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MISSÃO: A JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS
A ROBUSTA EXPERIÊNCIA EM SEGURANÇA PÚBLICA COLOCA O MINISTRO ANDERSON TORRES NO ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO, DO CRIME ORGANIZADO E, ESPECIALMENTE, NA ERRADICAÇÃO DA IMPUNIDADE
POR DANIEL CARDOZO « FOTOS CELSO JUNIOR
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Os debates em torno de temas polêmicos podem ser protagonizados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O plano ambicioso é do homem à frente da pasta, o ministro Anderson Torres, delegado de carreira da Polícia Federal. Para ele, o Poder Executivo precisa ser protagonista nas discussões factuais e de interesse da sociedade, como feminicídio, sistema carcerário, porte e posse de armas, voto impresso, diminuição da maioridade penal.
“Tudo o que a população pensa tem sido tratado em outros poderes e o governo praticamente não participa dos debates. Quando vamos opinar é na fase de sanção ou veto presidencial. Queremos atuar de forma mais propositiva, estar juntos na discussão”, afirma. Nascido e criado em Brasília, Torres tem 44 anos, é casado e pai de três filhas.
A afinidade com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deixava claro que o ministro assumiria um papel de destaque no governo desde o início. No entanto, Anderson Torres fez uma escala no Distrito Federal para assumir a Secretaria de Segurança Pública antes de, finalmente, tomar posse no governo federal, em março deste ano. Essa relação estreita, inclusive, faz com que os projetos políticos de ambos se alinhem no ano que vem. Torres diz não ter medo de disputar eleições, mas admite que precisa de uma decisão do presidente para avaliar se será ou não candidato em 2022.
A construção de um palanque no Distrito Federal é assunto para o futuro. No entanto, em relação ao governador Ibaneis Rocha, Anderson Torres fala com cautela, por conta do respeito mútuo que surgiu durante a gestão na Secretaria de Segurança. Antes de fazer parte do governo emedebista, o ministro era bolsonarista de carteirinha. “Conseguimos manter um equilíbrio muito grande. Fizemos um belo trabalho aqui no DF, com o apoio e a liberdade que ele nos deu para trabalhar. Então não quero briga”.
Antecedido por Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato, e André Mendonça, ex-advogado-geral da República e candidato ao Supremo Tribunal Federal, Torres acredita que a diferença entre os perfis dos três é a vivência em segurança pública. Formado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB), foi policial civil antes de assumir o cargo de delegado da Polícia Federal, em 2003.
Essa visão voltada à segurança mostra resultados. Em junho, 535 toneladas de drogas foram apreendidas na Operação Narco Brasil, uma média de 745 kg confiscados por hora. O ministro pretende também traçar padrões em casos de feminicídio, que auxiliem na formulação de políticas públicas para combater esse problema. “É um crime de fácil elucidação e de difícil prevenção”, avalia, ressaltando que a segurança pública passa também por um robusto investimento nos estados. O Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e o Fundo Penitenciário já enviaram mais de R$ 1,5 bilhão para as forças policiais estaduais.
Questionado sobre a Proposta de Emenda à Constituição que implanta o voto impresso, o ministro da Justiça se diz favorável. Ele estranha a movimentação de partidos políticos para barrar o projeto e está à frente de um estudo da Polícia Federal sobre o tema. “Os peritos mostram que qualquer software pode ser burlado, alterado. Tem que haver outro tipo de auditoria externa para que os resultados sejam comprovados. Eu não tenho como discordar da frase do presidente. O voto é secreto, mas a apuração tem que ser o mais transparente possível. É isso que a gente não está entendendo. Estão criando uma celeuma do nada”, critica.
Como foi a transição entre os cargos de secretário de Segurança do DF e ministro da Justiça?
Quando o presidente Bolsonaro ganhou a eleição, a gente tinha um relacionamento de trabalho. Eu atuava em um gabinete próximo ao dele. Quando ele venceu, começaram a surgir notícias de que eu seria o diretor-geral da Polícia Federal e assumiria outros cargos. Nisso, o governador Ibaneis Rocha viu essa repercussão – eu não o conhecia – e me convidou para o cargo. Sou nascido e criado aqui, fui policial civil. Esse convite muito me honrou. Nós conseguimos colocar nosso ritmo na Secretaria de Segurança. É o que estamos fazendo aqui no Ministério da Justiça. Os resultados foram brilhantes no DF. Diminuímos todos os índices de criminalidade, batemos recordes na taxa de homicídios dos últimos 41 anos, que é desde quando se mede esse tipo de crime. Diminuímos os crimes de violência doméstica, contra o patrimônio, roubo, assalto.
Até quando vamos ser reféns do crime?
Crime zero não existe em lugar nenhum do mundo. Faz parte da história da humanidade. Desde que as relações humanas começaram, também vieram os crimes. Temos condições de melhorar e acabar com
a cultura do crime. É um trabalho de médio a longo prazo, de enfrentar problemas que há muito tempo não se enfrentam, como o sistema penitenciário. Temos 700 mil presos, e o que o Brasil faz com essas pessoas? Independentemente do que cada um pensa, é um problema, uma atividade do Estado e a gente precisa tratar isso de alguma forma. Não é só depositar essas pessoas lá dentro e achar que está resolvido. Temos um ou outro bom exemplo de gestão carcerária e a tão falada ressocialização. Não é o que atinge a grande massa carcerária. O sistema penitenciário está diretamente ligado à segurança pública, haja vista a quantidade de crimes que ocorrem dentro dos presídios ou coordenados de dentro das cadeias.
