano, construídos no renascimento por Bernini, resultando em muitas críticas à essa proposta de trabalho, que apagava, em nome da unidade estilística original, as marcas da história. 2. Ruskin e Morris Propunham a valorização das ruínas, deixando-as 197


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mostrar a pátina do tempo que propiciariam a fruição estética. O objetivo era apenas contemplar o artefato-ruína, sem promover qualquer ação restauradora ou conservadora, portanto não interferindo no seu tempo próprio de vida, deixandoa ruir conforme as normativas do tempo, como um organismo que, romântica e dignamente, está morrendo. 3. “desrestauração” Apareceu como reação ao restauro estilístico e propunhase a fazer voltar ao estado anterior todos os edifícios onde haviam sido realizadas restaurações estilísticas, mesmo que tivesse que reconstruí-los novamente. Tal proposição acabou por cometer o mesmo erro da restauração estilística, falseando a história que naturalmente contam os edifícios, e pior ainda, mascarando as marcas específicas do tempo. 4. deter a ruína O gosto pelo historicismo, pelo colecionismo e pela descoberta de Pompéia ha tanto tempo escondida pelo Vesúvio, acrescidos da fascinação pelas viagens e jardins pitorescos, tão em voga no romantismo, revigoraram o gosto pelo velho. Tais proposições acabaram gerando a necessidade de conservação dos monumentos e artefatos arquitetônicos. Os italianos especialmente, acabaram por valorizar a ruína, defendendo a tese de nada se lhe acrescentar, mas entendendo como necessário, prover ações que busquem deter o avanço da deterioração. Não se lhe acrescenta nada, mas estanca-se a deterioração. 5. as cartas internacionais No século XX, tivemos a CARTA DE ATENAS (1931) que condenou o retorno ao modelo original (restauro estilístico) e propôs a valorização das intervenções havidas em todas as épocas históricas (que devem ser mantidas). A CARTA DE 198


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VENEZA (1964) aprimora a Carta de Atenas e sugere que se deixe claro o contraste entre velho e novo, preservando didaticamente o tempo e desvelando a história, objetivando consolidar o prédio e seu uso. Ambas as cartas falham no entanto, na medida que não especificam claramente as formas de intervenções, gerando um vazio nas ações projetuais.(1 ) Inúmeras outras cartas oferecem outros indicadores, mas a idéia geral aqui colocada permite refletir sobre partidos arquitetônicos, no que tange a ações que envolvem projetos de proteção, preservação e recuperação, e portanto, necessidade de assédio às técnicas retrospectivas. teoria e projeto Colocadas estas correntes balizadoras das ações projetuais, verifica-se a necessidade de se discutir outros parâmetros que podem organizar melhor as intervenções dos arquitetos em sítios e edifícios de valor histórico-cultural. Todos sabem que a ação projetiva traz sempre em seu bojo um “quê” de misticismo e intuição. Cada homem com seu modo próprio de ver as coisas, sua cultura, seu ódio, seus amores, sua maturança. A história da teoria da arquitetura é importante, mas não fundamental. Sua maior contribuição ao ato do projeto, talvez seja evitar as proposições que não deram certo. É a intuição a soberana atriz das proposições do projeto. A história as julgará, como certas ou erradas. O tempo será o condutor desse processo, ou melhor, apontará se houve ou não a apropriação das proposições novas do projeto pelo conjunto da sociedade. Havendo julgamento positivo no tempo, a arquitetura será considerada boa, podendo chegar ao limite e brilho de paradigmática. Caso contrário, entra para a coleção que abriga a banalidade.

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“A teoria arquitetônica é um ramo da filosofia que tem uma finalidade cognitiva e não constitui guia para o trabalho profissional (...) O conhecimento da teoria, ou da filosofia da arquitetura, não basta para a formação do arquiteto, mas pode governar o pensamento de um indivíduo de modo a que, gradualmente, ele chegue a uma melhor compreensão dos desejos e necessidades (tanto físicas como intelectuais) da humanidade, a quem devemos a contínua evolução da arte. É possível, portanto, separar a história da teoria da arquitetura das considerações práticas e sociais, já que a evolução do pensamento especulativo em arquitetura se reflete no desenvolvimento da arquitetura realizada.2

Além da racionalidade própria do conhecimento científico, é indispensável trabalhar com a intuição como forma de proposição do projeto, algo que o move e o remete para a frente, portanto ligado ao novo, tradicionalmente balizado pelo instrumental do desenho onde as relações mão-olho-cérebro precisam ser melhor compreendidas e explicadas, para se transformar em efetivas ferramentas para operações passíveis de resolução do projeto. parábolas ou fatos para refletir 1-o pescador e o arquiteto Uma folha em branco, um programa a cumprir, uma idéia ainda imprecisa na cabeça. Fatores incontornáveis, prazos e outras coisas mais. UFA COMO É DIFÍCIIL SER ARQUITETO! Eu digo que ser arquiteto é tão difícil quanto ser pescador, existindo entre as duas ocupações admirável semelhança de procedimentos. O pescador prepara seu barquinho, toda a tralha necessária, escolhe os anzóis, linhas, iscas e varas de forma

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compatível com o peixe que objetiva conseguir, e sai, com seu parquinho, aproveitando as correntes eólicas, buscando aportar em local onde os peixes almejados costumam estar. Tudo muito racional e estudado. O arquiteto prepara o papel, toda a tralha de desenho, estuda o programa, pensa em áreas, analisa a topografia, pesquisa projetos de temas semelhantes, espaços e conceitos que podem se transformar em solução ao problema, e aproveitando os bons ventos da memória, sai desenhando e buscando encontrar uma proposta. Tudo racional e estudado. Ambos trabalham com dados racionais mas não há caminhos exatamente delineados para se conseguir que a obra ou o peixe desejado. Acho mesmo que seria maçante se houvesse tanta certeza, e não haveria tanta fantasia nas conversas de pescadores( de obras e peixes), pois estaríamos no mundo da repetição. Como disse o poeta, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar,... De repente, o pescador que objetivava conseguir um linguado pesca um salmão. É peixe, é bom, mas não é aquilo que ele pretendia. O arquiteto esperava uma obra de arte, mas não saiu o que pretendia. Ambos se quiserem obter o objeto pretendido (peixe ou obra), devem repetir operações, mudar procedimentos ou simplesmente insistir. Muitas vezes é preciso recomeçar tudo novamente. Fazer e refazer, re-estudando e redesenhando. Parece-me que o pescador sempre é menos pretensioso e mais paciente que os arquitetos. É uma sabedoria aprendida na vida, que os arquitetos parecem não receber nos bancos da universidade. É o processo da maturança, o saber que a vida traz.

