Moçambique - GENTE HERÓICA DA VILA DO IBO QUE MERECE SER HOMENAGEADA

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MOÇAMBIQUE PARA A HISTÓRIA DE CABO DELGADO COLONIAL

GENTE HERÓICA DA VILA DO IBO GENTE HERÓICA QUE MERECE SER HOMENAGEADA DA VILA DO IBO QUE MERECE SER HOMENAGEADA

Por Carlos Lopes Bento


PARA A HISTÓRIA DE CABO DELGADO COLONIAL GENTE HERÓICA DA VILA DO IBO QUE MERECE SER HOMENAGEADA Por Carlos Lopes Bento1

Situação Geográfica da baía de Tungue: Carta Geográfica de 1902, do Gov. E. Vilhena

VILA DO IBO. DIA DE FESTA. 1971. FOTO Carlos Bento No nosso tempo, em que se dá excessivo relevo aos sentimentos egoístas e fúteis, ao individualismo e ao imediatismo, há uma tendência, a maior parte das vezes, por razões de natureza politico-ideológica, para esquecer pessoas ilustres do passado, pessoas extraordinárias, magnânimas, cheias de valor, que, pela sua coragem e capacidade de desempenho, foram, em situações difíceis e perigosas, capazes de enfrentar o perigo e sacrificar-se pelos outros, em nome da causa pública. 1

- Administrador dos concelhos dos Macondes, do Ibo e de Porto Amélia, entre 1967 e 1974. Doutorado em História dos Fatos Sociais, pelo ISCSP da UTL. Antropólogo. Diretor Tesoureiro da SGL.

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Nestes simples e despretensiosos apontamentos, venho lembrar gente ilustre do Ibo que muito fez para engrandecer Moçambique. Dois civis, funcionários públicos, João de Barros Carrilho e Estalisnau Alves Dias, voluntários, e um militar, António da Câmara Cylindo que se distinguiram, no longínquo ano de 1886, durante a tomada, pelas armas, da baía de Tungue. Para a sua concretização utilizei vários documentos primários, cujas fontes não divulgo, em pormenor, por razões de todos conhecidas. Segundo dados fornecidos pelo major Pedro Francisco de Ornelas Perry da Câmara, que governou, por duas vezes, o distrito de Cabo Delgado(1877-1880 e 1884-1885), a baía de Tungue fazia parte do extenso território costeiro- desde Cabo Delgado à ilha de Moçambique- cedido, em 1510, pelo rei de Quíloa ao rei de Portugal, como prova de reconhecimento e de gratidão, por o navegador português, D. Estevão da Gama, lhe ter ido entregar o seu filho, que havia salvo de um naufrágio. Até aos finais do sec.XVII, Tungue foi governada pelo denominado sultão de Tungue, ali colocado pelo rei de Quíloa. Só depois de 1765, após a instalação da capital das Ilhas e da sua Câmara Municipal, na ilha do Ibo, datada de 1764, “os Portugueses cuidaram em ter ali uma autoridade sua, mas para evitar atritos nomearam Falume Assane que anteriormente tinha ali sido colocado pelo rei de Quíloa na qualidade de sua autoridade, ”. Pelo seu serviço recebia uma gratificação:

A Falume Assane sucedeu o seu sobrinho Momade Bin Sultane e a este, Abdudulaziza Sultane que, “por incúria do governo geral e erros da administração do distrito de Cabo Delgado, cedeu, sem direito para fazê-lo, a baia de Tungue ao tio, o actual Sultão de Zanzibar”:

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No seu Relatório sobre o Distrito de Cabo Delgado, relativo ao ano 1885-1886, o governador, cor.cav, José Raymundo de Palma Velho, sobre a temática em questão, escreveu: “É justo mencionar neste lugar, como ocorrência extraordinária, a ocupação da baía, de. Tungue, por ser facto de maior importância tanto para o distrito, como para a província, do que pode imaginar quem está longe e quem não conhece a topografia da localidade. Próximo e do lado norte do posto fiscal da baía de Mocimbua, há um rio que não se pode atravessar senão em barcos e como falta este meio de comunicação, as relações duma com a outra margem, são raras e difíceis. A autoridade de Tungue exercia a sua acção na baía de Majepe e, por não haver, desde este ponto até a margem esquerda do rio, obstáculos naturais como rios e montanhas que impedissem as comunicações, era frequente o trânsito dos soldados árabes por toda esta extensão da costa, que consideravam como pertencente aos domínios de Zanzibar, subjugando os habitantes do pais. Tal era o estado de cousas quando do governo geral dimanou a providencial ordem para pôr cobro a esta invasão, que se tornava perigosíssima em presença das intenções dos estrangeiros. Logo que chegou o primeiro oficio, e enquanto se preparava o pessoal e material necessário para as operações, ordenou-se à, autoridade militar de Mocimboa para

