Memórias vivas - Antologia de textos sobre os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua

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Antologia de textos sobre os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua

Memórias Vivas

“A ímpar e insuperável sabedoria bíblica, consagrada no cap. 44 do “Livro de Ben Sirá”, estimula e apela ao louvor dos “homens ilustres nossos antepassados, segundo as suas gerações”, porque “as suas obras

aliança”, de modo que “nem a sua posteridade nem a sua glória terão fim”. É por isso que são tanto de louvar os testemunhos de vida e de memória colectiva que os depoimentos aqui coligidos representam. Na verdade, eles trazem à nossa consideração não apenas a memória que a Bíblia exalta e estimula, mas sobretudo a dignificação dos valores, da generosidade e da cultura de humanismo que a interpelação bíblica pressupõe. Dignificar tais valores e as pessoas e instituições que lhes dão vida é construir humanidade. Muito me alegro, pois, e felicito, louvo e aplaudo por este oportuno trabalho.”

in Prefácio do Padre Vítor Melícias

Memórias Vivas

não foram esquecidas e os seus descendentes mantiveram-se fiéis à

Antologia de textos sobre os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua Prefácio PADRE VÍTOR MELÍCIAS

Coordenação JOSÉ ALFREDO ALMEIDA


Nota de apresentação

"A verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo ao presente." Albert Camus

Como presidente da Direcção da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários do Peso da Régua há mais de quinze anos e como principal responsável pela organização e edição desta antologia, compete-me a tarefa de a apresentar aos leitores. Quero dizer-vos que é um projecto pessoal que assenta numa ideia muito simples e numa grande paixão por poder mostrar o passado de uma instituição que me diz muito, assim como aos reguenses e, de um modo geral, a quem admira os nossos bombeiros voluntários. A nossa ideia foi a de convidar para escrever sobre os bombeiros da Régua pessoas que, por uma ou outra razão, nos pudessem deixar o seu testemunho para uma memória futura, a das gerações vindouras. Pensávamos que não devíamos fazer uma viagem ao passado, às nossas raízes históricas, ao dia em que tudo começou - 28 de Novembro de 1880 -, mesmo que fosse importante revisitar o espírito dos nossos fundadores e antepassados, mas que devíamos deixar uma marca visível no tempo presente de uma instituição humanitária que nasceu para proteger vidas e bens e que, ao longo dos anos, foi o espelho de uma sociedade civil que ali deu vida a novos valores solidários e humanitários, afirmou a diferença nos princípios e crenças no respeito pelos mais fracos e desfavorecidos e estimulou o desenvolvimento cultural, ao garantir a abertura da primeira biblioteca pública e ao promover espectáculos recreativos e musicais, como peças de teatro amador e o glamoroso Baile das Vindimas. Mais importante do que olhar para o passado dos bombeiros da Régua, é acreditar na sua capacidade de construir futuro. Convidámos para colaborar nesta antologia vultos da cultura e do pensamento actuais, escritores, jornalistas, dirigentes de órgãos ligados aos bombeiros, simpatizantes do ideal humanitário e testemunhas de momentos marcantes da vida desta instituição. Cada um escolheu um tema que mais o relacionava com o mundo dos bombeiros, mesmo que alguns, até esse momento, não conhecessem o que estava para lá dos portões de entrada do nosso majestoso Quartel. Convidámos também alguns antigos dirigentes que poderiam fazer um retrato do que foi o seu tempo. Apenas nos faltaram depoimentos de soldados da paz de outrora e de hoje, pois nenhum teve vontade de desvendar os segredos dos fogos em que são sempre heróis anónimos. Mesmo assim, daqui resultou uma diversidade de perspectivas e testemunhos que contribuem para a afirmação, o reconhecimento e a maior notoriedade de uma Associação mais que centenária, bem como para sublinhar a excelência da missão dos bombeiros. Por isso, a todos os autores que tornaram possível esta inédita antologia - que teve como simples critério a sua apresentação por ordem alfabética -, temos de lhes agradecer pela sua disponibilidade para eternizar em palavras e memórias a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua e os seus Soldados da Paz, aqueles que conseguem dar vida às vidas.