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2-caminho da criação Mestre Niemeyer parece saber disso tudo e “pesca” mesclando imaginação e fantasia, como comenta outro grande mestre, o Prof Lucio Costa: “ Oscar, 50 anos: pelo volume da obra realizada, poderia ter 70, mas, na verdade, continua com os mesmos 30 e tanto da época da Pampulha. E pelo jeito será sempre assim.. Não se trata, contudo, de nenhum pacto com o diabo. O segredo de sua juventude decorre simplesmente desse exercício cotidiano a que se entrega, de proceder a síntese e depuração de complexos problemas arquitetônicos. Começa com se estivesse brincando com o tema. Às vezes, o partido – isto é, a escolha da disposição geral e conseqüente subordinação das partes – é tomado, quase diria, de assalto, logo na primeira investida; outras vezes o jogo prossegue e começa então a ronda implacável: é de manhã á noite, fora de horas – até que, quando menos se espera, abordado de vários ângulos o cerco se define, e o tema, acuado, como que afinal se rende, oferecendo ao arquiteto a almejada solução. Desse momento em diante, tudo se ordena sem esforço, como decorrência mesma da clareza do partido adotado e da intenção que lhe presidiu a escolha. Resulta daí certa euforia interior, um estado peculiar de beatitude artística.”3

3- o estado de convalescença Complementando gostaria de observar que existe na quase totalidade dos processos de projetação um momento especial, um “estado zen”, onde parece que os diferentes compartimentos do cérebro entram em sintonia e repassam informações. A mão, o olho e a cabeça se tornam um único aparelho, e tudo parece fluir, num êxtase sentido por aqueles que procuram produzir o novo. È uma espécie de estado de 202


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convalescença semelhante a quando um autor-arquiteto que sentado no interior de um café, saboreia uma bebida quente e, através da caixilharia de vidro e madeira, observa os grupos de pessoas, que lá fora, agasalhadas, andam sob o frio em roupas pesadas com respiração esfumaçante. De repente, alguém de rosto conhecido aparece caminhando na rua e o autor o acompanha com o olhar. Este alguém caminha em direção à multidão e vai desaparecendo, até sumir totalmente, mas... a cabeça do observador, continua imaginando coisas sem parar, num ato de imobilismo físico, mas de grande riqueza imaginativa. Este é o memento crucial, os canais e compartimentos do cérebro missigenam e sintetizam atos e pensamentos. Este é o momento ZEN, ambiente da invenção, onde saltam idéias que muitas vezes consegue se materializar pela lápis no papel, gerado por um estado infantil, onde pensamentos sublimes geram uma espécie de estremecimento nervoso, pautados por curiosidade, paixão e congestão que dão os indícios e os eflúvios da vida.4 4- questões filosóficas A maioria dos edifícios e sítios preservados no Brasil é ligada à história da classe dominante. Difícil encontrar espaços populares preservados. Ao contrário, estes são os mais destruídos. Esta tem sido a lógica do poder. A massa se torna povo quando se tem pelo menos: a memória do passado, um projeto unificador no presente e uma utopia para o futuro – são estes os substratos da construção da história. Não preservar espaços populares (Rio Tietê, por exemplo) significa obstaculizar a história das classes subalternas, e do ponto de vista estético, dificultar bastante a construção de uma identidade popular, para que na luta de classes, se pudesse promover a dialética entre os opostos, ou seja, a memória da classe dominante versus a da classe dominada, que em união e luta desenhariam um verdadeiro país. Pensar em usos para atividades ligadas à cidadania foi o 203


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que sobrou e se constituiu em uma outra forma de buscar, pelo viés da preservação, abrir espaços de participação para atores que, na história do país, pouca participação tiveram na condução dos desígnios da sociedade. Alertamos portanto, da necessidade de preservação de espaços populares, para garantir a democracia e a construção de uma verdadeira nação, onde haveria diálogo e não dominação, de uma classe por outra. 5-diretrizes para o partido arquitetônico A relação “velho-novo” no ensino da disciplina Projeto B(TR) na FAUPUC Campinas, trabalha com todas as noções próprias á arquitetura, mais inclui temáticas que levem á politização da discussão do espaço, pelo viés da conservação. Neste ano, está sendo desenvolvido um projeto numa quadra do centro da cidade onde existe o chamado Palácio dos Azulejos, edifício neo-clássico, construído por um fazendeiro do café no final do século XIX, que alguns anos após sua construção, foi sede da Prefeitura da cidade, e após a construção do Palácio dos Jequitibás onde hoje é a Prefeitura, tornou-se a sede da SANASA. Hoje está sendo reciclado e preservado, abrigando parte da Secretaria da Cultura, Museu da Imagem e do Som e várias salas para reuniões da população, objetivando o controle popular do orçamento municipal através do orçamento participativo, implantados neste ano pela administração do PT. A proposta da disciplina é eliminar o corpo de bombeiros existente na quadra e trabalhar a “Praça da Cidadania”, ou seja, deixar a quadra com o casarão, um espaço coberto e uma praça, que abriguem eventos cotidianos e sirvam como local de grande concentração popular no momento da decisão final do orçamento participativo municipal. Trabalha-se com o vazio urbano, ou “espaço-entre”, como elemento balizador essencial ás proporções arquitetônicas do projeto novo no sítio urbano. 204


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Objetiva-se incutir no estudante o respeito pelo palácio, sua visibilidade, suas proporções, seu ritmo, seus materiais, etc,,, como um dos elementos mais fortes para a estruturação do partido a ser adotado e como organizadores fundantes do desenho, onde novo e velho, aparecem como reveladores do tempo histórico, reforçados por atividades que objetivam desenvolver programas e espaços que consideram a cidadania, como algo essencial ao desenvolvimento do país. Pensa-se a arquitetura não como promotora, mas como facilitadora das ações mais coletivas da população, reveladora dos diferentes momentos históricos marcados como arqueologia no conjunto das edificações e dos espaços.

