Manuscritos sem juízo

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1ª edição São Paulo / 2015 EDITORA AQUARIANA

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MANUSCRITOS SEM JUÍZO Scheila Azevedo Hinnah A poesia é um oceano a ser descoberto pelos corações emotivos. Poucos chegam a este vislumbre. Muitos não mergulham na profundeza de um mar cheio de mistérios por medo de se encontrarem por lá. É difícil se encontrar. É difícil enxergar-se nas linhas de uma poesia e de um poema. Uns por perceberem que não vivem mais a beleza deste oceano, outros por se identificarem tanto e temerem perder o que amam. Mas alguns vão fundo. E não se contentam em apenas contemplar. Querem se misturar com o mar, querem ser um com ele. Querem descrever a emoção. Estes, têm medos também. Mas percebem que o prazer de sentir a água deste mar deslizando por cada parte do corpo é infinitamente mais poderoso. E vencem. E transpassam. E mergulham de cabeça, de corpo, alma e espírito. Neruda foi assim, Pessoa foi assim, Rimbaud foi assim. Adélia Prado é assim. Grandes arquitetos de emoções do mar da poesia. O Brasil, mais precisamente Conceição do Almeida na Bahia, criou um poeta do mar também: Fernando Coelho. Pra ler Fernando Coelho precisaríamos sentar numa janela de nuvem, descansar os pés num arco-íris. Pra ler Fernando Coelho a trilha sonora deveria ser o cantar dos pintassilgos e o aroma exalando, pra ler

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este poeta, deveria ser o cheiro do mar. Cheiro dos mistérios. Sei pouco, muito pouco de tudo. Mas uma coisa sei. Fernando é o poeta do amor. É o poeta que todo coração sedento de paixão, deve ler. O coração cansado das desilusões, precisa ler. O coração que já ama, pode ler, pois vai transbordar. O coração que não ouve mais, voltaria ouvir a canção do belo, do inimaginável. Voltaria a ouvir a canção dos rouxinóis. Muitos passam pela vida sem deixar aromas de flores, mas Fernando deixa em cada linha de seus poemas um perfume inconfundível de natureza. De paixão. De brisa suave. E eu tenho o privilégio de ser embriagada por este perfume. Me atrevo a dizer que seus poemas são como alimento dispostos em uma mesa. Um verdadeiro manjar. E eu, não poderia deixar de me saciar diante de tantas delícias. Ele sabe mergulhar e ser confundido com o mar. Ele sabe fazer, de simples letras, um arquipélago de sentimentos, de emoções para nos presentear com o que é belo. Nos enche do que falta no mundo. Fernando Coelho, em MANUSCRITOS SEM JUÍZO, nos preenche de AMOR. Sacie-se. Comova-se. Mergulhe e sinta o prazer de tocar o amor através da poesia. Scheila Azevedo Hinnah

é escritora e poeta

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1 Primeiro, nos bares e nas ruas, calcinado. Depois, em lugar nenhum. Escrevo porque não tenho para onde ir.

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3 Olha-me com estes teus olhos apertados entre pássaros sonoros e espelhos de lâmpadas, com estalactites dentro. Olha-me e me ampara com estes teus olhos justos, segurando uma réstia de diamante e o pousar carnívoro do sol. Olha-me com estes teus olhos enfileirados, como instrumentos musicais das florestas, cada um aguardando uma folha para sobreviver ao inverno. Olha-me com estes olhos que põem cílios na orla lua. Olha-me somente.

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9 A saudade é uma tatuagem que sangra fundo, até mergulhar na superfície.

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11 Uma tela vazia como um poema não nascido. Flávio de Carvalho, alto como o Everest, desembainhava uma tela aguda, macerada de branco. Amolou pincéis. Dissolveu tintas em seus olhos de vidro colorido. Quis copiar-me. Eu era um quadriculado anarquista de coisas extintas. Escrevi Canções. Perdi-me, no bueiro da noite. A enxurrada chapinhou os poemas. O quadro, dele, de minhas Canções, vive a derrear em meu coração num abano de cartolina. Para sempre.

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12 A esperança mudara-se. Exposta no balcão de anúncios do dia anterior. Eu prescrevi com a ponta de minha língua, o hímen de minha amada. Decidimos fugir nesta convulsão esmagadora. Naquele instante de pilhagens e destroços, era tudo o que tínhamos nas mãos.

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20 Os hotéis eram sujos. A minha voz era pior. Ela chorava feliz, quando eu dizia que o horizonte copulava com a tarde. Ela me fazia sussurrar a palavra copular. Gostava da palavra. Gostava do ato. As garrafas estavam vazias. Não renováveis, como o dia. O trabalho era uma porcaria, quando tinha um. Eu e ela, com a ressaca da tristeza, marcávamos o cartão de ponto no corpo um do outro. Duramos neste relógio de gozo duas semanas. Não conhecemos a eternidade.

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