Decidimos que devíamos também integrar nesta antologia os autores que deixaram escritas matérias muito interessantes para entender a história e o passado dos bombeiros da Régua, mas que se encontram dispersas nos jornais locais, como é o caso dos médicos e escritores João de Araújo Correia e Camilo de Araújo Correia, ambos ligados umbilicalmente aos bombeiros da Régua, do médico José António Pereira de Sousa e do Chefe António Guedes, o único bombeiro que confiou ao papel memórias suas. Achámos ainda oportuno divulgar uma poesia do Comandante Manuel Maria de Magalhães (1880-1896) que, sendo o primeiro a comandar os bombeiros da Régua revelou, desde muito novo, os seus dotes para a escrita. Embora de José Afonso Soares, historiador que sucedeu a Manuel Maria de Magalhães no comando dos bombeiros da Régua (1896-1927), não conheçamos nenhum artigo jornalístico sobre a nossa instituição, gostaríamos de lembrar este apontamento inscrito na sua História da Vila e Concelho do Peso da Régua (1936-1938): “Devido à eficácia do seu comandante, Manuel Maria de Magalhães, e à grande actividade e amor de mais alguns sócios, do número dos quais se destacaram José Joaquim Pereira Soares dos Santos e Joaquim Sousa Pinto, esta associação progrediu e foi sem dúvida uma das primeiras do país.” Foi deste mesmo espírito que nasceu a nossa maior intenção, elevar o nome da nossa Associação e fazê-la progredir na alvorada deste séc. XXI. Não temos a certeza de o termos conseguido, sendo certo que o julgamento que de nós fizerem dependerá sempre das nossas acções enquanto sujeitos da nossa própria história colectiva. Esperamos que cada um dos magníficos textos desta antologia ajude o leitor a fazer o seu juízo e a conhecer melhor uma Associação e um Corpo de Bombeiros Voluntários com que a comunidade reguense pode contar há 133 anos “A bem da humanidade”.

José Alfredo Almeida 28 de Novembro de 2013


Advertência: Nos textos aqui coligidos, a opção pelo uso do Novo Acordo Ortográfico ficou única e exclusivamente ao critério dos respectivos autores.


Testemunho

O Presidente de um Município acumula o cargo de autoridade máxima para a proteção civil no concelho. Encaro esta função como uma missão: tornar mais eficaz a ajuda aos que precisam, adequando os meios técnicos necessários e contribuindo para a formação continuada de homens e mulheres, voluntários e profissionais, para essa intervenção. Esta responsabilidade é também um dever moral: estar ao serviço das pessoas e trabalhar em prol da garantia do seu bem-estar e segurança.

Pouco tempo após ter iniciado funções como Presidente do Município, fui confrontado com um grande desafio. Sucessivas cheias fustigaram a nossa cidade, sujeitando, uma vez mais, algumas famílias ao abandono dos seus lares. Os comerciantes da zona ribeirinha voltaram a lidar com sacrifícios que, muitas vezes, foram além das suas possibilidades, sobretudo, financeiras. Este é um exemplo do que nos obriga a focalizar os problemas, dando-nos a dimensão real do sofrimento dos outros, daqueles que nos são próximos e precisam de nós. Foram dias difíceis, vividos lado a lado com a Corporação de Bombeiros. Foi uma experiência vital, à qual se seguiram outras, igualmente orientadas pelo mesmo profissionalismo e rigor do Corpo Ativo dos Bombeiros Voluntários. A constatação da competência destes homens e mulheres, do empenho de cada um, da entrega verdadeiramente incondicional, enchem-me de orgulho.