NOTAS: 1. Estes conceitos foram retirados da palestra proferida na FAUPUC Campinas pela Prof Mestre em Arquitetura Ana Aparecida Villanueva Rodrigues, em 28 de setembro de 2001. 2. Bradbury, Ronald. The Romantic Theories of Architecture of the Nineteenth Century in Germany, England and France,1934. Citado por Bruno Zevi, em Architectura in Nuce:Una Definición de Arquitectura, Aguilar S.A. de Ediciones, Madri,1969,pp.183 e 184. Citação de Stroeter, J.R. Arquitetura & Teorias.São Paulo, Nobel.1986 pp.33 3. Costa, Lucio. Entrevista, in AU-Arquitetura e Urbanismo n°55. São Paulo,Pini, Agosto 1994 4. Baudelaire, Charles. Sobre a Modernidade. 1997.São Paulo. Paz e Terra.pp.15 a 19

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Patrimônio: um assunto para especialistas? Ricarda Lucilia Domingues Tavares Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense

As reflexões contidas neste texto fazem parte da pesquisa “Lugar e Patrimônio”, desenvolvida em dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF. O tema que baliza o projeto de pesquisa, remete-se aos impasses e às perspectivas do tratamento e do significado do patrimônio cultural no Brasil atual. Para a abordagem de tal tema, partimos da premissa, já amplamente discutida, de que a forma pela qual ocorrem propostas de intervenção neste patrimônio, especificamente o arquitetônico, tem se mostrado insuficiente para resolver problemas de alguns casos singulares. A questão central sugerida refere-se à dissociação entre estas propostas e a sociedade e o lugar onde o patrimônio se insere. Para desenvolvermos uma análise concernente ao tema e à referida questão, nos reportamos a um estudo de caso específico.1 Apresentamos aqui parte do capítulo que trata da discussão conceitual do patrimônio, especificamente a parte relativa à noção de patrimônio difundida no Brasil. O objetivo final será analisar a partir de que contextos – espacial, históricocultural, político, econômico – esta noção foi constituída, como isso se refletiu nas políticas de tombamento e de preservação e como vem se refletindo nas práticas de intervenção. Quais as questões que, suscitadas atualmente, sugerem uma crise e demonstram dicotomias/contradições nestas práticas e seu rebatimento nas várias instâncias de ação e gestão do patrimônio. A finalidade última do processo de intervenção no patrimônio arquitetônico tombado é a restauração (consolidação 207


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e/ou recuperação dos aspectos físicos originais da construção), por isso a importância em se discutir as técnicas retrospectivas – tema deste congresso – entendidas como conservação, restauro, reestruturação e reconstrução dos artefatos. Segundo Benevolo, as técnicas retrospectivas encontram a sua unidade numa atividade global e contínua, denominada manutenção: o cuidado cotidiano do homem pelo seu ambiente de vida. Esta intervenção permanente tem que ser garantida, pois as intervenções momentâneas não são suficientes para proteger o ambiente antigo e seus valores. (1984: 144) Assim sendo, acreditamos que o conteúdo deste texto pode contribuir para a discussão das técnicas retrospectivas no ensino de arquitetura e urbanismo nas instituições nacionais. Ao enfatizar o contexto do processo de constituição da noção de patrimônio no Brasil, apontamos para uma análise crítica do mesmo e das práticas de intervenção dele decorrentes. O objetivo final é propor uma metodologia possível para o tratamento do patrimônio tombado, buscando a aproximação das propostas de intervenção com o contexto atual do objeto arquitetônico. A constituição do patrimônio no Brasil A constituição de patrimônios históricos e artísticos nacionais é uma prática característica dos Estados modernos, instituída através de agentes recrutados entre intelectuais e fundamentada em instrumentos jurídicos específicos. Estes agentes encarregam-se de selecionar bens (móveis ou imóveis), atribuindo-lhes valores enquanto manifestações culturais e enquanto símbolos da nação, que passam a ser merecedores de proteção permanente e de caráter irrevogável, ou seja, uma vez tombado o bem adquire status de monumento integrante do acervo histórico e artístico nacional, cuja conservação passa a ser de interesse público. No Brasil, a constituição do patrimônio vem carregada de representações em torno da tentativa de se forjar uma 208


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identidade nacional, considerada essencial no processo de formação da cultura brasileira, que começa a se materializar a partir do Movimento Modernista, na década de 1920.2 No caso específico do patrimônio, esta identidade seria formada por uma “coleção” de bens históricos e artísticos representada, em sua maioria, por “objetos” arquitetônicos. Somente em 1936/1937, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, é regulamentada a proteção dos bens culturais brasileiros,3 onde são explicitados os valores que justificam a proteção, objetivando resolver a questão da propriedade desses bens. A partir daí todas as constituições brasileiras tratam do patrimônio “em termos de direitos e deveres, a serem observados tanto pelo Estado como pelos cidadãos”. (FONSECA, 1997: 31) No processo de eleição e tombamento do patrimônio brasileiro foram considerados, em sua grande maioria, bens vinculados a fatos memoráveis da história do Brasil e/ou ao seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. Assim sendo, foi constituído um acervo de igrejas e conventos, residências de personagens ilustres, fortalezas, edifícios sede da administração pública, sedes de fazendas etc. Fonseca (1997: 128, 129) resume os critérios de constituição do patrimônio pelo SPHAN na fase “heróica”: 1) a autoridade dos técnicos foi o principal instrumento de legitimação das escolhas realizadas; 2) esteticamente, houve o prevalecimento de uma apreciação baseada nos cânones da arquitetura modernista; 3) o valor histórico dos bens não era considerado tão relevante, a não ser em relação à autenticidade das fontes; 4) a prioridade era assegurar a proteção legal dos bens através de sua inscrição nos livros do tombo, ficando os critérios de inscrição em segundo plano. A partir da década de 1970, sobretudo em função da crise do regime militar, a política de preservação – conduzida até então por intelectuais de perfil tradicional, porém com posições 209


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de vanguarda, que atuavam no Estado “em nome do interesse público” e na “defesa da cultura identificada aos valores das camadas cultas” – começa a ser criticada e seu caráter nacional passa a ser contestado, objetivando a ampliação do alcance da política federal de patrimônio, na intenção de “democratizá-la”, colocando-a a serviço da construção da cidadania. Muda o perfil dos intelectuais autorizados a cumprir a tarefa de definir “novos valores e novos interesses”, vinculados agora à questão, mais genérica, do desenvolvimento nacional. Cria-se então um impasse em relação ao que seria o objetivo específico da preservação, pois duas vertentes de atuação passaram a coexistir num mesmo campo: a continuidade do antigo SPHAN, representado pela política de “pedra e cal”; e a política de “referência”, nascida a partir da criação, em 1975, do CNRC (Centro Nacional de Referência Cultural), que não conseguiram se entender sobre um mínimo de definições comuns. “A hegemonia do grupo de ‘referência’, na verdade, se limitou ao plano discursivo; na prática, foi através dos tombamentos efetuados pelo SPHAN que continuou a ser construído o patrimônio histórico e artístico nacional”. (FONSECA, 1997: 14) Os discursos produzidos nos dois momentos da política oficial de constituição do patrimônio nacional, apresentam distinções em determinados aspectos. Na “fase heróica” predominava o discurso histórico, “valores de arte e de história de nosso país”, baseados no passado colonial. Era preciso convencer a população brasileira da existência de um patrimônio histórico e artístico e da necessidade de preserválo. Neste processo de convencimento, atuariam os intelectuais, o patrimônio é apresentado como um assunto para profissionais qualificados. No discurso da “fase moderna”, a política cultural é orientada por valores do presente. A noção de “patrimônio histórico e artístico” é substituída pela de “bens culturais”, enfatizando mais o presente que o passado, vinculando-se, 210


