PARTO ATIVO - Guia prático para o Parto Natural (A história e a filosofia de uma revolução)

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PARTO ATIVO

livros para uma nova consciĂŞncia


Janet Balaskas

PARTO ATIVO Guia prático para o Parto Natural (A história e a filosofia de uma revolução)

3a edição revisada, aumentada e atualizada São Paulo / 2015

Editora Aquariana/Ground


Sumário • Prefácio de Sheila Kitzinger, 9 • Introdução de Michel Odent, 11 • Apresentação à nova edição brasileira de Ricardo Herbert Jones, 13 • Prólogo, 19 Referências, 31 • MOVIMENTO PELO PARTO ATIVO (A história e a filosofia de uma revolução), 33

1 O que é um Parto Ativo?, 47 2 A fisiologia hormonal do parto, 75 3 O seu corpo na gravidez, 99 4 Exercícios de yoga na gravidez, 113 5 Respiração, 171 6 Massagem, 177 7 Trabalho de parto e parto, 187 8 Parto na água, 261 9 Depois do parto, 279 10 Exercícios no pós‑parto, 287 11 Parto Ativo em casa ou no hospital, 295 12 Histórias de Parto Ativo no Brasil, 343

• Glossário, 374 • MANIFESTO PELO PARTO ATIVO, 393 Referências, 399 • Leituras recomendadas, 402 • Índice, 405 • PARTO ATIVO BRASIL, 409 • Créditos das fotos e ilustrações, 412 • Sobre a autora, 413


Prefácio Janet Balaskas, voz importante na defesa do Parto Ativo, fala às mulheres que querem crescer na consciên­cia de si mesmas e usar seus corpos ativamente durante o trabalho de parto. Nas suas aulas de preparação Janet preconiza atividade e não passividade, movimentação e não estagnação e o direito de a parturiente escolher a posição que achar mais confortável durante o trabalho de parto e o parto propriamente dito. Os ensinamentos contidos neste livro, embora antigos, são revolucionários. Em várias partes do mundo e através da história conhecida, a mulher tem escolhido posições verticais para dar à luz. Nós ocidentais, somos os únicos povos a defender que uma mulher deve se deitar com as pernas para cima para dar à luz. Mas auxiliar as mulheres a se levantar é muito mais do que ajudá-las a encontrar uma posição confortável. É transformar parturientes passivas em ativas. É desafiar a visão obstétrica que a socie­dade ocidental tem do parto, baseada na suposição de que este é um acontecimento médico que deve ser conduzido dentro de um ambiente de cuidado intensivo. A gravidez como um todo é vista como uma condição patológica que somente termina com o parto. O obstetra moderno conduz ativamente o trabalho de parto com ultrassom, monitoração eletrônica contínua do feto e solução parenteral de ocitocina. Muitos obstetras nunca tiveram a oportunidade de assistir a um parto verdadeira­mente natural. Transformar o ato de trazer uma nova vida ao mundo em outro onde a mulher simplesmente aguarda passivamente sobre uma mesa de parto ao invés de fazer parte do processo, é uma degradação da condição da mulher na função de procriar. Foram descobertos efeitos destrutivos, algumas vezes de longa duração, na relação mãe-filho-família, produto do papel passivo das parturientes.

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A ligação “mãe-filho”* está na moda. Hoje, muitos hospitais dedicam atenção especial a esta ligação por considerarem esse vínculo importante. Tudo o que acontece após o parto é consequência do que acon­teceu antes. Esse elo de ligação deve ser espontâneo e tranquilo, ou pode ser virtualmente impossibilitado pelo tipo de atmosfera no parto. A mulher deve receber a atenção que merece como ser, com respeito e não apenas como mera parideira. O modo como as mulheres dão à luz é importante para todos pois tem a ver com o tipo de sociedade na qual que­remos viver, a importância da chegada de um novo ser e o surgimento de uma nova família. Quando assumimos a responsabilidade de escolher entre alternativas, baseados naquilo que acreditamos ser correto, optamos pela qualidade da sociedade que pretendemos para nós, e para os nossos filhos. Sheila Kitzinger

