20 de Março de 2013
Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua As melhores imagens da sua História
A
p rox i m a - s e o abastado comerciante Joaquim Sousa Pinto, fardado de bombeiro, acompanhado pelo Comandante Afonso Soares e pelo presidente da direcção, Alberto Pereira Rolla, sendo saudados com continência por um piquete de voluntários. Param diante de mim e, como não me reconhecem familiar ao meio, cumprimentam-me com um afável “Boa tarde, meu caro amigo”. De imediato, o Comandante Afonso Soares, que traz na mão esquerda um manuscrito do livro que irá publicar, os Apontamentos para a História da Vila e Concelho, abeira-se de mim e pergunta-me se me pode ser útil. Digo que sim, que procuro o senhor António Roberto Pinto, comissário da casa comercial Sandeman, a quem precisava de dar umas palavras...! Avisa-me que deve estar a chegar para entregar um donativo da casa Sandeman para ajudar a missão dos bombeiros. Ainda o ouço exclamar: “Bem precisamos de dinheiro….”. Entretanto, pergunta-me
O comissário da Sandeman José Alfredo Almeida se me fiz associado contribuinte. Não sei como lhe responder, mas prometo ao Senhor Soares que, mais tarde, aparecerei para me inscrever como sócio e é o que faço….um século depois. As badaladas do sino do Cruzeiro voltam a ouvir-se dolentemente e fazem-me acordar de um sono profundo, aconchegado pelo calor outonal. Tenho aberto o livro de actas dos mandatos das primeiras direcções dos bombeiros da Régua. Cá está o desconhecido comissário que não tive a sorte de encontrar na minha viagem ao passado. Uma acta da reunião extraordinária da Direcção dos Bombeiros datada de 1893 confirma-me que, nesse dia, esteve presente o “Sr. António Roberto Pinto comissário da casa ingleza Sandeman, tendo por este entregue á hora desta sessão a quantia 25.00 mil réis, que a mesma offerece para os fundos da Associação. Deliberou-se por unanimidade agradecer a oferta”. A Sandeman, como casa comercial, morreu; aquele mítico nome pertence agora a outra empresa de vinhos, a
Sogrape. Com ela morreram também os influentes comissários das casas inglesas, sobre os quais o escritor João de Araújo Correia escreveu o seguinte: “Governam-se melhor que o lavrador e quase tão bem como o comerciante. Estabelecem entre um e outro uma risca de união perfeita de metal precioso. Ser comissário é ser alguém. Ser comissário de casa inglesa é porventura ser mais do que alguém. (…) Ser empregado de ingleses, no Douro, é ser gente estremada – ainda que o emprego se exerça numa adega com caneco à cabeça. Se o emprego é porém de vulto, se representa confiança e espelha a bizarria inglesa, o empregado chama-se comissário e é um lorde. É um lorde entre lavradores preocupados com colheitas e com vendas”. Já cá não estes lordes da sociedade duriense para defenderem o seu bom nome. Morreram todos. Perdura o nome do Sr. António Roberto Pinto, que, apesar de nada sabermos acerca dele, deixou uma fama de benfeitor dos bombeiros da Régua. Devia acabar aqui esta pequena
história. Mas, o mais certo, é ela continuar para acrescentar o exemplo da casa Symington - sócia contribuinte nº 578 – que assim concede o seu apoio
a uma instituição humanitária que tem como seu ideal fazer o bem comum.
Divagando
Margarida Vilela
C
onheci a viúva Vilela: D. Margarida. Convivemos e dormi, largo tempo, sob as suas telhas. Reguense castiça, de palavra rude e alma branca, morreu aos 93 anos e há mais de quarenta. Poucos, portanto, se lembram dela. Vejo apenas, recordála, anualmente, no cemitério desta vila, seu sobrinho José Maria, com flores e luzes, no dia de Fiéis Defuntos. Todavia, esta senhora, estabelecida na Régua, com prestimosa alquilaria, marcou uma época servindo os transportes públicos com uma frota de óptimos carros, tirados por cavalos que adquiria nas afamadas feiras de Salamanca. No fim do século, foi a Régua visitada por D. Luís I. Pôs à disposição de sua Majestade, para
seu transporte, carros, cavalos e cocheiros; e, tão bem se houveram no cumprimento da missão, que lhes valeu sincero elogio do Rei e a entrega duma medalha de bons serviços. Não se limitou à lhaneza do seu trato este simples episódio. Embora interessante, referi-o, simplesmente, ao correr da pena. O que valeu a escolha de Margarida Vilela para tema desta conversa, foi a lembrança da incomparável assistência que a sua bondade e os seus serviços gratuitos prestaram à Associação de Bombeiros do Peso da Régua durante largos anos, enquanto o motor não substituiu a besta na tracção dos veículos. Toca a incêndio e imediatamente se abria a porta da sua alquilaria, para
dar passagem a cavalos e cocheiros que puxavam o “ Carro Grande”, para onde as chamas irrompessem. Falo novamente nas tragédias de Lamego e Mesão Frio. Em qualquer, marcaram presença meritória. Todavia, nada se disse, nada se fez, nada
se escreveu a enaltecer a tamanha colaboração. Dir-se-ia que a sua ajuda não representava mais que obrigação, embora nós tenhamos obrigações maiores a cumprir e não cumpramos. A negligência e o esquecimento roubam ao coração o sentido da gratidão. E bem ingratos foram os bombeiros dessa época para essa senhora. Não venho falar de reparações. Não defendo consagrações extemporâneas, aos centos nos tempos decorrentes. Nada me dizem. Queixo-me, simplesmente, de, através da sua vida, não lhe ter sido dirigida uma palavra de agradecimento que, pelo menos, fosse testemunho de alto apreço à colaboração que lhes prestou, enquanto pôde.
SEMANÁRIO INDEPENDENTE DEFENSOR DO ALTO DOURO
Extremamente modesta, nunca de tal se queixou. Julgo que, silenciosamente, perdoou esse estranho ostracismo. Tal atitude, confirma, exuberantemente, as altas qualidades que a exornavam. Portanto, estas palavras são como pálidas pétalas de saudade, que lanço sobre a sua grata memória.
Alberto Valente Publicado no jornal “Vida por Vida”, de Março de 1970
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