Cultivar Grandes Culturas • Ano XVI • Nº 188 • Janeiro 2015 • ISSN - 1516-358X Editorial
O
Um pilar em meio à tempestade
Brasil viveu um ano difícil. Corrupção, protestos, Copa do Mundo, economia fragilizada, escândalos políticos de toda ordem... Ingredientes que sacudiram o País e deixaram resultados sombrios. Para os produtores brasileiros esse cenário também foi desafiador, afinal, nenhum setor é uma ilha, que não sofra em maior ou menor grau com os efeitos nocivos que atingem a todos, indistintamente. Mas na contramão da economia nacional, de crescimento anêmico e raquítico, o agronegócio continua como pilar de sustentação e ingrediente indispensável no equilíbrio da combalida balança comercial brasileira. Não bastasse a luta diária contra entraves fitossanitários, adversidades do clima e o esforço para manter a competitividade, os produtores brasileiros seguem com suas batalhas árduas contra a carência de infraestrutura de escoamento e armazenagem, políticas inadequadas, o mau “humor” dos mercados... Nem sempre inimigos palpáveis e contra os quais haja prevenção razoável. Em 2014 os EUA colheram uma grande safra, o que, consequentemente, impactou cotações. Contudo, a demanda mundial por alimentos e energia segue aquecida e em pleno crescimento. O agronegócio americano já dá sinais de estar próximo de seu teto produtivo, enquanto o mercado cresce e necessitará
Índice Surtos de falsa-medideira
de mais fornecedores. Cenário em que o Brasil tem enorme potencial para galgar ainda mais terreno como importante exportador agrícola. Chegamos a 2015, com cenário desafiador e grandes potencialidades. O País se prepara, novamente, para uma grande safra e cada vez mais cresce a exigência em organização, racionalidade e capacidade competitiva dos produtores. As atenções se voltam também para o clima e seus extremos, cujos impactos invariavelmente são sentidos nas lavouras. Os desafios fitossanitários continuam e continuarão, sempre, a exigir novas tecnologias, manejo adequado, soluções integradas, racionais e sustentáveis. E estaremos atentos às informações que pulsam nas lavouras e às soluções desenvolvidas pela pesquisa, na busca por qualificar e tornar cada vez mais úteis nossas edições. Com as esperanças renovadas da chegada de um novo ano e com a certeza de que muito trabalho nos aguarda em 2015 é hora de apresentarmos nossa Edição Especial, preparada com os principais artigos publicados ao longo de 2014. Mais uma vez esperamos ter contribuído para difundir informação técnica qualificada, útil e que atenda aos anseios de nossos leitores. Ótima leitura, boas festas e excelente 2015!
Expediente 06
Fundadores: Milton Sousa Guerra e Newton Peter
REDAÇÃO
• Vendas
Sedeli Feijó José Luis Alves
• Editor
Vazio sanitário contra ferrugem-asiática Pragas que atacam as raízes de soja
12 18
Gilvan Dutra Quevedo
Rithieli Barcelos
• Redação
Karine Gobbi Rocheli Wachholz
CIRCULAÇÃO
• Design Gráfico e Diagramação
• Coordenação
• Revisão
• Assinaturas
MARKETING E PUBLICIDADE
• Expedição
Cristiano Ceia
Simone Lopes Natália Rodrigues Clarissa Cardoso
Aline Partzsch de Almeida
Helicoverpa armigera no Sul do Brasil
22
• Coordenação
Edson Krause
Charles Ricardo Echer
Pragas - Como conter o avanço da mosca branca
26
Nematoides que causam prejuízos em milho
29
GRÁFICA: Kunde Indústrias Gráficas Ltda. Grupo Cultivar de Publicações Ltda. CNPJ : 02783227/0001-86 Insc. Est. 093/0309480 Rua Sete de Setembro, 160, sala 702 Pelotas – RS • 96015-300 Diretor Newton Peter
Manejo de Sphenophorus levis em cana
32
www.grupocultivar.com cultivar@grupocultivar.com Assinatura anual (11 edições*): R$ 204,90 (*10 edições mensais + 1 edição conjunta em Dez/Jan)
Presença de Helicoverpa armigera em café Avanço da brusone em arroz
34 36
Números atrasados: R$ 22,00 Assinatura Internacional: US$ 150,00 Euros 130,00 Nossos Telefones: (53) • Geral 3028.2000 • Comercial: • Assinaturas: 3028.2065 3028.2070 3028.2066 • Redação: 3028.2067 3028.2060
Por falta de espaço não publicamos as referências bibliográficas citadas pelos autores dos artigos que integram esta edição. Os interessados podem solicitá-las à redação pelo e-mail: cultivar@grupocultivar.com Os artigos em Cultivar não representam nenhum consenso. Não esperamos que todos os leitores simpatizem ou concordem com o que encontrarem aqui. Muitos irão, fatalmente, discordar. Mas todos os colaboradores serão mantidos. Eles foram selecionados entre os melhores do país em cada área. Acreditamos que podemos fazer mais pelo entendimento dos assuntos quando expomos diferentes opiniões, para que o leitor julgue. Não aceitamos a responsabilidade por conceitos emitidos nos artigos. Aceitamos, apenas, a responsabilidade por ter dado aos autores a oportunidade de divulgar seus conhecimentos e expressar suas opiniões.
Soja
Manejo avançado Surtos de falsas-medideiras têm sido registrados em lavouras de todo o Brasil. A explosão populacional do inseto tem origem em um conjunto de fatores, que incluem o uso indiscriminado e calendarizado de inseticidas. A adoção de diferentes táticas integradas, de modo amplo, que não se restrinja somente à rotação de princípios ativos é a alternativa sustentável para o controle desse complexo de lagartas
A
presença de populações elevadas de falsas-medideiras tem sido motivo de preocupação em muitas áreas cultivadas no Brasil. A diversidade de espécies, a amplitude geográfica dos grandes cultivos, os longos e quentes veranicos, as aplicações calendarizadas e indiscriminadas, o crescimento dos cultivos denominados “segunda safra” ou safrinha no Brasil e ainda as dificuldades inerentes ao estudo e controle deste grupo de pragas têm sido os principais motivos para que ocorram explosões populacionais desta praga cada vez mais frequente nos cultivos agrícolas do País. Estas falsas-medideiras são velhas
06
conhecidas dos produtores brasileiros, pois, apesar de terem sido caracterizadas no passado como pragas secundárias, a presença destas espécies de lagartas tem se tornado cada vez mais constante nas lavouras do País, principalmente de soja e algodão. E, nos últimos anos, passaram a preocupar os produtores brasileiros, pois trocaram o “status” de praga secundária para praga-chave de cultivos como a soja e uma das causas é a abundância de alimentos o ano inteiro. O aumento desta praga pode estar ligado, também, conforme muitos afirmam, ao uso de fungicidas nas lavouras de soja, pois além de controlar fungos
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
causadores de doenças nas plantas, esses produtos podem estar eliminando os fungos entomopatogênicos, que cumprem papel importante no controle biológico natural de muitas lagartas, uma vez que a constatação de doenças fúngicas nos insetos se tornou uma raridade nos monitoramentos de culturas como a soja. Um exemplo bastante comum é o fungo Nomuraea rilyei responsável pela doença branca nas lagartas. Sua constatação nas lavouras de soja e algodão tem se tornado cada vez menos frequente. Enfim, culpa ou não das aplicações de fungicidas, o problema com as falsas-medideiras se estabeleceu de forma bastante drástica
Fotos Cecília Czepack
Lagarta falsa-medideira morta por vírus, demonstrando a importância da preservação do controle natural
nos cultivos e o que é pior, os produtores utilizam apenas os químicos no controle deste complexo de “plusias”, dos quais fazem parte a Chrysodeixis includens, a Rachiplusia nu e a Tricloplusia ni. A espécie mais frequente dentro deste grupo de falsas-medideiras é a C. includens, (Lepidoptera: Noctuidae) anteriormente chamada de Pseudoplusia includens.
Presença da praga parasitada sob folha de soja
As formas adultas são mariposas com asas de 35mm de envergadura, sendo que em repouso estas asas ficam dispostas em forma de telhado. O primeiro par de asas apresenta coloração marrom com brilho cúpreo, além de duas manchas distintas de cor prateada-brilhante na parte central de cada asa. O segundo par de asas possui coloração marrom-clara e bordos escuros.