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assim, ao contexto da vida cotidiana. É apontada a importância do contato direto entre os profissionais do patrimônio e as populações locais e destacada a diversidade cultural existente na sociedade brasileira. Gonçalves (1996) assinala a existência de uma luta política pela autoridade cultural para definir “ostensivamente” o que seja o patrimônio cultural brasileiro e como proceder para que ele seja protegido e preservado contra o desgaste, a destruição e outras formas de ameaça. Uma luta para identificar e representar a cultura nacional. De um lado “civilização” e “tradição”, do outro “desenvolvimento” e “diversidade cultural”. Em comum, a busca permanente por uma identidade de nação. Dois discursos “diferentes” que se encontram num mesmo propósito. Gestão do patrimônio como política de Estado A construção da nação brasileira como política de Estado, marca a criação e o surgimento de instituições e normas de controle do espaço e das pessoas, característicos do Estado Novo. A criação do SPHAN (atual IPHAN) faz parte desta política, que neste caso específico atuaria como responsável pela constituição de um “capital simbólico nacional”, através da seleção e guarda das obras consideradas monumentos nacionais. Mendonça (1995: 67) sugere que para se trabalhar com a problemática patrimônio cultural no Brasil, tem-se que trabalhar com uma questão teórica mais ampla, ainda que aparentemente mais óbvia: a questão do Estado. A concepção de Estado trabalhada por Mendonça é a entendida por Gramsci, para quem o Estado seria expressão das múltiplas inter-relações entre sociedade civil e sociedade política num permanente movimento de pressões e contrapressões que visavam à busca do consenso atribuído ao projeto de um certo grupo por todos os demais a ele submetidos. Esta idéia de consenso estaria implícita no conceito de hegemonia, ou seja, deter e fazer valer um dado conjunto de representações, práticas, valores; projeto 211


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cultural aceito por todos, ainda que inconscientemente e, mais que isso, partilhado por todos. A cultura então apareceria como dimensão organizativa das classes e de sua hierarquização; e o intelectual orgânico como dirigente, desempenhando funções de organização do grupo, mediante a explicitação, consolidação e disseminação do conjunto de códigos culturais próprios a este. Nessa dimensão, a política adquire o estatuto de motor das transformações sociais, aliada à cultura como seu principal instrumento. Neste caso, política e cultura se imbricam de forma indissolúvel junto ao ininterrupto processo de constituição do Estado, já que, para além da dimensão coercitiva das agências estatais, o Estado é também uma relação de direção e consentimento, caso contrário, estaria em permanente crise de legitimação. A mesa de discussão da questão do patrimônio nacional, portanto, está posta com seu jogo de representações: o Estado, na figura do Governo, como mediador político, articulando ações e implementando regras e normas a partir da criação de órgãos gestores; os intelectuais como mediadores simbólicos, atuando na criação de um sistema de códigos, que serão legitimados por instrumentos jurídicos específicos; e, como um pano de fundo, o sistema cultural, em nome do qual se “nacionalizam” e se anulam as diferenças e a diversidade. Considerando-se, no contexto de constituição do patrimônio cultural brasileiro, a idéia de Estado como expressão de relações múltiplas e mútuas entre sociedade política e sociedade civil, parece latente a instabilidade destas relações já que, neste caso, enquanto há um crescimento da sociedade política com a multiplicação de instituições com atribuições variadas, a sociedade civil participa apenas como potencial cumpridora das regras estabelecidas, não sendo representada nem mesmo na eleição de valores culturais a ela atribuídos. A “dialógica” todo-partes do patrimônio Os discursos oficiais produzidos no processo de 212


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constituição do patrimônio brasileiro, bem como as políticas de preservação que deles originaram, caracterizaram-se, fundamentalmente, por tentar resolver “nesse campo específico algumas das grandes tensões que têm ocupado tradicionalmente a reflexão sociológica: a tensão entre o universal e o particular, entre o público e o privado, entre tradição e modernidade, entre cultura e política, entre Estado e sociedade” (FONSECA, 1997: 19). Acrescentamos à discussão, os pares manutenção e abandono, coleção e sistema. A complexa relação poder/cultura e o papel dos intelectuais nesta relação, como homens públicos, é avaliada por Bobbio (apud FONSECA): “o compromisso primeiro dos intelectuais deveria ser o de impedir que o monopólio da força se torne também o monopólio da verdade”. A partir desta consideração, achamos possível orientar a discussão em torno do patrimônio sob o seguinte prisma: num primeiro movimento, analisar o(s) discurso(s) do patrimônio – tomando como base os momentos fundador e renovador, admitir e apontar “erros” e “acertos” neste processo; e num segundo movimento, apontar, especificamente, “erros” e “acertos” nas práticas de intervenção refletidas no estudo de caso. A idéia de “erro” e “acerto” aqui apresentada, vem da concepção sugerida por Edgar Morin: “O erro é um problema primeiro, original, prioritário, sobre o qual ainda há muito que pensar. (...) Antes de tudo, parece-me que a definição primeira do erro não se situa em relação à verdade” (1998: 142). Morin indica o aparecimento do erro, como fenômeno propriamente humano, associado ao surgimento da linguagem, isto é, da palavra (discurso) e da idéia. Segundo Morin, as idéias não são reflexos do real, mas traduções dele, representações que tomaram a forma de mitologias, de religiões, de ideologias, de teorias. Por comportarem risco de erro, essas traduções fizeram surgir incessantemente na humanidade inúmeros erros. Em 213


contrapartida, é do universo das idéias que finalmente irrompe a questão da verdade. Mas a verdade emerge primeiro sob uma forma absoluta; não só sob a forma absoluta das crenças religiosas ou mitológicas, mas também sob a forma absoluta das idéias dogmáticas. O aparecimento da idéia de verdade agrava a questão do erro, porque quem quer que se julgue possuidor de verdade torna-se insensível aos erros que podem ser encontrados em seu sistema de idéias e, logicamente, tomará por mentira ou erro tudo aquilo que contradiga a sua verdade. “A idéia de verdade é a maior fonte de erro que pode ser considerada; o erro fundamental reside na apropriação monopolista da verdade.” (1998: 145, 146) “(...) Direi ainda que as verdades são ‘biodegradáveis’; toda verdade depende de condições de formação ou de existência; se todos os humanos morrerem, não haverá mais verdade; toda aquisição do patrimônio histórico desaparecerá; as verdades ficarão virtuais, como eram antes do aparecimento da humanidade”. (MORIN, 1998: 155)