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Antropóloga inglesa, ativista do parto, autora de inúmeros livros sobre o assunto. Dedicou sua vida a lutar para que as mulheres pudessem tomar suas próprias decisões em relação ao processo de parir, e sempre foi uma grande incentivadora do parto domiciliar planejado para mulheres saudáveis. Lutou para que mulheres prisioneiras pudessem dar à luz sem estarem acorrentadas e para que mães e bebês permanecessem juntos. Sheila ministrou palestras e cursos para obstetrizes e outros profissionais da área do nascimento em vários países do mundo, e foi professora honorária da Universidade ‘Thames Valley’, no Reino Unido. Sheila Kitzinger faleceu em 11 de abril de 2015, aos 86 anos. Deixa um vasto legado em conhecimento, inspiração e coragem.

* Bonding no original. (N.T.)


Introdução O conceito de Parto Ativo é uma pedra fundamental na história do parto. Colocar essas duas palavras juntas foi, por si mesmo, um toque de gênio: “Parto Ativo” cobre uma gama enorme de significados, em níveis diferentes e complementares. O primeiro nível pode ser descrito como muscular. Olhando algumas fotos de partos ativos observamos que no final do trabalho de parto, quando o bebê está quase nascendo, muitas parturientes estão na posição vertical, agarrando-se em algo ou em alguém, dobrando o corpo para a frente, adotando a posição de cócoras sustentada, ou de joelhos... Em um segundo nível, penetramos mais profundamente no proces­so fisiológico do nascimento. O parto é acima de tudo um processo mental. Quando uma mulher está dando à luz por si mesma, a parte ativa do seu cérebro é a primitiva, que temos comum com todos os mamíferos, a parte que secreta os hormônios necessários. Uma mulher dá à luz ativamente quando é capaz de secretar seus próprios hormônios, isto é, quando não necessita da ajuda de hormônios sintéticos parenterais, ou outro tipo de intervenção médica. A atividade da parte primitiva do cérebro implica uma redução das inibições vindas do “novo” cérebro, o neocortex. Os fatores que podem perturbar esse processo cerebral, essa mudança de nível de consciência, não são facilmente eliminados do contexto das unidades obstétricas modernas: privacidade, penumbra, silêncio e ao mesmo tempo, a presença de uma pessoa experiente. O terceiro nível do Parto Ativo refere-se à atitude que a so­ ciedade tem como um todo em relação ao parto. Na nossa sociedade o parto está completamente sob controle e responsabilidade das instituições médicas. Grávidas e parturientes são chamadas “pacientes”. Pode se incluir a formação das parteiras modernas, treinadas em uni­ dades obstétricas; não são mais mães ajudando outras mulheres a se tornarem mães.

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O conceito de “Parto Ativo” foi introduzido por mulheres que querem resgatar o controle e a responsabilidade do parto, e que consideram as instituições médicas apenas como um recurso para situações definidas. Um desafio polêmico em tempos onde os efeitos colaterais negativos da obstetrícia são cada vez mais conhecidos! O dia em que Janet disse pela primeira vez “Parto Ativo” talvez tenha sido o mais importante na história da obstetrícia na Europa... desde o dia em que o médico francês Mauriceau assumiu o comando desse acontecimento e colocou a mulher em trabalho de parto deitada. Michel Odent Médico francês, pesquisador e autor de mais de 50 publicações científicas e mais de 10 livros publicados em várias línguas. Fundou o ‘Primal Health Research Centre’, em Londres (Centro de Pesquisas em Saúde Primal) com o intuito de estudar as correlações entre o que acontece no período que vai da concepção ao primeiro ano de vida – o chamado ‘período primal’ e a saúde e comportamento ao longo da vida da pessoa. É um dos profissionais mais importantes da área do nascimento no mundo atualmente, e uma referência sobre o assunto há décadas. Ministra cursos e palestras em vários países.

