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MERGULHAR NO TEMPO
NASCIDA NA TRADIÇÃO E DESTINADA À INOVAÇÃO, A ITALIANA PANERAI CONVOCA O DIRETOR CRIATIVO ALVARO MAGGINI PARA ASCENDER AINDA MAIS NO HIGH END DA ALTA
RELOJOARIA POR THEODORA ZACCARA
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“A água é o meu playground”. De seu apartamento em Milão, a 147,7 km do oceano mais próximo, Alvaro Maggini estava submerso. Via Zoom, o diretor criativo da Panerai me atendeu às 11h30 de uma quarta-feira. Por aqui, fazia frio. Por lá, só se via azul.
No plano de fundo da transmissão, nada de escritório ou sala de estar: o criativo estava sobreposto a uma imagem marinha. Corais coloridos e cardumes de peixes preenchiam a tela de meu laptop. A pontualidade, cabe ressaltar, também não passou sem ser notada. Tão suíça quanto a tecnologia do novíssimo Panerai Submersible Bronzo, desenhado para suportar as tensões de mergulhos subaquáticos, compreende-se de cara que marca e mestre se misturam.
E, mesmo com tantos sincronismos entre tempo e mar, ainda cabia responder: por que a curiosa imagem espelhada no background? “A Panerai é água”, explicou. E assim foi dado o tom da conversa de meia hora dividida entre Itália e Brasil. Como uma onda, foi leve, rápida e profunda.
“O que faz, na sua opinião, um relógio ser desejável?”, perguntei. “Design”, respondeu. “A magnitude. A sensação de bater o olho e sentir impacto, mas também o que existe por dentro”.
Fundada em 1860, a Panerai foi por décadas um segredo muito bem guardado pela marinha italiana, que desenvolveu um relógio único, forjado para suportar os abalos, mas incapaz de perder a forma. O Mare Nostrum deu início a uma linhagem de ferramenta de alta precisão, de máquinas potentes, de “carros” amarrados ao punho.
“Não é um objeto que você pode deixar guardado, sem dar atenção. É como um veículo, dentro dele há um motor”, comparou. “É necessário levar ao mecânico, cuidar, tratar a peça como ela merece”.
Em 1997, a empresa foi comprada pelo grupo Richemont e tornou-se uma marca global: nascida da tradição, destinada à inovação e casada com o mar. Mas chega de falar de passado.
Em modo lançamento, cinco modelos da etiqueta são o presente e o futuro conservados num único objeto. Com marcações de tempo hiperprecisas, destacam o retorno da Panerai ao segmento dos cronógrafos.
Da linha Luminor Chrono, especializada em alta precisão para atletas e recordistas, chegam às prateleiras o Luminor Chrono Goldtech Blu Notte, cujo ouro altamente concentrado em cobre e platina inibe a oxidação, o Luminor Chrono Monopulsante, do qual foram
Fotos: Divulgação
produzidas apenas 200 unidades e o Luminor Chrono Luna Rossa, uma edição limitada em homenagem à competição marítima Luna Rossa Prada Pirelli.
“É uma companhia ousada, que quebra padrões de design e de pensamento”, Alvaro explica. “Não produzimos, por exemplo, projetando modelos de gênero, produzimos para pessoas com estilo que sabem do que gostam”.
Lançado há pouco, o modelo Piccolo Due Madreperla é exemplo perfeito desse mindset. “Por décadas, os detalhes em madrepérola eram típicos de relógios masculinos. Hoje, são mais ligados ao feminino, mas não se limitam só às mulheres”, esclarece, lançando mais um olhar sobre seu jeito tão desafetado, de quem fala enquanto nada no oceano da possibilidade. “Acho uma chatice essa história de ‘moda com gênero’! Perde-se muito da graça”.
Graça, ademais, é uma palavra que estranhamente se encaixa na descrição de Maggini. Sério enquanto é leve, não escapa de boas piadas e de deixar evidente sua maior saudade do mundo pré-pandemia: o toque. “Foi a parte mais desafiadora para mim, sem dúvidas”, relembra. “Quando começou o primeiro lockdown na Itália, em março de 2020, me senti num pesadelo! Os italianos são muito como os brasileiros nessa questão, gostam de se reunir, de estar próximos”, associa. “Minha criatividade está ligada às pessoas com quem trabalho, com quem convivo. Não poder ler sua linguagem corporal, não poder ter esse contato… isso me fez uma grande falta no dia a dia”.