É possível recuperar o papel central do Ministério da Justiça?
Na área de justiça, o ministério há algum tempo vem perdendo espaço. Temos que retomar grandes discussões jurídicas do País aqui dentro. Esses debates têm sido feitos em outros âmbitos e o Ministério da Justiça tem perdido o protagonismo nas últimas décadas. As discussões têm que ser travadas aqui. Tudo o que a população pensa tem sido tratado em outros poderes e o Executivo praticamente não opina. Quando vamos opinar é na fase de sanção ou veto presidencial. Queremos atuar de forma mais propositiva, estar juntos na discussão e, muitas vezes, que a iniciativa parta daqui. A população pede isso. A Justiça não pode ser desacreditada e o Ministério da Justiça tem papel fundamental nisso.
Onde esse descrédito é mais acentuado?
Impunidade, demora, falta de credibilidade nas leis e na Justiça brasileira. Isso é muito ruim. A impunidade está diretamente ligada a esse assunto. Uma promotora do júri me disse que muitas vezes não tem como explicar um cara ser condenado por oito jurados e sair pela porta da frente, aguardar pela sentença em segunda instância. No caso Lázaro, que foi emblemático, durante a nossa gestão, um homem estava aterrorizando uma cidade, arrebentou uma família e quase acabou com outra. Instituições, organismos e membros de poder querendo arrumar um bom lugar para ele, preocupados com onde ele ia ficar. O povo não vai entender isso nunca. O País precisa mudar, enfrentar os problemas e parar com esse tipo de pensamento.
A experiência em segurança pública faz diferença na sua visão? O presidente teve coragem de trazer um técnico para o Ministério da Justiça. Sou delegado de carreira da Polícia Federal e sempre trabalhei no combate ao crime organizado. Tivemos uma experiência no parlamento, que nos deu uma vivência importante para estar aqui hoje. Não é só a ferro e fogo que as coisas são feitas. É um cargo extremamente político, que exige conhecimento, pois lida com as relações institucionais. Mas ajudará bastante na nossa gestão e, com certeza, a população.
Seus antecessores tinham perfil diferente, com uma visão mais jurídica. Quais ideias diferentes que foram trazidas?
Não é muito uma questão de ideias. É uma forma de gestão. A gente pensa em enfrentar alguns problemas que não eram debatidos, como, por exemplo, a questão da violência doméstica, contra mulher, idoso e criança. Se você for a qualquer delegacia do Brasil, vai descobrir quantos casos chegam por dia. O Ministério da Justiça precisa ter uma estratégia nacional para combater esse problema, para prevenir. O grande diferencial é que eu conheço a realidade. Eu não estou ouvindo ninguém contar. Chego aqui diminuindo o distanciamento, com o clamor do povo dentro de mim.
Como têm sido formuladas as políticas públicas?
Entregamos e estamos esperando ideias para colocar em prática em nível nacional. Em relação ao feminicídio, por exemplo, a principal conclusão que nós tiramos é que é um crime de fácil elucidação e de difícil prevenção. Na hora que a mulher morre, imediatamente sabemos quem matou, mas não conseguimos prevenir. A polícia muitas vezes só chega para buscar o corpo. Na Secretaria de Segurança do DF, começamos a estudar todos os processos de feminicídio desde que a lei entrou em vigor, em 2015. Hoje eu sei como acontece, que horas, qual o perfil de quem mata, de quem morre, qual é a arma, os motivos. Tudo. Em 100% dos casos alguém sabia que a vítima vinha sendo agredida. Em 70% das vezes, nem ela nem ninguém fez alguma denúncia. Se não houver denúncia, propaganda e prevenção, esse crime nunca vai acabar. E, claro, há também uma questão cultural, machista.
O que fazer para atuar nessa frente?
Neste período de pandemia, tivemos desemprego, álcool, entre outros fatores. No ano de 2020, em plena pandemia, nós diminuímos em 48% o número de feminicídios no DF. A campanha e a prevenção funcionam. Em breve vamos soltar algo aqui no ministério sobre a violência doméstica, contra a criança e contra o idoso.
O senhor acha que o brasileiro tem uma cultura que favorece a corrupção?
Não acho que seja um povo que tende a ser corrupto por essência. O trabalho de repressão à corrupção dos últimos vinte anos tem sido um exemplo para o mundo. As investigações que foram feitas pautam modelos mundiais. É educação, repressão pesada e as pessoas entendendo que o crime não compensa. A gente não pode deixar de citar casos como o Mensalão, o Petrolão, Lava Jato e os escândalos em fundos de pensões. Tudo isso é corrupção da pior espécie. Foi criada uma doutrina de operações da Polícia Federal que acabou sendo seguida pelas polícias civis dos estados e pelo Ministério Público. Criamos a Controladoria-Geral da União e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Temos um trabalho sério de combate à corrupção, como poucos países têm.
