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UMA FORTALEZA FASCINANTE

A BIENAL DE SÃO PAULO CELEBRA SETE DÉCADAS COM VÁRIOS DESAFIOS VENCIDOS, MANTENDO O COMPROMISSO DE INTRODUZIR NOVOS PENSAMENTOS AO FIRMAR O FREQUENTE DIÁLOGO COM A ARTE MUNDIAL POR ROBERTA PINHEIRO

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Pôster da primeira edição da Bienal (1951). Arte: Antônio Maluf Pôster da segunda edição da Bienal (1953/1954). Arte: Antônio Bandeira Cecilia Scharlach, Oscar Niemeyer, Haron Cohen, Roberto Muylaert, Luiz Loureiro, Felippe Crescenti, Glauco Pinto de Moraes, Afonso Champi Jr., João Marino e Eduardo Barrieu visitam a 18ª Bienal de São Paulo, em 1985 / Autor não identificado

Pelos traços do arquiteto modernista Oscar Niemeyer, a Bienal de São Paulo fincou raízes no Parque Ibirapuera, na capital paulista, e projetou o nome do Brasil no meio artístico internacional. De 1951 – quando inaugurou a primeira edição ainda de maneira improvisada – até os dias de hoje, muitas são as histórias contadas por meio da arte, das experimentações e dos bastidores. Em 2021, ano em que o sistema de artes visuais também sofre os impactos da pandemia, a segunda mais antiga bienal do mundo, atrás apenas da Bienal de Veneza, completa setenta anos e abraça São Paulo em sua 34ª edição.

Maduro e consistente, o evento, que ganha seu ápice em setembro, com a abertura da grande exposição coletiva no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, dialoga com uma rede de instituições parceiras por toda a capital paulista. “Em um país tão polarizado, estamos dando um exemplo de que é possível todo mundo dar as mãos e participar de um projeto sem abrir mão de sua individualidade. Seria lindo se o nosso exemplo pudesse inspirar o País”, afirma José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo. “É uma instituição que vai estar sempre se questionando, inovando, pensando em como fazer melhor, acompanhando os tempos, introduzindo novos pensamentos e novas formas de olhar a arte, porque essa é a nossa missão”, completa.

Ao todo, foram produzidas 33 Bienais, com a participação de aproximadamente 140 países, 11.500 artistas ou coletivos, mais de 70 mil obras e 8,5 milhões de visitantes. Por ela, passaram nomes nacionais e internacionais, como Pablo Picasso, Andy Warhol, Jackson Pollock, Diego Rivera, Di Cavalcanti, Alfredo Volpi. “A Bienal deu uma grande contribuição a essa projeção do Brasil no mundo e continua atraindo a atenção mundial”, avalia Pereira. “Para mim, a Bienal sempre foi uma grande oportunidade de conhecer e ver trabalhos de artistas, me proporcionou descobertas, a possibilidade de conhecer coisas novas ou ver algo que já conhecia, mas apresentado de uma forma especial. É sempre fascinante”, declara o presidente da Fundação.

Chegar aos setenta anos representa, para José Olympio, a consolidação de uma missão. “Qualquer coisa que resista a setenta anos, com o vigor, a importância e a consistência... é um projeto de sucesso. Ao longo da sua história, a Bienal já encontrou desafios até como instituição e conseguiu superar. Está aí viva, atuante e com lideranças que se sucedem e constroem sobre o que as anteriores deixaram”, afirma.

Sem título (série Candomblé do Pai Cosme), Pierre Verger (1950)

Fotos: Divulgação/Fundação Pierre Verger

Sem título (série Candomblé do Pai Cosme), Pierre Verger (1950)

VOLTA AO TÚNEL DO TEMPO

Para comemorar a longevidade do evento, a Fundação Bienal de São Paulo foi buscar nas memórias e vivências o conteúdo de diversas ações em variadas plataformas. O primeiro lançamento foi o podcast Bienal, 70 anos. Desde a primeira edição, quando até artistas ajudaram a pendurar as obras nas paredes, a Bienal deu sinais de que vinha para inserir o Brasil e a América do Sul no circuito artístico internacional. Sem falar do empenho dos envolvidos. A iniciativa do empresário Ciccillo Matarazzo, à época presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo, reuniu 729 artistas de 25 países em sua estreia.

Enquanto a edição de 51 chamou a atenção do público para o projeto, a segunda, realizada em 1953, ficou conhecida como Bienal de Guernica, por trazer o famoso quadro de Pablo Picasso, à época sob tutela do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa).

