Alavancagem Financeira

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Gestão Financeira Gestão Financeira

Uma abordagem prática do conceito de alavanca financeira Amélia Ferreira da Silva Docente no IESF (Instituto de Estudos Superiores de Fafe) Mestre em Contabilidade e Auditoria U. Minho

Raul Alberto Fernandes Revisor Oficial de Contas Mestre em Contabilidade e Auditoria U. Minho

INTRODUÇÃO

O CONCEITO DE ALAVANCA FINANCEIRA

Na última década do século XX iniciou-se uma nova era na evolução do conceito de Contabilista enquanto profissional, nomeadamente quanto à sua formação e competências. Como todos os processos de mudança, também este ofereceu, e ainda oferece, muitas resistências, algumas das quais de difícil combate mas que, paulatinamente, vão sendo ultrapassadas. Uma das vertentes dessa mudança é seguramente o trabalho de dia-a-dia do profissional de Contabilidade que, agora e cada vez mais, vê o seu tempo absorvido por tarefas de análise da informação, ao invés do tratamento de dados que num passado recente constituía o foco central das suas responsabilidades. Neste trabalho de análise de informação incluímos, obviamente, a análise económico-financeira das empresas e negócios. Esta análise pode ser feita à priori, no caso em que a empresa/negócio é ainda um mero processo de intenções, aqui estaremos situados no campo da análise de projectos, ou à posteriori, no caso em que a empresa/negócio é já uma realidade, aqui estaremos situados no âmbito do controlo de gestão. Em qualquer dos casos, o papel do contabilista, enquanto analista e profissional capaz de captar e cruzar a dimensão económica e a dimensão financeira da realidade empresarial, é absolutamente essencial para alertar o empresário para potenciais erros de gestão, que em muitos dos casos conduzem as empresas para níveis de risco insustentáveis. Uma das dimensões do risco da empresa é o risco financeiro, que está directamente relacionado com as decisões de financiamento e, consequentemente com a rentabilidade da empresa. Um dos instrumentos disponíveis de análise do risco financeiro é a avaliação do efeito de alavanca financeira, conceito que elegemos para este pequeno artigo. O nosso objectivo é expor uma abordagem eminentemente prática do conceito, de forma que o profissional da Contabilidade facilmente o possa aplicar aos casos reais com os quais se confronta no seu dia-a-dia. Seguindo um exemplo prático, iremos expor o conceito, concluindo com um resumo das questões mais problemáticas ligadas à sua aplicabilidade à realidade das empresas e da informação disponível numa PME.

O risco financeiro reflecte a variação provável dos fluxos financeiros em função dos fluxos económicos, de estrutura dos capitais da empresa e da remuneração dos capitais investidos. Regra geral, a avaliação do risco financeiro é medida através do indicador denominado de grau de alavanca financeira (GAF). Como sabemos a utilização de indicadores é particularmente recomendada em situações de análise intersectorial e avaliação de tendências históricas. É consensual que a interpretação de indicadores é frequentemente mais útil que a análise das grandezas, em valor absoluto, que constituem a sua base de cálculo. As comparações por diferença são muito precárias, pois não tomam em contas as proporções entre as diversas cifras, admitindo assim identidades que só existem no aspecto das diferenças encontradas entre os valores absolutos. O efeito de alavanca financeira será abordado através dum exemplo prático com o intuito de avaliar se o endividamento é, ou não, favorável à rendibilidade dos capitais próprios e que relação este endividamento tem com o risco financeiro da empresa. Tomemos o seguinte exemplo que está muito simplificado: 1. Imagine que tem perante si uma proposta de investimento a um ano que lhe proporciona uma rendibilidade esperada de 15%, sendo o investimento mínimo de 750 u.m. e o investimento máximo de 1000 u.m. No entanto, você dispõe apenas de cerca de 750 u.m., tendo a possibilidade de se endividar, contraindo um empréstimo de 250 u.m. a uma taxa de juro anual de 10%. Qual será a sua decisão? Vamos fazer contas: 1.1 Não se endivida: Recebe no final do ano: 750 * 1,15 = 862,5 Rendibilidade do seu capital = (862,5 – 750) / 750 = 15%

1.2. Endivida-se em 250 u.m.: Recebe no final do ano: (750 + 250) * 1,15 = 1150 Entrega ao Banco no final do ano: 250 * 1,1 = 275 Fica com: 1150 – 275 = 875 Rendibilidade do seu capital = (875 – 750) / 750 = 16,7%

Neste caso a decisão correcta parece ser o endividamento, isto porque a rendibilidade do investimento é superior ao

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Gestão Financeira Gestão Financeira custo da dívida, e como tal, o endividamento tem um efeito positivo na rendibilidade dos seus capitais próprios. 2. Mas, vamos agora imaginar que a taxa de juro que o Banco lhe propõe é de 17,5%. Caso não se endivide, a rendibilidade manter-se-á nos 15% já apresentados em 1.1. 2.1 Endividando-se em 250 u.m.: Recebe no final do ano: (750 + 250) * 1,15 = 1150 Entrega ao Banco no final do ano: 250 * 1,175 = 294 Fica com: 1150 – 294 = 856 Rendibilidade do seu capital = (856 – 750) / 750 = 14%