Tomemos a “invenção discursiva” do patrimônio brasileiro como um instrumento utilizado no estabelecimento de uma “verdade” para a cultura nacional.4 Verdade esta que parece não ter dado conta da pluralidade dos contextos culturais, principalmente pelo fato de se tratar de uma sociedade marcada, além da diversidade cultural, por desigualdades sócioeconômicas. No caso da política federal de preservação, os bens tombados “(...) funcionam mais como símbolos abstratos e distantes da nação do que como marcos efetivos de uma identidade nacional com que a maioria da população se identifique (...)” (FONSECA, 1997: 17) A apropriação e evocação de símbolos memoráveis do passado histórico, para a construção de um futuro calcado na modernidade, faz parte então do arsenal que compõe o conjunto de práticas para a constituição de uma identidade


nacional. A análise desta prática, parece apontar para uma marcante contradição, na medida em que, no momento de constituição do patrimônio nacional, as cidades brasileiras passavam por um processo de renovação.5 Esta renovação pressupunha novas formas e representações, dissociadas do passado e suas antigas estruturas, tanto espaciais quanto sócio-econômicas. Este distanciamento se revela nas descontinuidades espaciais decorrentes do processo; na concentração de população, de recursos e de investimentos e no caráter excludente desta nova formação sócio-espacial. Os símbolos memoráveis do passado são materializados em monumentos, em sua maioria arquitetônicos, que assumem esta dimensão, ao mesmo tempo, referencial e documental. Em seu livro “A revolução urbana” Lefebvre discorre contra o monumento: “... o esplendor monumental é formal. E se o monumento sempre esteve repleto de símbolos, ele os oferece à consciência social e à contemplação (passiva) no momento em que esses símbolos, já em desuso, perdem seu sentido.” E também a favor do monumento: “No próprio seio, às vezes no próprio coração de um espaço no qual se reconhecem e se banalizam os traços da sociedade, os monumentos inscrevem uma transcendência, um alhures.” (1999: 32) Concordamos e, ao mesmo tempo, nos apropriamos das observações de Lefebvre para destacar o quanto um monumento pode transcender à banalidade da vida cotidiana. Porém devemos ressaltar que só é possível a permanência e/ ou restituição de vínculos identitários entre um monumento e a sociedade da qual ele faz parte, se esta relação for tratada a partir de um mesmo grau de valor atribuído a ambas as partes. Não pode haver sacralização do monumento, nem tampouco a submissão de um contexto local e particular a regras universais e generalizantes. Tratar as questões relativas ao patrimônio arquitetônico brasileiro, sem negá-lo, porém realçando os “erros” e as “verdades” nele contidos, exige uma


postura que dê conta desta complexidade. Patrimônio: coleção ou sistema? “(...) os contextos não são indiferentes à reinterpretação dos textos” (Otávio Velho)

Podemos, inicialmente, apontar dois “erros” relevantes no tratamento das questões relativas ao patrimônio arquitetônico nacional. O primeiro remete-se à “fase heróica” do processo de constituição, que parece não ter dado conta da pluralidade dos contextos culturais brasileiros e homogeneizou o patrimônio, considerando principalmente a herança colonizadora. Outro “erro” diz respeito às políticas de proteção desse patrimônio, que insistem em encará-lo como objeto autônomo, isolado de outros elementos do espaço que o abriga, quando a realidade indica que o problema está no fato deste não permitir sua integração ao contexto atual. O objeto é observado para dentro dele mesmo. As políticas e as propostas de intervenção, não consideram a realidade do lugar, seu contexto e outras condicionantes. Quanto à legislação relativa à proteção do patrimônio, restrições são impostas nas intervenções, considerando-se apenas os aspectos técnicos/estruturais (fiéis à manutenção física) e formais (fiéis à composição arquitetônica), e sugerindo usos que simplesmente não comprometam tais aspectos, acabando por comprovar a valorização estética e estilística, em detrimento de um valor maior que é o da (re)integração de sua identidade com o lugar. Como já foi visto anteriormente, o patrimônio constituído no Brasil forjou uma identidade formada por uma coleção de bens históricos e artísticos, representada principalmente por objetos arquitetônicos. Apontar erros nesta concepção, então, é admitir que desta maneira o patrimônio é tratado como objeto sem contexto integrador, arquitetura sem história particular.


Neste caso, se na escala nacional o patrimônio assume apenas a significação de um entre vários outros objetos de uma coleção, na escala do lugar ele tem que contar com outros atributos. No lugar exige-se que ele próprio seja capaz de, através desses atributos, garantir a sua permanência. A questão que se impõe é: como proceder à “ultrapassagem” da idéia de coleção (estática e com ausência de laços comunicantes) para outra, aquela de sistema – dinâmico, aberto e territorializado, com referência ao(s) lugar(es). A possibilidade de ultrapassagem se mostra à medida em que aproximamos a discussão do patrimônio para a escala do lugar. Temos então uma tensão entre o patrimônio tratado como objeto de uma coleção (nacional) e o patrimônio como integrante de um sistema de objetos, tanto na escala do lugar, como inserido em outras. Ao aproximarmos a discussão do patrimônio para a escala do lugar de sua inserção, algumas constatações preliminares podem ser feitas, de acordo com pesquisa de campo já realizada: 1) A existência de uma habitualidade na relação da população moradora do lugar onde se insere um patrimônio arquitetônico, independe do conhecimento de sua história e condição oficiais. Esta habitualidade pode ser expressa, por exemplo, através da preocupação em que o mesmo não seja demolido; 2) Para que a população aceite e se identifique com a destinação de uso que venha a ser proposta, a mesma deverá ser compatível com as demandas locais; 3) Os aspectos estéticos e estilísticos assumem determinada irrelevância em relação aos aspectos utilitários. Estas constatações parecem apontar para a importância de um comprometimento, até então incipiente, das ações oficiais de intervenção no patrimônio com sua realidade atual. Tal comprometimento pode se efetivar a partir de uma abertura de diálogo entre os “especialistas” e a população que vive o cotidiano do patrimônio. Os interesses não são unilaterais, além da participação dos órgãos oficiais, a gestão do patrimônio deve