Além disso, possuem tufos de pelos próximos à cápsula cefálica. A lagarta apresenta coloração verdeclara com uma série de linhas brancas, longitudinais, distribuídas sobre o dorso, sem microespinhos laterais no tegumento e nos estágios finais de desenvolvimento a região posterior do abdômen pode se apresentar volumosa, podendo alguns es-
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
07
Diferenças entre as espécies desfolhadoras mais comuns em cultivos de soja
Coloração e Morfologia
Tipo de desfolha
Chrysodeixis includens Lagartas Verdes com uma série de linhas brancas longitudinais, sem microespinhos no tegumento e a presença de dois pares de pernas abdominais, além de um anal podendo chegar até 45 mm de comprimento no seu último estágio larval Mariposas O primeiro par de asas apresenta coloração marrom com brilho cúpreo além de duas manchas distintas de cor prateada brilhante na parte central. O segundo par de asas possui coloração marrom clara e bordos escuros. Em repouso as asas ficam dispostas em forma de telhado, podendo chegar até 35 mm de envergadura. Pupas Amarelo-pálidas a verdes claras e localizadas em um casulo construído com folha e fios de seda Ovos Aproximadamente 0,5 mm de diâmetro colocados, geralmente no verso das folhas e de cor creme-clara e próximos a eclosão marrom-clara Inicialmente raspam a folha e depois passam a devorá-las, porém não consomem as nervuras, deixando um aspecto rendilhado, principalmente no terço médio inferior das plantas. Pode consumir até 200 cm² de área foliar durante seu desenvolvimento
pécimes exibir pontos pretos nas laterais. A lagarta pode ser chamada de “medideira”, “mede-palmo” ou “falsa-medideira”. Essa denominação se dá devido ao fato de apresentar apenas três pares de pernas abdominais, o que a obriga a caminhar
Rachiplusia nu Verdes com uma série de linhas brancas longitudinais, com microespinhos no tegumento e a presença de dois pares de pernas abdominais, além de um anal podendo chegar até 40 mm de comprimento no seu último estágio larval A cor predominante é o marrom, as asas anteriores apresentam pequeno desenho prateado semelhante à letra “y” e as asas posteriores são amarelo-escuras. Em repouso as asas ficam dispostas em forma de telhado, podendo chegar até 30 mm de envergadura. Marrom-escura a preta localizadas em um casulo construído com folha e fios de seda Aproximadamente 0,5 mm de diâmetro colocados, geralmente no verso das folhas e de cor branco amarelada
Anticarsia gemmatalis Coloração variável de verde, pardo-avermelhada e até preta, com cinco listras brancas longitudinais sobre o dorso e a presença de quatro pares de pernas abdominais, além de um anal, podendo chegar até 30 mm de comprimento no seu último estágio larval Pardo-acinzentada, sendo sua coloração geral variar entre cinza, marrom, bege ou azul claro. Em repouso, as asas anteriores cobrem o corpo tendo sempre presente uma linha transversal unindo as pontas do primeiro par de asas, podendo chegar até 35 mm de envergadura Marrom escura localizada em uma câmara pupal sob folhas secas na superfície do solo ou até cinco cm de profundidade Aproximadamente 0,6 mm de diâmetro colocados, geralmente no verso das folhas e de cor esbranquiçada a verde-claros e próximos a eclosão marrom avermelhados Inicialmente raspam a folha e depois passam a devorá-las, porém Inicialmente raspam a folha e depois passam a devorar o não consomem as nervuras, deixando um aspecto rendilhado, limbo foliar, principalmente do terço médio superior das principalmente no terço médio inferior das plantas. Pode consu- plantas. Pode consumir até 150 cm² de área foliar durante mir até 200 cm² de área foliar durante seu desenvolvimento seu desenvolvimento
medindo palmo durante todo seu desenvolvimento. Na fase inicial pode ser confundida com a lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis) que também caminha medindo palmo, porém, somente nos primeiros
Presença da lagarta falsa-medideira em ataque a vagens de soja
08
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
estágios. Esta semelhança na fase inicial das duas lagartas levou muitos técnicos a recomendações equivocadas de controle, visto que as doses dos inseticidas utilizados para a lagarta da soja são muitas vezes a metade das doses recomendadas para as falsas-medideiras. As pupas são verdes-brilhantes e se localizam geralmente em invólucros construídos pelas lagartas com folhas de soja e fios de seda que produzem antes de empupar. O ciclo de ovo a adulto pode variar de 23 a 46 dias em média (ovos: de três a cinco dias; lagartas: de 13 a 23 dias; pupas: de 7 a 15 dias e longevidade dos adultos: 15 dias), podendo apresentar até três gerações por safra e cada fêmea pode colocar até 600 ovos, normalmente, de forma isolada e no verso dos folíolos. As lagartas, geralmente, passam por seis instares e a avidez por folhas aumenta conforme o seu desenvolvimento, portanto, lagartas nos primeiros estágios ocasionam, com o seu ataque, pequenas manchas semitransparentes, consequência da eliminação do parênquima foliar sendo observadas, principalmente no terço médio inferior das plantas. À medida que as lagartas vão se tornando maiores passam a devorar os tecidos das folhas, dos quais só deixam as nervuras proporcionando um aspecto rendilhado bem característico de ataque da praga. Além dos folíolos, pode atacar flores e vagens, sendo um comportamento cada vez mais frequente nas lavouras de soja. No Brasil, a C. includens pode ser encontrada de Norte a Sul do país, porém, sua ocorrência tem se tornado comum e cada vez maior nas lavouras onde se cultiva a soja, como, por exemplo, o Centro-Oeste, apresentando grande adaptabilidade mes-
Fotos Cecília Czepack
Adultos da praga saem em revoada ao anoitecer
mo em regiões com altas temperaturas. O fato é que segundo estudos recentes, a mudança na distribuição de muitas espécies, incluindo alguns insetos, foi induzida por um modesto aumento da temperatura menor que 1°C e isso é, com certeza, um alerta sobre os efeitos dramáticos do “aquecimento global” contínuo ao longo dos próximos séculos. As falsas-medideiras possuem ampla lista de plantas hospedeiras, pois são registradas em torno de 70 plantas entre silvestres e cultivadas, com capacidade para manter populações de C. includens, e além da soja e o algodão, são hospedeiros da praga o feijão, o repolho, o quiabo, a batata-doce, o fumo, o girassol, a alface, a couve-flor, o gergelim e nos últimos anos, principalmente no estado de Goiás, sua presença em cultivos de tomate tem sido cada vez maior. Sabe-se que, entre os insetos-praga presentes em cultivos de soja, as lagartas desfolhadoras têm papel-chave, pois a maior parte dos problemas enfrentados pelos produtores é ocasionada exatamente por estas pragas e as falsas-medideiras, atualmente, são as grandes vilãs. E um dos fatores para este aumento populacional de falsas-medideiras é o uso inapropriado ou prolongado de agroquímicos não seletivos e de largo espectro, que eliminam não só a praga, mas também os inimigos naturais. Portanto, o manejo integrado pode ser um caminho para o equilíbrio entre as espécies que causam danos e seus inimigos naturais. Em se tratando de Manejo Integrado de Pragas (MIP), sua implementação requer informações básicas sobre a biologia, a fisiologia e a ecologia da praga em questão e de seus inimigos naturais. Além disso, o conhecimento da fenologia da cultura na região, das condições climáticas, dos níveis populacionais da praga que a cultura ou cultivar podem tolerar, sem que haja queda na produtividade, são indispensáveis para a
Falsa-medideira em fase de pupa
obtenção de resultados positivos no manejo integrado destas lagartas. Compreende-se que, na grande maioria dos sistemas produtivos brasileiros, a sucessão de culturas é uma tradição e, portanto, dificilmente os produtores deixarão de plantar enquanto a possibilidade de produzir existir. Porém, cultivos escalonados e/ou sucessivos, sem um período de descanso para a área, permitem o aumento da quantidade destes fitófagos, tornando as lavouras grandes mantenedoras de pragas, inclusive das desfolhadoras como as falsas-medideiras. Assim, se pelo menos os produtores adotassem como medida preventiva a destruição de tigueras, soqueiras e plantas daninhas hospedeiras, já dificultariam a perpetuação destas espécies no campo. Além disso, as boas práticas agrícolas como, por exemplo, preparo de solo adequado, adubação equilibrada, uso de cultivares adaptadas à região, aliadas
a condições climáticas favoráveis, podem ajudar na recuperação da área foliar após um ataque de desfolhadoras. O primeiro passo para o estabelecimento do manejo deste complexo de plusias nas lavouras de soja é o monitoramento e, neste caso, é possível adotar duas frentes de observação. A primeira seria a instalação de armadilhas com o feromônio da praga, tecnologia disponível já há algum tempo no Brasil, mas pouco utilizada pelos produtores. Outra é o método da batida de pano, com monitoramentos semanais. No manejo integrado, as amostragens são imprescindíveis para o conhecimento real da população de pragas na área e determinarão o momento mais adequado para adoção de qualquer tática de controle. O controle biológico natural também deve ser levado em consideração para esta praga e, neste caso, vale lembrar que o uso de inseticidas seletivos e a manutenção de
Adultos da praga são um dos alvos importantes quando se objetiva um controle mais eficiente e duradouro
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
09
Cecília Czepack
Folhas de soja com rendilhamento severo provocado por falsa-medideira
áreas de refúgio podem facilitar a sobrevivência dos inúmeros inimigos naturais presentes e em ação nas lavouras de soja, como, por exemplo, os predadores (percevejos, carabídeos, aranhas, tesourinhas, joaninhas, entre outros), os parasitoides (como a espécie Copidosoma truncatellum, parasitoide comum em lagartas medideiras, e o Trichogramma spp., parasitoides de ovos) e as doenças (entre elas os fungos como o N. rileyi e os vírus responsáveis, diga-se de passagem, por inúmeras epizootias nas lavouras de soja deste ano em Goiás). Assim, é muito importante que os produtores conheçam e reconheçam no campo o papel destes grandes aliados das culturas, pois sua constatação e quantificação podem determinar um nível de não ação, que significa deixar que a própria natureza, através dos inimigos naturais, faça o seu papel controlando as pragas, com pouca ou quase nula intervenção humana. Fazer esta opção parece um tanto questionável para muitos, mas é preciso entender que sob condições normais de cultivo, muitas vezes, um desfolhamento pode não representar perdas significativas de produtividade e acaba por beneficiar o estabelecimento dos agentes naturais de controle sempre presentes nas lavouras de soja. Além disso, dá chances para que a própria cultivar expresse todo seu potencial de recuperação ao ataque de desfolhadoras como as medideiras. Entretanto, essa é uma questão ainda longe de ser aceita, ainda mais na atual realidade em que se encontram os cultivos de soja no Brasil.