Neste caso, o endividamento tem um efeito desfavorável na rendibilidade do seu investimento, é fácil perceber que qualquer investidor racional decidiria investir apenas os seus recursos próprios. Vamos considerar que você é um investidor racional e, como tal, no primeiro caso decidiu endividar-se e no segundo não se endividou. INDICADORES Capitais Próprios Activo Resultados Operacionais Encargos Financeiros Resultados Correntes Rentabilidade dos capitais próprios GRAU DE ALAVANCA FINANCEIRA Resultados Operacionais (EBIT) GAF = Resultados Correntes (RAI)

Cenário 1.2 750 1.000 150 25 125 16,7%

1,2

Cenário 2.1 750 750 112,5 0 112,5 15%

1,0

Assim, quanto maior for o grau de alavanca financeira(1) maior será o risco financeiro, o que é expresso por este exemplo, já que no segundo cenário não há endividamento, logo o risco financeiro é mínimo. Mas a nossa rendibilidade de 15% é apresentada como o valor esperado e não um valor certo, isto é, resulta da combinação dos vários resultados possíveis aos quais está associado uma determinada probabilidade de ocorrência. Aliás, só assim se compreende que o Banco lhe conceda um empréstimo com uma taxa de juro de 10%. Na verdade, se 15% fosse a rentabilidade de um investimento sem risco era inimaginável um cenário em que o capital alheio tivesse um custo inferior. 3. Continuando a explorar o nosso exemplo, e desta vez com o intuito de avaliar a sensibilidade do nosso indicador a possíveis flutuações da rendibilidade do activo, imaginemos então um cenário mais favorável onde a rendibilidade obtida passou a ser de 25%: 3.1 Caso se tivesse endividado: 1000*1,25 = 1250 Variação dos seus resultados operacionais = (250-150)/150 = = 66,7% Variação dos seus resultados correntes = (225-125) /125 = 80% ⇔ ⇔ 66,7%*1,2 = 80% Rendibilidade dos capitais próprios = 225/750 = 30% ⇔ ⇔ (16,7%* (1+0,8)) = 30%

3.2 Caso não se tivesse endividado: 750*1,25 = 937,5 Variação dos seus resultados operacionais = (187,5-112,5) /112,5 = = 66,7% Variação dos seus resultados correntes = (187,5-112,5) /112,5 = = 66,7% 66,7% * 1 = 66,7% Rendibilidade dos capitais próprios = 187,5/750 = 25% ⇔ ⇔ (15%* (1+0,667)) = 25%

4. Mas os negócios também podem correr mal, assim imaginemos que se obteve apenas 1% de rendibilidade: 4.1 Caso se tivesse endividado: Variação dos seus resultados operacionais = (10-150)/150 = = – 93,3% Variação dos seus resultados correntes = (-15-125) /125 = -112% ⇔ ⇔ –93,3% * 1,2 = – 112% Rendibilidade dos capitais próprios = -15/750 = –2% ⇔ ⇔ (16,7%* (1-1,12)) 4.2 Caso não se tivesse endividado: Variação dos seus resultados operacionais = (7,5-112,5) /112,5 = = –93,3% Variação dos seus resultados correntes = (7,5-112,5) /112,5 = = –93,3% ⇔ –93,3% * 1 = –93,3% Rendibilidade dos capitais próprios = 7,5/750 = 1% ⇔ ⇔ (15%* (1-0,933))

5. Mas, imagine agora que você é um investidor optimista e mesmo perante uma rendibilidade esperada de 15% e uma taxa de juro de empréstimo de 17,5% você decide endividar-se e: 5.1 Obteve uma rendibilidade de 15% no investimento total Resultados operacionais = 150 Resultados correntes = 150 – 43,75 = 106,25 GAF = 150/106,25 = 1,4 Rendibilidade dos capitais próprios = 106,25/750 = 14,2%

5.2 Obteve uma rendibilidade de 25% no investimento total Resultados operacionais = 250 Resultados correntes = 250 – 43,75 = 206,25 Variação dos Resultados Operacionais = (250 – 150) /150 = 66,7% Variação dos Resultados Correntes = (206,25 – 106,25)/106,25 = = 94% ⇔ 66,7% *1,4 = 94% Rendibilidade dos capitais próprios=206,25/750=27,5% ⇔ ⇔ (14,2%* (1-0,94))

5.3 Obteve uma rendibilidade de 1% no investimento total Resultados operacionais = 10 Resultados correntes = 10 – 43,75 = –33,75 Variação dos Resultados Operacionais = (10 – 150) /150 = = –93,3% Variação dos Resultados Correntes = (-33,75-106,25) /106,25 = = –132% ⇔ –93,3% *1,4 = 132% Rendibilidade dos capitais próprios = -33,75/750 = -4,5% ⇔ ⇔ (14,2% *(1-1,32))

A rendibilidade dos capitais próprios é afectada, por um lado, pelo grau de alavanca financeira e, por outro, pela CIA O PORTU A SS O