O Município do Peso da Régua tem estado na retaguarda dos nossos Bombeiros, na certeza de que o apoio financeiro e logístico prestado é fundamental para a existência de condições de trabalho e que potencializam a eficácia da resposta a dar. As limitações financeiras das autarquias são conhecidas. Contudo, desde o primeiro momento, assumimos um posto nesta missão conjunta. A segurança e o bem-estar dos reguenses exige, com total legitimidade, que assim seja. O nosso compromisso é reiterado sempre que a Corporação é chamada a intervir. A origem desta parceria remete-nos para a constituição da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, formalizada a 28 de Novembro de 1880, em


resposta ao desafio colocado pela Câmara Municipal aos reguenses, após terem adquirido, em 1873, uma bomba, um carro e material para incêndios. A grande preocupação era acautelar os inúmeros armazéns de vinho que, particularmente durante o período da vindima, armazenavam grandes quantidades de aguardente. Em 1843, a Câmara dos Deputados tinha indeferido o pedido da Câmara Municipal do Peso da Régua para atribuição de uma bomba para apagar os possíveis incêndios. Diante disso, a Câmara Municipal agiu em prol da comunidade, prevenindo riscos emergentes. Cento e trinta e três anos depois, o Município do Peso da Régua reassume o compromisso de continuar a ajudar quem, por sua vez, ajuda os outros.

A história da Associação Humanitária dos Bombeiros define-se em paralelo com a formação do território concelhio e o desenvolvimento local e regional. Os serviços prestados não só a Peso da Régua, mas também às localidades limítrofes, que durante décadas dependeram do socorro prestado por esta Corporação, mereceu a condecoração, atribuída em 1930, de Grau de Cavaleiro da Ordem de Benemerência, pela Presidência da República. Mais tarde, em 1931, pelo Marechal Cardona, o Grau de Oficial da Ordem Militar de Cristo e, em 1984, a condecoração de Membro Honorário da Ordem do Infante D. Henrique, pelo General Ramalho Eanes. Em 2012, o Ministério da Administração Interna distinguiu a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua com a atribuição da Medalha de Mérito de Proteção e Socorro, no Grau Ouro e distintivo azul, pelo serviço prestado à comunidade, pautado pela coragem e solidariedade com o próximo.

Este é um passado que honra a Associação Humanitária, o Município e os reguenses.

A coragem que os trouxe até aqui impele-os a continuar.

O lema "vida por vida" traduz a essência humana de cada Bombeiro e coloca-os diante de exigências só possíveis de encarar com coragem e amor ao próximo.


Como Presidente do Município do Peso da Régua faço votos para que o presente trabalho sirva para tornar ainda mais visível a determinação e a coragem com que os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua estão ao serviço da comunidade. Espero que a sociedade reguense, por sua vez, saiba agradecer aos que, diariamente, a qualquer hora, dão o melhor do seu esforço, posicionando-se ao lado dos que, por variadas razões, necessitam de apoio. O dever de justiça impõe-nos isso.

Quando toca a reunir, num gesto de nobreza e de amor ao próximo, os nossos Bombeiros declaram-se prontos para intervir.

Por tudo isto, bem-hajam, sempre!

O Presidente do Município Nuno Manuel Sousa Pinto de Carvalho Gonçalves, Eng.


