Cultivar Grandes Culturas • Ano XXII • Nº 278 • Julho 2022 • ISSN - 1516-358X
Destaques
Expediente
26
Fundadores Milton Sousa Guerra, Newton Peter e Schubert Peter
Ainda desafiadora
Grupo Cultivar de Publicações Ltda. CNPJ: 02783227/0001-86 Insc. Est. 093/0309480 Rua Sete de Setembro, 160, sala 702 Pelotas – RS • 96015-300 Diretor Newton Peter
Como o manejo integrado pode
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REDAÇÃO • Editor Gilvan Dutra Quevedo
ajudar a lidar com a brusone, doença que continua a tirar o sossego dos produtores de trigo
• Redação Rocheli Wachholz Cassiane Fonseca • Design Gráfico e Diagramação Cristiano Ceia • Revisão Aline Partzsch de Almeida COMERCIAL • Coordenação Charles Ricardo Echer • Vendas Sedeli Feijó José Geraldo Caetano CIRCULAÇÃO • Coordenação Simone Lopes • Assinaturas Natália Rodrigues
Campeões de produtividade
05 e 10
Status atualizado
Os detalhes que fizeram a
De que modo conviver com
diferença nos resultados
os ácaros que passam a
dos campeões do Desafio
provocar danos primários
do Cesb na safra 2021/22
em algodão
• Expedição Edson Krause
Índice
GRÁFICA: Kunde Indústrias Gráficas Ltda.
Diretas
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Desafio Máxima Produtividade do Cesb
05
Leiteiro resistente a herbicidas
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Tratamento de sementes com fungicidas
16
Identificação e controle do cascudinho
20
Capa - Brusone em trigo
26
Tecnologia para a agricultura moderna
32
Ácaros em algodoeiro
36
Manejo de buva resistente
40
Coluna Agronegócios
44
Coluna Mercado Agrícola
45
Coluna ANPII
46
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Por falta de espaço não publicamos as referências bibliográficas citadas pelos autores dos artigos que integram esta edição. Os interessados podem solicitá-las à redação pelo e-mail: contato@grupocultivar.com Os artigos em Cultivar não representam nenhum consenso. Não esperamos que todos os leitores simpatizem ou concordem com o que encontrarem aqui. Muitos irão, fatalmente, discordar. Mas todos os colaboradores serão mantidos. Eles foram selecionados entre os melhores do país em cada área. Acreditamos que podemos fazer mais pelo entendimento dos assuntos quando expomos diferentes opiniões, para que o leitor julgue. Não aceitamos a responsabilidade por conceitos emitidos nos artigos. Aceitamos, apenas, a responsabilidade por ter dado aos autores a oportunidade de divulgar seus conhecimentos e expressar suas opiniões.
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Nossa Capa
Crédito: Augusto Goulart
Diretas
Novos rumos Roberto Dib é o novo diretor de Marketing de Clientes da Syngenta (Marketing Director - Customer Marketing). O executivo é engenheiro agrônomo, com formação na área de negócios e economia, administração de operações agrícolas e marketing. Está na empresa a mais de 20 anos.
Tiago Santos
Marketing A Bayer tem novo diretor de Marketing Brasil. Tiago Santos é agrônomo, pela Unesp, além de ser formado em Economia, pela FGV, Gestão de Pessoas pela FDC e Gestão de Marketing pela HSM. Possui experiência de mais de 20 anos no setor.
Roberto Dib
Hamilton Ramos
Prêmio
Multiplicadores O Fórum de Multiplicadores 2022, promovido pela Corteva Agriscience na segunda quinzena de junho, debateu desafios, perspectivas, oportunidades e o futuro do mercado de sementes no Brasil, com destaque para as áreas de tratamento de sementes e biotecnologia. “Promover a união da cadeia, a troca de experiências e o debate sobre os principais temas do setor é fundamental para a evolução do mercado de sementes no País”, avaliou Christian Pflug, diretor de Enlist e Tratamento de Sementes da Corteva Agriscience. O encontro discutiu assuntos como cenário de produção de sementes das regiões Sul e do Cerrado, utilização de produtos biológicos e futuro do mercado de sementes, considerando a consolidação da indústria e distribuição. Além disso, mostrou um panorama sobre a área de Tratamento de Sementes da Corteva e ressaltou os benefícios e resultados do Sistema Enlist, que une genética de alta performance ao melhor manejo de plantas daninhas e lagartas.
Com quase 30 anos de carreira nos quadros do IAC, Hamilton Ramos recebeu o Prêmio IAC 2022, na categoria Pesquisador Científico. Ramos foi homenageado em solenidade que marcou os 135 anos de funcionamento do instituto de pesquisa agrícola, existente desde 1887 e idealizado pelo imperador D. Pedro II. A escolha ocorreu por meio de votação espontânea, envolvendo colegas lotados nos 12 centros e cinco núcleos regionais de pesquisa do IAC no estado de São Paulo. Engenheiro agrônomo, doutor em Agronomia, Ramos é o atual diretor do Centro de Engenharia e Automação (CEA) do IAC, em Jundiaí. O pesquisador tornou-se conhecido, dentro e fora do Brasil, por idealizar e coordenar programas de estudos inovadores nas áreas de tecnologia de aplicação e uso seguro e sustentável de defensivos agrícolas.
Acordo A Bunge e a UPL anunciaram acordo para criar a Orígeo. A nova empresa combinará a experiência da Bunge em financiamento, comercialização e logística e o portfólio de insumos, soluções e serviços agrícolas da UPL. “Queremos simplificar os processos e tornar as operações ainda mais eficientes para que os agricultores tenham mais tempo para focar no que fazem de melhor – produzir mais e de forma sustentável”, destacou o vice-presidente de Agronegócio da Bunge na América do Sul, Rossano de Angelis Junior. O CEO da UPL Brasil, Rogério Castro, comemorou o acordo. “A Orígeo irá expandir nossa oferta aos agricultores desta região para abranger toda a cadeia de alimentos e isso é um exemplo do nosso compromisso OpenAg para promover uma agricultura colaborativa”, avaliou Rogério Castro, CEO da UPL Brasil.
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Rogério Castro
Rossano de Angelis Junior
Cesb
Sistema CNA
Desafio vencido Como os campeões do Cesb driblaram os problemas climáticos da safra e conseguiram aumentar a produtividade e a rentabilidade da soja com sustentabilidade
E
m julho foi realizado o Fórum Nacional de Máxima Produtividade do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb). Apesar dos problemas climáticos da última safra devido ao fenômeno La Niña, que reduziram a produtividade da soja brasileira em aproximadamente 14%, os números obtidos pelos produtores que participaram do Desafio se mostraram expressivos. O vencedor nacional obteve 7.611kg/ ha, 125% acima da média nacional (Conab), com uma lucratividade de 74,1% e retorno de 2,9 vezes sobre o capital investido. As produtividades dos campeões são auditadas por uma empresa independente, e os cálculos de rentabilidade executados de acordo com os registros do produtor, sendo efetuados pelo Cesb com a metodologia padrão do Cepea/Esalq/USP.
PRODUTIVIDADE
O Desafio confere uma distinção ao produtor de soja com produtividade mais elevada, em cada uma das regiões do Brasil, na categoria cultivo de sequeiro. Também reconhece um único produtor de cultivo irrigado, com abrangência nacional, e todos competem para apuração do produtor com maior produtividade de soja ao nível nacional.
RESUMO DA PRODUTIVIDADE
O vencedor do Desafio, na categoria Nacional, produtor Matheus Leonel Nunes, obteve produtividade 151% superior à média nacional e 198% maior que a média da sua região e de seu estado, São Paulo. Na média dos seis vencedores, a produtividade obtida foi 125% superior à média nacional, estimada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Na Tabela 1, os resultados dos vencedores estão sintetizados, informando a pro-
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dutividade do vencedor de cada região, comparando-a com a produtividade média de seu estado e região, fornecida pela Conab, e o percentual de incremento do vencedor sobre estas produtividades. O Gráfico 1 mostra a evolução da produtividade da soja no Brasil (média da Conab), comparada com o produtor vencedor do Desafio e os dez primeiros colocados em cada ano, entre 2009 e 2022.
Tabela 1 - Comparativo de produtividade dos vencedores de cada região Produtividade Vencedor Região Estado
Norte kg/ha % 5.420 3.248 167 3.335 163
Nordeste Centro-Oeste kg/ha % kg/ha % 6.859 7.028 3.671 187 3.552 198 3.900 176 3.958 178
Sudeste kg/ha % 7.611 3.836 198 3.850 198
Sul kg/ha % 6.888 1.835 375 1.433 481
Irrigado kg/ha % 7.045 1.835 384 1.433 492
Média kg/ha % 6.809 3.032 225 -
Tabela 2 - Rentabilidade e retorno do capital investido Norte 74,30% 2,9
Rendimento líquido Receita líquida/custo
Nordeste 79,59% 3,9
Centro-Oeste 78,57% 3,7
Sudeste 74,10% 2,9
Sul 67,10% 2,0
Irrigado 69,74% 2,3
Média 73,90% 3,0
Vencedores da edição 2022 Palestrantes e apresentadores
Daniel Glat
Bárbara Sentelhas
Breno Araújo
Sérgio Abud
Antônio Luiz Fancelli
Ricardo Balardin
Região Centro-Oeste
Cultivo Irrigado
Região Sudeste
Região Nordeste
Região Norte
Região Sul
Murilo Olympik Bortoli Munarini - Consultor Campeão Bertão e Azevedo Produção Agrícola Ltda - Produtores Campeões
Região Norte
A maior produtividade, de 5.420kg/ ha, foi registrada na empresa Bertão e Azevedo Produção Agrícola Ltda (Castanheiras - RO), tendo como consultor Murilo Munarini. Para comparação, a Conab informa que a produtividade na região foi de 3.248kg/ha, alcançando 3.335kg/ha em Rondônia.
Rodolfo Paulo Schlatter – Produtor Campeão Fabiano Müller – Consultor Campeão
Região Centro-Oeste
O produtor Rodolfo Paulo Schlatter (Chapadão do Céu- GO) foi o vencedor regional e seu consultor foi Fabiano Müller, obtendo a produtividade de 7.028kg/ha. A produtividade média referida pela Conab é de 3.552kg/ha, para a região, e de 3.958kg/ ha para Goiás.
Matheus Leonel Nunes Alves – Produtor Campeão Rafael Antonio Campos De Oliveira – Consultor Campeão
Região Sudeste
Matheus Leonel Nunes foi o produtor vencedor dessa região, sendo proprietário da Fazenda São João, localizada em Pilar do Sul (SP) que, juntamente com o consultor Rafael Antonio Campos de Oliveira, obteve 7.611kg/ha. Essa foi a maior produtividade registrada no Desafio 2022. A Conab informa produtividade média de 3.836kg/ha para essa região e de 3.850kg/ha para o estado de São Paulo.
Eder Leomar dos Santos – Produtor Campeão Francisco Giudice Azevedo – Consultor Campeão Grupo Gorgen – Daniel e João Gorgen – Produtores Campeões Edinei Antonio Fugalli – Consultor Campeão
Região Nordeste
Com produtividade de 6.859kg/ha, o vencedor foi o Grupo Gorgen (Riachão das Neves - BA), e seu consultor Edinei Fugalli. Na região, a produtividade informada pela Conab foi de 3.671kg/ha, tendo sido de 3.900kg/ha na Bahia.
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Região Sul
O vencedor, Eder Leomar dos Santos, é do município de Camaquã (RS), tendo como consultor Francisco Giudice Azevedo, obtendo 6.888kg/ha. A região Sul foi a mais atingida pela seca na safra passada, onde a Conab registrou produtividade média de 1.835kg/ha, tendo sido de 1.433kg/ha no Rio Grande do Sul.
Eduardo Burck de Sousa Costa – Produtor Campeão Lucas Jackson de Souza – Consultor Campeão
Cultivo Irrigado
O vencedor, Eduardo Burck de Sousa Costa, também é do Rio Grande do Sul (Arroio Grande), e seu consultor foi Lucas Jackson de Souza. Juntos, obtiveram a produtividade de 7.045kg/ha.
Divulgação
Gráfico 1 - Evolução da produtividade da soja no Brasil entre 2009 e 2022
Membros do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb) durante a cerimônia de premiação dos vencedores do Desafio
Na média dos 14 desafios, o vencedor obteve incremento de 133% sobre a produtividade brasileira. Já a média dos dez primeiros colocados foi 109% superior à média brasileira. É assaz entusiasmante observar a proximidade do rendimento médio dos dez primeiros colocados, em relação ao vencedor do mesmo ano, o que demonstra que não se trata de um caso isolado de sucesso, mas de um contexto de alta produtividade. Esses números, obtidos ao longo de 14 safras, que alternaram anos de clima bom e ruim, mostram que índices de produtividades muito acima da média nacional não representam exceções, podendo ser obtidos mesmo em condições adversas. Portanto, os números indicam que existe tecnologia disponível que permite grande potencial de expansão da produtividade de soja no Brasil, se forem seguidas as boas práticas agrícolas e, especialmente, as recomendações técnicas para a cultura da soja.
RENTABILIDADE
De nada adiantaria a um produtor obter alta produtividade, se esta não se fizesse acompanhar de maior rentabilidade. Não haveria qualquer lógica em aumentar a produtividade à custa de prejuízo. Ou seja, na prática o que deve ocorrer é que o custo de produção deve crescer em taxas inferiores ao aumento da produtividade. Dessa forma, a rentabilidade deve ser sempre alta e positiva, como forma de incentivo para ampliar a produtividade da cultura. A Tabela 2 mostra a rentabilidade e o retorno sobre o capital investido pelo 08
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vencedor de cada uma das regiões e do cultivo de soja irrigado. As taxas de retorno são apreciáveis. Considere-se, para análise do custo de oportunidade, que a taxa do CDI para um período de seis meses de aplicação no mercado financeiro ofereceu rentabilidade média de, aproximadamente, 6% (janeiro – junho, 2022). Ou seja, produzir soja, com alta produtividade, é um excelente negócio para o produtor. Na média dos vencedores, a lucratividade foi de 73,9% e o retorno sobre o investimento (receita líquida/custo) foi de três vezes o capital investido.
ECOEFICIÊNCIA
É sempre importante ter em mente que não basta produzir, é preciso ser sustentável. Essa é uma exigência que os mercados estão impondo, por pressão da sociedade, que exige informações que comprovem a sustentabilidade da produção. Para tanto, a Fundação Espaço Eco desenvolveu um algoritmo para cálculo da ecoeficiência da produção de soja, considerando dez parâmetros internacionalmente aceitos. Esse algoritmo é utilizado pelo Cesb, valendo-se das informações do sistema de produção dos agricultores, para calcular sua ecoeficiência.
