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AS QUATRO FACES DO PODER

O SALÃO NEGRO IMPÕE, A ARQUITETURA INTRIGA, OS JARDINS ENCANTAM, A BIBLIOTECA ACOLHE A VASTA HISTÓRIA DO PAÍS. ESTE É O PALÁCIO DA JUSTIÇA, A OBRA-PRIMA DE ELEVADA ESTIMA DE OSCAR NIEMEYER

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POR DANIEL CARDOZO « FOTOS CELSO JUNIOR

Vista do gabinete do ministro

Quatro faces distintas, cascatas de água e o concreto armado que consagrou a dupla Oscar Niemeyer e Joaquim Cardozo. Esses elementos fazem do Palácio da Justiça uma das obras mais interessantes de toda a Esplanada dos Ministérios. Com distinta imponência e luz natural abundante, a sede do Ministério da Justiça oferece aprazíveis descobertas a quem se interessa em desbravá-la.

Em trânsito, turista ou brasiliense, o olhar naturalmente se desvia para a fachada que orna o Eixo Monumental. Lá, o concreto rígido de nove arcos assimétricos é interceptado por seis quedas d’água. A maior delas faz o papel de marquise acima da entrada principal. Um encontro com a fluidez da influente arquitetura moderna. Enormes vidraças e o espelho d’água são elementos que complementam a face Sul. “Foi a primeira fachada de fontes que imaginei e que surpreendeu e agradou a todos, como eu havia pressentido”, escreveu Oscar Niemeyer.

Uma curiosidade é que Niemeyer, ao voltar do exílio nos anos 1980, exigiu que o projeto original fosse seguido. Isso significou fazer ajustes nos arcos bem como remover o mármore branco que revestia a parte externa. Com essa intervenção, o concreto exposto característico a várias obras monumentais de Brasília voltou à cena.

A sede do Ministério da Justiça foi uma das tantas parcerias de sucesso entre o arquiteto Oscar Niemeyer e o engenheiro calculista Joaquim Cardozo. Ambos trabalharam juntos no Conjunto Arquitetônico da Pampulha, elaborado a pedido do presidente Juscelino Kubitschek e inaugurado nos anos 1940, talvez um ensaio à grandiosidade do que viria a ser Brasília. Cardozo era também um poeta e foi o responsável por dar a sustentação necessária ao ousado concreto armado que caracterizou as obras do parceiro ilustre na nova capital.

Na face Oeste, lâminas de concreto formam os brise-soleils, impedindo o excesso de calor das tardes, sem sacrificar a luz natural. A luminosidade entra livremente alheia aos pilares recuados e espaçados, justamente para aproveitar o sol das manhãs, no lado Leste. Colunas com arcos – estes sim, simétricos – são o design escolhido para a fachada Norte, que fica de frente para o anexo II, como se fosse o fundo do Ministério da Justiça. Essa maravilha de construção foi feita com base em um quadrilátero perfeito de concreto, medindo 84x75 metros.

A HISTÓRIA

O Palácio da Justiça Raymundo Faoro ganhou nome próprio no ano de 2003, em homenagem ao jurista falecido no mesmo ano. Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e membro da Academia Brasileira de Letras, o homenageado escreveu o livro Donos do Poder, em que discorre sobre o surgimento do patrimonialismo brasileiro durante o período colonial.

A inauguração ocorreu em julho de 1972 e significou a transferência definitiva do Ministério da Justiça para Brasília. Até então, os servidores se dividiam entre o Rio de Janeiro e Brasília. A data marcou os 150 anos de criação da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça. O decreto que oficializou o órgão, assinado por José Bonifácio de Andrada e Silva, está eternizado em uma placa de mármore na fachada Sul do palácio.

Nomes célebres passaram pelo Ministério da Justiça. O romancista José de Alencar ocupou o cargo por dois anos (1868-1870) e, durante esse período, defendeu a ferro e fogo a continuidade da escravidão. O ilustre jurista e diplomata Ruy Barbosa esteve na mesma cadeira no governo do primeiro presidente do Brasil, o Marechal Deodoro da Fonseca. Tancredo Neves, que posteriormente morreria sem ser empossado presidente, nos anos 1980, ocupou o posto de ministro em duas ocasiões, em 1953 e 1961.