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Apresentação à nova edição brasileira A humanização do nascimento é um movimento gestado a partir dos questionamentos sobre a sexualidade surgidos em meados do século XX. Apesar dos trabalhos de Grantly Dick-Read terem sido produzidos nos anos 1940 e Robert Bradley ter começado seu trabalho de “desmedicalização do parto” e inserção do parceiro no ambiente do nascimento nos anos 1950, foi após a publicação de Birth Without Violence de Frédèrick Leboyer que a discussão sobre uma nova abordagem do parto tomou um forte impulso. Se o lema dos hippies era “Faça amor, não faça guerra” – numa crítica aberta à participação americana na guerra do Vietnã – a abordagem não violenta do parto proposta por Leboyer estabelecia uma clara consonância com tais pressupostos. Não por acaso, a inquietação com a intervenção desmedida e a violência implícita na atenção ao parto, que ocorria em ambientes hospitalares, disseminou-se pelo mundo inteiro com a força de uma “nova ordem”. Na Inglaterra, a forma mais comum de se referir à humanização do parto é chamá-lo de ‘Parto Ativo’. Janet Balaskas, educadora perinatal e escritora, é a fundadora do Active Birth Movement (Movimento pelo Parto Ativo). O impulso inicial para essas ideias foi dado com o lançamento do seu livro Parto Ativo em 1983. Segundo suas próprias palavras: “No Parto Ativo, a mulher segue seus instintos para encontrar as melhores posições. Ela trabalha a favor da força da gravidade, em vez de ir contra ela. Esta conduta ajuda a descida do bebê, o trabalho do útero e os esforços da mulher. Quando a mãe está relaxada ou se movimentando em posições verticais, o seu corpo está em harmonia com a força da gravidade, e o trabalho de parto é menos doloroso; há mais espaço na pélvis para acomodar o bebê; e o suprimento de oxigênio para ele é ótimo. Todos os fundamentos do Parto Ativo são baseados em evidências

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e pesquisas. As práticas nas maternidades do Reino Unido foram afetadas por influência do Parto Ativo; foram feitas alterações para acomodar a abordagem mais fisiológica, que as mulheres queriam. Nas últimas décadas esta onda de mudanças se espalhou por muitos países, incluindo o Brasil. Mais do que uma questão de sugestões práticas, o Parto Ativo empodera as mães a terem acesso livre ao comportamento instintivo que lhes é inerente, tanto quanto o é para outros mamíferos. Elas se tornam comprometidas com seus processos de dar à luz, tanto psicológica quanto fisicamente. Isto é fundamental quando se considera que elas devem passar por uma liberação hormonal que está por trás da eficiência destes instintos, e que também é a base para o amor e a vinculação. Este é um livro para inspirar mulheres grávidas e seus companheiros, tanto quanto os profissionais que cuidam deles, a abordar o processo de parto de forma diferente. Nele, são expostas maneiras para facilitar o inerente processo de parto natural, ao invés de cair no modelo médico que geralmente leva a complicações e a nascimentos por via cirúrgica.”

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Há muitas organizações que fazem campanha para o parto mais respeitoso no Reino Unido e que promoveram o Parto Ativo desde o seu início, inclusive a AIMS – Association for Improvement of Maternity Services (Associação para a melhoria dos serviços em maternidades), que luta por partos mais pacíficos. Por razões históricas, a humanização entrou no Brasil junto com a contracultura hippie, mas foi a partir da criação da ReHuNa – Rede pela Humanização do Parto e Nascimento, no ano de 1993, em Campinas, que este movimento tomou um grande impulso. A partir daí foram se agregando ao movimento de humanização profissionais de várias áreas – obstetras, pediatras, enfermeiras, parteiras, obstetrizes, doulas etc. – em torno de uma série de reivindicações que hoje estruturam o ideário do movimento. No final do século passado surgiu um novo fenômeno na cultura mundial que modificou de maneira inquestionável todas as relações sociais, inclusive a forma como entendíamos a humanização do nascimento: a