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imediatamente arvorar a bandeira portuguesa nos pontos mais importantes da costa desde Mocimba até a baía de Tungue. Quando o governador do distrito ancorou em Mocimboa procurou saber como tinham sido cumpridas as ordens, ao que o oficial relatou, que 400 árabes armados haviam destruído os mastros das bandeiras e que postados ao longo da costa impediam o desembarque de qualquer português, sendo tudo isto corroborado por um oficio do chefe de Tungue que terminava por declarar, ser toda aquela costa dos domínios de Zanzibar, e que se queríamos guerra, teríamos guerra, e se queríamos paz que retirássemos. Nestas circunstancias tratou o governador de acelerar a viagem para Tungue, e quando chegou, já ali estacionava a canhoneira Quanza. Foram baldadas todas as razões e argumentos que o governador fez apresentar ao chefe árabe, para mandar retirar a força armada e podermos ocupar pacificamente a parte portuguesa; as respostas foram as mesmas sempre, ainda que um pouco dissimuladas. Assim era de esperar, os árabes vendo-se ameaçados de ser compelidos a ceder alguma parte do território a estrangeiros, propunham-se entregar o que era português, e não o que era domínio de Zanzibar. Para cumprir a missão que lhe fôra. Ordenada, tinha o governador do distrito dois partidos a seguir, um era desembarcar à força, a isto porém se opunham as instruções que lhe recomendavam evitar quanto possível um conflito com as forças de Zanzibar; outro era retirar, mas, a este se opunha a consciência do seu dever.—Entre estes dois extremos tomou uma meio termo, que foi, expor unicamente a sua individualidade, do que não podia háver nenhuma responsabilidade para os seus superiores.—Resolver portanto, desembarcar só e arvorar por suas mãos a bandeira potuguesa na :margem sul da baía de Tungue, em Macoloe, na frente do quartel dos árabes e perante os indígenas.. A execução seguiu logo o pensamento, e cônscio do direito dos portugueses, conservou o governador a bandeira arvorada por si durante todo o dia até ao solposto, sem que nem a força armada nem os indígenas tentassem opor-se. Assim demonstrou o governador que não cedia ás intimações dos árabes e que não retirava sem tomar posse da baía de Tungue como lhe cumpria. Por motivos que seria longo enumerar a que o governador julgou conveniente atender, e, tendo de retirar para o Ibo afim de aproveitar o paquete para transmitir ao governo geral o que se passava, transferiu a bandeira para a ilha de Tecamagi:, na mesma baía de Tungue, aonde foi arvorada com a devida solenidade no dia 1.° de janeiro de 1886. Na ausência do governador os árabes tentaram arriar a bandeira e fazer-nos retirar, mas foram nobremente repelidos pelas forças da terra e da canhoneira Quanza. Recebido o oficio do governo geral comunicando terem sido dadas ordens de Zanzibar ao chefe de Tungue, para mandar retirar a força árabe dos territórios portugueses, voltou outra vez o governador a Tungue, afim de escolher o local para o quartel do comando militar da baía, que ficou estabelecido em Meningane. Já lá estava fundeada canhoneira, Vouga, pois era forçoso pôr em campo todos os meios, para conseguir os mais importantes fins. —Poderíamos vêr retalhar a província por estrangeiros, mas não poderíamos lamentar a falta de providências, que se punham em pratica para combater e afastar irreparáveis desgraças. No dia seguinte entrou na baía de Tungue uma fragata francesa, outra alemã e outra inglesa. Qual seria o destino desta parte da província se Sua Ex.a o Conselheiro Governador Geral não tem dado providencias e ordens para a ocupação ? Não se sabe como fora ordem para a força de Zanzibar passar do sul para o norte de Meningane, é certo, que tendo nós a bandeira neste ponto, ainda os árabes ocupavam Macalóe donde retiraram por intimação pessoal do governador do distrito.— Depois, quando a esquadra internacional navegou para o norte, toda a força árabe marchou para Quiongo e Mequindani, não voltando mais ao sul dc Meningane.. Em resumo :