No século 20, um dos ministros de grande destaque foi o advogado Márcio Thomaz Bastos, que atuou na estruturação da Polícia Federal no período entre 2003 e 2007. Na história recente, ministros da Justiça acabaram sendo escolhidos como integrantes do Supremo Tribunal Federal, a exemplo de Nelson Jobim e Alexandre de Moraes. Atualmente, delegado de carreira da Polícia Federal Anderson Torres ocupa o cargo.

Fotos: Ascom/ Ministério da Justiça

Painel de aço inoxidável vindo da Alemanha

O INTERIOR

Quem se destina ao Palácio da Justiça é recebido em um cenário sóbrio e amplo – é o Salão Negro. A robustez do vazio ganha equilíbrio no encontro do piso em granito verde escuro com a parede de painéis metálicos formados por mais de duas mil lâminas de aço inoxidável, importadas da Alemanha, cuja autoria é atribuída – mas não confirmada – a Athos Bulcão. Neste local, há uma escada que conduz ao mezanino, onde há o auditório para 120 pessoas. Essa atmosfera ganha leveza com a luz natural que adentra o ambiente, cercado pelo espelho d’água originalmente projetado pelo paisagista Burle Marx para abrigar a flora amazônica.

Abrigado no meio do prédio está o jardim também criado por Burle Marx. Com acesso pelo terceiro andar, é um lugar interno ideal para as pausas dos servidores do órgão. O piso é revestido de pedras portuguesas e, assim como na fachada, a flora tropical não se adequou à secura brasiliense e foi substituída pelo bioma do Cerrado. No tradicional descanso após o almoço é mais frequentado, mas o fim da tarde oferta temperaturas mais agradáveis no espaço.

O acesso ao gabinete do ministro é um privilégio de poucos. Está localizado no quarto andar e possui uma vista que impacta. Do escritório do número 1 da Justiça é possível ter uma visão total do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Itamaraty. Somada a essa localização única, está o mobiliário dos anos 1940, com um conjunto de mesas e cadeiras de nobre madeira, além dos sofás em couro preto e entalhes de madeira, recentemente restaurados. No mesmo pavimento fica a sala de retratos, onde são realizadas reuniões entre autoridades. Lá estão expostas fotos de todos os ex-ministros da Justiça.

AS RARIDADES

A biblioteca é localizada no térreo. São duas coleções distintas: o acervo corrente, com 50 mil livros, principalmente sobre temas jurídicos, e a Coleção Afonso Pena Júnior, com 20 mil títulos. A diferença entre os dois grupos de obras é que o primeiro pode ser emprestado aos leitores. O outro reúne obras raríssimas, como um exemplar que antecede o século 14, uma espécie de papiro confeccionado com capa de couro de carneiro. Alguns destes livros possuem a parte externa banhada a ouro, o que impede a entrada de micro-organismos. Essas preciosidades estão sendo restauradas em uma parceria com a Associação Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae).

A entrada da biblioteca é ornamentada por um busto de bronze de Dom Pedro I e a imagem do fotógrafo Sebastião Salgado, doada em 2018, durante a gestão do ministro Torquato Jardim. A mesa de madeira onde foi assinado o primeiro Código Penal do Brasil, em 1830, está conservada neste setor. Nessa época, a lei previa penas diferentes a cidadãos livres e escravos.

É notória a importância do acervo da biblioteca para a história do País. O sexto presidente do Brasil, Afonso Pena, e o filho Afonso Pena Júnior foram ministros da Justiça em momentos distintos. E deixaram após sua morte a riquíssima coleção para o Ministério da Justiça, tornando-se assim uma das rotas mais interessantes de toda a Esplanada dos Ministérios.

Salão Negro

Jardim interno

A biblioteca é repleta de raridades

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