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contar também com os demais setores da sociedade civil, buscando sempre sua (re)integração ao contexto social. Nesta difícil tarefa, de democratização do patrimônio, o profissional arquiteto e urbanista pode, e deve, assumir o papel de mediador dos possíveis conflitos decorrentes do processo. Que esteja preparado para respeitar a legislação oficial, sem abrir mão do direito de tentar flexibilizá-la. Tecnicamente, esperase que ele esteja qualificado para intervir de forma responsável nas estruturas do passado, respeitando suas características originais e adaptando-as às demandas atuais. E finalmente, no aspecto social, que ele esteja disposto a ouvir o que pensa, perceber o que sente e acatar o que a população deseja para o seu patrimônio. NOTAS: 1. O estudo de caso em questão é o patrimônio arquitetônico – tombado pelo IPHAN em 1946 – denominado Solar do Colégio, construção jesuítica do final do século XVII, localizado entre dois distritos (Goytacazes e Tocos) do município de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense. 2. Gonçalves e Fonseca, indicam dois momentos importantes da política federal de preservação do patrimônio no Brasil: o momento fundador – fase “heróica” (1936/1937) e o momento renovador – fase “moderna” (final da década de 1970 e início da de 1980); e apontam dois personagens importantes destes momentos: respectivamente, Rodrigo Melo Franco de Andrade, representante maior da estratégia de narração da identidade nacional brasileira a partir do patrimônio, caracterizada pela ênfase na civilização e na tradição; e Aloisio de Magalhães, cuja ênfase recai sobre o caráter jovem, culturalmente diverso e em desenvolvimento do país. 3. Segundo Fonseca (1997: 87), a criação do SPHAN (atual

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IPHAN) deve ser analisada à luz do contexto cultural e político do Brasil na primeira metade do século XX: O Movimento Modernista e a instauração do Estado Novo, em 1937. A análise do modo como os agentes do SPHAN lidaram com um duplo compromisso – atender, ao mesmo tempo, a um movimento cultural renovador e a um governo autoritário – é fundamental para se compreender a feição específica que este assumiu enquanto órgão do Estado na área da cultura. 4. Qual é a verdade deste patrimônio constituído? Inicialmente, nos parece evidente a identificação do que pode ser chamado de “interesse dominante” (BENSA, 1998: 78) que, neste caso, fez prevalecer a vontade de um grupo (político), atendendo a um projeto específico. Este interesse dominante foi disfarçado de “interesse coletivo” para legitimar o processo. 5. Dentre os projetos que faziam parte da República nascente no Brasil, constava a eliminação de traços das antigas estruturas coloniais presente nas cidades. O período que compreende o final do século XIX e início do século XX se caracterizou, no âmbito das reformas promovidas pelo poder republicano, por intervenções urbanísticas baseadas nos discursos higienistas. BIBLIOGRAFIA: BENEVOLO, L. (1984) A Cidade e o Arquiteto. São Paulo: Martins Fontes. FONSECA, M. C. L. (1997) O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN. GONÇALVES, J. R. S. (1996) A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN. LEFEBVRE, H. (1999) A revolução urbana. Belo Horizonte:

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UFMG. MENDONÇA, S. R. (1995) Por uma sócio-história do Estado no Brasil. In: A invenção do Patrimônio: continuidade e ruptura na constituição de uma política oficial de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: IPHAN. MORIN, E. (1998) Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. BENSA, A. (1998) Da micro-história a uma antropologia crítica. In: REVEL, J. (org.) Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora da FGV, p. 39-76.

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Requalificação urbana de novas centralidades potenciais enquanto práticas projetuais e conceituais multidisciplinares Débora Frazatto Verde (FAUPUC-Campinas e UNIP-Campinas) (trabalho originado de reformulação de ementa a ser proposta a alunos em experiência de ateliers multidisciplinares da FAUPUCCampinas)

A experiência docente na área de Projeto Arquitetônico junto ao 1o.(UNIP, PRARQI/1o. e PRARQII/2o. semestres), 2o.(FAUPUCC/Projeto C/3o. semestre) e 5o. anos(FAUPUCC/ TFG e UNIP/TFG e OTPP-Organização para o Trabalho e Práticas Profissionais, todas as 3 disciplinas no 9o. e 10o. semestres) nas instituições de ensino onde lecionamos, somada ao nosso aperfeiçoamento - especializações, mestrado e início de doutoramento - na área de Urbanismo, Gestão e Projeto Urbano fez-nos refletir que o modelo de ensino calcado na compartimentação de conhecimentos em 9 disciplinas em média por semestre, vem gerando nos alunos de graduação uma postura tarefeira e de não-absorção de saberes, o que por consequência implica na não produção de conhecimento e retroalimentação dos processos de ensino e aprendizagem. A inclusão na LDB da obrigatoriedade do ensino de Técnicas Retrospectivas, no nosso entendimento, tem como pano de fundo o reconhecimento do território da cidade como o loqus de nossa ação projetual; e nessa medida, entende-se 221


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que os objetos arquitetônicos por ventura propostos são sobretudo ação e reação de novas dinâmicas urbanas, implicando em respostas e questionamentos das estruturas urbanas atuais. Nessa medida, entendemos que fáz-se necessária a discussão ou resgate de modelos e práticas de atelier, os quais, semelhantes aos já em curso dentro dos TFGs, constituam-se em fóruns comuns de discussões, conceituações e práticas disciplinares sobre um mesmo processo de trabalho, e portanto, na constituição de produtos mais plenos, interdisciplinares/interativos e consolidados. Esta proposta de trabalho nasceu e visa primeiramente estabelecer uma reflexão sobre possíveis soluções para a difícil convivência atual que a estrutura urbana de Campinas mantém com as vias de transportes regionais ( nova Bandeirantes, Anhanguera, Dom Pedro I, Santos Dumont) e com os problemas enfrentados pelos meios de deslocamento aéreo e terrestre. A partir de proposta temática inicialmente abordada por equipe multidisciplinar de professores em 1999 e, alimentados pela experiência advinda dos trabalhos desenvolvidos na região objeto de estudo nos últimos 2 anos, onde pôde-se compreender o intenso processo de transformação não só na escala regional e urbana, como sobretudo as implicações metropolitanas do vasto leque de ações urbanísticas em potencial dessa extensa área que congrega mais de 250 mil habitantes de Campinas, ou seja 1/4 de sua população total, teve-se o entendimento que

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a vasta região focada é rica de possibilidades reflexivas e projetuais com vistas a sua requalificação urbana de modo a atender um denso e amplo espectro populacional que nela habita. Sendo assim, entendeu-se por bem manter o enfoque e região, visto que seus estudos e especulações urbanísticas de forma alguma esgotaram-se, muito pelo contrário, entretanto buscando, ano a ano circunscrever menores e concisos raios de extensão, no sentido de buscar um maior aprofundamento e consequente enriquecimento das questões a serem abordadas. Nesse sentido, a partir do tema geral escolhido, esta proposta pretende, tendo como premissa a integração intermodal de transporte, impulsionar a qualificação urbana da região, criando novas centralidades baseadas na conexão do transporte aéreo / rodo / viário / ferroviário, estabelecida a partir do Aeroporto de Viracopos, potencializando-o como um novo e contemporâneo cartão de visitas para a cidade de Campinas, recortando, a partir da localização desse eixo, o polígono que incorpora de um lado os vários assentamentos legais e ilegalmente constituídos - como os do Parque Oziel, Monte Cristo e suas imediações, por exemplo - e de outro, as duas margens da Rodovia Anhanguera consolidadas como novas centralidades oriundas de propostas urbanísticas dessa última década, sendo à margem esquerda o Parque Prado, grande conglomerado habitacional em fase de consolidação nos