As águas, que antes eram calmas, tornaram-se globalmente turbulentas. Com as mãos sobre o timão do navio Panerai há menos de dois anos – foi apontado como diretor criativo da etiqueta em fevereiro de 2019 –, Alvaro se utilizou dos quase 20 anos de experiência no mercado relojoeiro para capitanear a embarcação a salvo para a costa. Uma de suas manobras foi acreditar no tête-à-tête virtual. “Foram organizadas duas ligações em vídeo, assim como essa nossa, com quase 500 funcionários da Panerai e também membros da imprensa”, entrega. “Além disso, nos tornamos ainda mais presentes pelas plataformas sociais, mostrando aos nossos clientes que ainda somos uma família”. O e-commerce da grife, merece-se dizer, também ganhou um glow-up. “Relógios são como joias, as pessoas costumam querer tocar, ver, viver a compra. Mas estamos passando por um período de alta aderência ao digital, têm-se menos medo de comprar à distância, principalmente aqueles que já conhecem e consomem a marca”. Para o diretor, contudo, nada há de substituir o presencial. “São formatos de consumo diferentes, há espaço para os dois e nós, como empresa, queremos garantir que a experiência seja incrível em qualquer uma das nossas vias de comércio”. No Brasil, a Panerai é presente em numerosas butiques e pontos de venda espalhados pelo País, que foi o primeiro da América Latina a ser contemplado com uma loja on-line exclusiva. A novidade foi bem aproveitada pelos consumidores brasileiros, superando todas as expectativas de venda para o mercado nacional. Agora, é nadar com a maré e navegar rumo ao futuro. “O ser humano é mais resiliente do que se pensa, aguentamos fardos que achamos serem insuportáveis. Passamos por guerras, crises, mas estamos firmes, fortes e inteiros!”. É! Assim como um bom relógio…
@panerai www.panerai.com
IRIS APFEL, CEM FILTRO
TRANSGRESSORA NATA, A NORTEAMERICANA QUE ABRIU CAMINHOS PARA O DESIGN NA EMERGENTE NOVA YORK DOS ANOS 40 CELEBRA CEM ANOS COM MENTE IRREVERENTEMENTE ATIVA E SEMPRE PRONTA PARA O ANTISTATUS
POR THEODORA ZACCARA
Ela é virginiana – e nota-se pelo cabelo curto, em perfeita ordem. Óculos redondos, garrafais, de armação preta, lente imaculada. Boca sempre vermelha, fios brancos tipo neve. Jeito de falar soltando frases de efeito, citações não planejadas que confirmam o que o mundo da moda há muito já sabe: a titã de estilo nova-iorquina é uma força vital.
Em 29 de agosto de 2021, a instituição estética e cultural que é Iris Apfel completa cem anos. E, com ela, toda a imagem de uma Nova York pré-millennial, pré-guerra, pré-revolução digital se enxerga sobre as lentes (redondíssimas) de uma mulher que sempre foi à frente do tempo.
Nascida em 1921, Iris Barrel veio do Queens, bairro não tão nobre da emergente Big Apple. Durante os
Fotos:: Divulgação
Anos Loucos, a “suja” e divertida Nova York se revelava cada vez mais brilhante, rica: mais Great Gatsby, menos Titanic. Se Paris ainda era a dama da corte, NY era a debutante que desabrochava por atenção. Warren Gamaliel Harding era o presidente da crescente força norte-americana. Em poucos anos, as farras e luxos “fitzgeraldianos” abririam espaço para a Grande Depressão, resultado de uma das mais intensas crises econômicas do mundo capitalista – mas, enquanto isso, havia muito para sonhar. É nesse cenário que nasce e cresce quem viria a ser um dos mais adorados emblemas da moda mundial. Durante a juventude, cursou História da Arte na Universidade de Nova York, frequentando subsequentemente a Escola de Arte da Universidade do
Wisconsin-Madison e tirando como missão a incum-
Foto:: Divulgação/Architectural Digest
bência de conhecer o mundo. Filha de pais judeus, nem é preciso ressaltar o quão turbulentos foram seus vinte e poucos anos, vivendo sob a ameaça de uma batalha da razão contra a intolerância. “Eu sempre fui muito influenciada pela minha mãe, que cultuava no altar dos acessórios”, é uma das lembranças que compartilha no documentário Iris, uma Vida de Estilo, de 2014.