Apresentação à nova edição brasileira

internet. A rede internacional de computadores diminuiu distâncias e aproximou pessoas com ideias semelhantes. Um pouco antes da virada do século surgiram os “list servers”, listas de discussão temática, na internet, que abordavam infinitos assuntos. A primeira destas listas chamava-se “Parto Natural” e muitos ativistas, distantes milhares de quilômetros, se conheceram através dela. Estas listas foram multiplicadoras de vozes sobre o tema da humanização, congregando profissionais da saúde e mulheres de diversas partes do Brasil. A entropia gerada pelas listas de discussão acabou por fomentar um amadurecimento sem precedentes na estrutura ideológica dos movimentos da humanização do parto. Aquilo que anteriormente era indignação e desassossego com a tecnocracia obstétrica passou a produzir alternativas de atenção centradas em um modelo de nascimento mais moderno, e em sintonia com os desejos das mulheres. Médicos obstetras, enfermeiras, doulas, psicólogas, pediatras, epidemiologistas e – principalmente – mulheres gestantes e seus companheiros uniram-se no país inteiro através do espaço cibernético. As listas de discussão abriram um portal amplo e democrático de encontro de ideias, e dos choques e embates gerados pelo conflito natural de propostas diferentes – por vezes divergentes – surgiu uma estrutura muito mais sólida que, mesmo sem se pretender monolítica, embasa as atuais propostas da humanização do nascimento. Humanizar o nascimento é garantir protagonismo para as mulheres. Entender o nascimento como um evento social e humano, e não apenas médico. É reconhecê-lo como o evento apical da feminilidade, sobre o qual atuam forças sociais, emocionais, psicológicas, afetivas, espirituais e – acima de tudo – numa configuração subjetiva, única e intransferível. Mais ainda: é ter uma visão interdisciplinar, observando a devida consideração com os outros atores que fazem parte tanto da cena de parto, quanto do debate sobre seu significado na cultura. É também respeitar as evidências científicas que norteiam e orientam o trabalho das equipes de assistência, as intervenções e o cuidado aplicado às mulheres durante este período tão criativo de suas vidas.

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Prólogo Estive no Brasil pela primeira vez em 2011, e voltei outras duas vezes – a mais recente em abril de 2014. Em 2012, minhas colegas brasileiras, Talia Gevaerd de Souza e Inês Baylão de Morais Monson fundaram o Instituto Parto Ativo Brasil¹, com a intenção de difundir o conhecimento sobre Parto Ativo em todo o país. Até agora, já oferecemos palestras e workshops em Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e, mais recentemente, em Brasília, Santos e novamente em São Paulo. A Editora Ground, que publicou o livro Parto Ativo, no Brasil, ofereceu-me a oportunidade de o atualizar e revisar. Estou muito feliz por poder acrescentar informações, apesar de a orientação prática que o livro oferece permanecer inalterada, já que muitas mulheres brasileiras me disseram que, contando apenas com este livro, se sentiram encorajadas a ter um parto natural. Existe um ditado em inglês que diz: If it works, don´t change it! – “Se está funcionando, não mude!” Agora, me sinto mais familiarizada com a situação no Brasil. Durante o tempo em que estive aqui, vi a taxa nacional de cesarianas subir em torno de 2% a cada ano, e, pelo que sei, está atualmente em 84% na saúde suplementar e 40% no SUS². Esta é uma estatística alarmante. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que a taxa de cirurgia cesariana deve permanecer entre 10% e 15% de todos os nascimentos. Quando ela excede 15%, passa a causar mais mal do que bem³. Se as taxas de cesarianas continuarem a subir no Brasil, há um perigo real de que o conhecimento sobre a fisiologia do nascimento e as habilidades para atender um parto natural, sejam praticamente extintos em uma ou duas gerações. Está claro que a cirurgia cesariana moderna é uma intervenção obstétrica que salva vidas, quando há indicação médica por conta de uma dificuldade ou emergência obstétrica. Entretanto, a maioria das

