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Sobrevivência de percevejos em milho/trigo

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Coluna ANPII

Coluna ANPII

Sobreviver ou reproduzir

Assis, J. M.T

Para o correto manejo, alguns questionamentos precisam ainda ser respondidos em relação à real capacidade de sobrevivência dos percevejos marrom e barriga-verde em milho e trigo e se a reserva de lipídeos provenientes da soja ou de outra leguminosa permite também sua multiplicação nesses hospedeiros de segunda safra

Aadoção de sistemas de produção caracterizados pela sucessão e rotação de culturas e a intensificação dos cultivos durante todo o ano aumentam a oferta de plantas hospedeiras no campo, que servem como fonte de alimento e abrigo para diferentes insetos-praga. Neste cenário, a multiplicação de pragas polífagas, como os percevejos marrom, Euschisthus heros, e barriga-verde, Dichelops sp., é favorecida com impactos iniciais negativos nas culturas em sucessão à soja, como o milho e o trigo de segunda safra.

Tradicionalmente, estas espécies colonizam a cultura da soja ainda no período vegetativo, atingindo maiores densidades no início da maturação, estádio R3, ocasionando danos que afetam diretamente a produtividade e a qualidade da soja como perda de peso dos grãos e suscetibilidade à entrada de patógenos. Porém, na entressafra, estes percevejos passam por um período de oligopausa (outono-inverno), caracterizado por baixa mobilidade, vivendo às custas de uma reserva de lipídeos que permite sua sobrevivência até que novas lavouras de soja sejam implantadas. Na cultura do milho, as injúrias causadas pelos percevejos são severas e restritas ao colo das plântulas, podendo levar ao murchamento, ao secamento ou até à morte. No caso de plantas maiores, os sintomas de ataque são caracterizados por perfurações simétricas nas folhas abertas envoltas por um halo amarelado, devido à injeção de toxina durante a alimentação. Pode ocorrer perfilhamento, o que torna a planta improdutiva, e com isso, ocorre um comprometimento da produção devido à redução do estande da lavoura. As injúrias no trigo são semelhantes às do milho, pois ocorre o perfilhamento aliado a perfurações nas folhas das plantas.

A partir da migração dos percevejos remanescentes da soja para outras culturas são necessárias a adoção de medidas preventivas, como o uso de inseticidas durante o período de dessecação pré- -plantio da segunda safra e o emprego de sementes tratadas.

Acredita-se que o segredo do sucesso desses percevejos depende do sistema de sucessão soja/cultura de inverno, que permite a sobrevivência na entressafra, mas não se sabe se estes percevejos adultos em oligopausa conseguem se reproduzir, uma vez que resultados experimentais e observações de campo indicam que as formas jovens dos percevejos marrom e barriga-verde não completam o ciclo na ausência da soja.

Assim, para o correto manejo destes insetos alguns questionamentos precisam ainda ser respondidos em relação à real capacidade de sobrevivência dos percevejos marrom e barriga-verde em milho e trigo e se a reserva de lipídeos provenientes da soja ou de outra leguminosa permite também sua multiplicação nos hospedeiros de segunda safra, milho e trigo, principalmente.

Para responder a estes questionamentos foram confinados 26 casais dos percevejos marrom e barriga-verde em plântulas de milho e trigo em estádio V2, em condições de semicampo durante 120 dias (junho a outubro de 2019), e para simular a alimentação em grãos de soja, mantidos casais dos mesmos percevejos em vagem fresca de feijão. Os insetos foram obtidos de criação de manutenção, sendo que todos apresentavam até sete dias de emergência.

SOBREVIVÊNCIA DOS

PERCEVEJOS EM

PLÂNTULAS MILHO

E TRIGO

A alimentação do percevejo barriga- -verde, Dichelops melachanthus, no milho por 120 dias permitiu a sobrevivência de uma maior porcentagem de fêmeas (54%) quando comparado com as que se alimentaram no trigo (23%) e na vagem (19%). Além disso, as fêmeas sobreviveram mais tempo no milho (87 dias) que no trigo (70 dias) e vagem (60 dias). Para os machos não houve diferença significativa quanto à porcentagem de sobreviventes, que foi 38%, 35% e 19% em vagem, milho e trigo, respectivamente. No entanto, os machos tiveram menor tempo de vida quando alimentados no milho (55 dias) em relação à alimentação no trigo (76 dias) e na vagem (72 dias) (Figuras 1 e 2).

