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Capa - Doenças na soja

Soja Safra de desafios

Em um cenário marcado por riscos quanto à ocorrência de doenças nas lavouras de soja na safra 2020/21, se torna ainda mais importante compreender a dinâmica deste complexo e trabalhar o posicionamento correto das aplicações de fungicidas para alcançar sucesso no manejo

Acultura da soja ocupa no Brasil uma área estimada em 36,9 milhões de hectares, sendo 12 milhões de hectares localizados na Região Sul (Conab, 2020), consolidando a importância da cultura para a agricultura brasileira. Essa importância eleva a necessidade de práticas de manejo que minimizem as perdas produtivas pela ocorrência de doenças. Entretanto, a campo ainda existem dúvidas na diagnose e identificação das doenças que estão presentes.

A mancha-parda, causada pelo fungo Septoria glycines, é a primeira doença a ser detectada na planta devido à sua capacidade de sobrevivência em restos culturais e de apresentar sintomas já na folha unifoliada (Figura 1). O crestamento foliar por cercospora, causado por Cercospora kikuchii, ocorre durante todo o ciclo (Figura 2). Esse patógeno apresenta alta capacidade de sobreviver em restos culturais e de ser transmitido via sementes, onde causa a mancha-púrpura (Figura 3).

Além das manchas foliares, outra doença que vem causando preocupação no campo é a antracnose, causada por Colletotrichum truncatum. Os sintomas se iniciam nas nervuras das folhas (Figura 4) e podem evoluir para os pecíolos e legumes (Figura 5), onde ocorrem os maiores danos à produtividade.

O oídio, causado por Microsphaera difusa, foi a doença que teve ocorrência mais pronunciada no Rio Grande do Sul na safra 2019/20, devido à escassez de chuvas, condição que é favorável a esse patógeno. Essa doença pode ser muito agressiva em algumas cultivares de soja, podendo causar a desfolha precoce da planta

quando o ataque for severo (Figura 6).

A ferrugem-asiática, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, é a doença com maior potencial de dano à cultura da soja. Esse patógeno ataca as folhas (Figura 7), causando desfolha precoce (Figura 8) e prejudicando o enchimento dos grãos. Esse fato explica a preocupação que essa doença gera no produtor de soja.

Tanto a ferrugem-asiática como o oídio são causados por patógenos biotróficos, que necessitam de hospedeiro vivo para sobreviver na entressafra. Dessa forma, a presença de soja voluntária no campo é uma das formas mais efetivas para a manutenção desses patógenos no sistema de cultivo. Durante o período de inverno no Rio Grande do Sul, normalmente as plantas de soja não sobrevivem devido às temperaturas baixas. Entretanto, o inverno de 2020 tem apresentado períodos de temperatura acima da média e essa condição favorece o desenvolvimento de plantas voluntárias de soja. Na Figura 9, a presença de oídio nas folhas das plantas é visualmente detectada e em posterior análise laboratorial foram observados esporos ativos de Phakopsora pachyrhizi. Esse fato gera um alerta para a safra 2020/21, pois possivelmente haverá a presença desses fungos desde o início do período de semeadura da soja.

Nesse cenário de risco de ocorrência de doenças para a safra 2020/21, é fundamental o entendimento da dinâmica do complexo de doenças para o sucesso do manejo. Nesse sentido, cabe ressaltar que a grande maioria das áreas de soja no Brasil está em sistema de monocultivo e assim há um acúmulo de inóculo de patógenos necrotróficos nos restos culturais. Isso explica o fato de as manchas foliares e antracnose estarem causando o impacto produtivo, a ponto de gerar preocupação aos produtores. Esse grupo de fungos está presente no sistema de cultivo desde os estádios iniciais da cultura e dependendo das condições ambientais dessa fase, pode-se detectar sintomas dessas doenças nos primeiros 30 dias de vida da soja.

Os resultados obtidos nas safras de 2018/19 e 2019/20 evidenciam que o posicionamento do programa fungicida focado na ocorrência tardia da ferrugem-asiática permite que outras doenças se estabeleçam e causem perdas produtivas. Os patamares produtivos da safra 2018/19 foram maiores que na safra 2019/20 devido à seca severa que assolou o Rio Grande do Sul. Mesmo assim, foram observadas respostas significativas ao posicionamento dos fungicidas.

No experimento da safra 2018/19 (Figura 10) o objetivo foi mensurar o impacto produtivo da antecipação das aplicações para estádio vegetativo e da flexibilização dos intervalos entre aplicações. Os resultados demonstram que os programas fungicidas iniciados em estádio vegetativo apresentaram, em média, 6,4 sc/ha a mais que os programas iniciados em R1. Essa diferença provavelmente está relacionada à presença de manchas foliares nos tratamentos em que a aplicação ocorreu em R1, por volta dos 45 dias após a emergência da soja. Além disso, os dados evidenciam que a flexibilização do intervalo entre aplicações de 15 para 21 ou 25 dias resulta em perdas maiores quando a primeira aplicação ocorre mais tarde. Dessa forma, se por algum motivo ocorrer no campo uma flexibilização do intervalo entre as aplicações, a presença de in

Figura 1 - Sintoma de mancha-parda (Septoria glycines) nas folhas da soja

Figura 2 - Presença de crestamento foliar por cercospora (Cercospora kikuchii) nas folhas

Figura 3 - Mancha-púrpura (Cercospora kikuchii) nos grãos da soja

Figura 4 - Antracnose (Colletotrichum truncatum) nas nervuras das folhas

Figura 5 - Sintoma de antracnose (Colletotrichum truncatum) nos pecíolos e legume/grãos