Seria uma questão de acabar com a sensação de impunidade?
Acho importante. Voltamos ao âmbito da Justiça. Precisamos ver de que forma mudamos isso. Não dá mais para acontecer o que tem acontecido, com todo o respeito. Condenações sendo anuladas, provas, trabalhos de anos indo por água abaixo. É um incentivo ao crime. Rouba-se e depois não se tem condenação. Salas lotadas de dinheiro, imagens que rodam o mundo e o que acontece? Precisa ser discutido. Talvez essa seja uma das missões mais nobres do Ministério da Justiça.
Há tempo hábil para fazer esse tipo de mudança dentro desse governo?
Acho que sim. Temos mais seis anos de governo (risos). Vamos fazer. Falo com tranquilidade. É um compromisso meu. Se tivermos esse tempo aqui, vamos trazer discussões para cá que as pessoas vão falar “agora sim estão falando sobre o que tem que ser discutido”. Basta ir à Rodoviária para confirmar o que eu estou dizendo.
Qual o seu posicionamento em relação à posse de armas?
Sou a favor do cidadão de bem poder ter o direito de ter uma arma de fogo. Desde antes de entrar na polícia, acho importante o cidadão se defender. Desde que cumpra todos os requisitos da lei. O crime de que a população mais tem medo é assalto. O que falta para que um roubo vire um latrocínio? Meio segundo, um piscar de olhos. É um crime gravíssimo.
O senhor também pretende discutir sobre a audiência de custódia?
Nós precisamos parar com a política de desencarceramento no Brasil. Precisamos ter um encarceramento de qualidade, mas parar com a impunidade. Isso
desmoraliza o sistema. Saidão, audiência de custódia, cumprimento de pena, trabalho, estudo. Enquanto não estruturarmos isso, vai ter essa baderna. Tem partido político que vive disso, de fomentar o “quanto pior, melhor”. Com a gente, não vai funcionar assim.
A discussão sobre a redução da maioridade penal pode ser feita?
É óbvio que um jovem de 16 anos hoje é muito diferente de quando eu tinha a mesma idade. É claro que a diminuição da responsabilização penal está atrelada a todo esse sistema que precisa ser consertado. O crime investe pesado nisso, usa esses jovens para cometer crimes, para ter penas menores. Precisamos de políticas públicas de resgate. Mas, quanto à maioridade penal, precisamos pensar e adequar o nosso direito à sociedade.
Como está enxergando o cenário político? Pretende se candidatar?
Existe a possibilidade. Participei ativamente das últimas três eleições. Quando estava no GDF, tínhamos uma realidade. Hoje, faço parte de outro cenário, outro governo, e eu preciso estar em sintonia com o presidente, com as decisões dele. Digo que meu futuro político e técnico não está nas minhas mãos. Não tenho medo, mas se tiver que ir, eu vou.
O governador Ibaneis e o presidente Bolsonaro tiveram idas e vindas no relacionamento. O senhor tem feito uma ponte entre os dois?
Eu tenho um bom relacionamento com os dois. Se precisarem que a gente faça alguma articulação, não vejo dificuldade em fazer. Já fiz algumas vezes ao longo desse tempo, mas acho que o cenário político está bem indefinido. O presidente não escolheu nem o partido político. Essa questão partidária é muito forte na eleição. Às vezes, achamos que as coisas vão caminhar de uma forma, mas depende das alianças entre os partidos. É difícil dizer quem vai estar com quem.
Qual a sua opinião sobre a proposta do voto impresso?
Procurei me informar, a pedido do autor da PEC, se tínhamos aqui no Ministério da Justiça algum estudo. O Tribunal Superior Eleitoral faz análises todos os anos sobre as urnas eletrônicas. A Polícia Federal emitiu laudos assinados por peritos criminais federais – que são os melhores do mundo – dizendo que o sistema e o software são bons, mas, por melhores que sejam, precisa ter outro tipo de auditoria que não seja apenas via software. A PF escreveu isso, em 2016, 2017 e 2018. Os peritos mostram que qualquer software pode ser burlado, alterado. Tem que haver outro tipo de auditoria externa para que os resultados sejam comprovados. Eu não tenho como discordar da frase do presidente. O voto é secreto, mas a apuração tem que ser o mais transparente possível. É isso que a gente não está entendendo. Estão criando uma celeuma do nada. É o que nos preocupa. Existem inúmeras teorias e denúncias sobre a eleição de 2014, que foi muito estranha. Se alguma dessas suspeitas é comprovada, aí voltamos ao papel, do jeito antigo, em 2022.
É possível conciliar a sua fé católica com a sua profissão, como delegado de polícia?
Com muita tranquilidade. Uma coisa equilibra a outra. Sem essa fé, eu não teria chegado onde estou, com toda a certeza. É o que me dá equilíbrio. É muito difícil ter equilíbrio em um mundo como esse, nas funções que eu tive, como delegado, no Congresso Nacional, na Secretaria de Segurança e aqui.