Gazzoni é agrônomo, pesquisador da Embrapa, membro fundador do Cesb e do Conselho Agro Sustentável
Pela sua importância no mercado, os resultados de ecoeficiência serão objeto de um evento próprio, a ser realizado pelo Cesb. Como ilustração, adianta-se que o vencedor do Desafio melhorou todos os índices de sustentabilidade, comparativamente ao paradigma de sua região. O destaque é a redução da eutrofização marinha, cujo indicador é o carreamento de nitrogênio aplicado na forma de adubo, que foi reduzido em 74%. Destaque também para a redução das emissões de gás carbônico (CO2 equivalente), que foram 54% menores, além de 53% de redução no uso da terra, comparativamente à média da região Sudeste. Finalizando, é possível demonstrar com números o potencial de incremento da produtividade de soja brasileira, associada a altos índices de rentabilidade e com ganhos de sustentabilidade. Basta realizar com capricho aquilo que precisa ser feito. O segredo é obedecer às boas práticas agrícolas e às recomendações técnicas. Em especial, tratar muito bem o solo, pois o seu manejo adequado, ao longo do tempo, é o fundamento para os ganhos auferidos pelos vencedores das diversas edições do Desafio. Os pormenores dos sistemas de produção, da rentabilidade e dos indicadores de ecoeficiência dos vencedores do Desafio podem ser acessados no site do Cesb (https://www.cesbrasil. org.br/). As inscrições para o próximo Desafio (safra 2022/23) estarão abertas a partir de agosto, e podem ser efeC tuadas no site do Cesb. Décio Luiz Gazzoni, Embrapa
Cesb
Produtividade cons
Em uma safra repleta de desafios, como o trabalho de longo prazo ajudou os campeões do Cesb a alcançar bons resultados apesar das dificuldades com o clima e os custos mais altos
O
Desafio Máxima Produtividade do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb) foi testado ao extremo nesta safra. Dificuldades impostas pelo clima e de acesso a insumos como fertilizantes fizeram com que a eficiência agrícola fosse ainda mais exigida nesta edição. Mesmo assim, o campeão nacional alcançou a marca de 126,85 sc/ha. O resultado fica abaixo do recorde obtido na safra 2016/2017, quando o vencedor cravou mais de 149 sc/ha. Apesar de não bater recorde, o resultado obtido em 2022 pode ser considerado excelente diante das circunstâncias e peculiaridades que marcaram a safra 2021/22. Um dos indicativos está na comparação com a média nacional de produtividade da soja, superada pelo campeão do Cesb em mais de 120% de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Um dos indicativos que ajudam a medir o feito dos Campeões do Cesb está na análise econômica, que leva em consideração custos como operação de máquinas e de implementos, sementes, fertilizantes, defensivos e mão de obra. Para cada real investido, os vencedores obtiveram no mínimo R$ 2,00 de volta. No Centro-Oeste esse retorno saltou para R$ 3,7 e no Nordeste, R$ 3,9. A eficiência agrícola foi o grande diferencial em uma safra marcada por desafios do clima. No caso do campeão nacional, em Pilar do Sul, São Paulo, a eficiência climática foi de apenas 63% enquanto a eficiência agrícola alcançou 93%. Mas nem tudo se resume à produtividade no concurso, que também mede ecoeficiência, de olho na sustentabilidade. Os dados oficiais, calculados por algoritmos, pela Fundação Espaço
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Eco, ainda não foram divulgados oficialmente. O Cesb realizará evento exclusivo para a apresentação desses números.
CAMPEÃO QUASE NÃO SE INSCREVEU
O cenário pouco favorável para a safra 2021/22 quase fez com que o campeão do Cesb desistisse de se inscrever. “Ficamos em dúvida se faríamos a inscrição. Foi um ano difícil, com baixo nível de chuva. No vegetativo estava muito seco. Tínhamos três áreas e escolhemos uma para participar”, relatou o consultor Rafael Antonio Campos de Oliveira, ladeado pelo produtor Matheus Leonel Nunes. A Fazenda São João, de propriedade do campeão, localizada em Pilar do Sul, São Paulo, tem tamanho total de 300 hectares, divididos entre a exploração de agricultura e pecuária. A área de soja alcança 195 hectares, com produtividade média de 87 sacas por hectare. “Além de chover pouco, fez dias frios. Só depois do reprodutivo o clima melhorou”, contou o produtor. Nunes credita à palhada de milho e trigo presente na área e ao solo bem estruturado, parte do bom resultado. “Ajudou a guardar umidade no período mais crítico”, lembrou.
TRABALHO DE LONGO PRAZO
O presidente do Cesb, Leonardo Sologuren, lembrou que a construção de altas produtividades é sempre um trabalho de longo prazo, que não se restringe a uma safra específica. “É uma construção”, enfatizou. O diretor de Marketing do Cesb, Nilson Caldas, enfatizou a importância da construção física do solo, através de plantas de cobertura, rotação de culturas e o
Fotos Divulgação
truída cuidado com problemas de compactação. No caso do campeão atual, a área utilizada incluía citros, além de feijão, milho, aveia e trigo, como culturas antecessoras. “Tínhamos braquiária no meio, palhada e trabalhamos com plantio direto, sem degradar o solo”, explicou o consultor Rafael Antonio Campos de Oliveira.
CUSTO OU INVESTIMENTO?
Sobre a escassez e o aumento do preço dos fertilizantes, o presidente do Cesb, Leonardo Sologuren, fez questão de lembrar a necessidade de construção da fertilidade ao longo do tempo. Também apontou a incorreção de se fixar, isoladamente, no valor gasto. “Não basta olhar só o custo por hectare, mas o conjunto. No uso da tecnologia os participantes não sacrificaram a aplicação de fertilizantes, mas buscaram compensar o investimento com mais produtividade”, opinou.
É POSSÍVEL REPLICAR A PRODUTIVIDADE NO RESTANTE DA ÁREA?
Para os executivos do Cesb é possível replicar os resultados de produtividade, alcançados nos pouco mais de dois hectares auditados pelo Comitê, no restante das propriedades. O presidente, Leonardo Sologuren, defende que essa transferência já estaria ocorrendo, uma vez que os campeões têm conseguido obter médias sempre acima da nacional, não apenas no espaço dedicado ao concurso. O diretor de Marketing, Nilson Caldas, aponta algumas estratégias que ajudariam a produzir mais em áreas mais extensas. Uma delas reside no uso de velocidade baixa de plantio, uma característica comum entre as práticas utilizadas pelos campeões do Cesb. “Semear com velocidade de 4,5km/h a 5km/h é o que tem sido apontado nos trabalhos científicos”, relatou. A construção química e física do solo é outro aspecto enfocado por Caldas, com cobertura do solo e rotação de
Nilson Caldas, Matheus Leonel Nunes, Rafael Antonio Campos de Oliveira e Leonardo Sologuren
culturas adequadas. “Todos os nossos cases do concurso têm boa rotação de culturas e sucessão”, lembrou. Aliado a isso é preciso ter cuidado com a compactação desse mesmo solo. Para finalizar, Caldas enfocou a necessidade de bom uso da biotecnolo-
gia, de produtos biológicos, o emprego correto de controle químico e de ferramentas digitais. “O bom manejo faz a C diferença”, pontuou.
Retorno sobre o real investido (ROI) x produtividade
Eficiência climática x agrícola Centro Oeste Irrigado Nordeste Norte Sudeste Sul
Climática 68% 57% 80% 82% 63% 60%
Nordeste Centro Oeste Sudeste Norte Irrigado Sul
Agrícola 92% 89% 89% 83% 93% 83%
ROI R$ 3,9 R$ 3,7 R$ 2,9 R$ 2,9 R$ 2,3 R$ 2
Produtividade 114,32 SC/ha 117,14 SC/ha 126,85 SC/ha* 90,34 SC/ha 117,41 SC/ha 114,80 SC/há
*Campeão Nacional do Desafio Fonte: CESB
O que fez a diferença na opinião dos consultores campeões Região Norte
Nordeste
Região Centro-Oeste
Sudeste
Manejo da palhada Clima Plantabilidade Manejo fitossanitário Clima e fertilidade do solo Genética e plantabilidade Pontualidade Operacional Manejo de pragas e doenças
Irrigado
Estratégias de manejo a longo prazo Descompactação do solo Correção do solo em taxa variável Planejamento e execução Manejo adequado de irrigação
Correção do solo Manejo Clima Genética Material genético Fertilidade do solo Manejo utilizado Posicionamento de aplicações Capricho no manejo
Sul
Fertilidade do solo Estande de plantas Clima Planejamento e execução www.revistacultivar.com.br • Julho 2022
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Plantas daninhas
Resistência múltipla
Depois de o glifosato engrossar a lista de herbicidas resistentes quando aplicados em leiteiro (Euphorbia heterophylla), rotacionar modos de ação e diversificar os manejos se tornaram ainda mais importantes para conter essa planta daninha
A
planta daninha Euphorbia heterophylla, também conhecida por leiteiro ou amendoim bravo, é uma espécie importante no Brasil, devido aos casos de resistência já relatados e à sua alta competitividade com a principal cultura do País, a soja. É originária de regiões tropicais e subtropicais da América, se espalhando
daí para diversos continentes. Trata-se de uma espécie herbácea, que normalmente atinge 0,3m a 0,6m, mas eventualmente pode atingir até 2m de altura. Apresenta grande capacidade na produção de sementes de alta viabilidade, que se dispersam por um mecanismo explosivo. As sementes embebem rapidamen-
te, germinam e emergem de profundidades de até 9cm, e apresentam melhor estabelecimento quando protegidas por cobertura morta. No Brasil, por conta do ambiente favorável à espécie, as sementes germinam ao longo de praticamente todo o ano, não necessitando de luz para germinar. As espécies da família EuphorbiaWenderson Araujo/Sistema CNA
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Australian National Botanic Gardens
ceae, assim como E. heterophylla, possuem um látex pegajoso de cor branca, que não é tóxico, mas pode ocasionar problemas na colheita.
PRINCIPAIS PROBLEMAS CAUSADOS PELO LEITEIRO
Os problemas ocasionados pela competição entre culturas e plantas daninhas estão relacionados ao crescimento e desenvolvimento das plantas, sendo água, luz e nutrientes os fatores essenciais. As plantas daninhas apresentam um desenvolvimento mais robusto que as culturas, por serem selecionadas naturalmente pelo ambiente e não melhoradas geneticamente. Assim, conseguem competir e ocasionar impacto no desenvolvimento da cultura. O leiteiro ocorre em diferentes culturas, mas principalmente na soja, ocasiona grandes reduções de rendimento, com o aumento do número de plantas na área (Figura 1). Foi verificado que a cultura apresenta reduções de produtividade de 30% ou mais quando leiteiro e soja estão simultaneamente presentes na mesma área. Estudos realizados para se avaliar a competição de macronutrientes entre a planta daninha e a soja mostraram que o leiteiro é altamente competitivo, reduzindo o acúmulo dos nutrientes na soja conforme se aumentava a densidade de plantas nos experimentos.
Planta adulta de leiteiro ou amendoim bravo, responsável por prejuízos na cultura da soja
Analisando os períodos de exigências de ambas as plantas pelos nutrientes, verifica-se que na fase de florescimento da soja o requerimento de ambas as espécies aumenta, tornando a competição mais agressiva e mostrando que o leiteiro pode trazer grandes prejuízos à cultura. O leiteiro pode também ser hospedeiro de pragas, como adultos do percevejo marrom da soja (Euschistus heros) e mosca branca (Bemisia tabaci), ou hospedeiro de nematoides causadores de danos na cultura do algodão, como
Figura 1 - Acúmulo de matéria seca de soja (Glycine max) sob densidades crescentes de Euphorbia heterophylla (EPHHL), crescendo em convivência. Avaliação realizada em R1. Fonte: Carvalho et al. (2010)
Rotylenchulus reniformes. Ao se estudar uma planta daninha em determinada cultura, é importante determinar os períodos que antecedem a interferência na cultura, sendo aqueles períodos em que a planta daninha não irá proporcionar perdas no rendimento e produtividade. O período de interferência do leiteiro na soja foi estudado, e o experimento em que a cultura foi mantida por períodos iniciais crescentes na presença da planta daninha indicou que a produtividade passa a ser afetada em períodos
Figura 2 - Produtividade de soja em função de períodos iniciais crescentes na presença do leiteiro. Fonte: NAPD/UEM
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Rafael Romero Mendes
Figura 3 - Populações de Euphorbia heterophylla resistente (A) e suscetível (B) a doses crescentes de glifosato
iguais ou maiores que 17 dias de convivência (Figura 2).