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Gestão Financeira Gestão Financeira estrutura de capitais utilizada. O efeito da política financeira sobre a rendibilidade dos capitais próprios designa-se por efeito de alavanca financeira, dado pela seguinte fórmula:

Média da Rendibilidade do Activo = = (0,25*0,35) + (0,15*0,4) + (0,01*0,25) = 15% Desvio Padrão da Rendibilidade do Activo = 9,2%

Efeito dos encargos financeiros

(0,25-0,15)2 *0,35 + (0,15-0,15)2 *0,4 + (0,01-0,15)2 * 0,25 = 9,2%

Estrutura financeira

EFEITO DE ALAVANCA

Resultados Correntes (RAI)

X

FINANCEIRA

Activo de exploração (AE)

Resultados Operacionais (EBIT)

Coeficiente de Dispersão = 0,091/0,15 = 0,61

Capitais Próprios (CP)

Média da Rendibilidade dos Capitais Próprios = 15% (0,3*0,35) + (0,166*0,4) + (-0,02*0,25) = 16,64% ≅ 17%

Assim, considera-se que o endividamento é favorável sempre que o valor deste indicador for superior a 1 e, desfavorável se o indicador for inferior à unidade. Vamos seguir o nosso exemplo, mantendo-se uma rendibilidade do activo (investimento) de 15% mas assumindo que você dispõe das 1.000 u.m. e ainda assim quer ponderar se deve investir todo o seu dinheiro ou investir apenas 750 u.m. e recorrer a um empréstimo de 250. Neste caso: Sem End.

Com Endividamento

Custo do Capital Alheio Resultado Operacional Encargos Financeiros Resultados Correntes

—— 150 0 150

250:750 10% 150 25 125

250:750 17,5% 150 43,75 106,25

Activo Económico Capitais Alheios Capitais Próprios

1000 0 1000

1000 250 750

1000 250 750

Rendibilidade do Activo Rentabilidade dos Capitais Próprios

15% 15%

15% 16,7%

15% 14,1%

1 1

0,8333 1,3333 1,11

0,7083 1,3333 0,94

Efeito dos Encargos Financeiros Estrutura Financeira Efeito de Alavanca Financeira

Façamos, agora, o mesmo estudo entrando com a análise probabilística de ocorrência de determinado fenómeno. Admitindo a seguinte repartição de probabilidades: Cenário Optimista Normal Pessimista

Rendibilidade 25% 15% 1%

Probabilidade 0,35 0,40 0,25

Desvio Padrão da Rendibilidade dos Capitais Próprios = 12,2% (0,3-0,17)2 *0,35 + (0,166-0,17)2 *0,4 + (-0,02-0,17)2 *0,25 = 12,2% Coeficiente de Dispersão = 0,122/0,1664 = 0,73 Em resumo, apesar de o endividamento ser favorável: ⇒ ) maior rendibilidade maior endividamento implica (⇒ ⇔) esperada dos capitais próprios, o que é equivalente a (⇔ maior risco do capital próprio.

CONCLUSÃO • o endividamento pode ser favorável ou desfavorável à partida, mas dado o risco inerente ao respectivo investimento não é garantido que um maior endividamento seja absolutamente favorável ou absolutamente desfavorável, há sempre uma relação risco/rendibilidade subjacente; • a estrutura de capitais escolhida afecta a rendibilidade dos capitais próprios; • o endividamento aumentou o risco dos capitais próprios; • quanto maior o GAF maior o risco financeiro. Os exemplos apresentados são bastante claros porque são também muito simplistas. Quando passamos para a realidade das empresas as conclusões não são tão fáceis de tirar e exigem alguma experiência e perspicácia por parte do analista, muito embora a sua função seja ponderar e minimizar o risco, e não eliminá-lo.

CENÁRIOS Optimista: 25%

Normal: Pessimista: 15% 1%

Probabilidade

0,35

0,4

Resultados Operacionais

250

150

10

Encargos Financeiros

25

25

25

Resultados Correntes

225

125

-15

Activo Económico(2)

1000

1000

1000

Capitais Alheios

250

250

250

Capitais Próprios

750

750

750

(1)

0,25

Rendibilidade do Activo

25%

15%

1%

Rendibilidade dos Capitais Próprios

30%

16,6%

-2%

(2)

O grau de alavanca financeira é um instrumento de análise do risco financeiro que mede a sensibilidade da rendibilidade dos capitais próprios às potenciais variações dos resultados operacionais, assumindo os custos financeiros como fixos e a taxa de imposto sobre o rendimento constante. Em finanças empresariais é extensa a discussão quanto ao valor do investimento a considerar: Activo bruto? Activo líquido? Activo total? Activo económico? Activo no início do exercício? Activo no final do exercício? Activo médio? Activo médio ponderado? Mas a nossa opção foi a de simplificação do exemplo sem aprofundarmos algumas questões conceptuais como seriam o tratamento de outros factores interligados, por exemplo: o efeito do imposto sobre o rendimento, a relação entre a estrutura de capitais da empresa e o custo da dívida, o risco associado à rendibilidade da empresa e a informação disponível sobre a empresa em causa.

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