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UM BAILE TRAÇADO

INTENSA NO PENSAMENTO, LIVRE NA ALMA E AVESSA A FRONTEIRAS, CRIS CONDE CELEBRA TRÊS DÉCADAS EM QUE ESCULPIR MULHERES QUE VENCEM O TEMPO

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TORNOU-SE O CLÁSSICO DE SUA ARTE RISCADA POR MARCELLA OLIVEIRA « FOTOS LUARA BAGGI

Oendereço é a Rua Lisboa, na Cerqueira César, na capital paulista. No muro de concreto no lado esquerdo, os traços de uma mulher em preto, como um carvão. “Mas é tinta”, explica Cris Conde. A pintora acrescenta: “vamos trocar o piso para eu fazer um desenho também no chão”. O caminho leva até a porta da sua galeria que, por mais que seja o local de produção e exposição de seu trabalho, é onde a artista, pode-se dizer, vive.

Com uma música brasileira ao fundo, que, segundo ela, varia de acordo com o espírito do dia, imergimos no ambiente artístico, o qual é ocupado por Cris há três anos. Nas paredes, quadros. Nas prateleiras, os trabalhos em porcelana. Da pia

do banheiro à parede da copa. Tudo tem os traços marcantes que caracterizam sua arte.

E não é só o resultado do seu trabalho que está na Galeris – nome escolhido para batizar o espaço. Em uma mesa, uma tela inacabada, cercada por tintas, pincéis e panos, mostra que ela esteve ali. E sempre está. “Eu gosto do movimento, de gente, 90% das minhas amizades são provenientes do meu trabalho”, revela. E é ali, em meio ao vai e vem, que Cris cria. “Mas é claro que preciso do silêncio. Pintar é muito íntimo e eu tenho meu lado tímido. Então, às vezes, eu chego mais cedo ou fico até mais tarde”, conta.

O trabalho autoral desenvolvido pela artista há mais de 30 anos tem uma identidade única: seu traçado curvilíneo. Mulheres, em sua maioria. “Tenho três filhas, duas netas, inúmeras amigas. Vivo cercada por elas. Os homens vão e vem no meu trabalho, mas a mulherada predomina”, brinca. “Gosto de retratar quem eu conheço por dentro. Quem eu só conheço por fora, não consigo. Eu saberia copiar, mas não pintar”, completa.

A inspiração vem de todo lugar, sua vida, suas relações, os lugares que vai. Autodidata, nunca fez um curso de desenho e construiu uma identidade artística a partir da sua vivência, do que foi vendo pelo mundo. Mas não por acaso. No Rio de Janeiro, onde nasceu e foi criada, circulava pela galeria de arte da avó, que era marchand. Os primeiros contatos com um universo que, mais tarde, despretensiosamente, seria seu ofício.

Aos 17 anos, as férias em Brasília – onde tinha família – foram determinantes: Cris engravidou de gêmeas. “Na época, o pai das filhas tinha uma banda de rock. Em uma festa de ensaio da banda, tive que abrir meu quarto para uma pessoa usar o banheiro. Lá estavam os quadros que eu tinha pintado. Ele adorou e me convidou para uma exposição”, lembra. Dias depois, quadros expostos na Faculdade de Arte Dulcina de Moraes. Vendeu todos. “Vou viver disso”, ela pensou. “Ninguém acreditou, queriam que eu fizesse concurso público”, diz.

Aqueles primeiros leves traçados ainda de uma menina ingênua deram muita força à Cris. Logo veio a terceira filha. “Eu não tinha opção senão pintar. Era o que eu sabia fazer”, diz. Veio então a entrega. “Ser artista é vender quadro para comprar tinta. A arte é: ou você se joga, ou não vai conseguir”, define. Artista independente, à época, pintar era um ofício para viver. “Nunca foi para ficar famosa”, garante.

De quadro em quadro, Cris foi conquistando seu espaço na ebulição cultural da Brasília do fim dos anos 90. Um primeiro ateliê na 110 Norte, depois uma temporada em Tiradentes (MG), outra em Viena, na Áus-

Uma prece

Girassóis

Fotos: Divulgação/Cris Conde

tria. “Foi lá que eu comecei a precificar e valorizar meu trabalho”, conta, sobre o período de cinco anos em que viveu fora por conta de um relacionamento. Enquanto os quadros conquistavam os austríacos, os azulejos que havia começado a pintar pouco antes de se mudar começaram a ser usados por arquitetos em seus projetos.