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cesarianas feitas no Brasil não são necessárias e acontecem devido a uma variedade de outros motivos. Entre eles, podemos incluir o medo do parto em si por parte das mulheres e dos profissionais, medo de processo judicial, de questões relacionadas aos planos de saúde, a controle e responsabilidade, preocupações financeiras e comerciais, da organização do “sistema” das maternidades, de moda e da influência de celebridades. Acima de tudo, acredito que a fonte dos problemas esteja na ignorância e na falta de informação e de educação sobre a fisiologia do parto e sobre os enormes benefícios para a saúde da mãe, do bebê, da família e da sociedade, que são inerentes a um parto natural. Atualmente no Brasil, a cirurgia cesariana tornou-se a forma mais “normal” e comum de nascer. Embora a moderna cirurgia cesariana esteja cada vez mais segura, continua sendo uma cirurgia abdominal de grande porte, e traz riscos e consequências para a mãe e o bebê, tanto a curto quanto a longo prazo – especialmente quando é feita com hora marcada – eletiva, antes que todo o processo de gestação esteja completo, sem nenhuma indicação médica genuína. Quando uma cirurgia cesariana é necessária e há indicação médica, geralmente as mulheres entendem e aceitam a situação. Elas recebem a ajuda com gratidão e se recuperam bem. Tal processo de dar à luz pode ser ainda uma experiência positiva para a mãe. Numa situação assim, quando a comunicação é boa, atenciosa e respeitosa, a cirurgia pode ser conduzida levando em conta os sentimentos da mãe, com a prioridade de manter o primeiro contato e conexão entre mãe e bebê4. Por outro lado, uma cesariana desnecessária ou insensível (e, portanto, o uso desnecessário de outras intervenções) pode ser uma experiência profundamente traumática e violenta para a mãe, o bebê e o relacionamento entre eles. Estas feridas podem durar uma vida inteira. A mulher inicia sua jornada como mãe se recuperando de uma cirurgia e separada de seu bebê, em vez de estar impregnada de “hormônios do amor” e da íntima conexão que caracteriza um parto natural. Encontrei muitas mulheres no Brasil que carregam tais feridas e que sentem que a cesariana que viveram não foi necessária. É aqui que o apoio obstétrico se torna “violência obstétrica”, e isto jamais deveria acontecer.


Prólogo

A boa prática obstétrica É fundamental que o parto seja compreendido, primeiramente, como um processo fisiológico instintivo, que é essencialmente mamífero. A melhor prática obstétrica é aquela baseada neste conhecimento, e nas evidências e pesquisas que beneficiam a mulher e o bebê. Então, a intervenção obstétrica pode ser usada apenas quando é realmente necessária e apropriada, de forma humana e respeitosa, permanecendo o mais próximo possível do modelo fisiológico e da vontade da mãe. Isto é compaixão e educação. Há excelentes recursos disponíveis para os profissionais sobre cuidados efetivos e acesso à pesquisa5/6. Uma grande quantidade de evidências e pesquisas nos diz que, no campo do parto, na maioria das vezes, a ciência não consegue melhorar o plano da natureza7. Intervenções desnecessárias levam, inevitavelmente, a complicações iatrogênicas (causadas pelos médicos). O que, por sua vez, gera mais intervenções, ou uma cirurgia cesariana para salvar a situação. Chegou a hora de a obstetrícia ser utilizada com mais parcimônia e respeito pela autonomia da mulher, como aquela que realmente dá à luz. O papel da mãe, como a principal protagonista de seu parto, é a essência do Parto Ativo. Tal como em qualquer campo do empenho humano, precisamos encontrar um modo de aplicar a ciência e a tecnologia no nascimento a serviço das mães, dos bebês e da fisiologia humana. Assim como precisamos de um renascimento do parto, também precisamos de um renascimento da obstetrícia baseado em evidências e no primeiro princípio do juramento de Hipócrates – “não causar mal”8. Não sou obstetra ou obstetriz, mas estou ciente de que tal prática existe no Brasil. Há pelo menos um, senão alguns obstetras em cada cidade que visitei, e obstetrizes/enfermeiras obstetras que assistem o parto natural domiciliar e no hospital para mulheres de baixo risco e vêm atuando assim há anos. Sua coragem face à oposição da grande maioria de seus colegas é muito inspiradora e tocante.

