Carta a Sérgio Moro

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Curitiba, 12 de novembro de 2018. Ofício nº 22_18 – GO

Senhor Sérgio Moro,

Cumprimento-lhe pela indicação ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, desejando sucesso em seu manifesto compromisso com a Constituição, as leis e os direitos fundamentais. Aproveito a oportunidade para externar, no melhor interesse público, algumas preocupações a respeito de atribuições e decisões que competem a tão destacada função. Trata-se de temas sensíveis, que permearam a atuação deste mandato na Câmara Municipal de Curitiba e para os quais pretendo dedicar especial atenção como deputado eleito pelo estado do Paraná, a fim de honrar meu compromisso com os 37.366 paranaenses que me concederam seu voto de confiança. São eles: ● ● ●

A garantia dos direitos dos povos indígenas. A garantia dos direitos de imigrantes, refugiados e apátridas. A garantia dos direitos políticos e da liberdade de organização e expressão. Tais preocupações se fazem presentes pelos seguintes motivos:

A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) é órgão oficial do Estado brasileiro, vinculado ao Ministério da Justiça, e responsável pela promoção dos direitos dos povos indígenas garantidos em nossa Constituição. Entre suas atribuições, encontram-se a delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além da coordenação de políticas que visam o desenvolvimento sustentável, a proteção dos povos isolados e a garantia de acesso diferenciado aos direitos sociais e de cidadania.


Diante disso, são motivo de grande preocupação as manifestações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de que pretende acabar com a demarcação de terras indígenas e autorizar a venda e exploração econômica das atuais reservas. Isto afronta nossas leis e o compromisso do Estado brasileiro com os povos originários. No Paraná, vivem atualmente três etnias indígenas - Guarani, Kaingang e Xetá - em 17 terras demarcadas pelo governo federal. No último dia 15 de outubro, foi publicado Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Terra Indígena Tekohá Guasu Guavirá, de ocupação tradicional do povo indígena Avá-Guarani, localizada nos municípios de Altônia, Guaíra e Terra Roxa. Iniciou-se então o prazo de 90 dias para que os municípios e demais interessados apresentem à Funai razões para pleitear indenização ou apontar vícios no processo, ao que se segue o prazo de 60 dias para que a Funai encaminhe parecer ao Ministério da Justiça, que deverá então se manifestar sobre a demarcação. Este processo, portanto, será findado já no exercício do futuro ministro, senhor Sérgio Moro. Enquanto isso, os povos indígenas sofrem ameaças. No último dia 6 de novembro, Donecildo Agueiro, de 21 anos, do Tekoha Tatury, sofreu atentado a tiros após sair de reunião com a Funai e encontra-se hospitalizado. Ademais, correm risco de risco de despejo as aldeias Pyahu e Curva Guarani, localizadas no município de Santa Helena, e a aldeia Yva Renda, em Itaipulândia. De acordo com pesquisadores do projeto “Conflitos e resistências para a conquista e demarcação de Terras Indígenas no Oeste do Paraná” (vinculado à Universidade Estadual de Maringá, Universidade Estadual de Londrina, Universidade de São Paulo – Esalq, Universidade do Centro-Oeste do Paraná e Universidade Estadual do Oeste do Paraná), a reintegração de posse solicitada pela Itaipu Binacional (despacho nº 503623244.2018.4.04.0000/PR) coloca em risco de morte a população Avá-Guarani da região. Compete também ao Ministério da Justiça, através do Departamento de Migrações (DEMIG), o encaminhamento de assuntos relacionados a migrantes, tais como autorizações de residência ou pedidos de naturalização, refúgio e asilo político. A política de imigração brasileira foi citada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como exemplo a outros países. A Lei n​o 13.445 de 2017 colocou o país na vanguarda das políticas migratórias, abandonando a visão do migrante como ameaça à segurança nacional para compreendê-lo sob a égide dos Direitos Humanos.


Causa espanto, portanto, as declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para quem haitianos, sírios, bolivianos e cidadãos de diversas nações africanas são a “escória do mundo”. Na ocasião, o futuro mandatário afirmou que o acolhimento de refugiados dependeria de “um rígido controle de sua vida pregressa, de sua cultura, de sua educação, de seus costumes”, em claro desrespeito aos tratados internacionais. Anunciou ainda a ideia de criar um campo de refugiados, revogando a citada Lei de Imigrantes. Não apenas o Paraná é constituído por muitos povos, como tem recentemente acolhido pessoas de diversas nacionalidades. Segundo Relatório de Atividades do Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas do Paraná (CEIM), foram atendidos 615 migrantes, refugiados e apátridas entre 04 de outubro de 2016 e 16 de outubro de 2017. Recentemente, o Paraná participa da “Operação Acolhida”, esforço do governo Federal em parceria com a Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e entidades da sociedade civil, como a Cáritas Regional Paraná, para acolhida de venezuelanos, sobretudo nos municípios de Curitiba e Goioerê. De acordo com um relatório do Ministério da Justiça divulgado em abril, o Paraná é o terceiro estado que mais recebe imigrantes no país e o segundo a gerar mais empregos para trabalhadores de outras nacionalidades, segundo dados do relatório “A movimentação do trabalhador imigrante no mercado de trabalho”, produzido pela Coordenação Geral de Imigração (CGIg), órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Por fim, além de afirmar que pretende “acabar com o ativismo” no Brasil, incluindo organizações que atuam em defesa do meio ambiente, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, manifestou apoio à proposta que modifica a lei n​o ​13.260/2016, tipificando como “terrorismo” a atuação dos mais diversos movimentos sociais cujas pautas tenham “motivação política, ideológica ou social”. Esta criminalização da atividade política desrespeita a Constituição Federal, que garante o direito de organização e expressão. O caso torna-se ainda mais preocupante diante do decreto n​o ​9.527/18, editado pelo atual presidente, Michel Temer, que cria força-tarefa para enfrentar “organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e suas instituições”. A medida amplia a atuação das Forças Armadas em questões de segurança pública e abre a possibilidade de aplicar-se a figura do “inimigo interno” para adversários políticos.


Os discursos do futuro mandatário logo após as eleições demonstram animosidade com as forças políticas de oposição. Considerando o elevado espírito público do eminente juiz e futuro ministro, contamos com a afirmação de um compromisso irrevogável com a liberdade de ação a todos os partidos, movimentos e outras organizações sociais.

Atenciosamente,

Goura Nataraj ​Vereador de Curitiba

A Sua Excelência o Senhor Sérgio Fernando Moro Juiz Federal 13ª Vara Federal Rua Anita Garibaldi, 888 Curitiba / PR CEP: 80.540-400


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