10
Quanto ao controle químico, a primeira atitude a ser tomada é evitar a calendarização e a adoção de aplicações caronas ou preventivas, pois esse complexo de plusias não tem dia e nem hora predeterminados para surgir nas lavouras e aplicações desnecessárias ou indiscriminadas podem agravar a situação desta e de outras pragas nas áreas cultivadas. As infestações de falsas-medideiras são mais frequentes na fase reprodutiva da soja, dificultando em muitos casos o controle, visto que estas lagartas não se encontram tão expostas como a lagarta da soja (A. gemmatalis). Porém, isso não é regra e a tomada de decisão deve ser baseada unicamente, a partir do monitoramento. E, ao contrário do que vem sendo adotado nas últimas safras, o inseticida químico deve ser utilizado com o intuito de alterar a população de desfolhadoras para níveis aceitáveis, sem que haja impacto ambiental e com retorno econômico ajustado ao investimento. Entre as classes utilizadas para controle de falsas-medideiras, estão presentes as diamidas, os reguladores de crescimento, os fosforados, os carbamatos, os biológicos e o naturalyte. Porém, é importante salientar que não somente a molécula, mas a dose, o percentual de controle, o residual, a seletividade a inimigos naturais e, por fim, as condições climáticas devem ser levados em consideração no momento da escolha e aplicação do produto. Vale ressaltar também que o controle não pode ser direcionado apenas para a fase larval da praga, pois os adultos, as pupas
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
e os ovos podem ser alvos interessantes quando se objetiva um controle mais eficiente e duradouro e, para isso, a adoção de iscas atrativas no controle de adultos ou mesmo liberações de parasitoides de ovos podem ser alternativas bastante viáveis e precisam ser mais exploradas pelos produtores e técnicos da área. Outra estratégia a ser empregada no Manejo Integrado de Pragas (MIP) é a tecnologia de plantas geneticamente modificadas (transgênicas), que são tolerantes a lagartas devido à inserção de genes isolados a partir da bactéria entomopatogênica Bacillus thuringiensis (Bt). A inclusão destes genes de Bt em plantas permite a produção de proteínas que possuem ação inseticida e com isso passam a proteger as plantas contra o ataque de determinadas pragas desfolhadoras, entre elas as falsas-medideiras. Entretanto, a adoção desta tecnologia exige certos cuidados, que incluem o estabelecimento de áreas de refúgio, que consiste no cultivo de plantas convencionais próximo às áreas Bts. O refúgio produz indivíduos suscetíveis que podem acasalar com os indivíduos resistentes presentes na cultura Bt, aumentando, dessa forma, sua eficiência e retardando a evolução da resistência das pragas-alvo da tecnologia. Apesar das vantagens econômicas e ambientais do MIP a adoção das diferentes táticas de forma integrada, segundo estudiosos, é lenta e o que é chamado de MIP por muitos, na verdade, não passa de “manejo integrado de inseticidas”, ou o chamado MIP de primeiro nível, que consiste em consultores de pragas monitorando as plantações para determinar quando aplicar inseticidas. Os motivos para a falta de adoção de um MIP avançado, que leva em consideração não somente o emprego de diferentes táticas de controle, mas também os custos e benefícios sociais, são conhecidos e inclui-se neles a ausência de dados sobre a ecologia das pragas e seus inimigos naturais, a necessidade de pesquisas interdisciplinares, a praticidade que o controle químico oferece diante das demais táticas de controle e, por fim, a falta de treinamentos adequados tanto para agricultores como também para técnicos e consultores. Enfim, muitos precisam entender que são inúmeras as formas de se manejar insetos-praga nos cultivos agrícolas atuais, porém, nenhuma delas, se utilizada de forma isolada, poderá se manter eficiente C ao longo do tempo. Cecilia Czepak e Karina Cordeiro Albernaz, Universidade Federal de Goiás
Soja Fotos Wanderley Dias Guerra
Risco incessante
Pesadelo dos produtores de soja, a ferrugem-asiática é causada pelo fungo biotrófico Phakopsora pachyrhizi que demanda hospedeiro vivo para sobreviver. Neste contexto o vazio sanitário tem enorme importância na busca por retardar a incidência da doença na safra. A presença de plantas tigueras, às margens de rodovias, em campo e até mesmo dentro de cidades, como tem sido constatado em Mato Grosso, torna ainda mais desafiador o manejo
A
introdução da ferrugemasiática da soja, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, no Brasil em 2001, teve como consequência alterações no sistema produtivo da cultura. Uma das mudanças foi a adoção do vazio sanitário, período sem plantas de soja no campo durante a entressafra, que varia de 60 a 90 dias, onde a regra é a proibição da semeadura de soja e a eliminação de plantas de soja voluntárias (guaxas) que germinam a
12
partir de grãos perdidos na colheita. As semeaduras autorizadas nesse período constituem-se exceções e devem ser monitoradas durante todo o ciclo da cultura, realizando aplicações periódicas de fungicidas para evitar a ocorrência da ferrugem. O fungo P. pachyrhizi é um patógeno biotrófico, que necessita de hospedeiro vivo para sobreviver e se multiplicar. Antes da implantação do vazio sanitário, as semeaduras de soja durante o inverno permitiam a
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
sobrevivência do fungo (ponte verde) fazendo com que a doença ocorresse no início do desenvolvimento da cultura na safra. O principal objetivo do vazio sanitário é reduzir a quantidade de esporos do fungo durante a entressafra e, assim, retardar a ocorrência da doença na safra. O vazio sanitário foi adotado pela primeira vez em 2005, no Mato Grosso, por meio de uma Recomendação Técnica Conjunta e, em 2006, regulamentado
Alta infestação em área de safrinha de soja em Campo Novo do Parecis (esquerda) e coleta e avaliação de plantas guaxas em Mato Grosso
por Instruções Normativas e Portarias nos Estados de Mato Grosso, de Goiás e do Tocantins. Atualmente, é adotado em 12 estados, no Distrito Federal e no Paraguai (Figura 1). As particularidades da medida para cada Estado podem ser consultadas nas Instruções Normativas, Portarias e Resoluções disponíveis no site do Consórcio Antiferrugem (www. consorcioantiferrugem.net). Os produtores que não cumprirem as Instruções Normativas estão sujeitos a notificações e multas. A necessidade da adoção do vazio sanitário em alguns estados ocorre uma vez que, na maioria das regiões produtoras de soja no Brasil, não haja estresse de temperatura e de umidade para a sobrevivência do fungo P. pachyrhizi durante todo o ano e, se houver plantas de soja no campo, o fungo
pode se multiplicar continuamente. O estabelecimento do período mínimo do vazio foi baseado em dados de pesquisa da sobrevivência de esporos do fungo em folhas destacadas. O controle da soja voluntária deve ser iniciado com a maximização do processo de colheita, pois quanto menor for a perda de grãos, menor será o potencial de instalação dessas plantas voluntárias. Mesmo com uma eficiente colheita ocorrem perdas de grãos, que podem não germinar na mesma época e não se desenvolver de maneira uniforme, resultando em populações de plantas de diferentes tamanhos e vigor, o que interfere diretamente no controle, pois quanto mais desenvolvida a soja voluntária, maior será a dificuldade de controle, principalmente com o uso de herbicidas. Os principais produtos para
essa finalidade são o paraquat, o paraquat + diuron e o glufosinato de amônio, que possuem ação total, e o 2,4-D, o diquat, a atrazina e o metsulfuron, que são específicos para dicotiledôneas. Outra opção é o controle mecânico, através de capina ou roçada. No entanto, apesar do esforço dos produtores, tem sido observada a sobrevivência de muitas plantas de soja voluntárias no meio de lavouras, especialmente de milheto, girassol e crotalária, que continuam servindo como ponte verde para o fungo. Apesar da grande efetividade do vazio sanitário, diversos problemas interferem na sua eficiência. No estado do Mato Grosso, por exemplo, a produção de soja é praticamente toda escoada via terrestre até a região Sul, Rondonópolis e Alto Taquari, onde é embarcada em
Detalhe de folhas guaxas tomadas pela ferrugem
Folhas recolhidas para análise do fungo Phakopsora pachyrhizi