EVOLUÇÃO DOS CASOS DE RESISTÊNCIA NO LEITEIRO
Em um passado não muito distante, antes da introdução da soja RR no País, o leiteiro já assustava os agricultores pelo difícil controle, sendo considerada uma das principais espécies infestantes desta cultura, em função do alto potencial de germinação a partir de maior profundidade de solo, além do rápido crescimento vegetativo, entre outras características que garantiam vantagens competitivas em relação à cultura. O leiteiro foi a segunda espécie de planta daninha confirmada como resistente no Brasil. Este registro ocorreu em 1993 para os herbicidas inibidores de ALS (imazethapyr, imazaquin, imazamox, chlorimuron-ethyl e cloransulam-methyl), caracterizando o fenômeno da resistência cruzada, que é aquela que ocorre em relação a mais de um herbicida do mesmo mecanismo de ação. O segundo caso de resistência foi confirmado 11 anos depois, na safra de 2004, com resistência múltipla a herbicidas de dois mecanismos de ação: inibidores da ALS (imazethapyr, metsulfuron-methyl, nicosulfuron, diclosulam, flumetsulam e cloransulam-methyl) e inibidores da
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Protox (fomesafen, lactofen, acifluorfen-sodium, flumiclorac-pentyl e saflufenacil), o que tornou o controle dessa planta daninha ainda mais complicado, principalmente porque esses eram os grupos de herbicidas mais utilizados no manejo de plantas daninhas na cultura da soja convencional, antes da chegada da soja RR. Com a chegada ao Brasil da soja RR oficialmente a partir da safra 2005/2006, o leiteiro deixa de ser problema para as lavouras de grãos, em função do glifosato ser eficiente no controle mesmo em plantas mais desenvolvidas. Contudo, o uso recorrente do glifosato como principal ferramenta resultou em pressão de seleção desse herbicida para essa espécie de planta daninha. Sendo assim, na safra 2018/2019, pesquisadores da Embrapa Soja e da Cooperativa Cocari identificaram uma lavoura de soja com falhas de controle de leiteiro após a aplicação de glifosato
nas doses recomendadas, na região do vale do Ivaí no estado do Paraná. Segundo o agricultor, esse problema já vinha ocorrendo há duas safras seguidas. A partir desses indícios, pesquisadores da Embrapa, Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Colorado State University se juntaram para confirmar a resistência do leiteiro ao glifosato. Foram realizados ensaios conhecidos como curvas de dose-reposta, confirmando-se a resistência dessa população ao glifosato, sendo capaz de tolerar até 2.000g e.a/ha do herbicida (Figura 3). Conhecido o problema, é hora de adotar medidas para evitar a proliferação e o surgimento de novas espécies resistentes. É imprescindível que herbicidas de mecanismos de ação diferentes do glifosato sejam incorporados aos sistemas de produção. Também é importante diversificar o uso de métodos de manejo, incorporando palhadas na entressafra e evitando a emergência e a produção de sementes das plantas daninhas nos períodos de entressafra. A diversificação no uso de métodos de manejo também é importante, a incorporação de palhada na entressafra evita a emergência e a reprodução das plantas daninhas no período sem a cultura no campo. Assim, o controle realizado proporcionará um período mais longo de controle, até que a próxima cultura se estabeleça com vigor e apresente vantagem na competição com as C plantas daninhas. Bruno Cesar de Almeida, Rafael de Souza Luiz, Rafael Romero Mendes, Denis Fernando Biffe e Rubem Silvério de Oliveira Jr., NAPD/UEM
Almeida, Souza Luiz, Mendes, Biffe e Oliveira Júnior alertam para os problemas de resistência do leiteiro
Soja
Tratar bem A importância de conhecer o desempenho de diferentes combinações de fungicidas no tratamento de sementes na cultura da soja
A
expansão da cultura da soja, muitas vezes sem o mínimo cuidado fitossanitário, permitiu que a maioria dos patógenos se disseminasse para todas as regiões produtoras, através da semente, principal meio de disseminação e introdução em novas áreas de cultivo. Para a obtenção de uma lavoura de soja com população adequada, o tratamento de sementes com fungicidas, tanto sistêmico quanto de contato, oferece uma garantia ao estabelecimento da lavoura quando a semeadura não é realizada em condições ideais. Além de controlar patógenos importantes que são transmitidos via semente, o tratamento de sementes assegura populações adequadas de plantas, quando as condições edafoclimáticas durante a Ana Claudia Constantino Nogueira
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semeadura são desfavoráveis à germinação deixando a semente exposta por mais tempo a fungos de solo. Os fungicidas de contato são utilizados para proteger a semente contra fungos do solo e os sistêmicos servem para controlar fitopatógenos presentes na semente. O tratamento das sementes é realizado tanto na Unidade de Beneficiamento de Sementes (UBS) quanto na propriedade, antes da semeadura. O tratamento industrial de sementes é realizado com a utilização de equipamentos específicos e altamente sofisticados, que podem combinar a aplicação de fungicidas, inseticidas, micronutrientes, nematicidas, entre outros produtos. O tratamento industrial de sementes apresenta uma série de vantagens
em relação ao tratamento convencional (tambor), como maior precisão do volume de calda e quantidade de sementes a serem utilizadas, proporciona melhor cobertura da semente com o produto químico e menor risco de intoxicação dos operadores. Entretanto, deve-se tomar cuidado com os pacotes de tratamento de sementes, pois muitas vezes é utilizada uma ampla gama de produtos na mesma semente, como a combinação de fungicidas, inseticidas, inoculantes, micronutrientes, nematicidas, reguladores de crescimento e polímeros, que podem causar fitotoxicidade às sementes, além do impacto ambiental, devido ao excesso de produtos que, muitas vezes, não são necessários em determinadas realidades agrícolas ou situações. Portanto, foi elaborado um trabalho para avaliar a eficiência de controle de diferentes combinações de fungicidas no tratamento de sementes de soja. O experimento foi conduzido nos laboratórios de Sementes e de Proteção de Plantas do Centro de Pesquisa Agrícola da Copacol (CPA), no município de Cafelândia, Paraná, em maio de 2021. Para o experimento foram utilizadas sementes
Aspecto das sementes em relação aos tratamentos aplicados
da cultivar BMX 55I57 Ipro (Zeus) com alta infestação de fungos. Para a realização do teste se utilizou caixas gerbox com papel substrato mata borrão embebido com água destilada juntamente com 2,4-D (1L de água destilada + 5ml de herbicida 2,4-D) para retardar o processo de germinação das sementes. Foram colocadas 25 sementes por caixa gerbox, sendo quatro repetições para cada tratamento, totalizando 12 tratamentos em delineamento inteiramente casualizado. As sementes foram tratadas de forma manual, com saco plástico utilizando os produtos demonstrados na Tabela 1. Após esse processo, os gerbox ficaram acondicionados em uma temperatura de ±20°C, com fotoperíodo de 12 horas, por 15 dias. Na sequência avaliou-se a incidência de fungos encontrados nas sementes e calculou-se o controle. Para porcentagem de incidência dos fungos foi realizada a análise estatística através de Scott-Knott, a 5% de probabilidade. Após realizada a avaliação do experimento, foi verificada a presença de fungos de armazenamento e principalmente os fungos de importância agrícola Cercospora spp. e Fusarium spp., que
Figura 2 - Produtividade de grãos (PG) das cultivares de soja avaliadas na safra 2021/2022. Santa Maria – RS
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Tabela 1 - Fungicidas utilizados para o tratamento das sementes Ingredientes ativos (concentração g/L) Testemunha Carbendazim (150) + Tiram (350) Carbendazim (150) + Tiram (350) / Difenoconazol (150) Carboxina (200) + Tiram (200) Carboxina (200) + Tiram (200) Carboxina (200) + Tiram (200) / Difenoconazol (150) Carboxina (200) + Tiram (200) / Difenoconazol (150) Tiofanato-Metílico (225) + Piraclostrobina (25) Tiofanato-Metílico (225) + Piraclostrobina (25) / Carboxina (200) + Tiram (200) Tiofanato-Metílico (225) + Piraclostrobina (25) / Carboxina (200) + Tiram (200) / Difenoconazol (150) Tiofanato-Metilico (350) + Fluazinam (52,5) Tiofanato-Metilico (350) + Fluazinam (52,5) / Difenoconazol (150)
Tabela 2 - Porcentagem de incidência e controle de Cercospora spp. e Fusarium spp. presentes nas sementes. CPA, 2021 Ingrediente ativo (mL/kg de sementes) Testemunha Carbendazim + Tiram (2,0) Carbendazim + Tiram (2,0) / Difenoconazol (0,33) Carboxina + Tiram (2,5) Carboxina + Tiram (3,0) Carboxina + Tiram (2,5) / Difenoconazol (0,33) Carboxina + Tiram (3,0) / Difenoconazol (0,33) Tiofanato-Metílico + Piraclostrobina (1,5) Tiofanato-Metílico + Piraclostrobina (1,5) / Carboxina + Tiram (2,5) Tiofanato-Metílico+Piraclostrobina (1,5)/Carboxina+Tiram (2,5)/Difenoconazol (0,33) Tiofanato-Metilico + Fluazinam (2,0) Tiofanato-Metilico + Fluazinam (2,0) / Difenoconazol (0,33)
Cercospora spp. Fusarium spp. Incidência Controle Incidência Controle (%) 100 d 0 20 c 0 32 b 68 1a 95 44 b 56 2a 90 29 b 71 0a 100 17 a 83 0a 100 23 a 77 0a 100 21 a 79 0a 100 69 c 31 9b 55 17 a 83 0a 100 9a 91 0a 100 20 a 68 0a 90 28 b 73 3a 90
*Médias seguidas de mesma letra na coluna não diferem pelo teste de Scott-Knott a 5 % de probabilidade de erro.
Porém, como a cultivar utilizada no teste apresentava alta infestação de fungos, em alguns tratamentos os fungos conseguiram se desenvolver, porém, em quantidades menores que na testemunha. Dentre os produtos testados, somen-
te o tiofanato-metílico + piraclostrobina isolado apresentou uma eficiência menor de controle dos fungos encontrados nas sementes. Por meio desse trabalho foi possível observar a importância do tratamento de sementes, que garante que a semente fique viável por mais tempo no solo sem sofrer com os fungos presentes. Para determinar o melhor fungicida a ser utilizado deve-se realizar teste de sanidade nas sementes a cada safra, pois como as condições climáticas mudam de um ano para outro e também os campos de sementes podem sofrer alterações, a incidência dos fungos também muda e a eficiência dos produtos pode não ser C a mesma. Ana Claudia Constantino Nogueira, João Maurício Trentini Roy, Tiago Madalosso, Ariel Muhl e Gabriele Larissa Hoelscher, Centro de Pesquisa Agrícola Copacol
Fotos Ana Claudia Constantino Nogueira
podem causar redução de plântulas e consequentemente redução na produção final. Como demonstrado na Tabela 2, a maioria dos produtos utilizados reduziu a incidência dos fungos avaliados e através das imagens da Figura 1 se pode observar que todos os tratamentos fizeram uma limpeza superficial nas sementes, garantindo maior tempo de viabilidade.
Ana Claudia integra o Centro de Pesquisa da Copacol
Os tratamentos de sementes proporcionam maior segurança para o estabelecimento da lavoura
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Trabalho avaliou eficiência de combinações de fungicidas no tratamento de sementes
O tratamento de sementes com fungicidas é importante para uma lavoura de soja com população adequada
Soja
Identificar e conter Realizar a identificação correta, mapear o comportamento, delimitar os melhores horários para aplicação de inseticidas e adotar as técnicas preconizadas pelo manejo integrado de pragas são o caminho para lidar com o cascudinho-dasoja, praga emergente que tem desafiado produtores e agrônomos nas últimas safras
O
cascudinho-da-soja desafiou o conhecimento e os conceitos de Manejo Integrado de Pragas (MIP) de produtores e agrônomos, nas últimas safras, escapando do manejo utilizado para outra espécie. O manejo dessa praga emergente, na cultura da soja,
deve considerar a identificação correta e a quantificação da praga ou do seu dano na área, logo no início da emergência das plantas, a integração das formas de controle com inseticidas aplicados via tratamento de sementes e pulverização em parte aérea, buscando combinar ingredientes ativos mais eficazes nos
momentos com maior potencial de exposição dos insetos. O cascudinho-da-soja, Myochrous armatus Baly, 1865 (Coleoptera: Chrysomelidae), tem sua ocorrência associada a regiões de climas tropical e subtropical com registros em alguns países da América do Sul, como Porto Rico, Guiana Britânica, Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile. Entretanto, os relatos mais preocupantes de danos em soja são provenientes do Centro-Oeste do Brasil. Desde o seu primeiro relato, no Mato Grosso do Sul, em São Gabriel do Oeste, na década de 1980, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte, o cascudinho-da-soja se dispersou para longas distâncias e atualmente é encontrado em várias regiões de Mato Grosso, como Itiquira, Rondonópolis, Campo Verde, Primavera do Leste, Santo Antônio do Leste, Campinápolis, Querência, Diamantino, São José do Rio Claro, Nova Mutum e Porto dos Gaúchos. O relato de ocorrência nessas cidaWenderson Araujo/Sistema CNA
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Ocorrência das espécies do gênero Myochrous nas Américas e de M. armatus em países da América do Sul e no estado de Mato Grosso
ca de operacionalização eficiente dos produtores. O uso de produtos com baixa eficiência no tratamento de sementes ou na pulverização aérea contribui para o aumento do número de aplicações ou até para a ressemeadura da soja com perdas superiores a 40% das plantas. Na falta de planejamento para o manejo dessa praga, o produtor antecipa o uso de inseticidas que seriam utilizados para outro alvo ou necessita recorrer de forma urgente à compra de mais insumos, o que gera menor poder de negociação e compra de produtos mais caros.
IDENTIFICAÇÃO
A identificação correta de um inseto-praga é o primeiro passo para o manejo assertivo e eficienFotos Clérison Perini
des não se restringe a apenas estas, sendo um indicativo de alerta de infestação nessas regiões. As infestações mais elevadas de M. armatus têm sido regionalizadas nesses locais, muitas vezes restritas a um ou alguns talhões de uma fazenda ou a uma macrorregião de dois a cinco mil hectares, onde os produtores necessitam realizar sucessivas intervenções de controle. Embora seja considerada uma praga secundária na soja, sua importância tem aumentado nos últimos anos devido à elevada densidade populacional nas lavouras, associada aos danos na cultura com perda de plantas e desfolha significativa, e ao encarecimento do custo de produção com aplicações de inseticidas. Essa praga é polífaga com registros de alimentação em diversas culturas agrícolas e também em plantas daninhas. Após a colheita da soja, a densidade populacional dos adultos fica reduzida, com alguns insetos ainda sendo encontrados no milho, alimentando-se dos estigmas nas espigas, e também na borda da lavoura. O número de aplicações extras e exclusivas para o controle do M. armatus apresentou uma média entre duas a quatro, tendo, em alguns casos específicos, até oito intervenções com inseticidas químicos, o que eleva os custos e exige uma logísti-
te nas lavouras. Em se tratando do cascudinho-da-soja, ainda não há um consenso entre produtores e agrônomos quanto aos caracteres de identificação. Dessa forma, a descrição morfológica a seguir e as imagens dos insetos irão suprir essa demanda urgente e fundamental para o reconhecimento dessa praga nas áreas de soja. Existem inúmeras espécies do gênero Myochrous Erichson, 1847 com ocorrência distribuída exclusivamente no continente americano, tendo o registro de 52 espécies até o momento. Além das características comuns de um inseto da família Chrysomelidae, as espécies de Myochrous apresentam algumas características principais, como o corpo coberto por escamas, sendo mais denso na superfície superior e menos denso de escamas na superfície inferior, com coloração castanha acinzentada e a lateral do tórax dentada. Abaixo das escamas, as asas são pretas e apresentam estrias pontuadas. Por ser um inseto pequeno, algumas dessas características necessitam do auxílio de uma lupa para visualização ou de um especialista na taxonomia desta praga. O M. armatus mede, aproximadamente, 5mm-7mm, tem o corpo oval de coloração preta-fosca e recoberto de escamas curtas e robustas. Também, a margem lateral do tórax é dentada com três
Figura 1 - Adulto de Myochrous armatus e a postura com ovos amarelados (esquerda) e detalhe das projeções na lateral do tórax
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Clérison Perini
Myochrous armatus (Coleoptera: Chrysomelidae)
Paulo Pereira
Aracanthus mourei (Coleoptera: Curculionidae)
Figura 2 - Detalhes da morfologia externa do cascudinho-da-soja (esquerda) e do torrãozinho (direita)
projeções pontiagudas, assim como evidencia a Figura 1. Por estar em contato quase que direto com o solo, as partículas de terra aderem-se nas escamas do corpo e deixam o inseto com tonalidade amarronzada, mimetizando o solo. Tais características da morfologia da praga auxiliam o produtor a reconhecer corretamente o cascudinho-da-soja e não confundir com outras espécies, como tem ocorrido com o reconhecimento errôneo do torrãozinho (Aracanthus mourei - Coleoptera: Curculionidae), um inseto de outra família e muito diferente do M. armatus. O A. mourei mede aproximadamente 4mm, apresenta prolongamento da cabeça em forma de rostro e tem o corpo coberto por pelos curtos que também ade-
A
rem partículas de solo, além de ter antenas compostas (genículo-capitada), que é uma característica de insetos da família Curculionidae. Portanto, a carência de identificação correta no campo leva à adoção de um manejo para o alvo trocado, resultando em falhas de controle com aumento dos custos de produção e danos severos na cultura da soja. Para o M. armatus há uma necessidade iminente de pesquisa e difusão dessas informações corretas das características de identificação pra os produtores, pesquisadores, consultores e demais agrônomos atuantes na cadeia de produção de soja.