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próximos 10 anos; e à margem direita a área compreendida pela Fazenda Sete Quedas, onde atualmente encontra-se interrompido o processo de implantação de um empreendimento de uso misto de grandes proporções, com vistas a assentar mais de 30 mil habitantes. Mantém-se ainda, como questões de fundo, as condições do deslocamento em áreas metropolitanas, a natureza diversa dos sistemas que se interligam no espaço urbano/regional, a contemporaneidade da recuperação ou transformação em estações os consolidados terminais de transporte (anos 80) como marcos arquitetônicos, e as condições de habitabilidade que se anunciam como novos paradigmas urbanísticos possíveis e com profundos impactos ambientais e consequências urbanas. ÁREA DE ESTUDO : Eixos: Aeroporto de Viracopos ® Parque Prado / Fazenda Sete Quedas (às margens da Rodovia Anhanguera); Turismo de Negócios x Turismo Noturno das Zonas de Meretrício (Jardim Itatinga e ao longo da Rodovia Santos Dumont); Estradas de Ferro Sorocabana / Funilense / Cia. Paulista / Mogiana / em seus Trechos urbanos; 224


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Bacias Hidrográficas e de Preservação Ambiental dos Rios e Córregos e demais mananciais de subsistência da Região Sudoeste do Município de Campinas, como Rio Capivari, Córregos Piçarrão, Taubaté, entre outros; DIC’s (Distritos Industriais Habitacionais de Campinas): políticas habitacionais locais das COHABs (anos 70) e o morar contemporâneo; Região Metropolitana de Campinas: relações de conurbação e conflitos. A área de estudo escolhida, em sua forma mais ampla, corta três regiões da cidade de Campinas com formação urbana de épocas distintas e atualmente ainda bastante diferenciadas em termos de consolidação da ocupação, tipologia, níveis de renda, usos e infra-estrutura urbana. São as macro-regiões IV, V e VII descritas e definidas pelo Plano Diretor de Campinas de 1994. Dezenas de empreendimentos de grande porte estão sendo implantados em Campinas e região, onde pode-se ressaltar as implantações dos conglomerados habitacionais da Fazenda Parque Prado - cujo processo de ocupação teve início com Projeto do Arquitetos Fábio Penteado em meados dos anos 90, e mais recentemente, com o desenvolvimento de proposta projetual (ainda não iniciada sua implantação) do 225


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loteamento de autoria do Arquiteto Fuad Cury, da Fazenda Sete Quedas - gleba constituída por 219 alqueires -, adquirida em 1971 de Eugênio Belotti pelos sócios da empresa Sete Quedas Empreendimentos Imobiliários (Banco e Fundação Bradesco). Em contraposição a esses investimentos de grande impacto para Campinas e Região, interessa-nos também estar discutindo a outra Campinas composta pelos assentamentos / ocupações dos Parques Oziel e Monte Cristo, desapropriadas e declaradas áreas de utilidade pública pelo prefeito Francisco Amaral em 1999, entre outros, sobretudo àqueles assentados sobre as escassas reservas naturais de flora, fauna e água. Ao focar nosso interesse como área de estudo dentro do setor maior da cidade apenas esse recorte, trabalhado conjuntamente com a faixa estreita constituída entre o Aeroporto de Viracopos e a Estação Central da FEPASA, mais que tudo, adota-se a Ferrovia - e o próprio transporte dela decorrente como uma referência de centralidade da metrópole de Campinas. Se numa primeira leitura, esse eixo que permeia e interliga “centros” referenciais da cidade aparece como uma leitura funcional de reconhecimento de uma linha de circulação, posteriormente pode-se lê-lo ainda como um fluxo de pessoas e mercadorias deslocando-se de um ponto a outro. Assim, no interior desse polígono - área de estudo 226


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algumas linhas já podem inicialmente ser identificadas como suportes físicos desses fluxos: o corredor da Avenida das Amoreiras e a Rodovia Santos Dumont. Interessa-nos particularmente a definição e a qualificação de um terceiro suporte físico que deverá vir a integrar o nosso eixo funcional: a linha desativada da Estrada de Ferro Sorocabana, sobremaneira, tanto quanto os demais eixos férreos assentados no interior da malha urbana atual, recheada de grandes vazios urbanos transpostos por sistemas mínimos de infra-estrutura, que por si, já os potencializam ao uso/ocupação. Em um pequeno trecho desse eixo, esse terceiro suporte físico - o leito da estrada de ferro foi recentemente utilizado durante um curto espaço de tempo (e em caráter experimental) por um sistema de transporte urbano de passageiros denominado VLT - Veículo Leve sobre Trilhos. Esse sistema (VLT) ocupou cerca de um terço desse eixo interior e determinante dessa área, bem como respondeu parcialmente enquanto suporte físico. Atualmente já está desativado. A definição do sistema de transporte que deverá utilizarse do suporte físico deixado pela Estrada de Ferro, é parte fundamental desse trabalho porque integra a discussão das três tipologias de equipamentos e/ou fatos urbanos considerados na definição desta temática: Aeroporto, eixo de ligação / circulação urbana, o morar urbano e a formação de centralidades, com a requalificação de espaços públicos.

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Como posicionamento inicial do trabalho, trabalhando com as extremidades-limites constituídas pelo Aeroporto de Viracopos e a dicotomia Parque Prado/Fazenda Sete Quedas (portanto, além área central da cidade), dever-se-à lidar com as tipologias constituídas, seus entornos imediatos e seus potenciais de transformação, enquanto espaços ocupados e consolidados. Em contraponto a estas “realidades” deverá construir a leitura dos contextos mais recentes que se prenunciam no Parque Prado, na Fazenda Sete Quedas e nos Parques Oziel, Monte Cristo e imediações, delineando não só suas próprias dinâmicas, mas também como o diálogo entre essas partes urbanas se viabiliza, além dos fluxos de pessoas que entre eles se articulam e transitam. Nessa medida, numa posição intermediária, o suporte físico juntamente com a tipologia de transporte escolhida, devem promover a fluência, a acomodação entre as várias tipologias, diminuir os impactos inerentes a sua função (transporte de passageiros) e, não menos importante, devem ainda favorecer a criação de valores locais. Portanto, este novo eixo de circulação, o suporte físico, o sistema de transporte a ser adotado, deverão estabelecer uma relação múltipla e qualificadora com a cidade. A inserção desse novo eixo com a cidade deverá estabelecer relações contínuas de vizinhança e convivência. Deverá também identificar e fortalecer pontos nodais, elementos com potencial