Funcionários de prefeituras auxiliam na erradicação de plantas voluntárias que nascem até em áreas urbanas
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
13
Fotos Wanderley Dias Guerra
Figura 1 - Períodos de vazio sanitário para a entressafra de 2014
Plantas tomadas de ferrugem em Campo Verde, no Mato Grosso
vagões. Nesse trajeto é comum a perda de grãos ao longo das rodovias, ocorrendo a emergência de plantas voluntárias às margens das estradas que servem não só como hospedeiras do fungo P. pachyrhizi, mas também de outras pragas. As cidades das regiões produtoras cortadas por rodovias de intenso fluxo têm seus canteiros transformados em verdadeiras lavouras de soja voluntária. Esforços têm sido feitos no sentido de conscientizar a administração dos municípios e as mantenedoras das rodovias a fazer a erradicação dessas plantas. Em 2014, no mês de julho, as chuvas que ocorreram em várias regiões favoreceram a emergência de plantas voluntárias e a sobrevivência de P. pachyrhizi. No Mato Grosso, a Superintendência Federal de Agricultura (SFA/MT), com parceria da Aprosoja e da UFMT, tem constatado a presença frequente de plantas de soja infectadas pelo fungo nas margens de rodovias e nos canteiros dentro de cidades. Além dos problemas para a eliminação da soja voluntária também há
outras limitações conhecidas. Embora o Brasil adote essa medida, o inóculo do fungo pode ser mantido em países vizinhos como o Paraguai e a Bolívia. Os esporos de P. pachyrhizi são facilmente disseminados pelo vento e as lavouras dos países vizinhos representam uma fonte de inóculo para as brasileiras. A partir de 2011, o Paraguai passou a adotar o vazio sanitário de 1º de junho a 30 de agosto. Outra limitação é que P. pachyrhizi possui mais de 60 espécies de plantas hospedeiras em 52 gêneros pertencentes à família Fabaceae (leguminosas), embora a principal seja a soja. Apesar dessas limitações o vazio sanitário mostrou-se efetivo e deve ser
Urédia da ferrugem esporulando, comprovado em laboratório que fungo está viável
14
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
realizado com o máximo de rigor, eliminando as plantas voluntárias desde o início. A ampliação do período do vazio sanitário em alguns estados foi discutida na reunião do Consórcio Antiferrugem, realizada em 30 de julho de 2014. A principal razão para a ampliação é tentar reduzir o número de aplicações de fungicidas durante a safra. O extenso período de semeadura e a possibilidade de semear soja após soja (safrinha) favorecem a disseminação dos esporos do fungo que se multiplicam nas primeiras semeaduras para as semeaduras tardias, havendo a necessidade de antecipar as aplicações de fungicida, reduzir o in-
Guerra mostra plantas voluntárias de soja colhidas em área de milheto
Plantas voluntárias em área urbana, próxima de armazéns
Ferrugem em Nova Mutum, Mato Grosso
tervalo entre aplicações e aumentar o número de pulverizações nas lavouras. A consequência do excesso de aplicações é a alta pressão de seleção para resistência dos fungos aos fungicidas. Os fungicidas utilizados no controle da ferrugem pertencem a três grupos químicos, os Inibidores da Desmetilação (DMI - “triazóis e triazolinthiona”), os Inibidores de Quinona Oxidase (QoI – “estrobilurinas”) e, a partir de 2013, as moléculas Inibidoras da Succinato Desidrogenase (SDHI – “carboxamidas”). Esses fungicidas são sítio-específicos e possuem risco de resistência. Populações de P. pachyrhizi menos sensíveis aos DMIs foram observadas nas lavouras a partir de 2007. A partir de 2008, somente misturas de DMI e QoI têm sido recomendadas para o controle da ferrugem. Apesar do baixo risco de resistência completa de P. pachyrhizi aos fungicidas QoI, esses produtos possuem baixa eficiência de controle quando utilizados sozinhos, sendo recomendados somente em misturas a partir de 2004. Os resultados dos ensaios em rede da safra 2013/14 mostraram uma queda significativa de eficiência dos QoI e de várias misturas de DMI e QoI em semeaduras tardias. Fungicidas SDHI apresentam risco de resistência médio a alto. Na conjuntura atual, com o grande número de aplicações realizadas na safra, haverá grande pressão para resistência a esse grupo, apesar de estarem sendo comercializados somente em misturas com fungicidas QoI. A mistura como estra-
tégia antirresistência só é efetiva quando os princípios ativos usados de forma isolada têm eficiência para o controle da doença. Essa situação não ocorre para a maioria das misturas comercializadas atualmente. O vazio sanitário, como medida isolada, não resolve o problema da ferrugem, mas já demonstrou ser efetivo na redução do inóculo nas primeiras semeaduras, resultando em menor número
de aplicações de fungicida e reduzindo o custo de produção. A ampliação desse período em algumas regiões pode contribuir para reduzir ainda mais o número de pulverizações, diminuindo a pressão de seleção para resistência aos novos fungicidas. Os fungicidas representam a principal ferramenta para o controle da ferrugem durante a safra e a redução da eficiência que vem sendo observada nos ensaios, em curto espaço de tempo, é preocupante. O desenvolvimento e o registro de novos princípios ativos no Brasil são um processo longo e se medidas não forem tomadas para reduzir a pressão de seleção para resistência, essa ferramenta pode deixar de funcionar, inviabilizando o controle da ferrugem. O produtor cada vez mais precisa se conscientizar que para as novas tecnologias terem longevidade, sejam elas novos produtos, novos transgênicos ou novas cultivares com resistência, seu uso deve ser feito de forma cautelosa seguindo as recomendações preconizadas pela pesquisa. C Claudia V. Godoy, Claudine D. S. Seixas, Maurício C. Meyer e Fernando S. Adegas, Embrapa Soja Wanderlei Dias Guerra, SFA/MT
Guaxas nascem à beira de rodovias que cortam cidades produtoras de soja
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
15
Soja
Mal pela raiz
Charles M. Oliveira
Corós, larvas e percevejo castanho-da-raiz estão entre os insetos subterrâneos que atingem a soja e afetam os nódulos de fixação biológica de nitrogênio, o estabelecimento do estande, o vigor e o desenvolvimento das plantas e, consequentemente, a produtividade da cultura. Para que o manejo dessas pragas seja efetivo é necessário fazer o monitoramento preciso antes mesmo da instalação da lavoura, com o objetivo de adotar táticas de controle preventivas
A
s plantas de soja podem ser atacadas por pragas desde a germinação das sementes e emergência das plantas até a sua fase de maturação fisiológica, sendo esses organismos maléficos constituídos por insetos, moluscos, diplópodes e ácaros. Essas pragas são classificadas como de importância primária, regional ou secundária, em função da sua frequência de ocorrência, abrangência e do potencial de danos que podem causar na cultura. Os problemas se iniciam com a presença de lagartas na cobertura a ser dessecada e os insetos de solo, seguidos pelas pragas de superfície que atacam especialmente as plântulas. Em seguida vem os besouros e as lagartas, que se alimentam de folhas, flores e até mesmo de vagens e, finalmente, os su-
18
gadores e as brocas, que atacam as folhas, as vagens ou os grãos em formação. As pragas que atacam as raízes da soja são normalmente insetos subterrâneos pertencentes a diferentes grupos, sendo Coleoptera e Hemiptera as duas principais ordens que abrangem este complexo de organismos. Este grupo de pragas apresenta, normalmente, uma forte associação com o solo onde ocorre e pode destruir as raízes da soja ou até mesmo os nódulos de fixação biológica de nitrogênio; também afeta negativamente o estabelecimento do estande, o vigor e o desenvolvimento das plantas e, consequentemente, a produtividade da cultura. Dentre as pragas que atacam as raízes da soja na região Centro-Oeste, destacam-se as
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
larvas subterrâneas rizófagas de besouros melolontídeos, também denominados de corós, bicho-bolo ou pão-de-galinha e os percevejos castanho–da-raiz, os quais, embora possam ocorrer durante todo o ciclo da cultura, causam danos mais severos nos estádios iniciais de desenvolvimento das plantas. Essas duas pragas apresentam normalmente hábitos alimentares polífagos, ou seja, que se alimentam de várias espécies de plantas, sejam elas cultivadas ou não.