SINTOMAS E DANOS
A detecção do cascudinho-da-
-soja na lavoura normalmente está associada com a morte de plantas em reboleiras e posterior dispersão e injúria nas plantas de soja do entorno. A principal injúria é ocasionada pelos adultos com o corte das plantas recém-emergidas ou com o corte do pecíolo e queda do trifólio. Dependendo do nível de infestação, o tratamento de sementes pode não ser suficiente para evitar o ataque e a perda de plantas pode ser severa e demandar ressemeadura da soja. A injúria por desfolha do cascudinho-da-soja difere de outros coleópteros desfolhadores, com a preferência de alimentação no pecíolo, que é um tecido mais tenro. Com o ataque de vários pecíolos e a queda de vários trifólios, a planta fica com entrenós mais curtos e com aspecto de “pavio”, restando apenas a haste principal com emissão de novos trifólios. Caso não seja efetuado o controle, os trifólios mais novos também serão derrubados pelo inseto. Esse tipo de desfolha tem impacto significativo na perda de fotossíntese e no armazenamento de fotoassimilados para a produção de flores, legumes e grãos. O cascudinho-da-soja é normalmente encontrado sob a palhada, sob torrões de terra, na superfície do solo próximo ao caule ou nas plantas próximas à região de alimentação, o pecíolo. Também, os trifólios se-
B
Figura 3 - A) Morte de plantas de soja em reboleira causada por adultos de M. armatus e B) posterior dispersão e ampliação da mancha injuriada
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Fotos Clérison Perini
Figura 4 - Injúria dos adultos do cascudinho-da-soja com elevada densidade populacional
cos que caem ou ficam pendurados servem de abrigo e proteção aos insetos. O entendimento dos danos é fundamental para a determinação do nível de controle, embora ainda não estabelecido para essa praga na cultura da soja. Em observações nas áreas de estudo, a densidade populacional de dez insetos/m a 15 insetos/m proporcionou significativa perda de plantas com o ataque logo após a emergência. Outros estudos conduzidos na Proteplan indicam que dois-três insetos/ planta conseguem consumir todos os trifólios no estágio V4, durante cinco dias de convivência, além de algumas plantas apresentarem perda de dominância apical. Com o dano indireto (desfolha) no início do desenvolvimento, a planta de soja pode apresentar uma taxa de recuperação significativa, dependendo da cultivar, do controle efetivo, da nutrição do solo e do clima. Por outro lado, a morte de plantas traz maiores prejuízos.
COMPORTAMENTO
A compreensão do comportamento dos insetos-praga rege as
principais decisões do manejo, como a escolha dos horários e dos locais do monitoramento, do método de controle, do horário da aplicação, das características do inseticida (químico ou biológico), da tecnologia de aplicação para atingir o alvo e também o entendimento do potencial de dano nas culturas. O cascudinho-da-soja teve seu comportamento avaliado em diferentes horários do dia e da noite, logo no início do desenvolvimento da soja, para verificar a posição dos insetos no terço da planta ou no solo, nas estruturas da planta e na mobilidade associada ao comportamento de alimentação e cópula. Esse trabalho contou com avaliações dos adultos de M. armatus, confinados em arenas durante cinco dias, às 7h, às 11h, às 15h, às 19h e às 23h. Como resultados, é possível destacar a grande proporção de insetos na palha/solo durante o dia e a noite, os quais ficam escondidos e menos expostos ao monitoramento e às pulverizações (Figura 6). O percentual de M. armatus com tal comportamento ficou entre 43,7% às 7h e 58% às 15h, o que confere uma enorme dificuldade de atingir
o alvo via pulverização foliar, necessitando de mais de uma intervenção para ter controle superior a 80%. Por outro lado, o maior potencial de exposição dos adultos posicionados na planta de soja, tanto no terço superior quanto no terço inferior, ocorreu às 7h, às 11h e às 15h, com 42,3%, 50,3% e 39%, respectivamente. Esse resultado indica que os melhores momentos para o monitoramento e para uma pulverização devem ficar entre 7h e 15h, respeitando-se as condições climáticas e regulando o pulverizador para ter o mínimo de perda nas horas mais quentes. Além disso, a mobilidade do cascudinho-da-soja, embora pequena durante as avaliações diurna e noturna, esteve intimamente relacionada com a temperatura, com maior movimentação entre 11h e 15h. Os estudos do comportamento de M. armatus irão continuar nas próximas safras e até o momento, de acordo com nossos resultados de posição na planta e de mobilidade, sugere-se que o melhor período para o monitoramento e de maior exposição para pulverização fica entre as primeiras horas da mawww.revistacultivar.com.br • Julho 2022
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Fotos Clérison Perini
Figura 5 - Desfolha intensa e corte da dominância apical de plantas
nhã até logo após o meio-dia. Esses resultados são de extrema importância para informar e melhorar o manejo dessa praga na cultura da soja. Manejo que estava sendo adotado de forma errônea com aplicações noturnas devido à falha na identificação.
MONITORAMENTO E CONTROLE
A tomada de decisão para o controle do cascudinho-da-soja passa pelo reconhecimento correto dos locais de ocorrência no talhão e pela quantificação do número de insetos, objetivando identificar o início da infestação ou do ataque. O monitoramento dessa praga deve considerar um plano amostral com frequência (entre o período que compreende a pré-semeadura da soja, a emergência das plantas até meados do estágio de florescimento) e vários pontos de vistoria distribuídos no interior e na borda dos talhões (dez a 15 pontos/talhão). No período entre a pré-semeadura e a emergência da soja, deve ser vistoriado 1m²/ponto revolvendo-se a palhada e os torrões de terra e analisando-se as plantas daninhas isoladas ou entouceiradas, a fim de contabilizar o número 24
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de adultos. A partir da emergência da soja, a amostragem passa a ser mais frequente (duas-três vezes/ semana) com vistorias focadas na linha de semeadura (1m²/ponto), nas plântulas e plantas, no solo e na palhada próxima à base das plantas. A vistoria deve considerar, além do número de insetos/m², o número de plantas com injúria de M. armatus (pecíolo ou ponteiro cortado). Há necessidade de muita atenção do monitor em virtude do diminuto tamanho do cascudinho-da-soja e do comportamento de cair ao solo quando perturbado, fingindo-se de morto. A partir do estágio V4-V5, com o uso do pano de batida vertical com calha ou com a rede entomológica, é possível capturar alguns indivíduos, entretanto, isso não substitui a metodologia de amostragem descrita anteriormente. O controle de M. armatus na soja apresenta alguns desafios: 1) falta de inseticidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o controle do alvo, 2) desconhecimento de ingredientes ativos e doses eficientes, 3) falta de informações para construção do nível de dano econômico e do nível de
controle, 4) desconhecimento da biologia, comportamento e flutuação populacional e, o mais grave, 5) identificação errônea e confusão com outra espécie. Para alguns desses desafios foram apresentados resultados e informações aplicadas ao manejo, e, para outros, ainda há carência de estudos. As formas de controle de M. armatus se iniciam com o tratamento de sementes (TS), de acordo com o monitoramento ou histórico de ocorrência da praga, e posterior pulverização de inseticidas em parte aérea. Na última safra, foram conduzidos experimentos de controle com aplicação de inseticidas 1) apenas via TS, 2) via TS + pulverização em parte aérea e 3) apenas via pulverização em parte aérea, com diferentes combinações de ingredientes ativos. O tratamento de sementes, com um único ingrediente ativo, apresentou-se ineficaz com perda de plantas semelhante ao tratamento testemunha. Os melhores tratamentos, que mantive-
Figura 7 - Resultados do efeito dos
ram o número de plantas/m e auferiram menor número de plantas atacadas, foram proporcionados com misturas de ingredientes ativos no tratamento de sementes, como bifentrina + imidacloprido, fipronil + imidacloprido, fipronil + tiametoxam, ciantraniliprole + tiametoxam, e estes em associação com a posterior pulverização de inseticidas em parte aérea. Ou seja, a associação de neonicotinoides com algum outro ingrediente ativo apresentou resultados satisfatórios no tratamento de sementes. Nos ensaios de pulverização em parte aérea, onde foram realizadas três aplicações em intervalo de cinco dias após a emergência da soja, pode-se citar que as maiores proteções aos danos de M. armatus foram proporcionadas pelos inseticidas cipermetrina (piretroide) + profenofós (organofosforado) (1L/ha), acefato (organofosforado) (1kg/ha), clorpirifós (organofosforado) (1,5L/ha) e esfenvalerato (piretroide) + fenitrotiona (organo-
Figura 6 - Comportamento de Myochrous armatus em diferentes horas do dia e da noite
fosforado) (0,5L/ha). O inseticida fipronil tem sido considerado como um tratamento “padrão” para o controle do cascudinho-da-soja. Entretanto, foi verificada uma baixa eficiência em algumas populações. Também, sempre houve o uso intenso de piretroides, por serem inseticidas de baixo custo, embora não se tenha verificado controles satisfatórios quando aplicados de forma isolada.
Dessa forma, a melhor proteção contra os danos de M. armatus na soja é resultado da aplicação do conceito de Manejo Integrado de Pragas, desde a identificação correta, o monitoramento, a compreensão do seu comportamento e dos níveis de controle e o uso de difeC rentes formas de controle. Clérison R. Perini, Proteplan
s inseticidas aplicados, de forma isolada e em mistura, via tratamento de sementes e a combinação com pulverização de inseticidas em parte aérea
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Capa
Fotos Augusto C. P. Goulart, Desafios Agro
Ainda desafiadora Identificada desde a década de 1980, no Brasil, a brusone do trigo continua a tirar o sossego dos produtores. Estratégias de manejo integrado são necessárias para minimizar as perdas no rendimento de grãos decorrentes dessa doença
A
brusone do trigo, causada pelo fungo ascomiceto hemibiotrófico Pyricularia oryzae Triticum lineage (PoT, syn Magnaporthe oryzae Triticum, MoT), continua a ser uma séria ameaça à triticultura brasileira, desde o aparecimento nas lavouras de trigo do país até a atualidade. Essa doença foi relatada pela primeira vez em 1985, no Norte do Paraná, sendo posteriormente encontrada nos estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo em 1986 e no Rio Grande do Sul em 1987. Disseminou-se rapidamente para a região do Cerrado do Centro-Oeste do Brasil, chegando a Minas Gerais em 1990, Goiás em 1992 e no Distrito Federal em 1993. O primeiro relato da ocorrência da brusone do trigo fora do Brasil se deu em 1996 na Bolívia, seguido de Paraguai em 2002, Argentina e Uruguai em 2007. Aproximadamente 31 anos após a sua descoberta, essa doença foi encontrada pela primeira vez em Bangladesh (Sul da Ásia) em 2016 e na Zâmbia (África Oriental) em 2017. A capacidade de dispersão do fungo, a curtas distâncias, se dá pelo vento (existem relatos de que os esporos de PoT podem disseminar-se através de correntes de ar a até 1km de distância da fonte) e a longas distâncias pelas sementes. A transmissão de PoT pelas sementes de trigo é eficiente e já está bem definida. Isso permite afirmar que a sua introdução em novas regiões geográficas (outros estados, países e continentes) se deu pela movimentação de sementes 26
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Comparação entre sementes sadias (esquerda) e infectadas (direita) por MoT
infectadas. Outras fontes de inóculo da doença são os hospedeiros secundários e os restos culturais de plantas cultivadas. As condições favoráveis à ocorrência da brusone são precipitação, temperaturas entre 24°C e 28°C, dias nublados, alta umidade relativa do ar e dez horas a 14 horas de molhamento das espigas. Essa doença pode ocorrer em duas fases distintas do ciclo da cultura, ou seja, no período vegetativo e reprodutivo, causando sintomas em toda a parte aérea das plantas. Porém, a infecção da espiga é o sintoma mais comum observado no campo. Quando a infecção ocorre na ráquis, a espiga apresenta branqueamento total ou parcial da parte imediatamente superior à lesão (ponto preto e brilhante no local de penetração do fungo), com esterilidade ou chochamento dos grãos acima do ponto de infecção. A ocorrência de sintomas de brusone nas folhas de trigo é menos frequente. Porém, quando presentes, são caracterizados por
Semente sadia (esquerda), semente deformada por MoT (centro) e esporulação de MoT sobre a semente (direita)
manchas, geralmente elípticas ou arredondadas, com margem marrom-escura e centro acinzentado. A importância econômica dessa doença decorre das reduções que provoca no rendimento e na qualidade dos grãos que, infectados, apresentam-se enrugados, pequenos, deformados e com baixo peso específico. Em consequência, a maioria desses grãos é eliminada no processo de colheita e beneficiamento. Isso explica a baixa incidência de PoT no trigo comercial ou sem sementes. As maiores perdas ocorrem quando a infecção tem início nas fases de florescimento e formação dos grãos. Porém, deve-se ressaltar que em grande número de espigas infectadas ocorre produção de grãos de tamanho bem maior que o normal abaixo do ponto de estrangulamento da ráquis, fruto de maior acúmulo de nutriente nesse local. Dessa forma, a translocação de seiva fica restrita a essa região da espiga, uma vez que a ação do fungo na ráquis impede a sua passagem para a parte superior da espiga, prejudican-
do o desenvolvimento de grãos nessa região. Isso sugere uma compensação de produção por parte da planta. Observa-se, ainda, que as espigas infectadas pela brusone apresentam-se brancas, sobressaindo-se das demais (verdes e sadias), o que determina uma ilusão visual de estimativas de níveis de infecção e de perdas superiores às reais. A brusone do trigo tem severidade e perdas que variam com o ano, com a época de infecção das espigas e, sobretudo, com o genótipo de trigo considerado. No estado de Mato Grosso do Sul, em pesquisas realizadas no período de 1988 a 1992, sob condições naturais de infecção em campo, verificou-se redução de 10% a 53% no rendimento de grãos e de 14,5% a 74% no peso dos grãos produzidos, devido à ocorrência da brusone. Na safra de 2004, a redução no rendimento de grãos variou de 10,5% a 13% e as perdas em peso por espiga foram maiores (63,4%) quando a infecção foi precoce em comparação à infecção tardia (46%).
ESTRATÉGIAS PARA O CONTROLE DA BRUSONE DO TRIGO
A brusone do trigo ainda é uma doença de difícil controle e a dificuldade no manejo é agravada pela falta de resistência durável do hospedeiro e pela baixa eficiência dos fungicidas
Lavouras de trigo com as espigas afetadas por branqueamento total ou parcial por conta da incidência da brusone
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pulverizados na parte aérea das plantas. As principais medidas de controle recomendadas que compõem o manejo integrado desta enfermidade incluem cuidados com a época do plantio, resistência genética, tratamento de sementes com fungicidas, uso de sementes sadias, controle químico e rotação de culturas.
ÉPOCA DE PLANTIO
Com respeito ao zoneamento agrícola de cada região, sugere-se evitar semeaduras precoces, dando preferência a cultivares menos suscetíveis, especialmente em áreas mais sujeitas à ocorrência da doença, e procurar diversificar cultivares para evitar o espigamento na mesma época. Ou seja, ajustar a época de plantio para que a cultivar de trigo escape de condições climáticas favoráveis à ocorrência da brusone (temperatura superior a 22°C e umidade relativa superior a 90%) na fase de espigamento da cultura, reduzindo a possibilidade de infecção do fungo nas espigas, onde os danos são maiores e diretos. Essa situação é mais comum quando são utilizadas as cultivares de ciclo mais longo.