Ũn te kuxak kuk top hemãhã [Ela tira gordura], Sueli Maxakali / Cortesia da artista

Foto: Amilcar Packer

Registro de público na 28 Bienal de São Paulo, 23/11/2008

Para ser exibida no Brasil, na data que celebrava também o aniversário de 400 anos da cidade de São Paulo, a obra enfrentou um longo trajeto: dois meses de viagem de navio e até mesmo um caminhão atolado na lama do ainda em construção Parque Ibirapuera. Contudo, foi apenas em 1957, na 4ª Bienal, que o evento foi organizado no espaço que virou sua sede permanente, o Pavilhão das Indústrias do Parque Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer – e hoje conhecido como Pavilhão Ciccillo Matarazzo.

No decorrer das décadas, a Bienal de São Paulo caminhou ao lado dos contextos nacionais e internacionais, sendo palco do que acontecia fora do pavilhão: enfrentou uma dura ditadura militar, chegando a sofrer boicotes e manifestações por parte de artistas; deu destaque para o surrealismo e a pop arte internacionais, ao trabalho dos concretistas e neoconcretistas brasileiros; abriu espaço para o surgimento da videoarte e da performance; sem falar em curadorias de destaque, como a de Paulo Herkenhoff e a de Sheila Leirner, primeira mulher a ocupar o cargo em 1985.

Assim como esses fatos marcaram a trajetória do projeto, a pandemia do novo coronavírus, que causou o adiamento da exposição coletiva em um ano, também será lembrada. Para Pereira, foi possível “transformar esse limão em limonada”. “Por meio das mídias sociais, promovemos debates, visita a ateliês, lives, conversa com educadores. Coisas que nunca tínhamos feito antes com essa intensidade e profundidade. Transformamos uma crise em oportunidade”, detalha.

As redes sociais permitiram celebrar os setenta anos de maneira diversa e satisfatória. Enquanto o podcast e a Linha do tempo da Bienal de São Paulo, reeditada e disponibilizada pela Livraria da Travessa, debruçam-se sobre os fatos históricos, as comemorações envolvem ainda o curta-metragem Arquivo Histórico Wanda Svevo: o passado em perpétua construção, disponível no YouTube da Fundação e na página da Bienal, e a campanha Bienal: há 70 anos, você não sai você, que destaca como o evento provocou experiências, sensações e descobertas no público. Entre os depoimentos, nomes como os artistas plásticos Siron Franco e Beatriz Milhazes, e os atores Lima Duarte e Mariana Ximenes.

La Cena [The supper], Belkis Ayón (1988)

FAZ ESCURO MAS EU CANTO

Enquanto celebra seus 70 anos, a Bienal de São Paulo chega à 34ª edição. Com curadoria-geral de Jacopo Crivelli Visconti, Faz escuro mas eu canto, como foi intitulada, reúne 91 artistas, coletivos ou duos de 39 países. Entre os artistas desta edição, há representantes de todos os continentes (exceto a Antártica). A distribuição entre mulheres e homens é equilibrada, e cerca de 4% dos artistas identificam-se como não binários. Esta será, ainda, a Bienal com a maior representatividade de artistas indígenas.

Apesar do trabalho curatorial e das programações que estão ocorrendo desde fevereiro de 2020 e culminam na mostra coletiva do Pavilhão e nas exposições individuais em instituições parceiras, Visconti avalia que um impacto do tempo presente será sentido para além do trabalho dos curadores. “O fato de visitar uma Bienal, de sair de casa e ir ver uma exposição, depois de tudo o que aconteceu, e sentir que eventos desse tipo podem voltar a acontecer, essa sensação não é algo que como curadores podemos controlar, mas vai impactar muito. Mesmo com um ano de atraso, a emoção transcende”.

OPINIÃO

A professora e curadora independente Marília Panitz fala do simbolismo dos setenta anos da Bienal. “A longevidade da Bienal comprova a solidez da instituição, da fundação e o fato de que o Brasil, efetivamente a arte visual brasileira, tem estofo para sustentar essa iniciativa”, acredita. Panitz é mestre em Arte Contemporânea pela Universidade de Brasília (UnB), já dirigiu o Museu Vivo da Memória Candanga e o Museu de Arte de Brasília, atuou como pesquisadora e coordenadora de programas educativos em exposições e dirige programas de cursos livres em arte.

O que significa uma bienal?

A Bienal, bem como esses grandes eventos de arte, nesses moldes, tem como função reunir, em determinado local, o que tem se produzido de mais emblemático da produção contemporânea, das poéticas, assim como contextualizar essa produção a partir de fatos históricos. É um espaço que traz uma visão contextualizada e autônoma do que vem se produzindo em arte. A partir disso, criam-se muitas coisas.

Qual a missão de uma bienal hoje?

É uma exposição para ver e se informar, mas, principalmente, para ser provocado a pensar sobre a arte.

O que representa a Bienal para a arte brasileira?

Para a produção artística brasileira, é um ato da maior importância. Ela impacta todo o sistema de arte no Brasil. Para a formação de um público que não é aquele que valoriza somente o que vem de fora, porque os brasileiros estão lá junto com artistas do mundo todo. Isso define uma visão do mundo.

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