Em 1948, o marido Carl Apfel aparece como parceiro no amor e nos negócios. Juntos, montaram a Old World Weavers, empresa do setor têxtil especializada em importar tecidos da Europa para a crescente clientela norte-americana. O empreendimento foi aposentado em 1992 e, com pesar, Carl faleceu às vésperas de seu septuagésimo primeiro aniversário, em agosto de 2015. “E eu cheguei à conclusão de que ele era bacana, e ele era carinhoso, e ele cozinhava comida chinesa, então eu não poderia conseguir nada melhor”, brincou certa vez, quando questionada sobre sua relação.
Aos cem anos de legado, é dona de um dos mais recheados arquivos de moda do globo – pelo guarda-roupa da designer se encontra de um tudo: camisas pintadas pelas mãos do próprio Gianni Versace, braceletes megalômanos garimpados entre Ásia, África e as ruas do Harlem. Uma riquíssima coleção de peças em âmbar, uma túnica em tons terrosos do povo Miao, minoria étnica chinesa, e história o suficiente para preencher o closet de vários cômodos em seu apartamento na Park Avenue. O que você não vai encontrar por lá? Tédio. “A cor pode levantar os mortos”, disse em entrevista ao Home Shopping Network.
Lançada em setembro de 2005, a exposição Rara Avis, uma parceria com o Costume Institute do Metropolitan Museum of Art, foi divulgada totalmente via “boca a boca”. Pela primeira vez na história da instituição, uma personalidade contemporânea foi não apenas homenageada pelo museu, mas responsável por orquestrar toda a sinfonia dos 80 looks apresentados.
Durante os quatro meses de duração da mostra, era possível esbarrar com Isis pelos corredores, e ouvir da boca da curadora cada centímetro da história dos objetos em exposição. “Foi uma avalanche”, relembra, e não erra: mais de 150 mil visitantes bateram ponto na expo.
Mas história digna de museu não é um capítulo na biografia de Apfel, é o livro inteiro. Na política, abriu as portas da Casa Branca, decorando espaços nas administrações de Truman, Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon, Ford, Carter, Reagan e Clinton – isso nos tempos da Old World Weavers. No jornalismo, trabalhou como copiadora do Women’s Wear Daily, hoje um dos maiores portais de moda dos Estados Unidos – só que por lá não foi apreciada.
Desligou-se do primeiro emprego ainda sem alcançar o sonho de trabalhar com moda em esfera editorial, caindo, em sequência, nas mãos do ilustrador Robert Goodman. “Ele era um artista maravilhoso no âmbito da moda masculina. Eu andava por todos os lados da cidade e conhecia todos os tipos gente”, recordou em entrevista ao bailarino Steven Caras, em 2016.
Quando empurrou os portões do setor de design de interiores, Iris já era um rosto familiar. O trabalho ao lado da socialite Eleanor Johnson foi o primeiro de Apfel no ramo, e se deu durante o extremamente escasso período da Segunda Guerra Mundial. Sem recursos ou muitas possibilidades, coube à imaginação de um time de profissionais lapidar a nova face do design americano. Iris, nessa dinâmica, foi convidada para auxiliar a roteirização de um filme sobre o projeto, e declara que por lá muito aprendeu. “Sou como uma esponja, eu absorvo, e fiquei muito interessada pelo que essas pessoas estavam fazendo”. A partir de então, seu pé no mundo da arquitetura e design já estava firme e seguro.
Com criatividade e irreverência, seu modo de decorar acompanha a façanha que é se vestir. “Eu não tenho regras! Se as tivesse, as quebraria toda hora. Seria uma perda de tempo”, segue o filme. Em clima confidente, confessa que desfruta muito mais do processo do que do resultado final. Degusta a arte de montar uma produção. Aprecia o tempo dedicado, vive as horas e vive a evolução.
“Odeio quando as coisas parecem combinadas”. Mas vamos combinar? Se possível fosse, a moda, a arquitetura, a mídia e todos os outros braços da arte encomendariam mais cem anos de Iris.