RESISTÊNCIA GENÉTICA
O desenvolvimento de cultivares resistentes à brusone do trigo é extremamente necessário, em virtude da baixa eficiência dos fungicidas recomendados para o seu controle. No Brasil, desde o primeiro relato da doença, ações de pesquisa para gerar cultivares de trigo resistentes à brusone têm sido intensas. Entretanto, até o momento, as cultivares de trigo oferecidas aos produtores brasileiros apresentam apenas um nível razoável de resistência, o que torna o controle da brusone do trigo com base na resistência genética ainda insatisfatório. Os primeiros trabalhos de pesquisa realizados no Brasil na busca de informações sobre o comportamento de cultivares de trigo em relação à brusone descreveram como resistentes apenas as cultivares BRS 229 e Trigo BR18-Terena. Devido aos seus altos níveis de resistência de campo à brusone na espiga, essas cultivares continuam sendo utilizadas em programas de melhoramento de trigo. A cultivar BRS 229 foi recomendada para cultivo de 2004 a 2012, enquanto a cultivar Trigo BR18-Terena ainda permanece indicada para cultivo
Espigas de trigo apresentando sintomas típicos de brusone (branqueamento)
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devido à sua resistência à brusone e à produção de farinha de excelente qualidade industrial. Ano a ano o número de cultivares com informação sobre a reação à brusone vem aumentando, visto a importância da doença. O número de cultivares de trigo com algum nível de resistência também vem crescendo nos últimos anos, como fruto de parcerias entre os setores privado e governamental e grupos internacionais que trabalham com essa enfermidade. Resultados obtidos na rede de ensaios cooperativos para a resistência à brusone da espiga de trigo (Recorbe), safras 2018 e 2019, demonstraram que as cultivares que mais se destacaram em relação à resistência à brusone foram CD 116, ORS 1401, ORS 1403, TBIO Mestre e TBIO Sossego, que na maioria dos ensaios foram classificadas nos grupos estatísticos com menor Incidência de Brusone nas Espigas (IBE) e maiores Rendimento de Grãos (RG; kg/ha) e Peso do Hectolitro de Grãos (PH; kg/hl).
TRATAMENTO DE SEMENTES COM FUNGICIDAS
O uso de sementes tratadas com fungicidas é uma estratégia de controle eficiente para a redução/erradicação do inóculo inicial do patógeno presente na semente, protegendo as plantas jovens na fase inicial do ciclo da cultura, bem como minimizando a sua capacidade de transmissão e sobrevivência nas sementes. Entretanto, a partir daí, teria pouco impacto no controle considerando-se a gama de hospedeiros secundários e esporos leves transportados pelo vento a longa distância. Resultados de pesquisa têm demonstrado que alguns fungicidas têm a capacidade de erradicar o fungo das sementes de trigo infectadas, bloqueando a sua transmissão das sementes para as plântulas, em condições de campo. No Brasil, existem poucos fungicidas comerciais registrados no Mapa (2020) para tratamento de sementes de trigo com o objetivo de controle de PoT. Atualmente, apenas cinco
Fotos Augusto C. P. Goulart, Desafios Agro
Sintomas de brusone nas espigas com lesão escura nas ráquis
formulações estão disponíveis para uso e seus ingredientes ativos são iprodione, fluazinam + tiofanato-metílico, difenoconazole, difenoconazole + metalaxil-M + tiametoxam e carboxim + thiram. Ressalta-se que a lista desses produtos não sofreu grandes mudanças desde o surgimento da doença, em meados da década de 1980.
SEMENTES SADIAS
A transmissão de PoT pelas sementes de trigo já está bem estabelecida. Resultados obtidos no Mato Grosso do Sul, em 1990, revelaram uma taxa de transmissão média de PoT pelas sementes de trigo da ordem de 3:1. Observou-se ainda que essa transmissão variou conforme a incidência do fungo nas sementes, sendo mais eficiente quanto maior o nível de contaminação. Dessa forma, consideram-se as sementes infectadas pelo patógeno como a principal fonte de inóculo primário da brusone do trigo, contribuindo de maneira significativa para a dispersão do fungo a longas distâncias. Os esporos de PoT são capazes de sobreviver e permanecerem viáveis por até dois anos tanto na superfície quanto no interior das sementes de trigo. Mes-
mo sementes aparentemente sadias provenientes de lavouras infectadas podem carregar os esporos do fungo. Consequentemente, o uso de sementes certificadas livres do patógeno deveria ser obrigatório tanto para o mercado interno de sementes quanto para fins de exportação. Entretanto, até o momento, não existe padrão sanitário de tolerância de fungos em sementes, em particular no patossistema sementes de trigo x PoT.
CONTROLE QUÍMICO
A principal medida adotada pelos triticultores no Brasil para tentar controlar a brusone do trigo tem sido o uso de fungicidas aplicados na parte aérea das plantas. Esta prática baseia-se no princípio de que a espiga deve estar protegida preventivamente à infecção do patógeno. Atualmente, a recomendação básica da pesquisa ainda tem sido três pulverizações de fungicidas: a primeira aplicação quando as plantas estão no início do espigamento, complementada por mais duas aplicações, a cada dez dias de intervalo. Importante dizer que a eficiência de fungicidas no controle da brusone do trigo depende da incidência e da severidade da doença, bem como da integração de outras
medidas de controle, principalmente da escolha de cultivares com resistência moderada, e tende a variar de local para local. Vale ressaltar que desde a realização dos primeiros trabalhos de pesquisa de pulverização de fungicidas, logo quando a brusone apareceu no Brasil, até atualmente, o nível de controle praticamente permanece nos mesmos patamares daquela época, ou seja, em torno de 50% na média, podendo variar para mais ou para menos. Resultados de um trabalho científico recentemente publicado (Ascari, J. P.; Barro, J. P.; Santana, F. M.; Padua, J. M. V.; Maciel, J. L. N.; Lau, D.; Torres, G. A. M.; Sbalcheiro, C. C.; Seixas, C. D. S.; Goulart, A. C. P.; Sussel, A. A. B.; Schipanski, C. A.; Chagas, D. F.; Coelho, M. A. O.; Montecelli, T. D. N.; Amaral, D. R.; Custódio, A. A. P.; Moreira, L. S. O.; Utiamada, C. M.; Venâncio, W. S.; Goussain, R. C. S.; Alves, K. S.; Del Ponte, E. M. Sequential post-heading applications for controlling wheat blast: A 9 year summary of fungicide performance in Brazil. Plant Disease, PDIS-06-21-1183-RE Jul. 2021. https://doi.org/10.1094/PDIS-06-211183-RE) corroboram esses dados. Nesse trabalho foi analisada a eficiência do controle químico da bruso-
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ROTAÇÃO DE CULTURAS
A brusone não apresenta características de uma doença com poten-
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cial para ser controlada pela rotação de culturas, devido aos seguintes fatores: o fungo PoT, classificado como hemibiotrófico (patógenos que iniciam a infecção nutrindo-se dos vegetais como patógenos biotróficos, entretanto, ao atingirem a fase de desenvolvimento e colonização, atuam como necrotróficos), apresenta ampla gama de hospedeiros secundários incluindo gramíneas nativas e invasoras, esporos pequenos e leves, transportados pelo vento a longa distância (transporte de até mil metros a partir de um campo infectado) e sobrevive de uma safra a outra em sementes, em plantas vivas e em plantas mortas (palha) na condição de micélio saprófita. A Tabela 1 apresenta, de forma resumida e bastante didática, a eficácia das principais práticas de manejo que podem ser usadas para o controle da brusone do trigo.
dessa doença. A implementação dessas táticas deve ser organizada, levando em conta as condições particulares de cada região afetada. O PoT é um patógeno altamente agressivo e potencialmente devastador em várias zonas agroecológicas do Brasil e do restante do mundo, portanto, torna-se necessário um esforço intensivo para evitar seus danos e limitar sua introdução e disseminação. Nesse contexto, diversos estudos estão sendo desenvolvidos por órgãos de pesquisas governamentais e privados buscando conhecer melhor a biologia do patógeno, sua epidemiologia, melhorar a eficácia do manejo químico, identificando moléculas fungicidas novas e mais eficazes e, o mais importante, acelerar os esforços na área do melhoramento genético para obter variedades de trigo resistentes à doença. Espera-se com a evolução destes trabalhos de pesquisa a obtenção de resultados que permitam um controle mais sustentável e eficiente para a C brusone do trigo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A brusone do trigo, pelas suas características, é uma doença intrigante e desafiadora, ainda de difícil controle, sendo atualmente a principal restrição ao cultivo do trigo nas áreas tropicais e subtropicais dos biomas Cerrado e Mata Atlântica, interferindo de forma negativa na produtividade de grãos e na qualidade das sementes produzidas. Em regiões de ocorrência endêmica desta enfermidade, a adoção de estratégias de manejo integrado é recomendada para minimizar as perdas no rendimento de grãos decorrentes
Augusto César Pereira Goulart, Desafios Agro, Dourados, MS Paulo Roberto Valle da Silva Pereira
ne do trigo por diferentes fungicidas, em 42 experimentos de campo, realizados em diferentes locais do Brasil, durante nove anos (2012 a 2020). Os resultados obtidos mostraram um percentual de controle da doença que variou de 43% a 58%. A eficácia limitada dos tratamentos fungicidas em relação ao controle da brusone do trigo no Brasil deve-se provavelmente a fatores como dificuldade do ingrediente ativo atingir os locais de infecção nas espiguetas/ráquis, a elevada virulência e diversidade genotípica das raças de PoT, condições climáticas altamente favoráveis para o desenvolvimento da brusone associadas a elevados níveis de suscetibilidade varietal, a ineficácia inerente de alguns ingredientes ativos, além da ampla gama de hospedeiros do patógeno. Os resultados, de uma maneira geral, não são consistentes, quando se analisam os estudos realizados em diferentes locais. Existem relatos de elevados níveis de controle (88% a 95%) obtidos em alguns experimentos, sendo que em outros estudos esse controle variou de 48% a 72% ou até mesmo 5% a 25%. Nesse contexto, embora trabalhos de pesquisa tenham demonstrado que os fungicidas podem proporcionar algum nível de controle, outras evidências sugerem que a eficácia limitada impede uma recomendação segura de fungicidas para um controle econômico da brusone. Esses resultados mostram claramente que pouco ou nenhum avanço foi obtido em relação ao controle químico da brusone do trigo. Considerando essas inconsistências observadas na eficácia dos fungicidas testados, sugere-se que investigações adicionais sejam realizadas. Atualmente, segundo dados do Agrofit/ Mapa, 53 marcas comerciais de fungicidas estão registradas no Brasil para o controle da brusone do trigo, pertencente aos grupos dos triazóis, estrobilurinas e ditiocarbamatos.
Tabela 1 - Eficácia das práticas de manejo para brusone em trigo Prática de Manejo Rotação de culturas Resistência genética Sementes sadias Época de semeadura Tratamento de sementes com fungicidas Manejo químico com fungicidas Controle biológico Adubação nitrogenada
Eficácia +/+ + + +/si *
(-): ineficaz; (+/-): pouco eficaz; (+): eficaz; (si): sem informação; (*): pode favorecer a doença. Fonte: LAU, D. et al. Principais doenças do trigo no sul do Brasil: diagnóstico e manejo. Comunicado Técnico, 375, 46p. Dez. 2020. (Embrapa Trigo, Passo Fundo, RS)
Lesão escura na ráquis (brusone) com esporulação do fungo
Tecnologia
Cultivar
Nova agricultura De que forma inovações e tecnologias utilizadas com racionalidade podem auxiliar produtores e técnicos a romper barreiras e a aumentar a produtividade de modo responsável
A
lcançar a máxima produtividade é um objetivo perseguido por gerações. São inúmeras as tecnologias desenvolvidas nos últimos 100 anos, como implementos movidos por tração animal (século 19), máquinas a combustão (anos 1940), agroquímicos sintéticos (anos 1960), Revolução Verde (anos 1970), Plantio Direto (anos 1980), biotecnologia, agricultura de precisão e global positioning system (anos 1990), veículos terrestres autônomos (anos 2000), veículos aéreos não tripulados, sistemas de coleta e gestão de dados e digital farming - agricultura 4.0 (anos 2010), data banking, conectividade, robótica - agricultura 5.0 (anos 2020). A agricultura modificou o perfil das comunidades, dos povos. Em diversas regiões do planeta foi possível produzir alimento porque inovações foram desenvolvidas. No mais recente capítulo desta história, inovações digitais surgem para transformar a agricultura em uma indústria altamente tecnológica, perfeitamente ao alcance de todos, ajustável às 32
diversas circunstâncias. A máxima produtividade não é um valor fixo, universal, mas resultado de cada circunstância, obtido em cada momento, e em cada propriedade. Não basta apenas produzir mais. Tem de haver equilíbrio entre produtividade, rentabilidade e sustentabilidade. As ações gerenciais e operacionais do produtor cedem lugar a ações gerenciais estratégicas. É importante a compreensão da inversão na cadeia de valor. O produtor, embora artífice do processo de produção, terá de se ajustar tanto às demandas do consumidor como dos sistemas verticais de distribuição. No passado, a simplificação do processo produtivo foi imperiosa devido ao ineditismo das tecnologias. A complexidade das interações biológicas expôs a necessidade de ferramentas para sanar os gaps naturais da heterogeneidade dos sistemas agrícolas. A nova agricultura, embasada por ferramentas digitais, tem a grande oportunidade de ousar nos seus objetivos, customizar para aumentar a eficiência e permitir
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que cada produtor atinja a sua máxima produtividade.