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O “Renascimento do Parto” no Brasil9

Há uma revolução acontecendo no Brasil atualmente. É forte, e vem crescendo rápido. Nas fotografias acima, feitas pela doula Kátya Kur Montesano Bleninger, a mãe está parindo ativamente no quarto da maternidade de um hospital em Curitiba, capital do Estado do Paraná. Ela recebe ajuda de seu médico para, ela mesma, pegar seu bebê. Nos primeiros segundos após o parto, cheios de êxtase, ela e seu companheiro dão as boas-vindas ao bebê. 22

O Parto Ativo é uma revolução cuja hora chegou, aqui e em todo mundo. É uma revolução feminina que acontece com um parto de cada vez. As mulheres estão recuperando e reassumindo o poder do parto. Em cada cidade do Brasil há uma comunidade dedicada a esta causa, feita de mulheres e seus companheiros, doulas, obstetrizes, enfermeiras obstetras, médicos obstetras, psicólogos, instrutores de yoga e pilates, fisioterapeutas e ativistas do parto de todos os níveis, inclusive aqueles envolvidos em treinamento de profissionais e os que trabalham no governo com a saúde materno-infantil. Estes são os grupos representados pelos participantes das minhas palestras e cursos quando trabalho aqui, e eles vêm de todas as partes do Brasil. A seguir, descrevo alguns exemplos do trabalho realizado por profissionais que participaram do meu último evento – um curso de imersão de cinco dias em São Paulo que ocorreu em abril de 2014.


Prólogo

– Antes do curso, visitei a Casa de Parto de São Sebastião, em Brasília, que é um estabelecimento dirigido e mantido por enfermeiras obstetras, usado principalmente por pessoas de baixa renda. Lá, conheci uma jovem mãe de 17 anos, seu bebê recém-nascido de apenas um dia, seu companheiro de 18 anos e a mãe da jovem, que os levou. Viajaram uma longa distância para que o parto acontecesse naquele local, depois de ouvirem a opinião de três médicos, de que a mãe era muito nova para parir naturalmente, e, portanto, precisaria fazer uma cesariana. Pedi para que ela contasse, em poucas palavras, como tinha sido a experiência de seu parto natural. Ela respondeu: “Foi divino.” – Antes do início do curso em São Paulo, uma doula e instrutora de yoga ajudou uma mãe em trabalho de parto que durou três dias – a maior parte do tempo foi passado em casa. Finalizou com um parto natural hospitalar. – Uma médica obstetra e seu marido, também médico obstetra, que participaram do curso, chegaram um pouco atrasados no segundo dia, por terem ajudado uma mãe, primípara, no seu parto pélvico natural, que aconteceu de forma rápida e segura no hospital. – Uma doula precisou se ausentar do curso durante algum tempo para auxiliar uma mulher a parir seu segundo filho num parto domiciliar planejado. Na primeira vez, ela havia feito uma cesariana. – Uma instrutora de yoga recebeu uma ligação de uma obstetriz informando que uma das mulheres que frequentavam sua aula de yoga para gestantes, após a aula, tinha dado à luz em casa, em um parto na água. Contou que o bebê nasceu empelicado, ou seja, com a bolsa das águas íntegra, “como um presente”!