Figura 6 - Sintoma inicial e ataque severo de oídio (Microsphaera diffusa) em folhas da soja

Figura 7 - Ferrugem-asiática (Phakopsora pachyrhizi) em folhas da soja

Figura 8 - Plantas de soja desfolhadas precocemente pelo ataque da ferrugem-asiática (Phakopsora pachyrhizi)

Figura 9 - Plantas de soja voluntária com sintomas de manchas foliares e oídio e esporos de Phakopsora pachyrhizi detectados nessas plantas em agosto/2020

Figura 10 - Produtividade (Sc/ha) da cultivar BMX Ativa RR semeada em 13/11/2018 com e sem aplicação de vegetativo e com flexibilização dos intervalos entre as aplicações dos fungicidas. Itaara, RS. *Programa fungicida utilizado: V6/V7 - Piraclostrobina + Fluxapiroxade + Clorotalonil; R1 - Trifloxistrobina + Protioconazole + Mancozebe; 15d - Picoxistrobina + Benzovindiflupir + Mancozebe; 15d - Picoxistrobina + Ciproconazole + Fenpropimorfe grediente ativo nas folhas do baixeiro proporcionada pela aplicação de vegetativo auxilia na proteção dos tecidos, evitando que a epidemia se estabeleça de forma agressiva. A deposição de ingrediente ativo nas folhas do baixeiro proporcionada pela aplicação de vegetativo tem impacto na epidemia das doenças, principalmente as manchas foliares, e na longevidade dessas folhas pelo efeito na fisiologia da planta. Sendo assim, a soma desses efeitos impacta a produtividade da soja.

Na safra 2019/20 esperava-se que as respostas produtivas não ocorressem devido à seca severa que assolou o Rio Grande do Sul, porém os dados mostram que mesmo com baixa pressão de doenças houve impacto produtivo pela proteção das plantas. A soja semeada em outubro ainda atingiu produtividades dentro da normalidade (Figura 11A). Já na segunda época de semeadura o estresse hídrico se agravou e a produtividade caiu consideravelmente (Figura 11B).

O objetivo desses ensaios foi verificar o efeito do momento do início do programa fungicida e diferentes períodos de proteção da soja, sendo 75 dias com cinco aplicações ou 60 dias com quatro, três e duas aplicações com diferentes intervalos. Para o experimento instalado na soja semeada em outubro (Figura 11A), a maior produtividade foi obtida com cinco aplicações, com 13,4 sc/ha a mais que a área não tratada. Cabe ressaltar que nessa época foi detectada a presença da ferrugem-asiática com severidade final de 35%. Isso pode explicar esse resultado. Os programas com quatro e três aplicações não diferiram entre si, porém com quatro aplicações foram quase três sc/ha a mais que com três aplicações. Nesse caso, vale frisar que essa safra foi de baixa pressão e provavelmente em anos de disponibilidade hídrica dentro da normalidade, essa diferença deva ser maior. Quando realizadas apenas duas aplicações com intervalo de 30 dias, a produtividade não diferiu estatisticamente da testemunha, com atraso da primeira aplicação e um intervalo muito longo, houve possibilidade de infecção da planta pela doença.

Já o experimento instalado na soja semeada em novembro, a maior produtividade, 12,7 sc/ha maior que a área não tratada, foi obtida com quatro aplicações e não com cinco aplicações.

Figura 11 - Produtividade (sc/ha) da cultivar BMX Lança Ipro semeada em 26/10/2019 (A) e BMX Lança Ipro semeada em 12/11/2019 (B) com diferentes momentos do início, número e intervalos entre as aplicações dos fungicidas. Itaara, RS. *Programa fungicida utilizado: 30/31 e 44/49 DAE - Trifloxistrobina + Protioconazol + Bixafen + Mancozebe; 15 e 20d - Picoxistrobina + Tebuconazol + Mancozebe; 15d - Piraclostrobina + Fluxapiroxade + Epoxiconazol; 15 e 20 e 30d - Picoxistrobina + Ciproconazole + Fenpropimorfe; 15d - Trifloxistrobina + Ciproconazol + Clorotalonil + Difenoconazole

Figura 12 - Incremento médio na produtividade pela associação de fungicidas multissítios a programas com três aplicações de fungicidas sistêmicos. Safra 2019/20. Itaara, RS

Mônica traça cenário para doenças em soja na próxima safra e aponta alternativas de manejo

Esse resultado pode ser explicado pela escassez de chuvas que resultou em menor pressão de doenças. Nessa época, os programas com três e duas aplicações não diferiram entre si, nem da parcela não tratada. O que pode explicar esse resultado é o fato de as plantas terem sido submetidas a um estresse hídrico muito prolongado e quando o intervalo entre as aplicações foi maior que 15 dias o efeito do fungicida na fisiologia da planta ficou prejudicado. Entretanto, em muitas áreas no Rio Grande do Sul as aplicações não foram realizadas devido à seca, e é possível que isso tenha agravado a perda produtiva da soja.

Outro resultado que surpreendeu nessa safra foi a resposta positiva à adoção de multissítios nos programas fungicidas, que fica evidente na Figura 12. Os incrementos produtivos pela associação dos multissítios variaram de 272,6kgh/ha a 416kg/ha de soja, indicando a impor

tância desse grupo de fungicidas no sistema produtivo.

É importante ressaltar que as cultivares modernas, com alto potencial produtivo, geram plantas cada vez mais sensíveis à interferência. Nesse sentido, os fungicidas sistêmicos e multissítios têm um papel fundamental na proteção da expressão desse potencial produtivo.

Mônica Paula Debortoli Instituto Phytus

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