DIGIFARMZ, UMA FERRAMENTA DIGITAL PREDITIVA
A DigiFarmz se enquadra na categoria de agricultura de precisão e análise preditiva (Precision agriculture and predictive analysis), ou seja, a partir de dados coletados e utilizando algoritmos de propriedade da DigiFarmz, reproduz os processos biológicos e seu impacto na produção agrícola. Especificamente, a DigiFarmz na atual versão define programas de manejo das doenças nas culturas da soja e trigo com base em informações do ambiente (clima e local), dos locais de semeadura, da severidade das infecções, considerando a pressão de inóculo disponível, características genéticas das cultivares (ciclo, estádios, reação aos patógenos etc.) e performance dos insumos adquiridos pelo produtor. Os algoritmos proprietários da DigiFarmz transformam a complexidade da patogênese em estratégias ideais de
Figura 1 - Cadastro de dados na Plataforma DigiFarmz
controle que resultam na otimização da produtividade. A planta tem um papel central em todo o processo, portanto, o acréscimo em produtividade será resultado do equilíbrio entre reação da planta contra os patógenos, sanidade radicular, proteção foliar, nutrição e hidratação dos tecidos. A definição dos produtos pode ocorrer através de duas modalidades. Em uma delas o processo é manual, em que o produtor seleciona produtos isolados ou misturas a partir do banco de dados da DigiFarmz, enquanto que na outra modalidade, a DigiFarmz apresenta uma relação de produtos em ordem alfabética ou apresenta misturas calculadas através do gerador de misturas. Seja qual for a modalidade escolhida, será repetido para cada uma das aplicações na medida em que os algoritmos da DigiFarmz utilizam as informações sobre o local e as condições climáticas coletadas em tempo real, de acordo com cada latitude e longitude das áreas marcadas, para definir com exatidão as doenças prioritárias a cada aplicação, datas e intervalos entre as aplicações. Algoritmos compensadores de eficácia, ou corretores de distorções por imprevistos climáticos, somam-se aos mais de 40 algoritmos proprietários para fornecer ao produtor/consultor o programa ideal customizado às suas necessidades. Escores de eficiência e sustentabilidade são gerados a partir do balanço entre os dados adicionados, a adoção correta das indicações da plataforma e os resultados obtidos. Essas métricas são particulares e possibilitam demonstrar ao produtor/consultor sua evolução em relação a si próprio e em relação ao conjunto de todos os produtores. Outra métrica é o Índice de Perda Monetizada (IPM), que fornece ao produtor um indicativo financeiro que expressa o nível de correção de cada operação. Isso significa que, no momento da colheita, é possível identificar as operações que porventura tenham comprometido o resultado final. Esta informação é educativa e serve para que correções sejam realizadas. Nesse sentido, o crowdsourcing associado a um conjunto de dados em
Figura 2 - Sugestão dos programas e eficácias na Plataforma DigiFarmz
data lakes e evolutivamente em big data remete-nos a uma nova dimensão da pesquisa, convertendo-se em uma oportunidade única para a identificação de tendências, gaps e oportunidades de melhoria do processo produtivo. Utilizando Machine Learning e Artificial Intelligence é construído um aprendizado da plataforma ao longo das safras, permitindo a autocorreção dos próprios algoritmos, o que confere enorme robustez e acuidade aos dados, tornando-os altamente customizados ao nível de cada local em uma lavoura. O empoderamento do sistema produtivo é a grande marca da nova agricultura, que inclui não apenas o fornecimento de ferramentas atre-
ladas à operação, mas a capacitação dos seus operadores. A DigiFarmz Academy foi criada como um espaço para compartilhar o conhecimento. É fundamental que os avanços obtidos pela ciência, medidos no campo e adotados pelos produtores/consultores, sejam compartilhados com todos. Somente desta forma o crescimento será sustentável. Ambientes produtivos que obedecem a preceitos ambientais, sociais e de governança (ESG), compromissados com a oferta de alimento com qualidade e produzidos sob parâmetros sustentáveis alinhados com a redução de emissão de carbono, são efetivamente a maior justificativa para a utilização das ferramentas digitais. www.revistacultivar.com.br • Julho 2022
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RESULTADOS OBTIDOS
Um dos diferenciais da plataforma DigiFarmz é o posicionamento dos fungicidas em função da interação entre cultivar, local, data de cada aplicação, época de semeadura, doença prioritária, fungicidas, entre outros. O momento ideal, resultado dessa interação, é ajustado a cada estádio da cultivar e a cada estádio da evolução da doença em função da variação diária dos componentes do clima. O resultado obtido é uma melhoria no controle sanitário. A base técnica que sustenta os modelos proprietários da DigiFarmz foi construída ao longo dos últimos 20 anos a partir de experimentos realizados em todo o Brasil e Paraguai. Atualmente, essa base de dados está sendo ampliada através da realização de farm tests em lavouras comerciais e experimentos em estações de pesquisa que validam a contribuição da DigiFarmz para produtores de soja e trigo. Nas safras 19/20, 20/21 e 21/22 os trabalhos de validação foram conduzidos em 33 locais e 32 cultivares testadas em uma ampla faixa geográfica, desde -2ºS (próximo à linha do Equador) até -30ºS, com o objetivo de avaliar o ajuste dos algoritmos às variações particulares dos diversos locais. Na Figura 3, os resultados médios obtidos no Brasil e no Paraguai mostram que o sistema DigiFarmz foi superior ao sistema calendarizado tradicional de aplicação (padrão produtor), proporcionando acréscimo de produtividade em relação ao padrão calendarizado do produtor de +3,85 sacas/ha (+231,5kg/ ha) no Brasil e de +3,14 sacas/ha (+188,9kg/ha) no Paraguai. Foi possível distinguir o impacto devido ao local, tendo sido observada variação de +2,3 sacas/ha no estado do Mato Grosso do Sul até +5,3 sacas/ha no estado do Pará. Assim, um dos objetivos da DigiFarmz, a personalização das estratégias de controle e o impacto resultante na produtividade, está sendo atingido. A plataforma possibilita quantificar o ganho do produtor (sc/ha), dano e perda por dia de atraso, rentabilidade e retorno sobre o investimento realizado. Com base nos dados obtidos nas safras 19/20, 20/21 e 21/22, o ganho médio obtido com a utilização da plataforma DigiFarmz foi de 3,58 sacas/ha. Já o dano por dia de atraso foi de 17,9kg/ha/dia, o que resultaria em uma perda de R$ 44,75. Com isso, o Índice de Perda Monetizada (IPM) foi de R$ 4,48/ha/dia, enquanto a rentabilidade foi de R$ 537,00.
FUTURO
A DigiFarmz é uma startup focada na ampliação das pesquisas e construção de novos modelos, ampliando constante-
Balardin aborda a importância da agricultura de precisão e da análise preditiva
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mente sua base de dados no sentido de gerar cada vez mais precisão, conectando todos os agentes da cadeia produtiva e identificando oportunidades e gaps direcionados a maximizar a eficiência da indústria agrícola. Os dados coletados em campo são interpretados e processados através dos algoritmos proprietários, gerando soluções acessíveis a todos os produtores e técnicos. Investimentos importantes são realizados para consolidá-la como uma plataforma multicultural. Além da soja e do trigo, na safra 23/24 a DigiFarmz irá oferecer aos seus clientes a cultura do milho. Atualmente, a startup trabalha para incorporar aos modelos as áreas da fitossanidade, nutrição da planta, saúde do solo e produtividade para todos os cultivos. O crowdsourcing das informações conduzirá a uma nova dimensão na geração do conhecimento necessário para a nova agricultura. Os dados gerados no próprio sistema de produção darão imenso suporte à ciência advinda dos campos experimentais. As recomendações atingirão um grau de personalização ainda não alcançado. A DigiFarmz é uma solução agnóstica e isenta, que busca empoderar os produtores/agricultores e técnicos/agrônomos. Em constante evolução, a DigiFarmz potencializa e entrega mais precisão nas decisões do campo, mantendo o foco prioritário de ser a solução aliada às principais demandas do sistema produtivo, guiada por preceitos fiéis aos compromissos ambientais, sociais e de governança no sistema de produção agrícola C em qualquer região do mundo. Ricardo Balardin, Instituto Phytus Figura 3 - Resultados médios (sacas/ha) obtidos no Brasil e no Paraguai nas safras 2019/20 e 20/21. Porto Alegre, junho de 2022
Algodão
Status atualizado Por que os ácaros deixaram de ser secundários e precisam ser encarados como potenciais causadores de danos primários à cultura do algodoeiro. Que cuidados e manejos precisam ser adotados diante desta nova realidade
O
produtor de algodão tem enfrentado um complexo de pragas que a cada dia fica mais desafiador. Essas, juntas, se não manejadas podem resultar em baixas produções que não rentabilizam o investimento. Nos últimos anos o cenário para os bons produtores é de lucratividade em função de fatores como clima e preço, além da integração no sistema de produção do Centro-Oeste. Essa região, nos últimos anos, tem apresentado diversas dificuldades no manejo com pragas de alto potencial de danos como bicudo (Anthonomus grandis), tripes (Frankniella schultzei), pulgão (Aphis gossypii) e nestas últimas safras os ácaros. Essas pragas são importantes fatores limitantes da produção, levando a prejuízos significativos para os coto-
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nicultores, se não forem devidamente controladas. Muitas dessas pragas apresentam polifagia (ampla gama de hospedeiros alternativos para seu desenvolvimento), requerendo entender cada vez mais os aspectos biológicos, a fim de melhorar o manejo no sistema de produção. Cada vez mais o técnico e o produtor precisam ter uma visão holística do seu negócio. Na região dos Chapadões (Chapadão do Sul, Costa Rica e Chapadão do Céu), o sistema de produção é intensivo com as culturas de soja, milho, algodoeiro, feijoeiro, cana-de-açúcar, pastagens, entre outras. Essa região do Cerrado brasileiro caracteriza-se pela presença de áreas extensas e altamente mecanizadas. O agroecossistema utilizado apresenta-se favorável à multiplicação de pragas, pois
prevalece um sistema de produção em que a soja é a principal cultura a se estabelecer na grande maioria das áreas, sendo rotacionada ou mesmo utilizada em sucessão com a cultura do algodoeiro ou milho em determinadas regiões e anos. São as chamadas “pontes verdes”, onde as pragas têm condições de se proliferarem praticamente o ano todo. Os ácaros são pragas comuns na cultura do algodoeiro, cujos prejuízos são relatados há vários anos. A cultura, por estar em um sistema de produção intensivo, com maior tempo de exposição no campo, tende a sofrer da dispersão-migração das pragas. Ocorrem após a senescência das culturas antecessoras ou migração, em função da proximidade espacial ou mesmo de plantas daninhas que hora podem ser hospedeiros alternativos ou mesmo plantas associadas
Fotos Germison Tomquelski
(consórcio). Ao analisar o sistema de produção, culturas antes com poucos relatos, como o caso da soja, têm que ser levadas em consideração em função da presença e prejuízos encontrados (Tomquelski e Martins 2007; Guedes et al., 2007; Roggia et al., 2008; Reichert et al., 2014). Entre as espécies de ácaros reportadas atacando o sistema de produção é possível citar Mononychellus planki McGregor, Polyphagotarsonemus latus Banks, Tetranychus urticae Koch (Guedes et al., 2007; Roggia et al., 2008; Reichert et al., 2014). O ácaro rajado (Tetranychus urticae Tetranychidae) habita amplamente a região central do Brasil, sendo um exemplo de praga que vem ganhando destaque no sistema de produção do algodão do Cerrado, atacando folhas (desfolha precoce), onde ocorre do florescimento até o final do desenvolvimento. O número de aplicações cresce pelo Brasil, sendo que algumas regiões apresentam até seis intervenções, a fim de evitar os seus danos. Prejuízos desta espécie podem chegar a 32% da produtividade quando sua ocorrência se dá no estádio do florescimento (Tomquelski, 2014). As fêmeas de T. urticae possuem forma ovalada e apresentam duas manchas verde-escuras no dorso, enquanto os machos exibem abdome com extremidade mais estreita com aproximadamente 0,3mm de comprimento. A oviposição é realizada em fios de teia tecidos pelo ácaro na face inferior das folhas, sendo que os ovos são esféricos e de coloração amarelada. Sua biologia, portanto, sempre foi fator desafiador para o controle químico e tecnologia de aplicação. Eles colonizam a face inferior das folhas e em função do seu ataque a esta face da folha levam ao surgimento de manchas avermelhadas nos locais opostos ao da colônia, que posteriormente tornam-se necróticas, expandindo-se por toda a folha, podendo promover sua queda (Tomquelski, 2014). Dessa forma, quando os sintomas forem facilmente visíveis, a população do ácaro já extrapolou o nível de dano econômico. O tempo quente e seco favorece o desenvolvimento desta espécie. De acordo com Esteves et al. (2010), os ácaros
Planta de algodoeiro com sintomas provocados pelo ataque do ácaro rajado
em geral possuem desenvolvimento em algodoeiro a temperaturas de 25°C e UR: 57,4% com o ciclo podendo ocorrer em nove dias. Outro ácaro comum no algodoeiro é o Polyphagotarsonemus latus Banks (Acari: Tenuipalpidae). Espécie extremamente polífaga, o ácaro branco é encontrado nas brotações e folhas mais novas, responsável pela redução significativa na quantidade e na qualidade da pluma produzida. Seu ataque deixa a face inferior das folhas com aparência brilhante acompanhada de ligeira ondulação, cujas margens se dobram para cima e posteriormente para baixo. O limbo foliar torna-se coriáceo e quebradiço
partindo-se nas áreas entre as nervuras, e os internódios podem se apresentar alongados. As folhas se desenvolvem de forma anormal, mantendo-se pequenas ou deformadas (Tomquelski, 2014). De acordo com Viera et al. (2004), esse ácaro ataca preferencialmente quando a umidade do ar está elevada e a planta se encontra em período de menor estresse hídrico. Diante dessa problemática, suas folhas sintomáticas acabam sendo deficientes na geração de fotossíntese, justo na fase em que a planta está no estádio totalmente vegetativo buscando atingir seu pleno desenvolvimento. Hambleton (1938) fez o primeiro relato do ataque de P. latus no algodoeiro
Presença de adulto e de ovos do ácaro em folha de planta de algodoeiro
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Detalhe de ataque do ácaro branco em planta de algodão
no Brasil. Em estudo sobre a flutuação da população dos ácaros, Chiavegato (1975) concluiu que a densidade populacional do ácaro-branco foi positivamente afetada pelas precipitações. As últimas folhas apicais na cultura do algodoeiro tendem a ser as mais atacadas, tanto da haste principal como dos ramos frutíferos presentes no terço médio das plantas. A dispersão dos ácaros de forma geral ocorre pelo vento ou mesmo entre a folhagem das plantas, por estruturas vegetais infestadas e transportadas de uma área para outra. Na espécie P.latus ainda é comum também a foresia, ou seja, pode ser transportada por algum inseto, no caso mosca-branca (Bemisia tabaci biótipo B). Outra espécie relatada e frequente em algumas lavouras de soja e também algodoeiro é Monynechellus planki (Tetranychidae). Vulgarmente conhecido como ácaro-verde, possui corpo de coloração verde e pernas amareladas. Apresenta áreas de cor verde-escuro ao redor das setas dorsais e a postura é realizada ao longo das nervuras das folhas. Seu ataque na planta é comum no terço médio da cultura, sendo que o mesmo se processa também na cultura da soja. Atualmente em função dos desequilíbrios é observada na cultura do 38
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milho, onde causa prejuízos da ordem de 10%. Essa praga provoca clorose em ambas as faces das folhas, evoluindo para uma coloração acinzentada. A praga ao penetrar o estilete nas células vegetais estoura-as, o líquido celular extravasa, sendo após ingerido pela boca através da bomba faringeana. Em função da oxidação, a folha apresenta o aspecto prateado. Pode surgir em condições de alta ou baixa umidade, e ser comumente confundido com T. urticae, e juntas estas espécies se apresentam com alto potencial de danos à cultura da soja (Tomquelski, 2014), como também em algodoeiro. O Manejo Integrado de Pragas (MIP) caracteriza-se em alterar o agroecossistema o mínimo possível e, a partir disso, o manejo de populações passa por questões muito importantes como a amostragem e o conhecimento da sua biologia. No entanto, essas mudanças no sistema de produção nas culturas de soja, milho e algodoeiro têm levado a alterações de pragas hora secundárias para primárias e consequentemente em função do seu controle o aumento dos ácaros. Em algodoeiro, o aumento de intervenções químicas para pragas como A. grandis e Bemisia tabaci biótipo B, F. schultzei,
além do maior número de aplicações de fungicidas (Barboza et al., 2017) tem proporcionado os aumentos de populações. Na soja, o crescimento do número de aplicações para pragas como percevejos tem levado ao aumento de ácaros. Já na cultura do milho, em função do maior ataque de cigarrinhas (Dalbulus maidis), o número de intervenções na cultura do milho vem crescendo e consequentemente é esperado um aumento de ácaros nessa cultura. Ou seja, a maior população de ácaros, em geral, decorre do aumento do número de aplicações contra outras pragas e doenças, portanto, um efeito colateral, aliado à presença dos indivíduos no ambiente produtivo e ao clima favorável. Como o cultivo do algodão tem maior custo de produção, onde mais de um quarto é gasto em controle de pragas, minimizar aplicações é primordial para garantir lucratividade e o MIP apresenta como base a correta amostragem de pragas, começando por pessoas qualificadas. O entendimento da biologia aliado a uma boa realização do processo de amostragem torna-se fundamental para o sucesso das práticas de manejo.