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E isto foi só num grupo de 50 pessoas, em uma semana! O mesmo aconteceu na minha parada seguinte, em Santos. Um dia antes da minha chegada, a doula que me recebeu na cidade acompanhou uma mulher em trabalho de parto. Ela teve parto natural de seu segundo bebê (o primeiro nasceu de cesariana) num silencioso quarto de hospital. Tenho a impressão de que partos assim acontecem todos os dias, em muitas partes do Brasil. É assim que uma revolução de mulheres acontece – um parto de cada vez. Chegou a hora de mudanças. O que está acontecendo no Brasil faz parte de uma revolução global que se dedica a disseminar o parto natural – que está num excelente momento no mundo todo. Este movimento vem daqueles que pesquisaram, estudaram e entenderam a fisiologia do parto e os enormes benefícios do “plano da mãe natureza” para os bebês, mães, famílias, e a comunidade como um todo, incluindo o próprio planeta Terra. Quando aprendemos sobre tudo isso, também começamos a entender os custos e as consequências do nascimento extremamente medicalizado, e são muitos. Sabemos que esta é uma das mais importantes – senão a mais importante – questão ecológica do nosso tempo. É por isso que tantos de nós, em todo o mundo, são tão dedicados e estão tão envolvidos com as mudanças na cultura do nascimento, e em fazer parte deste movimento global. É uma revolução que tem esta paixão como fundamento. O movimento das doulas no Brasil, inspirado por Michel Odent e outros, é movido por esta paixão. No Brasil, as doulas são elementos extremamente empoderadores para as mulheres, assistindo-as para que possam parir naturalmente, onde o sistema falha. Em silêncio, o movimento das doulas está crescendo e se multiplicando. Oferece um apoio que vai de mulher para mulher, ajudando as mães no parto em todo o Brasil. As doulas atuam como defensoras das mulheres e seus companheiros – a sua presença calma também pode ajudar e apoiar as enfermeiras obstetras, obstetrizes e médicos obstetras a atenderem um maior número de partos naturais. As doulas têm tempo e paciência para conhecer e estar com as mulheres, não importa quão demorado seja o


Prólogo

momento do parto – é essa a sua função. Elas ajudam as mulheres a se sentirem seguras e emocionalmente compreendidas, a relaxar, a se esquecerem do mundo e a se entregarem. A sabedoria das parteiras tradicionais no Brasil também está sendo redescoberta à medida que suas vozes são ouvidas e seus segredos compartilhados. Desde o primeiro ano em que estive aqui, em 2011, tem havido campanhas bem-sucedidas para preservar o único curso superior de Obstetrícia no Brasil (oferecido pela Universidade de São Paulo – USP), que foi ameaçado de ser fechado, e também sobre o direito de optar pelo parto domiciliar. Mais recentemente, vem acontecendo um clamor nacional contra a “violência obstétrica”, reforçado pelo caso de uma mulher que foi forçada a fazer uma cirurgia cesariana sem seu consentimento, sob ordem judicial. Passeatas e demonstrações de rua aconteceram em muitas cidades brasileiras para protestar sobre estas questões ( ver pp.27-30). Muitas brasileiras chegaram num ponto em que não podem mais, e não irão mais tolerar a situação atual. Toda mulher merece parir em liberdade – é direito vital das mulheres; para o qual nossos corpos foram tão maravilhosamente projetados. Toda mulher merece poder escolher, dentre uma gama de opções, onde, como e com quem ela quer dar à luz; toda mulher merece ser bem informada a respeito das capacidades de seu corpo durante a gestação, e como utilizar a obstetrícia como apoio da melhor maneira possível, se e quando precisar.

Uma mensagem para as mulheres grávidas Este é, primeiramente, um livro prático que foi inicialmente escrito para mulheres grávidas e seus companheiros. Ele reflete o meu programa educativo para o parto, que é centrado no corpo. É este programa que utilizo para preparar e informar pais e mães no Active Birth Centre (Centro de Parto Ativo) em Londres – Reino Unido. Espero que este livro a encoraje a ter fé e a acreditar que seu corpo foi projetado com perfeição para dar à luz. Torço para que você se sinta confiante para usar o seu poder instintivo. Faço votos para que você encontre as pessoas certas

