A Vida Secreta dos Escritores, de Guillaume Musso

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«Não há angústia pior do que a de trazermos em nós uma história que ainda não contámos.»

Chama-se a isso o efeito Streisand: quanto mais procuramos esconder uma coisa, mais atraímos a curiosidade sobre aquilo que queremos dissimular.

Após a sua súbita retirada do mundo das letras aos trinta e cinco anos, Nathan Fawles é vítima desse mecanismo perverso.

Nimbado de uma aura de mistério, a vida do escritor franco-americano tem suscitado, ao longo das últimas duas décadas, imensos falatórios e boatos.

Nascido em Nova Iorque, de pai americano e mãe francesa, Fawles passa a sua juventude entre a França e os Estados Unidos, onde completa os seus estudos, primeiro na Phillips Academy e depois na Universidade de Yale.

Envolve-se de seguida na ajuda humanitária, trabalhando alguns anos na luta contra a fome e com os Médicos Sem Fronteiras em El Salvador, na Arménia e no Curdistão.

O sucesso não é imediato, mas ao fim de alguns meses, o boca a orelha leva o romance ao top de vendas.

De regresso a Nova Iorque em 1993, Nathan Fawles publica o seu primeiro romance, Lorelei Strange, o percurso iniciático de uma adolescente internada num hospital psiquiátrico.

O autor impõe-se como uma das vozes mais originais das letras americanas.

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Com a sua segunda obra, Uma Cidadezinha Americana, um grande romance coral de mais de mil páginas, arrebata o Prémio Pulitzer.

Em 1997, Fawles instala-se em Paris, onde publica o seu novo texto diretamente em francês. Os Fulminados é uma dilacerante história de amor, mas também uma reflexão sobre o luto, a vida interior e o poder da escrita.

É nessa altura que o público francês o descobre verdadeiramente. Participa numa edição especial do Bouillon de Culture com Salman Rushdie, Umberto Eco e Mario Vargas

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Llosa. Alguns meses mais tarde, com apenas trinta e cinco anos, Fawles anuncia, numa entrevista bombástica à Agência France-Presse, a sua decisão irrevogável de deixar de escrever.

Também recusou todos os pedidos de adaptação dos seus romances para cinema ou televisão. Ainda há pouco, a Netflix e a Amazon bateram com o nariz na porta, apesar de terem feito propostas financeiras muito avultadas.

Há quase vinte anos que o silêncio ensurdecedor do «recluso de Beaumont» não pára de alimentar fantasmas.

Após essa data, o escritor retirou-se para a sua casa da Ilha Beaumont. Fawles nunca mais publicou a mínima coisa. Nem voltou a dar nenhuma outra entrevista.

Porque terá Nathan Fawles, com apenas trinta e cinco anos e no pico da fama, escolhido afastar-se do mundo?

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Para acabar de vez com as expetativas dos leitores, o agente nova-iorquino de Fawles, Jasper Van Wyck, mostrou-se categórico.

Se é verdade que Nathan Fawles não escreve uma linha há vinte anos, nem por isso existe um mistério Nathan Fawles.

Se o Lorelei Strange foi muitas vezes comparado com À Espera no Centeio, Fawles não é um Salinger: não tem nenhum cofre cheio de manuscritos.

Ao longo dos anos, inúmeros leitores fizeram um périplo até à Ilha Beaumont para irem rondar a casa de Fawles.

Não existe nenhum segredo a desvendar. O Nathan passou simplesmente para outra coisa. Tanto quanto sei, ele mantém a sua vida privada.

Nunca haverá outro romance assinado por Nathan Fawles. Nem depois da sua morte. Isso é certo.

Encontraram a porta sempre fechada.

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Mas Nathan Fawles não vive encerrado em casa.

Cruzamo-nos com ele muitas vezes quando vem fazer compras ao único minimercado da ilha.

O Nathan não é o selvagem que os jornalistas descrevem, pelo contrário, é um tipo afável, que sabe de futebol e que gosta de whisky japonês.

Nessa ilha, que há muito erigiu como divisa «Para vivermos felizes, vivamos escondidos», são raros os habitantes que consentem em falar sobre o escritor.

Mas se tentam falar com ele sobre os seus livros ou sobre literatura, vai-se embora.

Vemo-lo no pub, principalmente quando transmitem jogos do Olympique de Marselha.

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Entrevista à AFP, 12 de Junho de 1999.

Escrevo profissionalmente há dez anos. Há dez anos que todas as manhãs sento o rabo numa cadeira e cravo os olhos num teclado. Não quero mais essa vida.

Confirma que, aos trinta e cinco anos, põe termo à sua carreira?

Essa decisão é irrevogável?

Confirmo. Pus um ponto final nisso.

É. A arte é longa, a vida é breve.

Escrever é difícil?

E também decidiu que não dará mais entrevistas?

As minhas declarações são transmitidas de forma inexata, truncadas, retiradas do contexto. Por mais que me esforce não encontro nenhum interesse em «explicar» os meus romances.

É, mas sem dúvida menos do que muitos outros trabalhos. O que é complicado é o lado irracional da escrita: cada livro é um salto no desconhecido.

Já dei demasiadas. É um exercício falseado, que não faz grande sentido a não ser para promoção.

E, além de escrever, o que é que sabe fazer?

Bem, ao que parece faço uma excelente blanquette de vitela.

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Nessa manhã, tinha abandonado a região parisiense e chegado a Saint-Julien-les-Roses, de onde partiam os barcos para a ilha Beaumont. perdi por pouco o único barco do meio do dia.

Obrigado!

Ah, que estupidez! Por cinco minutos...

O vento fazia estalar as velas sob um céu brilhante. Junto ao leme, eu extasiava-me com as promessas do ar do largo.

Tinha saído de uma escola comercial, de um curso que completei só para tranquilizar os meus pais. Eu não queria uma vida regulada pela gestão, o marketing e as finanças.

Tinha acabado de fazer 24 anos e estava numa fase complicada da minha existência.

Desde então tinha sobrevivido com pequenos empregos que davam para pagar a renda, enquanto dedicava toda a minha energia à escrita de um romance, A Timidez dos Cumes.

É a primeira vez que o ferry parte à hora! Vai para a Ilha Beaumont?

Eu também vou. Se quiser podemos fazer o trajeto juntos.

Mas o meu manuscrito fora rejeitado por uma dúzia de editoras.

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