06 de Março de 2013
Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua As melhores imagens da sua História
A
história de uma Corporação, como a dos Bombeiros da Régua, faz-se de muitas sinergias e diversas cumplicidades. E, assim, na sua longa existência foram muitas as personalidades que contribuíram para a concretização dos seus projectos. Tal foi o caso de Nuno Simões. Nascido em 1894, em Vila Nova de Famalicão, foi nomeado, ainda muito jovem, Governador Civil de Vila Real, em 1915 (na sequência da revolução de 14 de Maio, que depôs a ditadura de Pimenta de Castro), vindo a ser eleito deputado pelo Douro em várias legislaturas durante a Primeira República. Seria ainda ministro do Comércio nos governos de Cunha Leal (16 de Dezembro de 1921 a 6 de Fevereiro de 1922), Álvaro de Castro (18 de Novembro de 1923 a 6 de Julho de 1924) e Domingos Pereira (1 de Agosto a 17 de Dezembro de 1925). Pelo seu percurso político e profissional, como advogado, rapidamente se tornou uma figura de grande destaque a nível nacional. Não sendo natural do Douro, Nuno Simões nutria por esta região uma enorme estima. Enquanto deputado, e em sintonia com o movimento duriense, as suas intervenções pautaram-se pela defesa da questão regional, a ele se devendo a apresentação, no Parlamento, da Lei nº 881, que criaria condições para o incremento da fiscalização das disposições que regulavam o comércio dos vinhos do Porto. Mais tarde, já retirado da vida política activa, moveria, repetidamente, influências em benefício da Associação dos Bombeiros Voluntários da Régua, não tendo nunca recusado nenhum pedido que lhe fosse feito, como referia o vice-presidente da Direcção, José Pinto da Silva, em 1954. Dessa forma, viria a assumir uma importância cabal na realização de importantes melhoramentos na década de 1950. Nuno Simões era um homem de grande influência no meio político. E era, principalmente, um filantropo. Apesar de afastado pelo Estado Novo, devido à sua posição de moderada hostilidade ao regime, continuava a movimentar-se junto dos meios decisores, utilizando a rede de sociabilidades políticas que construíra, em
Um exemplo de cidadania
benefício das populações. Em face disto, José Pinto da Silva decidia-se a solicitar-lhe novamente a sua «valiosa protecção», desta vez a propósito de um subsídio para o conserto da ambulância da Corporação. Estávamos em Abril de 1954. A Direcção havia feito uma exposição ao DirectorGeral de Assistência, mas havia-se deparado com um problema burocrático, colocado pelo Director-Geral de Administração Política e Civil. Sabendo que Nuno Simões se «dava muito bem» com o Director-Geral, pedia a sua intervenção junto deste a favor da concessão do referido subsídio. E terminava agradecendo em nome de toda a Corporação «que tanto e tanto lhe deve». Em Agosto do mesmo ano, Nuno Simões estava a veranear na estância de Pedras Salgadas, tendo sido visitado por uma delegação dos Bombeiros que lhe foram apresentar, de viva voz, os agradecimentos pelas suas diligências, a par de um novo pedido de ajuda. Nesse ano de 1954, haviam sido reiniciadas as obras do novo Quartel. A Direcção havia apresentado um pedido de subsídio ao ministro das Obras Públicas (Eng. Arantes de Oliveira) e vinha agora solicitar os bons ofícios de Nuno Simões no sentido de que fosse concedido. Em Dezembro, em nova troca de correspondência, o tom era de esperança pois haviam