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Quatrocentos homens de tropas de Zanzibar defendiam a costa impedindo o desembarque dos portugueses; na sua presença o governador do distrito desembarcou, arvorou a bandeira e ocupámos. Resolvemos uma pendência que existia há mais de 40 anos. Fixámos um limite, destruindo assim um foco de escravatura que desapareceu com a nossa autoridade. Reconquistámos 70 kilometros de costa, tal é a distancia em linha recta do rio Mocimboa à baía de Tungue. Numa tal extensão o comércio e os indígenas protegidos pela nossa bandeira e força armada, devem trazer para o distrito mais prosperidade e civilização, como todos desejamos”. Sobre as operações no terreno, os dois Relatórios que se seguem, são esclarecedores:

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O reconhecimento público pelos serviços prestados pelos principais responsáveis não tardou. Pelo Governador-Geral foram louvados O governador Palma Velho e o tenente do Batalhão de Caçadores 1, António da Câmara Cylindo2 :

2 -Depois de ocupada a baía de Tungue, foi criado na margem direita do rio Meningane, o comando militar da baís de Tungue, sendo o seu primeiro comandante , o tenente A.C. Cylindo. Como capitão reformado ocupou , em 19.6.1906, o lugar de chefe do concelho de Quissanga. Em 1910, escreveu sobre usos e costumes de Quissanga.

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Por sua Majestade El-Rei de Portugal, através da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar foram conferidos os graus de cavaleiro da ordem militar de Nosso Senhor Jesus Cristo3 a Estanislau Alves Dias4, Diretor da Alfândega do Ibo e a João de Barros Carrilho5, tesoureiro-almoxarife de Cabo Delgado:

Terão estas ilustres personagens, no novo contexto político moçambicano, um lugar de relevo na História de Moçambique? Ou sido esquecidas e vilipendiadas? Sem as suas patrióticas ações o território de Moçambique teria a superfície que, hoje, lhe é atribuída? Aqui deixo e partilho, para conhecimento das novas gerações e relembrança dos menos jovens, mais alguns factos da História Colonial de Cabo Delgado, que cada um interpretará como entender. Obrigado a todos que tiverem a paciência de os ler.

Carlos Bento

3 - A Ordem de Cristo é utilizada para premiar cidadãos nacionais e estrangeiros que tenham prestado relevantes serviços à pátria e à humanidade. 4 -Foi chefe da Repartição Fiscal de Cabo Delgado e vogal da C.M. do Ibo. 5 -Foi escrivão do juizo ordinário do Julgado do Ibo em 1869. Em 1870 é tabelião público de notas, com cartório da Vila do Ibo. Em 1893 é recebedor do concelho do Ibo e juiz popular efectivo, em 1896.

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REFERÊNCIAS Boletim Oficial de Moçambique CILINDO, António da Câmara - "Quissanga - Usos e Costumes". In Relatórios e Informações. Anexo ao Boletim Oficial do Ano de 1910, p.p. 210-219.

PALMA VELHO, J. R. - Carta Chorographica da Costa do Distrito de Cabo Delgado, de 1882 a 1885. Coordenada pelo Coronel, fls. 1 a 4 (S.G.L.). PERRY DA CAMARA, Pedro de Ornelas (major) - "Distrito de Cabo Delgado"(com uma planta da vila do Ibo). In Boletim da S.G.L., I.N., 1886, 6ª Série, nº 2, p.p. 67-115. QUINHONES, Victor Guedes de - "A Usurpação de Quionga". In Monumenta, nº 3, 1967, p.p. 55-61. SERPA PINTO, A. e CARDOSO, Augusto - Diário da Expedição Científica Pinheiro Chagas - Do Ibo ao Nyassa. Lisboa, S.G.L., Manuscrito Reservado de 10 fls. (146-B-27), 1885 e Boletim Oficial de Moçambique, nº 42, de 17/10/1885, p.p. 335-342. VILHENA, Ernesto Jardim - Carta dos Territórios da Concessão da Companhia do Nyassa. Lisboa, 1904. Escala: 1:750.000 (S.G.L.).

Carlos Lopes Bento / ForEver PEMBA 2013 © J L Gabão, Maio de 2013

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