De volta, em 2001, Cris abriu em Brasília a saudosa Azulejaria. Era uma fábrica de azulejos que também funcionava como um ponto de encontro da classe artística brasiliense. O sucesso foi até 2008, quando Cris decidiu realizar outro sonho: morar em São Paulo. “Achei que ia arrasar e me lasquei”, brinca. Sentiu na pele o que era a Selva de Pedra. “É uma cidade louca que te testa. Meu dinheiro acabou em três meses e eu não conseguia vender nada”.

Mas os dias de glória vieram. Primeiro uma loja nos Jardins, depois um ateliê em uma casa de 600 m2 no Pacaembu, quando conquistou de vez o público paulistano. Em um novo momento da vida, era hora de mudar novamente. Diminuir o tamanho, valorizar outras coisas. Chegou ao local que hoje ocupa. “Já estava vendendo muito pela internet, começando com o Instagram. Queria algo mais boutique”. Assim como a galeria, o apartamento em que vive também diminuiu de tamanho. “Me descobri minimalista”.

O jeito calmo de falar reflete seu momento atual. “Estou mais sossegada. Não tenho tantas questões como antigamente. Nem aquela correria. Acho que finalmente aprendi a trabalhar com os paulistanos”, conta. A maturidade não se reflete apenas na sua postura, mas também no seu traçado. Sua arte evoluiu e cresceu junto. As mulheres novinhas e magras foram encorpando, ganhando linhas de expressão abaixo dos olhos, os peitos não são mais tão em cima. “Com o tempo de pintura, vi que a mulher do quadro não precisava, necessariamente, ser perfeita. Fui deixando que elas ganhassem vida. E também observei uma mudança nas cores, antes eram cores primárias, hoje, tons mais escuros”, diz.

Prestes a completar 50 anos, Cris acha cedo ainda para fazer um balanço de sua trajetória de três décadas. “Ainda tenho chão para percorrer”, brinca. Brasiliense de coração, usa a cidade como referência pictórica. “Eu não pinto a Torre Eiffel, eu pinto a igrejinha da 308 Sul”, diz, sobre o novo trabalho, a série de pratos Céu em Monumento, que traz a Igrejinha, a Catedral, a Igreja de Trancoso, o Pão de Açúcar e o Museu de Niterói. “Todos lugares que têm a ver comigo”.

Vimos Cris em ação com uma caneta de tecido em mãos e uma camisa branca em cima da mesa. Foi questão de segundos até que os traços por ela desenhados formassem a mulher que tanto vemos em seu trabalho. Não precisaria de assinatura. É um clássico Cris Conde. Se por um lado vemos que a técnica para fazer aquele traçado está dominada por ela, provocamos: e depois? Ela aponta para uma das paredes da galeria, que expõe um quadro grande. “Fecho os olhos e, com o carvão, faço os traçados. Quando eu abro, vejo no que deu, se tem alguma expressão para, então, finalizá-lo. Às vezes dá certo, muitas outras, não”, diz, aos risos. Explorar esse trabalho abstrato é um dos desafios atuais da artista. “Acho que ainda tenho que envelhecer uns dez anos para conseguir viver só fazendo isso. Seria o ápice da liberdade, da espontaneidade”, analisa.

A conversa com Cris é leve e divertida. Ela conta, sem pudor, sobre amores, fracassos, medos, desafios, conquistas e alegrias. De calça jeans, tênis branco, blusa clara e um colar de Nossa Senhora das Graças, chama atenção mesmo o avental sujo de tinta. “Deixo as cores para o meu trabalho”, diz. Parar em frente a um quadro de Cris Conde é sentir que ela esteve ali. Tem história nas entrelinhas. Tem sentimento entre as cores. Tem verdade em cada traço desenhado. Verdade essa que também se sente em suas palavras. No seu jeito. No seu olhar. Cris é livre como seus traços. Intensa como suas cores. Viva como sua arte. “Pintar é expressar sentimentos. Tirei de mim e botei aqui”, conclui.

Foto: Divulgação/Cris Conde Dulce

@galeriscrisconde

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