recebido um ofício dos Serviços de Melhoramentos Urbanos pedindo mais elementos quanto ao custo total. Tal facto prenunciava a atribuição do desejado subsídio, que viria, de facto, a ser concedido, contribuindo para a conclusão desta primeira fase, em 1955. Em inícios de 1957, a preocupação voltava-se para a instalação de um Posto Médico no Quartel dos Bombeiros. A sua edificação estava quase concluída e havia já sido adquirido o material necessário ao Instituto Pasteur. Em Abril desse ano, o vice-presidente José Dias da Silva informava Nuno Simões que seria dado, ao Posto Médico, o nome do Dr. Trigo de Negreiros (ministro do Interior, que doara 30 contos para a sua construção) e que seria o próprio a inaugurá-lo, aproveitando a deslocação que efectuaria à Régua, em 5 de Maio desse ano, para inauguração de um novo Hospital Sub-regional. Demonstrando a importância dada à opinião e orientação de Nuno Simões, perguntava-se também se deveria ser endereçado um pedido de subsídio à Fundação Calouste Gulbenkian para aquisição de um aparelho reanimador, considerado de enorme utilidade para a Régua bem como para todo o distrito de Vila Real, visto não existir nenhum. O referido aparelho custava onze contos, quantia que a Associação não
podia despender por estar a ultimar a segunda fase das obras no Quartel, inauguradas ainda nesse ano, pelo ministro do Interior. A um outro nível, Nuno Simões revelarse-ia fundamental em garantir a estabilidade dos órgãos sociais da Corporação. Em 3 de Julho de 1960, o presidente da Direcção, Dr. Júlio César Vilela (filho de Júlio Vilela, importante personalidade local, que fora Escrivão de Direito na Régua, vice-presidente da Comissão Administrativa e administrador do concelho, director do Asilo José Vasques Osório e director do semanário «A Defesa do Douro»), referindo-se a Nuno Simões como «carinhoso amigo e protector», aborda-o a propósito dos problemas suscitados com a escolha de um novo Comandante. O caso era considerado melindroso, e fora gerado pela circunstância de haverem atingido o limite de idade para se manterem no serviço activo o comandante do Corpo de Bombeiros, Lourenço Pinto de Medeiros (que entretanto havia já falecido), e o chefe do mesmo Corpo, António Guedes Castelo Branco (filho do antigo comandante Camilo Guedes). Depois de ponderar, a Direcção decidira-se por Carlos dos Santos, chefe de Secretaria na Santa Casa da Misericórdia da Régua. Muito jovem, com apenas 37 anos de idade, mas considerado de «aprumo
SEMANÁRIO INDEPENDENTE DEFENSOR DO ALTO DOURO
invulgar no meio», possuía o 6º ano dos liceus e o Curso de Sargentos Milicianos preenchendo, por isso, todas as condições para o bom desempenho do cargo. Esta nomeação fora aprovada pelo Inspector de Incêndios da Zona Norte e, pela acção do novo Comandante, revelara-se acertada. O problema surgira quando Carlos dos Santos manifestara a intenção de mudar de emprego, com vista a auferir melhor salário para sustento da sua família, tendo prometida a sua colocação no Instituto Pasteur. Tal significava mudar-se da Régua e, em consequência, deixar o cargo de Comandante. Ora, a Corporação não o podia perder. Entretanto, o gerente da filial da Régua da Sociedade Industrial Farmacêutica (proprietária dos Laboratórios Azevedos), fora afastado por suspeita de desfalque. O lugar encontrava-se vago e a Direcção vê aqui uma forte possibilidade de solucionar a questão. Em seu entender, Carlos dos Santos era a pessoal ideal para o cargo, dados os seus conhecimentos e experiência profissional. Além disso, o vencimento era superior ao auferido no cargo que desempenhava na Misericórdia. E os Bombeiros não perderiam o seu Comandante. Logo, era pedido o auxílio de Nuno Simões no sentido de conseguir a sua colocação, alegandose não se conhecer «quem tão pronta e nobremente se tenha interessado pelos seus problemas e os tenha resolvido com maior magnanimidade». A sua resposta foi rápida e eficaz: Carlos dos Santos viria a manter-se como Comandante até 1990. Como dizia ao início, a história de uma Corporação faz-se de sinergias e cumplicidades. Os factos relatados são disso um bom exemplo. A ligação entre Nuno Simões e os Bombeiros da Régua, constante e de grande proximidade, influenciou positivamente os destinos da Associação, em momentos cruciais da sua existência. Ao mesmo tempo, põe em evidência o quanto é possível alcançar-se quando a cidadania se exerce ao serviço das populações.
Carla Sequeira (Historiadora) Fevereiro de 2013
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