Ácaros são pragas comuns na cultura do algodoeiro
Fotos Germison Tomquelski
Os ácaros, em função da dispersão pelo vento, tendem a ocorrer em manchas nas lavouras, ou seja - distribuição desuniforme. Detectar o início das infestações é uma grande dificuldade, sendo necessários vários pontos nas lavouras para traçar as estratégias de controle. De modo geral, lentes de bolso (lupas) com aumento de 20-40x auxiliam nessa amostragem. Detectado esse início de infestação e sabendo-se do estádio da praga (adultos – Deuto e Protoninfas – ovos) pode-se optar por um acaricida registrado na cultura. Alguns níveis de infestação em algodoeiro como 3-5% das plantas com a presença de T. urticae são bons indicativos para a tomada de decisão. Ainda dentre esses prejuízos, na cultura da soja índices de dez indivíduos (adultos e ninfas) por folíolo levaram a prejuízos na ordem de 10% na produtividade dessa cultura, comparando-se áreas tratadas e não tratadas. Enquanto na cultura do algodoeiro, níveis de dez ácaros (indivíduos ninfas e adultos) na 3ª folha das plantas, na haste principal, proporcionaram a diminuição da ordem de 9% na produtividade desta cultura (Gráfico 1). O controle biológico é uma das alternativas no controle de ácaros, onde o estudo de ácaros predadores a estas pragas tende a ser uma alternativa interessante. Vale salientar que alguns fungos já utilizados em outras pragas como Beauveria bassiana apresentam supressão de até 50% a esse tipo de praga em determinados cultivos e condições. São importantes para a rotação e integração em programas de manejo. Vale salientar que apesar do químico ser uma estratégia muito eficiente em
determinadas áreas e amplamente utilizada, é uma prática que tem apresentado alguns problemas, em função do uso excessivo de determinados acaricidas. O ácaro rajado é o artrópode-praga que possui um dos maiores números de resistência a compostos (Sparks e Nauen, 2015), dessa forma o manejo e a rotação de defensivos com diferentes modos de ação reduzem a possibilidade de ocorrer a resistência das populações a determinados acaricidas. Entre os acaricidas, diafentiurom, espiromesifeno, abamectina, clorfenapir, propargite e etoxazol apresentam resultados interessantes nas diversas espécies de ácaros incidentes nas culturas as quais são registrados. Os acaricidas fempiroximato e piridabem apresentam-se como opções para futuras associações no manejo. Para qualquer utilização desses acaricidas na cultura do algodoeiro deve ser analisada a condição de uso nas culturas antecessoras que porventura possam levar a algum problema de menor sus-
Folhas de algodoeiro com sintomas do ataque de ácaros
cetibilidade. O emprego do conceito de “janelas de aplicação” (ciclo – exposição acaricida). Um dos grandes exemplos é o caso da utilização de abamectina na cultura da soja, levando a menores eficiências quando aplicado na cultura do algodoeiro em sucessão. Na atualidade, os ácaros precisam ser encarados como potenciais causadores de danos primários à cultura do algodoeiro, necessitando de amostragens corretas, atenção às mudanças no ambiente – exposição. O controle de suas populações precisa ser realizado no início da infestação, evitando maiores prejuízos na produtividade e também na C rentabilidade.
Germison Tomquelski e Mariana Vale, Desafios Agro Maurício Rotundo, CDA/SAA/SP
Detalhe do ataque de ácaro em algodão
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Doenças
Intrusa resistente Como enfrentar a buva Conyza spp., quais equívocos não repetir e o que é possível adotar no manejo dessa planta daninha desafiadora, que causa prejuízos graves e já registra diversos casos de resistência cruzada
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tualmente a vida não está fácil no campo. Se não bastassem os problemas meteorológicos, que envolvem seca ou excesso de chuva, marcantes em diferentes regiões do Brasil na safra 2021-2022, também há questões mercadológicas, que englobam desde aumentos nos preços, até falta de insumos. Além disso tudo existe um retrato assustador, persistente e cada vez mais preocupante, que é o cenário de plantas daninhas interferindo nas lavouras. Observa-se que, as plantas daninhas, em muitos casos, são resistentes a herbi-
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cidas, o que dificulta a resolução do problema a campo. No entanto, cabe aqui salientar que, plantas daninhas estão entre os fatores de produção que, por mais complexos que sejam, ainda estão sob o alcance de controle humano, diferente de clima e mercado. Considerando os desafios oferecidos pelas plantas daninhas, com suas resistências, simples ou múltiplas, se tem o difícil caso da buva (Conyza spp.). Trata-se de uma planta que é um interessante modelo de estudo para estratégias de controle, mas uma péssima intrusa nos agroecossistemas ou lavouras.
No Brasil há três espécies até o momento identificadas: Conyza bonariensis, Conyza canadensis e Conyza sumatrensis, sendo esta última mais prevalente e problemática. Todavia, não é comum e fácil a identificação a campo a nível de espécie. O diagnóstico taxonômico é realizado apenas por especialistas na área, seja por caracteres morfológicos ou molecular, e mesmo assim não é nada fácil. Pois apesar de ser uma planta autógama, ou seja, de natural autofecundação, a buva faz alogamia. E essa alogamia ou fecundação cruzada pode ocorrer entre espécies, ou melhor, interespecífica. Isto
significa que a identificação é mais complicada, mas não só isso, os caracteres, como o de resistência a herbicidas, estão sendo transmitidos amplamente. Condições como a hibridização entre espécies e o aumento de diversidade genética, somadas a alta dispersão, são fatores de propagação desse mal nos sistemas produtivos. Apesar da dispersão ser exclusiva por sementes, essas espécies de buva não deixam por menos! Uma planta de buva, bem desenvolvida, pode chegar a produzir mais de 300 mil sementes, facilmente dispersar a quilômetros de distância pelo vento e podendo ser levadas por máquinas, como as colhedoras. Isto explica em parte a sua distribuição de sul a norte do país. Uma dispersão, que aliada a adaptabilidade das espécies a diferentes condições edafoclimáticas, não facilita em nada a atividade do produtor. Além das características de fácil e grande propagação, cuidados que são deixados de lado, como a limpeza de
Fotos Alfredo Junior Paiola Albrecht
Área de cultivo de milho com alta infestação de buva
colhedoras e demais máquinas e implementos, só favorecem a agrura. Daí já reside umas das primeiras dicas de manejo: prevenir a “dor de cabeça”, ser mais proativos, e menos reativos. Observa-se nesse sentido, que não apenas sementes
de uma plantinha inofensiva migram de sul a norte do país. Não obstante, essas sementes vão com resistências a herbicidas embutidas. É assim que, resistências da buva a glifosato e a outros herbicidas partiram do Rio Grande do Sul e Paraná,
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Fotos Alfredo Albrecht
Os prejuízos que a resistência de buva a herbicidas pode potencializar são enormes
para o Cerrado Brasileiro. A buva, em determinadas regiões do país, como o Oeste Paranaense e Sul do Mato Grosso do Sul, já apresenta resistências múltiplas, a mais de um mecanismo de ação de herbicidas. Por exemplo a buva já é resistente em alta frequência a herbicidas inibidores da EPSPs, inibidores da ALS, inibidores do fotossistema 1 e ao herbicida auxiníco 2,4-D. O que significa isso? Evidencia a existência de populações dessa espécie, que por exemplo, não morrem quando aplicados glifosato, chlorimuron, diquat e 2,4-D. Todos esses herbicidas mencionados, anteriormente eram ferramentas eficazes para o controle. Como se chegou a essa situação? A história é longa, mas não tão antiga, remonta ao tempo de massificação do uso da soja RR. Com as facilidades e benesses da soja RR (tolerante a glifosato, esse herbicida, com alta eficiência de controle, na época, para várias espécies, incluindo a buva) passou-se a utilizá-la de forma abundante e sem critério. Dando origem ao cunhado termo “geração RR”, em que agricultores e agrônomos, em função das facilidades só usavam e recomendavam, o glifosato. Talvez bons tempos para alguns, mas a biologia é dinâmica e não deixou por menos! De tanto usar o mesmo produto, das mesmas formas (repetidas e por vezes em altas doses), ocorreu a denominada pressão de seleção, ou melhor, “matou-se os fracos, e deixou-se os fortes”. Esses ditos “fortes”, são os que naturalmente, por algum motivo (mecanismo de resistência), já eram resistentes em baixa frequência na população de plantas daninhas, mas matando os “fracos”, ficaram só os “fortes”, e os 42
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“fortes” foram cruzando e multiplicando suas mais de 300 mil sementes por planta. Bem tenso esse cenário?! No entanto, infelizmente a história não para por aí! Considerando as falhas de controle com glifosato, o que restou foi partir para outras soluções. Daí surgiu o manejo, envolvendo aplicações sequenciais, para pegar plantas fora do ponto e resistentes a glifosato. Envolvem herbicidas sistêmicos na primeira aplicação (para dar a trava fisiológica) e herbicidas de contato na segunda (para fazer o acabamento). O problema foi que, achando uma alternativa, essa foi novamente e insistentemente utilizada, criando o mesmo efeito de pressão de seleção. E qual foi essa alternativa encontrada e que vem perdendo validade? A aplicação de 2,4-D + glifosato com sequencial de paraquat. Infelizmente, por questões toxicológicas, o paraquat foi banido. Porém, deixou seu “irmão” químico, o diquat, de mesmo mecanismo de ação. O problema é que, plantas resistentes ou sobreviventes a paraquat, não morrem direito com a aplicação de diquat. O que se observa a campo e em trabalhos científicos em condição controlada é que, plantas de buva com alto fator de resistência a paraquat, também ocorre resistência a diquat. Mais um fator para complicar a situação! Alguns poderiam rebater: mas existem outros herbicidas, como glufosinate e saflufenacil, para substituir o diquat em caso de resistência. Ou herbicidas como o triclopyr, halauxifen, dicamba e fluroxypyr, para substituir o 2,4-D em caso de resistência. Bem, isso é um fato, assim como é um fato que o uso de
novos materiais transgênicos como o Enlist e Xtend, vão facilitar o controle de buva, especialmente pensando no uso de glufosinate em pós na soja Enlist e do dicamba em pré-semeadura da soja Xtend. Contudo é preciso lembrar que ao abusar dos herbicidas alternativos e das novas ferramentas, o problema da resistência pode se repetir. O uso insistente, a prática da mesma solução, fazer mais do mesmo, nesse caso, vai “matar os fracos e deixar os fortes”. Já há uma “super buva”, que em algumas regiões morre a poucos herbicidas. É preciso muito cuidado para não criar um monstro! Para não repetir os erros é necessário sair um pouco da zona de conforto e partir por exemplo para uma maior diversificação de mecanismos de ação, usando pré-emergentes. Os pré-emergentes não são fáceis de usar, exigem acurácia técnica e atenção, podem levar a fitointoxicação na lavoura e carryover (injúrias nas próximas culturas), se mal manejados. Conquanto, não há muito para onde correr! É a “volta dos que não foram”, ou seja, recorrer a velhos princípios ativos usados na década de 1990 ou mesmo antes. Mas não sejamos preconceituosos! Esses ativos, agora estão associados, em novas formulações e posicionamentos, como observado em produtos que associam flumioxazin + imazethapyr e sulfentrazone + diuron, ou mesmo formulações mais recentes, como flumioxazin + pyroxasulfone. Todos esses exemplos (entre outros atuais e por vir) são auxiliares no controle da buva, dentro de um contexto de boas práticas agrícolas que envolve a rotação de mecanismos de ação (diminuindo a pressão de seleção). Além de se confi-
gurarem em uma “frente de ataque” acessória, pois invés de trabalhar no pós, trabalham segurando o banco de sementes, podem mesmo dar uma dianteira competitiva à cultura (quando usados no aplique-plante ou plante-aplique). Nesse resgate do uso de produtos com ação pré-emergente, vem a reboque a iniciativa de empregar os herbicidas na lógica de sistema, e não só a partir de aplicações antecipadas de entressafra, envolvendo mesmo os pré, uso de baterias de aplicação (as sequencias), ou opções diversas de pós-emergentes da cultura, seja em soja, milho ou trigo (entre outras). Em especial no sistema soja-milho, o uso de herbicidas a base de triazinas, com a atrazina e a terbutilazina. Esses dois últimos herbicidas mencionados, em dose cheia no milho, têm boa ação em pós-emergência da buva, além de deixar um residual efetivo, que pode segurar os primeiros fluxos de buva no inverno dentro do milho em senescência. Isso é fantástico! E por que é fantástico? Porque é pensar em herbicida no sistema. Porque é alocar um herbicida com duas frentes de ataque (pré e pós). Porque é colocar ativos diferentes no controle de uma mesma espécie (diminuindo a pressão de seleção). Porque é segurar a buva no final do milho, para quando a palhada do milho baixar, não ser supreendido com uma buva de “amarrar burro”, que passou de longe do ponto de controle e deixa as coisas bem mais difíceis na entressafra. É preciso pensar mais em alternativas e em sistema. Mas o manejo da buva não se faz apenas com herbicidas! Isso é óbvio, é o velho e bom manejo integrado de plantas daninhas, mas é importante enfatizar. Nesse escopo, é necessário considerar outras práticas importantes de controle, como o cultural, mecânico e físico, além da erradicação e prevenção (como a limpeza de colhedoras). O controle cultural por meio da formação de palhada é uma das melhores estratégias. Por exemplo, no sistema soja-milho (dominante no Brasil), o uso de consórcio milho + braquiária, ou eventual emprego de braquiária solteira, pode reduzir a infestação esperada de buva na área. Considerando as resistências e a alta infestação dessa
espécie, proveniente do longevo banco de sementes, essa é uma opção mais do que interessante! Os prejuízos que a resistência de buva a herbicidas pode potencializar é enorme, podendo encarecer o manejo em mais de 100%. No entanto, não se pode deixar de fazer o necessário, pois todo cuidado é pouco com essa espécie danosa. É preciso encarar todas as estratégias, com investimentos, como é o caso da aplicação localizada. Porque ignorar o problema, é pior. A matointerferência da buva pode provocar perdas enrmes. Uma longa série de pesquisas conduzidas pelo Supra – UFPR, demonstram que
apenas uma planta de buva, por metro quadrado, na média da área, pode levar a perdas que giram entre 14% e 23%. Em outras palavras, uma planta de buva, por metro quadrado, na média da área, pode levar um quinto do seu rendimento. Isso é muito dinheiro indo para o ralo! Não se pode descuidar, baixar a guarda, deixar para depois, ou fazer mais do mesmo. É necessário fazer a coisa certa, do jeito C certo e na hora certa! Leandro Paiola Albrecht e Alfredo Junior Paiola Albrecht, UFPR Supra Pesquisa
Resultados médios (sumarização) de trabalhos técnicos – Supra Pesquisa - UFPR (2015 a 2022). Obs.: varia em função da quantidade (desejável >3t) e distribuição da palha (cobertura do solo), além do fechamento da cultura e herbicida no sistema
Área experimental do Supra Pesquisa – UFPR em pós-milho, com pesquisa em manejo de entressafra, antecedendo a cultura da soja e que ilustra o desafio da buva no sistema produtivo
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Coluna Agronegócios
Evoluindo do paradigma químico para o biológico
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s avanços na agricultura sempre dependeram da Ciência e do desenvolvimento tecnológico. As soluções baseadas na química foram, em parte, responsáveis por trazer a agricultura mundial ao patamar em que se encontra na atualidade, no que tange aos produtos utilizados para nutrição e proteção contra pragas. Permitiram que só houvesse fome no mundo por falta de renda, nunca por falta de oferta de comida. Porém, em nosso entender, ingressamos em nova era, na qual as soluções químicas tendem a ser substituídas por outras, alicerçadas na biologia. A biotecnologia e a biodiversidade são os fundamentos dessa revolução científica. Usemos um exemplo, que não é único, quiçá sequer o melhor. Para controlar o pulgão do trigo – o qual é responsável por transmitir o vírus do nanismo amarelo da cevada (BYDV) - os agricultores da Europa utilizam inseticidas neonicotinoides, menos agressivos aos animais de sangue quente, mas que têm mostrado impactos preocupantes sobre abelhas e algumas espécies aquáticas. A partir deste ano, existem restrições legais para uso dessa classe de inseticidas na Europa, o que poderia criar sérios problemas para o cultivo de cereais. No Reino Unido, estima-se que 82% da área de trigo está em risco com perdas de rendimento de até 60%, pela incidência de BYDV. Quase 60% das sementes são tratadas com neonicotinoides, para proteção nos primeiros dias após a emergência das plantas. E quase metade da área é pulverizada para controlar o pulgão que transmite o BYDV. A proteção conferida pelos inseticidas é de, aproximadamente, sete dias. Portanto, duas – três aplicações são necessárias, podendo afetar insetos benéficos, como os inimigos naturais de pragas e os polinizadores.