Corós rizófagos
Corós rizófagos são larvas de coleópteros da família Melolonthidae que apresentam coloração branca no corpo, três pares de pernas torácicas e se posicionam no formato
Embrapa
C
Figura 1 - Danos de corós na cultura da soja
A
bém está constatada a espécie de coró Liogenys fuscus (Figura 4), que vem sendo estudada desde a safra 2002/03, quando causou perdas de 50% a 100% nas lavouras de soja. Estes insetos, após completarem seu ciclo, os adultos saem do solo entrando em revoada nos meses de setembro e outubro, coincidentemente com as primeiras chuvas da região. A fase larval apresenta três instares, sendo os dois últimos mais prejudiciais ao sistema radicular das plantas. Após a semeadura da soja, que ocorre normalmente nos meses de outubro a novembro, observa-se no solo maior proporção de larvas de 1o, 2o e em menor quantidade as do 3o instar. Semeaduras tardias ou em “safrinha” tendem a sofrer maiores danos, uma vez que há predomínio de larvas de 2o e 3o instares que são mais vorazes. As larvas de Lucia Vivan
no perfil do solo, não mais se alimentam e apresentam baixa mobilidade. O coró-da-soja-do-cerrado, Phyllophaga capillata (Figura 3), é outra espécie que tem sido constatada causando danos na cultura da soja no Distrito Federal e em Goiás. A postura do inseto ocorre dentro de uma câmara construída pela fêmea no solo, sendo suas larvas ativas no início da estação chuvosa, em outubro, persistindo até o mês de março. A partir do mês de abril, a larva cessa sua alimentação e constrói uma câmara pupal, onde entra em diapausa, permanecendo nesta condição até os meses de junho a julho, quando se transforma em pupa. Em setembro o adulto sai do solo, acasala-se e oviposita, iniciando-se um novo ciclo. Nos estados de Goiás e Mato Grosso tamCharles M. Oliveira
Embrapa
de U, quando em repouso. Várias espécies de corós se desenvolvem no solo, porém, apenas uma pequena porcentagem desses organismos causa danos nos cultivos agrícolas, podendo ocorrer tanto no sistema de plantio direto como no convencional. Os danos de corós na soja (Figura 1) são causados pelo consumo de raízes ou até mesmo dos nódulos de fixação biológica de nitrogênio, acarretando-se redução na capacidade das plantas de absorver água e nutrientes, ingredientes esses essenciais para o seu desenvolvimento. Essa intensidade de danos é maior em plantas jovens de soja, cultivadas em solo de baixa fertilidade, com camadas adensadas e em condições de déficit hídrico. As plantas atacadas por corós apresentam inicialmente desenvolvimento retardado, seguido por amarelecimento, murcha e morte, podendo esses sintomas ocorrer em grandes reboleiras distribuídas irregularmente nas lavouras. Em condições de alta infestação de corós no solo, pode ocorrer até 100% de perda da lavoura, especialmente quando a presença de larvas mais desenvolvidas coincide com a fase inicial de desenvolvimento das plantas. O coró-da-soja, Phyllophaga cuyabana (Figura 2) é uma espécie que apresenta uma geração/ano (univoltine) e que tradicionalmente ocorre nas lavouras de soja do Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás. A revoada de adultos desta espécie se dá durante os meses de outubro e dezembro. Após o acasalamento, os ovos são colocados no solo, onde se concretiza o completo desenvolvimento das fases imaturas do inseto. As larvas apresentam três estágios de desenvolvimento (instares) e, no final do terceiro estágio, passam por um período de diapausa, quando se aprofundam
B
Figura 2 - Adulto (A) e larva (B) de Phyllophaga cuyabana
Figura 3 - Larva de Phyllophaga capillata
Figura 4 - Adulto de Liogenys fusca
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
19
Embrapa
Figura 5 - Adulto de Cyclocephala forsteri
20
e se alimenta de restos vegetais em processo de decomposição. Na verdade são reconhecidos como insetos benéficos no agroecossistema, pois, em função do seu comportamento, auxiliam na incorporação e fragmentação da matéria orgânica e na capacidade de infiltração de água no solo, em lavouras instaladas no sistema plantio direto.
Percevejos castanho-da-raiz
Dirceu Gassen
No Brasil, há registros da ocorrência de percevejo castanho em vários estados brasileiros, embora exista incidência mais acentuada na região dos Cerrados. O ataque desses insetos ocorre, normalmente, em grandes reboleiras nos cultivos de soja, sendo observados focos de infestação de até 70 hectares. Os danos na soja são decorrentes da sucção contínua da seiva nas raízes, o que pode levar ao enfraquecimento ou até mesmo à morte das plantas. As diferentes espécies de plantas hospedeiras que o percevejo castanho-da-raiz se alimenta apresentam graus diferenciados Embrapa
3o instar apresentam mobilidade no solo e, no início do período de estiagem, aprofundam-se neste até a 20cm e 30cm de profundidade, onde constroem sua câmara pupal. Quando param de se alimentar, limpam o abdome e transformam-se em pupa dentro da câmara pupal entre os meses de julho e agosto. Os adultos permanecem no solo por aproximadamente 30 dias, aguardando a presença de umidade ideal para sua emergência. Após as primeiras chuvas, entre os meses de setembro e outubro, inicia-se novamente a revoada e a fase de postura. Outras espécies de corós de menor importância econômica podem, eventualmente, ser observadas em associação com a soja na região do Cerrado. Santos e Ávila (2007) constataram o coró Cyclocephala forsteri (Figura 5) em lavouras de soja cultivada no sistema plantio direto no município de Maracaju (MS), sendo a oviposição do inseto observada no período de novembro a janeiro, embora o potencial de danos dessa espécie na soja não tenha sido determinado na cultura. Na safra 2004/05, em uma área de cultivo de soja, no mesmo município, foram também encontrados larvas e adultos de Anomala testaceipennis no solo, sem que fossem observados danos nas plantas de soja. Algumas larvas de melolontídeos, que têm o hábito de construir galerias verticais no solo, são frequentemente encontradas nas lavouras de soja da região Centro-Sul do País, especialmente nos sistemas de integração lavoura-pecuária. Esse grupo de corós, geralmente representado por espécies do gênero Bothynus (Figura 6), não é considerado praga
de suscetibilidade ao seu ataque. Ávila et al (2009) constataram que o algodoeiro foi a espécie mais suscetível à alimentação de S. castanea, seguido por soja, milho, sorgo e arroz. Esses percevejos predominam em solos arenosos, especialmente naqueles com pastagem degradada. Como são de hábito subterrâneo, tanto ninfas como adultos alimentam-se sugando a seiva das raízes das plantas de soja. Os sintomas de ataque nas plantas (Figura 7) dependem da intensidade e da época de ocorrência da praga na cultura, variando do murchamento e amarelecimento das folhas a um subdesenvolvimento e secamento da planta, podendo causar perdas de até 100% da lavoura. A presença dos percevejos castanho-daraiz nas lavouras é facilmente reconhecida pelo forte cheiro que estes insetos exalam, quando o solo é movimentado nas áreas infestadas. No Brasil, as principais espécies de percevejo-castanho associadas à cultura da soja são Scaptocoris castanea, S. carvalhoi e S. buckupi. Ávila et al (2009) constataram que no estado de Mato Grosso do Sul ocorre, pelo menos, duas espécies de percevejos castanho, sendo elas Scaptocoris castanea e S. carvalhoi. A primeira espécie foi encontrada em lavouras de soja, algodão e milho e a segunda em áreas de pastagens. Os focos de infestação do percevejo têm sido mais frequentes na região norte do estado, sendo a maior incidência observada no município de São Gabriel do Oeste. Nos últimos anos foram também constatadas severas infestações de percevejos castanho-da-raiz, especialmente nos sistemas de plantio direto do Cerrado brasileiro. No estado de Goiás, as revoadas dessa praga iniciam-se no período chuvoso durante o mês de novembro e persistem até março, período em que há predominância de adultos no solo. Informações insuficientes sobre alternativas eficazes para o controle dessas pragas têm levado os produtores a efetuarem aplicações preventivas e curativas de inseticidas, muitas vezes sem resultados satisfatórios de controle. No estado do Mato Grosso há ocorrência da espécie S. castanea em todas as regiões,
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
Figura 6 - Adulto (A) e larva (B) de Bothynus sp
Lúcia Vivan
Figura 8 - Flutuação populacional de percevejo castanho-da-raiz durante um ano
Figura 7 - Danos na soja causados por percevejo castanho
já a espécie S. carvalhoi foi identificada na região leste do estado em áreas de soja, milho e algodão. As informações mais recentes sobre os percevejos castanho-da-raiz foram obtidas por Nardi (2006), que descreveu a ocorrência do polimorfismo alar em S. carvalhoi. Esse estudo revelou a existência de indivíduos de asas curtas (braquípteros) e longas (macrópteros), destacando a importância dessas alterações morfológicas para a colonização de novas áreas, uma vez que a revoada, realizada somente pelos adultos macrópteros, constituise da única forma de dispersão desses insetos por longas distâncias. Durante períodos do ano de maior umidade, este inseto permanece nas camadas mais superficiais do solo, mas, em condições mais secas, se desloca para camadas inferiores para profundidades além de 1,5m (Figura 8). Em trabalhos realizados com coberturas vegetais, no estado do Mato Grosso, no período de entressafra observou-se redução da população para a cobertura realizada com crotalária (Crotalaria spectabilis), em relação às áreas com plantio de milheto, sorgo e braquiária. No entanto, com plantios sucessivos de algodão durante a safra, observou-se redução da população de percevejo castanho-da-raiz ao final de três anos, o que indica que a cultura do algodoeiro interfere no desenvolvimento desse inseto.
8) ou os nódulos de rizóbios, especialmente nos estádios iniciais de desenvolvimento da soja implantada sobre uma área em que havia sido cultivado feijão ou milho. Esses tipos de danos podem reduzir o estande ou afetar negativamente a fixação biológica de nitrogênio nas plantas de soja.