Levar a associação em diante

Ao longo dos anos o meu prezado amigo José Alfredo Almeida, presidente da Associação Humanitária de Bombeiros de Peso da Régua, além da boa gestão da instituição, tem dedicado muito da sua vida e do seu tempo a recuperar a sua memória, histórias e realidades que fizeram esta nobre casa de solidariedade e bem fazer que já conta com mais de 130 anos de vida. Tanto tempo vivido, passado de glória, importa que a memória não se perca, nem no espaço, nem no tempo. Razão para o excelente trabalho que o nosso companheiro tem desenvolvido em autêntico sacerdócio, fazendo e incentivando também outros cidadãos a participar neste projecto solidário e amigo. O resultado está à vista de todos, nomeadamente na comunicação social regional, escrita e falada, e nos títulos, como o que agora, em boa hora, se edita. O conhecimento da história e das memórias de uma instituição como esta ajuda-nos a valorizar, desde logo, as diferentes etapas por que ela lutou e que conseguiu vencer na defesa de pessoas e bens das terras durienses. Inclusive, tendo sido a primeira do distrito, por certo, constituiu um importante incentivo e, como se diz em linguagem moderna, terá sido até um verdadeiro laboratório regional de boas práticas e ensinamentos que os seguintes por certo analisaram e terão aproveitado na sua génese estímulos, forças, práticas e conhecimentos que a todos nos orgulham. Mas o conhecimento da história de uma instituição tem, também, outra enorme vantagem para o presente, pois permitirá a construção de um futuro, que soube construir-se no respeito pelo seu passado. Perante os relatos de tempos passados, marcados por dificuldades múltiplas, obstáculos bastantes que, em devido tempo, os responsáveis de então conseguiram ultrapassar, para os dirigentes presentes, essas situações, só por si, constituem uma forma de incentivar, recuperar forças e agilizar novas sinergias para o presente e o futuro. Futuro esse que terá a dimensão de todos aqueles que, em vontade colectiva e amor pela sua terra, quererão sempre levar mais longe o nome da sua nobre instituição. Os homens passam, as instituições ficam, mas não tenhamos dúvidas que há nomes que perpetuarão sempre na galeria dos melhores e um deles terá com certeza já hoje lugar assegurado, de seu nome José Alfredo Almeida. Bem hajas amigo, Com os melhores cumprimentos, O Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares Comendador


PREFÁCIO

Ligam-me à Régua, às suas instituições e às suas gentes laços da mais profunda admiração, estima e carinho.

Com os seus bombeiros, vivi na Régua pelo menos dois inolvidáveis Congressos nacionais e partilhei o entusiasmo de estarmos unidos nos mesmos valores e nobres ideais de solidariedade humanitária.

Com a sua Misericórdia, partilhei a alegria de sonhos e projectos já desde o tempo do saudoso provedor e ímpar amigo, Comandante Cardoso, de tão boa memória que já antes conhecera nos jornais e nos bombeiros.

Do mesmo modo, como Confrade da Confraria dos Vinhos tive o privilégio de viver momentos de rara beleza na investidura e na evocação dos valores da região e dos reguenses ilustres que tanto valorizaram a história desta terra.

Alegra-me, por isso, e muito, a oportunidade que aqui me oferece o estimado Dr. José Alfredo Almeida de apresentar esta colectânea de belos pedaços de alma e de história da Régua e dos seus bombeiros.

A ímpar e insuperável sabedoria bíblica, consagrada no cap. 44 do “Livro de Ben Sirá”, estimula e apela ao louvor dos "homens ilustres nossos antepassados, segundo as suas gerações", porque "as suas obras não foram esquecidas e os seus descendentes mantiveram-se fiéis à aliança", de modo que "nem a sua posteridade nem a sua glória terão fim". É por isso que são tanto de louvar os testemunhos de vida e de memória colectiva que os depoimentos aqui coligidos representam. Na verdade, eles trazem à nossa consideração não apenas a memória que a Bíblia exalta e estimula, mas


sobretudo a dignificação dos valores, da generosidade e da cultura de humanismo que a interpelação bíblica pressupõe. Dignificar tais valores e as pessoas e instituições que lhes dão vida é construir humanidade. Muito me alegro, pois, e felicito, louvo e aplaudo por este oportuno trabalho.

Bem haja, Dr. José Alfredo Almeida. Bem hajam quantos aqui consigo, de modo tão generoso e belo, enaltecem e dignificam estes valores e estes nobres ideais. Seja em louvor da Régua, dos seus Bombeiros e a bem da Humanidade!

Roma, 22 de Outubro de 2013

P. Vítor Melícias, OFM (Presidente Honorário)


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