O TEMPO DA CIÊNCIA
Soluções científicas não ocorrem no curto prazo. A história da resistência ao BYDV começa na década de 1970, quando não havia neonicotinoides no mercado. Os cientistas já sabiam das dificuldades que enfrentariam, porque
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não havia indícios de genes de resistência no germoplasma comercial ou nas linhagens utilizadas pelos melhoristas. O trigo moderno se origina de uma hibridação natural entre espécies selvagens de Triticum, que ocorreram há dez mil anos. Os cientistas repetiram o processo em laboratório, introduzindo características desejáveis no trigo, que estão presentes em outras gramíneas silvestres. Cientistas do Inrae na França identificaram na grama Thinopyrum intermedium, um parente longínquo do trigo, a presença do gene Bdv2, o qual confere resistência ao vírus BYDV, introduzindo-o no trigo. Nos anos 1970, cientistas do CSIRO (Austrália) obtiveram duas cultivares de trigo resistentes ao BYDV, batizadas de Manning e Mackellar. O rendimento delas é bom se comparadas às cultivares suscetíveis, quando o ataque de BYDV é muito alto. Com baixa incidência do vírus, elas não são competitivas, porque o rendimento é muito baixo.
A BUSCA DA SOLUÇÃO DEFINITIVA
Esse é um conflito comum no melhoramento de plantas porque, às vezes, junto com o(s) gene(s) desejado(s) são transferidas “por arrasto” outras características, não desejadas. O desafio para os cientistas é descartar as plantas com os genes que causam o baixo rendimento, mas retendo o(s) gene(s) de resistência. Embora possível, a probabilidade é baixa, razão pela qual o processo é trabalhoso, demorado e exige paciência, foco e persistência. Ainda assim, haveria a defasagem de rendimento que precisaria ser compensada, porque, a cada ano, as novas cultivares têm um ganho médio de 0,5%, comparadas com as do ano anterior. O material genético estudado precisava igualar ou superar o avanço médio de 0,5% ao ano, que era obtido com as novas cultivares. Isso adiciona mais alguns anos ao trabalho no desenvolvimento de uma cultivar resistente ao vírus que ao mesmo tempo, fosse altamente produtiva. E, para complicar o enredo, foi nessa fase de obtenção de uma cultivar resistente ao vírus que surgiram os neonicotinoides. Para os produtores agrícolas
aparentava ser a solução perfeita para o controle do BYDV. Felizmente, o melhoramento não parou. Houve o advento de novas ferramentas biotecnológicas, em especial os marcadores moleculares, permitindo verificar se o gene foi transferido para uma planta descendente de um cruzamento (linhagem) por análises laboratoriais, dispensando a observação a campo de cada um dos milhares de descendentes dos cruzamentos. Foi assim que surgiu uma linhagem muito promissora, mais tarde a cultivar RGT Wolverine. Essa linhagem foi comparada com duas linhagens de trigo francesas, com carga genética quase igual entre si, chamadas de isolinhas. A diferença é que uma carregava a mesma resistência a BYDV que a linhagem RGT Wolverine, enquanto a outra era suscetível. Os testes de campo demonstraram que as linhagens resistentes raramente eram atacadas pelo vírus, ao contrário das suscetíveis. A próxima etapa foi comparar quatro linhagens contendo o gene Bdv2 com nove cultivares comerciais. Todas as cultivares comerciais (suscetíveis) foram afetadas pelo BYDV, ao contrário das linhagens resistentes. Mas a produtividade era igual para todas. Nascia a Wolverine, uma solução biológica para substituir a solução química, destinada a resolver o problema do ataque do vírus BYDV, dispensando o uso de inseticidas.
DA QUÍMICA PARA A BIOLOGIA
É um novo mundo que se descortina, com soluções biológicas tão eficientes quanto as químicas, convencionais, buscando oferecer ao agricultor a oportunidade de solucionar seus problemas, com produtos mais amigáveis ao ambiente, sejam germoplasma (transgênico ou não) ou bioinsumos. A Ciência procura sempre responder aos anseios da sociedade, com soluções factíveis e que atendam às demandas das partes C envolvidas. Décio Luiz Gazzoni, O autor é engenheiro-agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Agro Sustentável
Coluna Mercado Agrícola
Agro continua sendo o puxador de dólares para a economia brasileira
O
Brasil está cada dia mais dependente do agronegócio. Com forte presença na oferta mundial de alimentos, o setor é responsável por grande parte das divisas que entram em dólares no mercado brasileiro. Neste primeiro semestre de 2022, a soja e seus derivados, farelo e óleo, trouxeram aproximadamente US$ 33 bilhões, ou
MILHO
A safrinha está no pico da colheita, com potencial entre 85 e 90 milhões de toneladas frente a pouco mais de 60 milhões de toneladas colhidas no ano passado. Com isso, há milho para atender ao mercado interno que terá demanda de uns 40 milhões de toneladas neste segundo semestre. Há grandes volumes para serem exportados e que tendem a formar as cotações internas. O valor base dos indicativos terá como norte os níveis de liquidação nos portos e que mostram posições entre R$ 90,00 e R$ 96,00 a saca, para estas próximas semanas.
SOJA
Os produtores norte-americanos plantaram neste ano a sua maior área de soja, com recorde, pela primeira vez acima do plantio de milho. Com isso há potencial de grande colheita, o que pode ser fator
seja, injetaram perto de R$ 170 bilhões em uma economia que ainda vive os sintomas da pandemia. A exportação de milho deve passar de 35 milhões de toneladas neste ano. O agro deve trazer em 2022 mais de US$ 120 bilhões em divisas para o Brasil e isso ajudará fortemente a combalida economia nacional nestes próximos meses.
de pressão sobre as cotações em Chicago, que tiveram neste primeiro semestre do ano as melhores indicações desde 2012. Mas o ano está sendo excelente para o setor, mesmo após uma das piores secas já vistas no Brasil. Segue com muita soja para ser negociada neste segundo semestre.
FEIJÃO
O feijão da segunda safra foi colhido e entra em dependência da sobra do grão colhido e do feijão da terceira safra (irrigado). Neste ano, grande parte das áreas irrigadas está com milho semente para ser usado na próxima safrinha. Dessa forma, há menor potencial e oferta de feijão para este segundo semestre. Some-se a isso o inverno forte e precoce, que limita as lavouras não irrigadas do Sul e deixa o mercado do feijão Carioca com fôlego para reação a partir de agosto. O feijão Preto também
tem bom potencial, apesar da concorrência do grão da Argentina, que encontra como obstáculo para sua entrada no Brasil o dólar valorizado.
ARROZ
Os produtores de arroz têm conseguido fechar algumas posições de venda na exportação e criar um pouco mais de liquidez. A safra de 10,5 milhões de toneladas está muito perto da demanda, sem indícios de aperto no abastecimento. Assim, a tendência são pequenas correções positivas nos próximos meses, como ocorreu em junho, e alguns volumes sendo exportados para dar suporte interno. Haverá dificuldades para importação devido ao dólar caro e que mostra pouco espaço para baixa, em ano eleitoral. Com isso, os níveis do arroz apresentam leve tendência de correção positiva.
Curtas e boas TRIGO - O mercado do trigo segue no melhor ano da História em relação às cotações. Todos os grandes exportadores mundiais têm problemas nesta safra e terão menos para exportar neste novo ano agrícola. Com isso, há fôlego para os indicativos se manterem na faixa dos US$ 10 por bushel em Chicago e com cotações fortes no mercado brasileiro. EUA - O mercado está de olho na safra que vem evoluindo dentro da normalidade. Com expectativas de colheita entre 125 milhões e 130 milhões de toneladas de soja, frente a 120 milhões de toneladas do ano passado. Em milho, devem colher entre 360 milhões de toneladas e 370 milhões de toneladas frente a 384 milhões de toneladas da safra anterior. Por enquanto, as condições são regulares. CHINA - A China passou por novos lockdowns devido à pandemia de Covid e com isso há lentidão nos negócios. A soja não parece ter sofrido grandes efeitos, porque até
maio houve importações na faixa de 30 milhões de toneladas, dentro da normalidade para o período. O país tende a importar mais de 95 milhões de toneladas neste ano e no próximo são estimados 100 milhões de toneladas. ARGENTINA - Os argentinos continuam com dificuldades com o governo. Até mesmo os subprodutos, que antes tinham taxações menores, agora pagam caro para serem exportados. O farelo de soja e o óleo tinham retenciones de 31% e neste ano passaram a pagar 33%. O setor esperava exportar 28 milhões de toneladas de farelo neste ano e agora estima-se algo abaixo de 25 miC lhões de toneladas. Vlamir Brandalizze Twitter@brandalizzecons www.brandalizzeconsulting.com.br Instagram BrandalizzeConsulting ou Vlamir Brandalizze
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Coluna ANPII
A ANPII e o ensino de FBN Associação se soma às demais entidades de ensino, nas áreas de Agronomia, Biologia e correlatas, para divulgar cada vez mais a fixação biológica de nitrogênio
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urante muitos anos, o ensino da microbiologia do solo merecia nas escolas de Agronomia e de Biologia não mais do que uma a duas aulas, com poucas ilustrações e nenhuma prática. A fixação biológica do nitrogênio (FBN) ocupava algumas poucas menções quando se falava da soja, mas o fato é que os agrônomos terminavam a graduação com uma leve noção do potencial que este fenômeno, a transformação do nitrogênio atmosférico em formas aproveitáveis para a planta, representava em termos práticos e ecológicos para a agricultura. Algumas poucas faculdades, como a Faculdade de Agronomia da UFRGS, a Universidade de Lavras, a Universidade Rural do Rio de Janeiro e algumas poucas outras, apresentavam a matéria com um pouco mais de profundidade, preparando os futuros agrônomos para poderem explorar com mais intensidade o uso de inoculantes nas lavouras brasileiras. Assim, se fazia necessária toda uma política de difusão por parte das empresas para disseminar o conhecimento da FBN entre os agrônomos da assistência técnica, pública e privada, através de palestras, encontros, seminários, folhetos e tudo o mais que pudesse divulgar a importância da utilização dos inoculantes, em especial nas lavouras de soja que começavam a tomar a importância de uma grande cultura. A ANPII, na década de 1990 e posteriormente no início deste século, fez duas rodadas de palestras, ministradas por pesquisadores, nas principais localidades onde a soja tinha grande expansão. Este esforço, em um trabalho conjunto entre produtores de inoculantes, pesquisadores, revendas e cooperativas, trouxe um expressivo 46
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aumento na utilização de inoculantes em diversas áreas do País, sendo um dos marcos que incrementaram o uso desse insumo, tornando hoje o Brasil o país que mais utiliza o nitrogênio via biológica no mundo. Em 2015, a associação montou um curso on-line de FBN, sob uma forma ainda bastante modesta, em power point sem nenhum acompanhamento. Mais tarde, em 2017, este curso foi atualizado tanto em termos técnicos como em recursos visuais e didáticos, com uma plataforma de EAD, permitindo um acompanhamento e a emissão de certificados de conclusão (www.anpii.org.br/cursos). A adesão ao curso foi imediata, com um grande número de alunos. Até o momento, foram emitidos 1.676 certificados de conclusão, com 4.429 alunos matriculados. Com uma média de 1.200 alunos nos dois últimos anos. Sessenta e nove por cento dos alunos são estudantes de graduação
Em 2015, a associação montou um curso online de FBN, sob uma forma ainda bastante modesta, em power point sem nenhum acompanhamento. Mais tarde, em 2017, este curso foi atualizado tanto em termos técnicos como em recursos visuais e didáticos, com uma plataforma de EAD, permitindo um acompanhamento e a emissão de certificados de conclusão (www.anpii.org.br/cursos)
ou de pós-graduação. Um em cada cinco alunos é profissional que atua na área agrícola. Ao final de 2021, o curso contava com 680 avaliações cinco estrelas e apenas quatro com avaliação de quatro estrelas. Esta leitura das avaliações e o número de julgamento positivo da qualidade do curso animaram a diretoria da associação, e o curso está passando por uma atualização na parte técnica, incorporando os novos inoculantes atualmente existentes e a ampliação dos conhecimentos científicos nesta área do conhecimento, bem como a modernização das ferramentas tecnológicas disponíveis para os cursos a distância. Isto vem em consonância com o crescimento deste tipo de ensino no Brasil e no mundo. Os cursos via internet já vinham em um crescimento expressivo, mas a permanência de mais pessoas em casa, por mais tempo, pressionadas pela pandemia, incrementou esta técnica de ensino de forma extraordinária. Segundo dados do Censo Educacional 2020 (MEC), o EAD teve um aumento de 30% (13,5 milhões) em relação a 2019, enquanto os cursos presenciais em todo Ensino Superior avançaram 1,3%. Ao todo, foram oferecidos 19,6 milhões de vagas, 18,7 milhões (95,6%) nas instituições privadas. (Fonte: Newslink). Desta forma, a ANPII se junta a todas as entidades de ensino, nas áreas de Agronomia, Biologia e correlatas, para divulgar cada vez mais esta tecnologia agrícola que, a partir de um fenômeno natural, coloca nas mãos do agricultor brasileiro o produto com o melhor custo/benefício do agroneC gócio. Solon Araujo, Consultor da ANPII