Já para o percevejo-marrom, E. heros, a fonte alimentar não interferiu na taxa de sobrevivência de machos e fêmeas e na duração do tempo de vida. As taxas de sobrevivência de machos e fêmeas foram 73% e 58%, 58% e 54%, 35% e 23% para alimentação na vagem, milho e trigo, respectivamente. Para os percevejos alimentados no milho, a duração de vida foi de 95 dias para fêmeas e 103 dias para machos, no trigo 100 dias para fêmeas e 95 dias para machos e na vagem 108 dias para fêmeas e 103 para machos (Figuras 1 e 2).

REPRODUÇÃO DOS

PERCEVEJOS EM

MILHO E TRIGO

A fonte alimentar oferecida aos adultos influenciou na reprodução do percevejo barriga-verde durante o período de oligopausa, sendo o número de posturas superior na vagem (12,53) em relação ao milho (2,38) e trigo (3,15), assim como o número total de ovos: 118, 21 e 25, respectivamente em vagem, milho e trigo (Figura 3). Assim, mesmo a sobrevivência das fêmeas que se alimentaram da vagem sendo baixa (19%), sua capacidade

Vitorino, M. A. D

Marucci, R.C. Casais de barriga-verde alimentando-se em vagem de feijão

Injúrias foliares causadas pelos percevejos em milho

Vitorino, M. A. D

Figura 1 - Porcentagem de sobrevivência de machos e fêmeas dos percevejos marrom e barriga-verde mantidos em plântulas de milho e trigo e vagem de feijão. Porcentagens seguidas de mesma letra por categoria não diferem entre si

Adulto e ninfa do percevejo barriga-verde na palhada da soja

de produzir descendentes foi cinco vezes maior na vagem em relação à alimentação em milho e trigo.

Resultado similar foi encontrado para o percevejo-marrom em relação ao número de posturas, as quais foram superiores na vagem (23,61) em relação ao milho (1,07) e ao trigo (0,69). Assim, a fecundidade média do percevejo-marrom foi de 141, 13 e sete ovos, respectivamente em vagem, milho e trigo, durante os 120 dias de confinamento (Figura 3). Estes resultados indicam que o tipo de alimento ofertado para o adulto do percevejo-marrom não afeta a longevidade e a sobrevivência de machos e fêmeas, mas em contrapartida, parece afetar a taxa de reprodução, que foi 14 vezes superior na vagem.

Estes resultados confirmam que o milho e o trigo são fontes alternativas de alimento para esses percevejos no campo. Esse pode ser um fator que determina o início do período de oligopausa, pois provavelmente o milho e o trigo não possuem os nutrientes essenciais para a reprodução no campo. No entanto, essas culturas de entressafra propiciam a manutenção da população de percevejos por um período relativamente longo, de cerca de 100 dias. A extensão da longevidade durante o período de oligopausa é mais evidente para o percevejo-marrom e talvez seja uma das razões desta ser uma das espécies mais abundantes na cultura da soja.

Além disso, provavelmente as fêmeas do percevejo somente investem na prole se seus descendentes tiverem condições de completarem o ciclo, gerando adultos que irão reproduzir no ambiente, perpetuando a sua espécie. Estes dados reforçam a importância do manejo pré-semeadura e da proteção das plântulas de milho e trigo por meio do tratamento de sementes como estratégias para reduzir a presença desses percevejos na entressafra da soja.

Rosangela C. Marucci, Letícia P. Silva, Josélia C. O. França, João Marcos T. Assis e Marco Antônio das D. Vitorino, Universidade Federal de Lavras (Ufla)

Figura 2 - Duração do tempo de vida de fêmeas e machos dos percevejos marrom e barriga-verde mantidos em plântulas de milho e trigo e vagem de feijão por 120 dias. Longevidades seguidas de mesma letra por categoria não diferem entre si

Figura 3 - Fecundidade média das fêmeas dos percevejos marrom e barriga-verde mantidos em plântulas de milho e trigo e vagem de feijão por 120 dias. Fecundidades seguidas de mesma letra para cada espécie de percevejo não diferem entre si

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