Manejo das pragas que atacam as raízes da soja
Para que o manejo de pragas que atacam a parte subterrânea das plantas de soja seja efetivo, é necessário fazer o monitoramento preciso desse grupo de pragas antes mesmo da instalação da lavoura, uma vez que todas as táticas de controle a serem implementadas são preventivas. Muitas vezes, o planejamento das técnicas de manejo de pragas subterrâneas é realizado com base no mapeamento dos sintomas de danos e análises de produção de cultivos anteriores. Tanto para o manejo de corós como do percevejo-castanho é de fundamental importância a realização de amostragens no solo, com o objetivo de avaliar as espécies presentes, o seu nível populacional, os estádios e o desenvolvimento predominante desses insetos. No planejamento das táticas de controle a serem implementadas, devem ser considerados fatores da planta, do solo e da
Outras pragas subterrâneas
Cochonilhas das raízes do gênero Pseudococcus sp. são também frequentemente observadas no coleto de plantas de soja cultivadas no sistema plantio direto, embora em baixas densidades. Em condições de alta infestação de ninfas e adultos desta praga na cultura, as plantas podem atrasar o seu desenvolvimento e reduzir a massa seca da parte aérea, bem como do número de vagens e o peso dos grãos de soja. Larvas de Diabrotica speciosa ou de Cerotoma spp. Podem, eventualmente, ser observadas atacando raízes de soja (Figura
Figura 9 - Seedlings de soja atacados por larvas de Diabrotica speciosa
praga a ser manejada. Dentre as técnicas que podem ser utilizadas para o controle de corós e percevejocastanho, destacam-se: manipulação da época de semeadura, preparo do solo com implementos adequados e aplicação de inseticidas nas sementes ou em pulverização no sulco de semeadura. Como os adultos dos corós apresentam normalmente forte atração pela luz, o uso de armadilhas luminosas durante o período de emergência do inseto no solo pode capturar um número expressivo de adultos durante a noite e, assim, contribuir para reduzir a sua infestação nos cultivos subsequentes. A aplicação de inseticidas nas sementes e no sulco de semeadura da soja constitui alternativa promissora para o manejo de corós, especialmente em sistemas conservacionistas, como o sistema de plantio direto. Já no caso do percevejo-castanho, inseticidas aplicados nas sementes não tem-se mostrado uma tática eficiente. Todavia, a pulverização no sulco de plantio com inseticidas químicos, especialmente quando o percevejo está localizado próximo da superfície do solo, pode proporcionar um bom controle da praga, dependendo do produto e da dose empregados. O cultivo de crotalária em áreas infestadas com percevejocastanho tem também contribuído para a redução populacional dessa praga no solo. O controle biológico do percevejo-castanho empregando-se fungos entomopatogênicos pode ser, também, uma alternativa promissora. Xavier e Ávila (2006) identificaram quatro isolados de Metarhizium anisopliae, que proporcionaram níveis de controle de S. carvalhoi superior a 80%, em condições de laboratório. Todavia, a eficiência desse fungo no controle do percevejo-castanho, em C condições de campo, não foi avaliada. Crébio José Ávila, Embrapa Agropecuária Oeste Lúcia Madalena Vivan, Fundação Mato Grosso
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
21
Pragas
Até no inverno
Fotos Divulgação
Distribuída em soja e posteriormente em outras culturas como feijão, girassol e nabo, a lagarta Helicoverpa causou prejuízos no Rio Grande do Sul durante o final da safra de verão. As atenções se voltam agora para as próximas estações e cultivos como plantas de coberturas, trigo e aveia. Monitorar adultos e lagartas em cultivos de inverno é uma das alternativas para evitar a disseminação e maiores danos
N
a safra 2013/14 a presença de Helicoverpa armigera foi confirmada na grande maioria dos municípios produtores de soja do Rio Grande do Sul, variando a sua intensidade e densidade populacional, nas diferentes localidades e lavouras. As ocorrências foram verificadas com a coleta de adultos (armadilhas de feromônio) em praticamente todo o ciclo da soja e de lagartas com fluxos de ocorrência principalmente na fase vegetativa (emergência até V4) e a partir do florescimento até a colheita,
22
período em que ocorreram populações de H. armigera dividindo espaço com lagartas falsa-medideiras. De acordo com as experiências vivenciadas pelo pessoal do Laboratório de Manejo Integrado de Pragas da Universidade Federal de Santa Maria (LabMIP-UFSM) e com base em entrevistas realizadas com agrônomos e consultores de referência no estado do Rio Grande do Sul, os danos ocasionados por H. armigera, na última safra de soja, variaram de acordo com a época de ocorrência e com a população da
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
praga, bem como com o manejo empregado pelo produtor. As reduções de produtividade oscilaram entre zero até 25% em decorrência do ataque da praga. Em áreas localizadas ocorreram perdas superiores, porém, são lavouras ou mesmo manchas dentro de áreas maiores, que não tiveram monitoramento, reconhecimento da praga e/ou manejo adequado, principalmente pelo controle tardio ou ineficaz. Em muitos casos o manejo foi executado quando o dano já estava consumado, uma vez que a soja
tem baixa tolerância à praga (Guedes et al, 2013; Guedes et al, 2014). Os consultores relataram ainda que os produtores que seguiram as recomendações de manejo, com monitoramento e manejo nos momentos adequados, usando os inseticidas e as doses recomendados, não tiveram dificuldades de controle de H. armigera. Entretanto, ocorreram casos de lavouras com grandes dificuldades de controle. Dentre os principais impactos da ocorrência de H. armigera, está a elevação do custo com as aplicações de inseticidas, causada por pulverizações específicas para o seu controle. Somaram-se, ainda, os problemas com infestações de falsas-medideiras que escaparam do radar do produtor, ocorrendo em altas populações e exigindo controle com custos ainda maiores. A confirmação da grande ocorrência e ampla distribuição de H. armigera na última safra serve de alerta ao sojicultor gaúcho, pois mostra que a praga está instalada no Rio Grande do Sul, apontando para sua ocorrência nas próximas culturas (outono/inverno), ampliando os riscos para a safra de soja 2014/15.
Helicoverpa armigera no outono/inverno
Em amostragens realizadas pelo LabMIP-UFSM nos meses de maio e junho em Cruz Alta e em Santiago, ambos no Rio Grande do Sul, foram encontradas lagartas de várias espécies como a lagarta Helicoverpa (Helicoverpa armigera), lagartafalsa-medideira (Chrysodeixis includens) e lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis) em feijão, girassol na safrinha e em nabo. Informações obtidas através de entrevistas a agrônomos de diferentes regiões do estado também confirmaram a presença de H. armigera em outras culturas como cereais
e coberturas de inverno, indicando sua permanência no outono em solo gaúcho. No feijoeiro safrinha em Santiago foram encontradas lagartas causando danos na fase reprodutiva da cultura, já em maturação. Mesmo em baixa população foram verificados danos, sendo provavelmente de uma ocorrência mais precoce. Em Ijuí, no Rio Grande do Sul, segundo entrevistados, no mês de abril também foram observados danos em legumes de feijão, em final de ciclo. O dano mais importante foi causado pela alimentação das lagartas diretamente nas vagens, produzindo perfurações para localizar os grãos e consumir. Além dos danos levarem à perda de grãos e prejudicar o enchimento de vagens, os orifícios serviram para a entrada de umidade e de patógenos, aumentando as perdas em produtividade e qualidade dos grãos. Em Girassol safrinha em Santiago e Três de Maio, no Rio Grande do Sul, foram verificados danos em folhas e principalmente no capítulo (inflorescência do girassol). Nas folhas os danos são caracterizados por injúrias no centro e bordas. Já no capítulo, os danos são mais severos, pois a praga se alimenta do tecido do receptáculo e dos aquênios, comprometendo a formação do capítulo e reduzindo o número de sementes. Em geral, foi encontrada apenas uma lagarta por capítulo, mas eventualmente duas lagartas atacando o mesmo capítulo. As pulverizações para controle das lagartas atacando os aquênios são difíceis pela inclinação do capítulo, impedindo que o inseticida atinja diretamente o alvo. Em culturas de plantas de cobertura de inverno, especialmente no nabo, foram realizadas amostragens em Cruz Alta, onde foram encontradas lagartas danificando a cultura na fase reprodutiva atacando hastes, folhas, flores e frutos (preferidos pela
praga). Não foram observadas lagartas no nabo no estágio vegetativo. Além do ataque de H. armigera em feijoeiro, girassol e nabo, a soja espontânea (guaxa ou tiguera) também hospeda lagartas, como foi verificado nos municípios gaúchos de Santa Maria e Tenente Portela. Estas populações podem originar-se de lagartas, pupas e de adultos que estavam na soja e que utilizam estes hospedeiros para completar seu ciclo ou até para fazer novas gerações. O feijão e o girassol são muito suscetíveis a H. armigera e à lagartafalsa-medideira e podem ser importantes hospedeiros e também locais para o manejo destas lagartas, no atual mosaico de cultivos do Sul do Brasil. Também os cereais de inverno, como trigo, aveia, cevada e centeio, poderão servir de hospedeiro de H. armigera no período de inverno/primavera e estas culturas poderão servir de ponto de partida para retomar o manejo da praga.
