Uma Chamada na Eternidade

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Quinta-Feira, 03 de Novembro de 2011

Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua As melhores imagens da sua História

Uma Chamada na Eternidade Camilo de Araújo Correia

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Pelo que os jornais disseram abertamente e os amigos falaram à boca pequena, a última eleição dos elementos directivos dos bombeiros voluntários do Peso da Régua teve aspectos de braço de ferro e ranger de dentes. Não cabe no meu comentário referir as serpentinas e garrafinhas de cheiro que das duas falanges atiraram uma à outra, traduzindo pútridos fermentos de incuráveis frustrações. Eu sei que eleições são eleições e falanges são falanges. O que eu não sabia era que o recurso ao “vale tudo” pudesse um dia acontecer nos garbosos e briosos bombeiros da minha terra. Mas aconteceu. Os rapazes do Corpo Activo, toldados pelo miasma político latente, pousaram a machadinha, só porque não ganhou a lista da sua simpatia!!! E não se julgue que foi gesto indigesto de momento. Noventa por cento dos bombeiros já se negou a prestar serviço. Esta atitude insuspeitada em mais de cem anos de História impoluta, não surpreendeu, tanto assim, o homem que hoje sou, um pouco capaz de acreditar em tudo. Quem se surpreendeu até à comoção foi aquele menino que anda dentro de nós e um dia recordei: “Relacionam-se com os nossos bombeiros as memórias dos meus primeiros raciocínios. Estivesse onde estivesse, a brincar, a comer ou a dormir, logo acorria ao ruído marcial da sua passagem. Toda a gente me dizia que os bombeiros, mal tocavam a fogo os sinos do Peso e do Cruzeiro, acorriam, sem demora, à casa que estivesse a arder. Mas…como podiam correr, assim, em duas fileiras e com aquele passo? O que mais me intrigava era a limpeza das fardas. É que eu, com duas voltas no quintal, sem apagar fogo nenhum, ficava logo com o bibe a mere-

cer umas surras da minha mãe. Receio bem que o meu desejo de ser bombeiro não tenha sido tão puro como o de todas as crianças do mundo. Lembro-me perfeitamente de quando me apeteceu ser bombeiro. Foi logo a seguir a um grande ataque de inveja. É melhor contar tudo inteirinho… Foi numa tarde de calor e tourada. O cimo da Régua era um mar de de gente que se agitava de cada vez que aparecia um figurante da corrida, já vestido para o efeito. Eu andava ali bem seguro pelas mãos de meu pai e de meu avô. De vez em quando, ouvia-se uma corneta que me enchia de entusiasmo e de medo. Houve até um certo pânico, quando um cavalo, de grande pluma vermelha, subiu o passeio. A certa altura, que vejo eu? Um bombeiro de palmo e meio aos ombros de um homenzarrão! Os meus olhos nunca mais se despegaram daquele capacete de oiro e daquela machadinha de prata…Quando a inveja me

deixou falar, perguntei ao meu pai: - Aquele menino é bombeiro? - Não…é a mascote! - É o filho do Zé Pinto. - disse-me, depois, voltado para o meu avô. Eu não sabia, é claro, o quer era ser mascote. Mas fiquei a saber, dolorosamente, que as crianças podiam usar farda, capacete e machadinha como os bombeiros grandes”.

dade, nesta hora de passar a revista cá terra a uma formatura de nadas: - Manuel Maria de Magalhães… - Presente! - José Afonso de Oliveira Soares… - Presente! - Joaquim de Sousa Pinto… - Presente! - Camilo Guedes Castelo Branco… - Presente!

Naquele tempo os meninos vestiam a Sempre fiéis à sua Corporação, à sua farda para serem homens. Os homens de terra, a si próprios! Mesmo no infinito. hoje despem-na para serem nada. Quero fazer uma chamada na eterniNota: Esta memorável crónica encontra-se publicada no jornal “ O Arrais”, de 17 de Outubro de 1990. Comenta um dos episódios da instituição, com traços de humanidade, de ternura e uma fina ironia invocando o exemplo de homens intocáveis como a referência cívica e ética. O Dr. Camilo de Araújo Correia foi um dos nossos: para além de ser director extinto jornal “Vida por Vida”, órgão oficial da Associação distingui-se como ilustre Presidente da Direcção (1964-65) desta Associação.

SEMANÁRIO INDEPENDENTE DEFENSOR DO ALTO DOURO

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