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gerador de transformação urbana, cujo caráter pode variar do mais internacional, como o próprio aeroporto, ao mais local como uma pequena centralidade de bairro, ou ainda um espaço de convivência de um conglomerado habitacional. Dentro desse raciocínio, foram formuladas propostas semelhantes - em escalas e complexidades compatíveis aos saberes de alunos de 1o. e 2o. anos - quando parte-se da fundamentação conceitual (por vezes de pesquisas e de produção de seminários, painéis e monografias posteriormente aplicados em exercícios rápidos de consolidação desses novos conteúdos a serem apreendidos), do reconhecimento do autoconhecimento do alunato e o desenvolvimento de metodologias e práticas próprias e pessoais que permitam a concepção e desenvolvimento de propostas individuais articuladas em grupos que trabalham áreas ou contextos afins, de modo a valorizar o discurso gráfico, a pesquisa científica e a maquete não como produto, mas antes como leitura de processos de concepção tridimensionais. PROGRAMA BÁSICO : Dada a complexidade e a natureza da área escolhida, sobretudo para os alunos em fase adiantada do curso de graduação, o projeto - a ser desenvolvido individualmente - não se constituirá em um programa único para uma determinada área.

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Todos os alunos - através da montagem de equipes de levantamento e cadastramento local -, numa primeira etapa, que se estende por dois terços do 1º semestre estabelecem uma proposta geral para o polígono como um todo (Parque Prado + Fazenda Sete Quedas + eixos rodo/férreo/aéreo/ viários + Assentamentos Habitacionais (legais e ilegais) + Reservas ambientais e hidrográficas (parques) + carências institucionais e de equipamentos sociais + ampliação do Aeroporto de Viracopos (Cidade Nova Viracopos). Isto significa definir as conexões entre os sistemas de transporte, o trajeto básico, a tipologia, a relação urbana (esquemática para todo o conjunto e trajeto) de convivência entre um determinado eixo/tipo de transporte e a cidade, identificando e apresentando propostas para os principais pontos nodais do trajeto. Assim esta proposta tem como objetivo final a elaboração de projetos específicos, de caráter individual, voltados à transformação da área de estudo global enquanto Plano de massa e um recorte específico e individual, em uma nova conexão intermodal de transporte, e o fortalecimento de novas centralidades ao longo do trajeto, como por exemplo: . projeto de um terminal/estação de conexão intermodal . projeto de novas instalações para o Aeroporto de Viracopos . projeto de estações e /ou equipamentos ao longo do trajeto . projeto das novas vias com tratamento da paisagem . projeto de assentamentos habitacionais . projeto de novos espaços públicos, institucionais, etc. ... 230


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ABORDAGEM: A intervenção em uma área com características tão distintas, atravessando parte significativa da cidade, levanta uma série de questões: preservação, transformação, renovação, reciclagem, requalificação, memória, revitalização, reutilização de edifícios e espaços, imagem da cidade (atual e a proposta), definição de espaços públicos e privados,... Entende-se portanto que estar-se tratando de um conjunto de possibilidades de projeto, ou áreas de projeto, conectadas a uma opção de transporte e circulação, que vinculam de modo bastante estreito o tema proposto, o estabelecimento de um programa e a definição dos limites da área de intervenção. Neste conjunto de restrições e possibilidades, defini-se na etapa inicial do trabalho as grandes linhas e propostas definidas pelo plano diretor: áreas de preservação, áreas com possibilidade de edificação, os usos recomendados, a adequação do sistema viário, a definição de novas acessibilidades e integração da área à cidade, a compatibilização dos processos de transformação atuais e os induzidos pelo projeto proposto. Pretende-se com esse procedimento criar, ao longo do ano, um ambiente propício à discussão dessas questões e à manifestação das expressões particulares sobre o tema proposto. O resultado dessas visões particulares é o projeto final da cada aluno. O projeto proposto deverá apontar com clareza 3 níveis de abordagem do espaço: 1-Definição da cidade existente (edificações, usos, etc.) e sua interação com as novas propostas; 2- Definição clara dos conceitos geradores bem como

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da solução projetual adotada para a conexão entre a estruturação viária existente e as novas centralidades propostas no sentido de conectar os diferentes segmentos urbanos que compõem a área e seu entorno; 3- Proposta síntese, volumétrica, contendo a definição da estrutura do espaço, a definição clara da imagem urbana proposta e sua relação com a cidade existente, à nível de pré executivo mínimo; 4- Definição da natureza funcional dos espaços propostos.

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ENCAMINHAMENTOS: Aulas expositivas; Fichas de acompanhamento das orientações e atividades diárias dos alunos, bem como listas de presenças que apontam a frequência em ambos os períodos do dia; Visitas e levantamento da área e de seu entorno; Montagem de várias maquetes de estudo da área; Estudo de projetos análogos, enquanto referências conceituais e projetuais, sistematizados por meio de conferências de palestrantes convidados e seminários sistematizados em cadernos-síntese construídos por equipe de 3 alunos; Definição de referências gerais básicas de programa; Pesquisa bibliográfica e de projetos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Bibliografia preliminar e básica, tendo com fontes os acervos dos laboratórios CAD e CAV, sendo complementada ao longo das atividades do curso - coletâneas CAD - Intervenções Urbanísticas I / II - coletâneas CAD - Habitações Multifamiliares (desde 1996) • Index por assunto nos periódicos : - Projeto • De Architect (Revista Holandesa sem Index) • Geral de Arquitetura Brasileira • AU • Archis (Revista Holandesa sem Index) • Campinas Plano Diretor 1995 (L 01.10.0038) • Plano Local de Gestão Urbana do Campo Grande - Campinas 1996 (L 01.10.0092.3) • Leste Oeste: Em busca de uma solução integrada / PMSP Metrô • O Metrô de São Paulo 1987 - 1991 • Tecnologia e Humanização no Metrô de SP : Estudo de viabilidade técnico-econômico-financeira / Metrô 1980 • Aeroporto Santos Dumont 1936 / 1996 - RJ Brasil - Empresa das Artes • Mapas: • Guia de ruas de Campinas • Zoneamento • Campinas 1:5000 (3432/3433/3434/3451/3452/3453/3454/5211) • Fotos aéreas (1994/2000) • área: da Fazenda Sete Quedas e Parque Prado, passando pelos Parques Oziel, Monte Cristo, toda a extensão do Rio Capivari e Córrego Taubaté, Rodovia Santos Dumont, Avenida das Amoreiras, Pirelli, Delta (lixão), até o Aeroporto de Viracopos, incluindo a área para sua ampliação.

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