Monitoramento no outono/inverno/primavera
O monitoramento de H. armigera durante o ciclo das culturas e entre os cultivos agrícolas é um procedimento chave para o sucesso do manejo dessa praga. Nas culturas de inverno é muito importante que o monitoramento seja realizado durante todo o ciclo, para evitar perdas na própria cultura como também prevenir danos nas culturas subsequentes que serão semeadas no próximo verão, como milho, feijão, girassol, soja, entre outras. O monitoramento das mariposas (adultos) é o recurso primário, mais precoce e possivelmente um dos mais eficientes. Entretanto, a necessidade de uma ampla distribuição das armadilhas e a sua verificação sistemática dificulta a adoção em ampla escala. Os adultos podem ser monitorados
Capítulo (aquênios) de girassol e folha danificados por Helicoverpa armigera. Santiago (RS), 2014
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
23
Fotos Divulgação
Danos de Helicoverpa armigera em flores e folhas de nabo. Santiago (RS), 2014
por armadilhas luminosas que capturam machos e fêmeas, ou com armadilhas com o feromônio sexual sintético da fêmea Iscalure armigera que capturam machos desta espécie. A captura das mariposas em armadilhas de feromônio e a identificação positiva para H. armigera na estação fria indicariam a manutenção da praga no inverno gaúcho, ampliando os riscos para estas culturas e para o próximo verão. Apesar de a lagarta Helicoverpa ter preferência por estruturas reprodutivas das plantas, a manutenção de pontes verdes durante o outono/inverno/primavera pode hospedar a praga e favorecer a sua sobrevivência. As culturas de inverno tendem a ser muito suscetíveis às lagartas de H. armigera, levando em consideração que a soja espontânea fornece alimento até que as culturas de inverno se desenvolvam. O monitoramento nas plantas espontâneas de soja é importante, visto haver relatos da presença da lagarta, feitos por agrônomos e produtores. Assim, além do monitoramento de adultos com as armadilhas, é necessário o exame minucioso das plantas, principalmente na fase reprodutiva das culturas de inverno. A verificação de lagartas deve ser feita em folhas, caules, com especial atenção às estruturas reprodutivas das culturas de inverno, como flores e grãos. As estruturas reprodutivas são as mais atrativas para as lagartas de Helicoverpa, pois possuem a capacidade de degradar as proteínas presentes. O monitoramento durante o outono/ inverno/primavera deve ser feito em parceria entre universidades, cooperativas, distribuidores de insumos e produtores, com uma distribuição de armadilhas, buscando abranger a maior área possível. O LabMIP/UFSM
24
Legumes de feijão danificados por Helicoverpa armigera. Santiago (RS), 2014
dispõe do laboratório e de pessoas qualificadas para a dissecação da genitália e identificação das mariposas capturadas nestas armadilhas e confirmação da espécie.
Manejo nas culturas de outono/inverno/primavera
No final da safra de verão 2013/14 e durante o outono, a ocorrência de H. armigera se manteve na soja e foi verificada em feijão, girassol, nabo e aveia em diferentes localidades do Rio Grande do Sul. Esta sequência e a diversidade de plantas hospedeiras permitiram a permanência da praga nas áreas e as condições para completar ou desenvolver novas gerações. Nesse cenário, as culturas de outono (feijão e girassol safrinha) e as plantas de cobertura são os hospedeiros intermediários na região Sul do Brasil, uma vez que o controle de pragas cessa nas culturas e nas
Vistoria em plantas de nabo, Santa Maria, Rio Grande do Sul, junho de 2014
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
plantas de cobertura o nível de investimento praticado não permite combater pragas. Apesar das ocorrências de Helicoverpa em várias espécies vegetais e dos prejuízos, há um aspecto muito positivo, que foi a retomada da busca de informações por técnicos e produtores e a adequação do conhecimento do exterior e de outras regiões, aos cultivos do Sul do Brasil. Também esse novo problema desencadeou a retomada da discussão do Manejo Integrado de Pragas (MIP) e o correto monitoramento, identificação, a quantificação da praga, além do estabelecimento dos níveis de dano econômico e de controle de Helicoverpa. Entre os aspectos mais positivos, dentre tantos problemas e elevação de custo de controle, a ocorrência de Helicoverpa permitiu a retomada do uso do controle biológico, com inseticidas à base de Bacillus thuringiensis e de baculoviroses, que foram eficazes para redução da população da praga. Por fim, para o manejo de Helicoverpa armigera, nos próximos cultivos é preciso levar em conta vários aspectos, pois há um grande número de hospedeiros, a lagarta está estabelecida e tem capacidade de sobreviver na estação fria. Com este cenário o manejo da praga necessita uma visão muito além da lavoura, portanto, deve abranger municípios ou regiões mais amplas, por um tempo muito maior que uma única C safra ou cultivo. Jonas André Arnemann, Jerson Vanderlei Carús Guedes, Regis Felipe Stacke, Adriano Arrué Melo, Clérison Régis Perini e Luis Eduardo Curioletti, UFSM
Pragas
Alta infestação
Fotos Lúcia Vivan
Lavouras de soja e algodão localizadas em Mato Grosso têm registrado aumento populacional de mosca branca e consequente crescimento dos prejuízos ocasionados pelo inseto nas áreas de cultivo. Entre as medidas de manejo integrado recomendadas contra a praga destacamse a eliminação de plantas hospedeiras, o emprego de cultivares com maior tolerância, o monitoramento e o uso de produtos seletivos para preservar inimigos naturais, além de rotação de modos de ação para prevenir problemas com resistência
P
rodutores de soja do Médio Norte do Mato Grosso enfrentaram problemas com a mosca branca Bemisia tabaci (Gennadius) biótipo B, também referida como B. argentifolli Bellows & Perring. Os municípios de Lucas do Rio Verde, Nova Mutum e Sapezal já tinham presença da praga desde o início da safra, mas em algumas áreas, a população aumentou muito no final da safra devido a erros de manejo desse inseto. Na safra de 2012/13 muitos produtores já enfrentavam o problema e houve muito abandono de áreas com alta infestação da
26
mosca branca. Outro ponto importante é que a mosca branca tem um grande número de hospedeiros. O seu ciclo só não é tão intenso em gramíneas. Áreas com a cultura do algodão também favorecem a praga, mesmo com aplicação de defensivos químicos. Além disso, o fator climático também interfere onde a mosca branca permanece nas lavouras até em períodos de seca, sendo um ambiente preferido para essa espécie. A mosca branca é uma das pragas causadoras de prejuízos à cultura da soja e do
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
algodoeiro no estado do Mato Grosso. Ao sugar a seiva das plantas, os adultos e ninfas provocam alterações no desenvolvimento vegetativo e reprodutivo da planta, debilitando-a e reduzindo sua produtividade. A biologia da mosca branca é complicada pela aparente existência de diferentes biótipos, cujo significado evolutivo e prático continua pouco esclarecido. No Brasil existem diferentes biótipos de B. tabaci e a B. argentifolii (também chamada de Biótipo B da B. tabaci), cuja separação só é possível de ser feita através de marcadores moleculares ou técnicas espe-
ciais de criação. Os adultos medem 0,8mm de comprimento e, aparentemente, são de coloração geral branca, mas apresentam asas brancas e corpo amarelo. Sob condições climáticas favoráveis, seu ciclo de vida pode ser de duas a quatro semanas, podendo produzir até 15 gerações por ano. Localizam-se, preferencialmente, na face inferior das folhas, onde ovipositam, em média, 150 a 300 ovos por fêmea. A preferência para oviposição em algodão é afetada pela estrutura da folha, pela gravidade (positiva) e pela luz (negativa, exceto para adultos em voo). Outros fatores que podem estar envolvidos são interações entre gravidade, luz, estruturas foliares, condições ambientais e inimigos naturais. A temperatura é o principal agente externo que influencia a metamorfose progressiva da mosca branca, fazendo com que o seu ciclo de vida possa variar de 15 a 24 dias. As ninfas apresentam coloração verde-amarelado e passam por quatro instares. A ninfa de 1º instar é móvel, ou seja, apresenta pernas e é capaz de se mover na folha ou planta. Já a partir do 2º instar, as ninfas perdem as pernas e são imóveis. Permanecem dessa forma até a emergência do adulto. A partir do 3º instar, as ninfas são facilmente visíveis, assemelhando-se a cochonilhas. As ninfas das moscas brancas do gênero Bemisia caracterizam-se por não terem franjas formadas por filamentos ceráceos ao redor do corpo.
Danos
Na cultura da soja o dano direto é causado tanto pelas ninfas como pelos adultos, que ao se estabelecerem na face inferior da folha sugam a seiva, extraindo carboidratos e aminoácidos, podendo causar folhas com manchas cloróticas, murcha e queda. Ocorre
Isolados do fungo Aschersonia aleyrodis possuem ação contra a mosca branca
Altas infestações do inseto foram observadas em Crotalaria ochroleuca
a depauperação das plantas pela extração da seiva, comprometimento do desenvolvimento vegetativo e reprodutivo da planta, reduzindo a produtividade e a qualidade na produção e, em ataques severos, antecipação do ciclo em até 15 dias. Durante a alimentação, o inseto excreta um “melado” que favorece o desenvolvimento de fumagina um fungo negro que cresce sobre as folhas, escurecendo-as, prejudicando a realização da fotossíntese e, consequentemente, pode interferir na produtividade dependendo do estágio da planta e população presente da praga. São as ninfas que liberam grande quantidade dessa substância açucarada, possibilitando maior crescimento de fumagina sobre as folhas que, tornando-se pretas, absorvem muita radiação solar, provocando “queima” e queda das folhas da soja. Ataques severos provocam o amarelecimento das folhas mais velhas. Quando as plantas são jovens pode ocorrer a seca
e até a morte das folhas. Os danos podem se agravar se houver períodos de veranico ou irrigação inadequada. Na cultura do algodão, os adultos e as ninfas se alimentam através da sucção da seiva do floema das plantas, retirando os nutrientes das plantas, podendo levá-las à morte ou queda de produção. As folhas atacadas tornam-se amareladas, secam e, como principal sintoma, caem. Durante sua alimentação ocorre excreção de uma substância açucarada e pegajosa, conhecida como “honeydew”. Essa secreção acarreta a formação da fumagina sobre ramos, folhas e frutos, ocorrendo em consequência redução da capacidade fotossintética da planta, contaminação do línter do algodoeiro e prejuízo à qualidade da fibra, além de interferência na colheita.