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1. O que é um Parto Ativo? Com o desenvolvimento acelerado da obstetrícia moderna nos últimos trezentos anos, as mulheres perderam contato com sua capa­ cidade de parir. Praticamente esquecemos como um parto fisiológico natural se desenrola. O Parto Ativo não é uma novidade, é simplesmente um modo convenien­te de descrever um trabalho de parto e um parto normais, o modo como uma parturiente se comporta quando segue seus próprios instintos e a lógica fisiológica do seu corpo. É uma maneira de dizer que ela está realmente no controle do seu corpo durante o processo do parto, e que não é objeto de uma “condução ativa” do parto pela equipe obstétrica. Ao decidir pelo Parto Ativo você estará resgatando seu poder fundamental como parturiente, como mãe e como mulher. Também estará dando ao seu bebê o melhor modo de começar a vida, oferecendo uma transição segura entre o útero e o mundo. Caso alguma dificuldade ou complicação inesperada aconteça, você estará livre para fazer uso da tecnologia da obstetrícia moderna, sabendo que deu o seu melhor, que a escolha foi sua e que a intervenção era realmente necessária. Desse modo, mesmo o parto mais difícil pode ser uma experiência positiva. A preparação para um Parto Ativo vai diminuir a probabilidade da ocorrência de complicações na gravidez e assegurar que você chegue ao parto em ótimas condições de saúde, além de tornar sua recuperação mais fácil e mais rápida, independente do que tenha acontecido. Se você der à luz ativamente vai querer se movimentar livremente no início do primeiro período (dilatação do colo) do trabalho de parto, esco­lhendo posições verticais confortáveis tais como ficar em pé, caminhar, sentar­, ajoelhar ou agachar. Entre as ondas uterinas (contrações) você vai encontrar manei­ras de descansar nessas posições, confortavelmente

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ExercĂ­cios de yoga na gravidez

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Exercícios de yoga na gravidez

j. Retorne à posição inicial com as palmas das mãos uma contra a outra durante uma inspiração. Expire e solte suas costas e os calcanhares para baixo. Na próxima inspiração, comece o círculo de novo, repetindo-o quatro vezes, exercitando junto com a respiração; pare assim que sentir que já fez o suficiente.

Benefícios Esse exercício acalma e centra a pessoa, revigora o sistema por inteiro abrindo o tórax e estimulando a respiração e a circulação, além de liberar as tensões dos músculos posteriores das pernas. É um ótimo exercício para começar o dia ou para ser feito durante os períodos em que você precisar permanecer sentada por muito tempo. Sequência de exercícios IV, n.3: Saudação da grávida ao sol

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Parto na água

se for necessário. Muitas parteiras preferem não entrar na água e ficam observando tranquilamente o que está acontecendo do lado de fora.

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Patrícia praticou yoga durante a gestação, o que ajudou a manter tranquilidade e segurança no trabalho de parto (veja seu relato de parto completo pp.356-359).

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A água quente suavizou a dor lombar.


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“Na primeira força a bolsa se rompeu.”

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“Com as duas mãos senti o Arthur coroando.”

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“Tirei o meu filho de dentro da água com as minhas mãos. Ele tinha, realmente, uma circular de cordão no pescoço. Pinçei o cordão do seu pescoço...”




12. Histórias de Parto Ativo no Brasil

Um dos objetivos desta nova edição é adequar o livro Parto Ativo à realidade obstétrica brasileira, e demonstrar que o Parto Ativo já é uma realidade no país. Seja em hospitais, maternidades, casas de parto ou em partos domiciliares, inúmeras mulheres têm vivido o nascimento de seus filhos de forma segura, saudável, respeitosa, com atendimento obstétrico de qualidade, embasado por evidências científicas, e que têm como princípio o protagonismo da mulher. Comecei minha jornada estudando e trabalhando na atenção ao nascimento em 1995. Neste ano, aluna da faculdade de psicologia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), fui doula pela primeira vez! De lá para cá, acompanhei os progressos e lutas em relação à assistência obstétrica e neonatal no Brasil. Inúmeras participações em reuniões, grupos de estudo, passeatas, estágios, trabalhos, cursos... Posso constatar, com alegria, o que Janet sempre diz: a mudança acontece através das ações das mulheres! Muito mudou nesses anos todos. Para melhor! Hoje, temos cursos e con­­gressos sobre o assunto acontecendo com frequência. Vários profissionais brasileiros em contato com as mais atualizadas evidências científicas, e aplicando este conhecimento em sua prática profissional, com resultados excelentes: taxas de complicações e de intervenções baixas, contato precoce entre mãe e bebê preservado, proteção ao aleitamento materno, mãe e pais satisfeitos com a experiência de dar à luz, e bebês nascendo fortes, tranquilos e em total amor. Por isso, selecionamos neste capítulo algumas histórias de partos brasileiros, com o intuito de inspirar e encorajar você.

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