Dano indireto
A mosca branca é vetor de vírus dos grupos geminivírus, carlavírus, closterovírus e luteovírus. Para a cultura do algodão, os vírus do grupo geminivírus são os mais comuns. Como insetos-vetores podem causar danos mais graves, mesmo quando presentes em baixas populações. Embora outros fitopatógenos possam ser transmitidos por esse inseto, os vírus são causadores dos maiores problemas. Em soja, os principais danos são relacionados à transmissão de viroses, caracterizados pelos sintomas: nanismo severo, enrolamento de folhas, intensa clorose e diminuição da produção de grãos.
Manejo integrado
Populações de mosca branca podem ser mantidas em soqueiras de algodão
O Manejo Integrado de Pragas (MIP) é o uso de diferentes estratégias para controle e convivência com a praga. Destaca-se a busca de inseticidas seletivos ou um uso seletivo deles e o prolongamento da vida útil dos inseticidas eficientes contra este inseto. Ambas as opções podem implementar-se mediante avaliação de novos produtos, o
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
27
Fotos Lúcia Vivan
Danos provocados pela mosca branca em algodoeiro (esquerda) e à direita Nicandra physaloides (joá-de-capote), espécie nativa hospedeira da praga
aperfeiçoamento dos métodos de aplicação e o monitoramento constante dos níveis de resistência de mosca branca em áreas específicas, para realizar rotação dos inseticidas, no contexto de outras práticas próprias do MIP. Devido às características do inseto, o controle químico tem sido o método mais empregado, todavia, seu uso intensivo em alguns sistemas de produção pode conduzir ao aparecimento de populações resistentes. Altas populações tornam-se difíceis de controlar, bem como a exposição repetida aos inseticidas sem rotacionar o modo de ação, sendo muito provável a evolução de resistência a produtos. Desta forma, deve-se utilizar uma estratégia integrada com controle biológico, controle cultural e controle químico. A preservação de inimigos naturais nos agroecossistemas é de fundamental importância como fator de equilíbrio dinâmico das populações de espécies de insetos-praga, minimizando a intervenção do homem no controle. Por isso, são necessários estudos básicos de seletividade de produtos, pois as informações obtidas poderão ser utilizadas nas tomadas de decisão com relação ao produto a ser utilizado. O controle biológico, atualmente, possível consiste na preservação dos inimigos naturais da mosca branca pelo uso de inseticidas seletivos. Várias espécies de inimigos naturais têm sido identificadas em associação com complexo de espécies de mosca branca. No grupo de predadores, foram identificadas 16 espécies das ordens: Hemíptera, Neuróptera, Coleóptera e Díptera. Entre os parasitoides, identificaram-se 37 espécies de micro-himenópteros. Dentre os parasitoides destacam-se os gêneros Encarsia, Eretmocerus e Amitus, comumente encontrados. Com relação a entomopatógenos, há diversos isolados mais virulentos dos fungos Verticillium lecanii, Paecilomyces fumosoroseus, Aschersonia aleyrodis e Beauveria bassiana, com ação sobre moscas brancas. Em um programa de controle bioló-
28
gico, após a identificação de inimigos naturais, deve-se estabelecer de modo mais eficiente o emprego desses agentes, provavelmente, por liberações inundativas bem no início da cultura ou através de liberações de parasitoides em plantas daninhas adjacentes. Em vários países, estão sendo identificados e estudados diversos agentes de controle biológico da mosca branca, cujos resultados têm sido bastante promissores para o manejo dessa praga. Algumas espécies nativas da família Malvaceae são hospedeiros reservatórios do vírus, principalmente Sida rhombifolia (guaxuma), S. micrantha (vassourinha) e Nicandra physaloides (joá-de-capote), além de outras plantas cultivadas como feijoeiro, soja, quiabeiro e tomateiro. O controle é realizado por meio da eliminação das malváceas nativas próximas ao plantio, arranquio de plantas sintomáticas e controle químico da mosca branca. Ainda não foram relatadas cultivares resistentes ou tolerantes. Outras plantas daninhas como nabo forrageiro, leiteiro, picão preto, corda de viola, trapoeraba devem ser eliminadas das áreas por serem hospedeiras do inseto. Nessa safra observaram-se infestações altas de mosca branca em Crotalaria ochroleuca sendo preferencial em relação a outras espécies como C. spectabilise, C. juncea. Outra estratégia do MIP é a utilização de cultivares das culturas comerciais que ofereçam tolerância ao ataque ou não preferência dos insetos. Nas safras 2011/2012 e 2012/2013 realizou-se quantificação da população de mosca branca em algumas cultivares de soja utilizadas em Mato Grosso. No primeiro ano do trabalho a infestação foi alta desde o início do ciclo da cultura e observou-se que as cultivares TMG1176RR, TMG132RR e P98Y11 apresentaram menor preferência para oviposição e colonização de mosca branca em relação às demais avaliadas que apresentaram população superior (TMG1188RR, NA8015, TMG1288RR, TMG133RR e TMG127RR). Na safra 2012/2013 a popu-
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
lação de mosca branca foi crescente durante o ciclo da cultura e as cultivares TMG1288RR, TMG1176RR, TMG132RR e P98Y11 apresentaram desenvolvimento mais lento e inferior dessa população durante o ciclo da cultura. No entanto, em alguns momentos do desenvolvimento da cultura todas as cultivares avaliadas apresentaram populações altas, o que indica que quando há uma alta pressão do inseto não é possível diferenciar a preferência ou não pelas diferentes cultivares de soja. Esse estudo deve ser continuado a fim de identificar outras cultivares em relação a não preferência de mosca branca. As aplicações preventivas e/ou sucessivas de produtos fitossanitários, para controlar a mosca branca na soja podem favorecer a seleção de insetos resistentes e o aumento da população da praga. Uma das táticas mais importantes de manejo de resistência de pragas a inseticidas é a rotação por modo de ação e para atingir este objetivo é fundamental criar um programa de rotação com produtos que possuem mecanismos de ação distintos. Portanto, os técnicos precisam conhecer o modo de ação dos inseticidas e acaricidas existentes no mercado, para incluí-los em suas recomendações de controle químico de pragas. Em traços gerais é importante realizar medidas preventivas que desfavoreçam o desenvolvimento de mosca branca nas áreas de cultivo sendo: eliminar plantas hospedeiras da praga dentro da cultura e em áreas vizinhas; fazer levantamento e contagem da praga no campo; utilizar produtos seletivos para manter os inimigos naturais; destruir os restos culturais; evitar o plantio de cultivares muito atrativas à praga; treinamento do monitor e do aplicador de produtos; seleção dos produtos considerando: rotação de modo de ação, efeito sobre inimigos naturais e fase de desenvolvimento da mosca branca. C Lúcia Vivan, Fundação MT
Elderson Ruthes
Milho
Tolerância limitada
Bastante tolerante a nematoides, o milho costuma produzir mesmo na presença de altas densidades do parasita no solo. Contudo, há limites para a produção nessas condições. Espécies como P. zeae, P. brachyurus e M. incógnita são causadoras de prejuízos severos à cultura e exigem atenção e manejo adequado por parte dos produtores
E
m 2013 foram produzidos no Brasil 78,5 milhões de toneladas de milho, em 15,7 milhões de hectares. Portanto, é da maior importância conhecer as relações entre o milho e os fitonematoides. Há três facetas nessas relações. As mais conhecidas dos agricultores são: 1) o papel do milho como agente redutor dos nematoides Heterodera glycines (nematoide de cisto da soja), Rotylenchulus reniformis (nematoide reniforme), Ditylenchus dipsaci (nematoide dos caules e bullbos), Meloidogyne hapla, M. exigua e M. paranaensis (três espécies de nematoides das galhas); e 2) como promotor do crescimento populacional de nematóides como Me-
loidogyne incognita, Pratylenchus zeae e P. brachyurus. Em resumo, o milho é encarado como participante da rotação ou sucessão de culturas, que pode assumir papel positivo ou negativo no manejo de nematoides. Frequentemente, esquece-se que algumas espécies de nematoides causam danos significativos às raízes de milho, acarretando perdas de produção.
Nematoides que causam perdas em milho
O milho é muito tolerante aos nematoides, ou seja, produz satisfatoriamente mesmo na presença de altas densidades do parasita no solo. Infeliz-
mente, essa característica, a tolerância aos nematoides, tem um limite. Em muitas áreas do Brasil, as densidades já atingiram valores tão elevados, e os danos às raízes são tão intensos, que a produção de milho não tem alcançado os patamares esperados ou desejados. São perdas significativas, mas que talvez ainda não tenham chamado a atenção dos agricultores. Porventura satisfeitos com as produtividades atuais, mas que poderiam ser melhores, não chegam a desconfiar que os nematoides subtraem anualmente algumas sacas de milho por hectare plantado. Os fitonematoides são presença frequente em solos cultivados com milho,
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
29
Leandro Martinho
Patrícia Milano
Nematoides das lesões possuem de 0,4mm a 0,5mm de comprimento
Presença de reboleiras de plantas de milho enfezadas, com folhas cloróticas e raízes apodrecidas
nuamente o agricultor. Utilizando uma metáfora, são como se fossem pequenas feridas, que causam pouco incômodo, mas sangram sem parar. A ocorrência dessas duas espécies depende muito da sucessão de culturas adotada. Em locais onde o milho é cultivado em sucessão com outras poáceas, a espécie predominante é P. zeae, que é mais adaptada a estas plantas que P. brachyurus. Em locais onde o milho é cultivado em sucessão com soja, feijão, algodão, batata, cenoura etc, há predomínio de P. brachyurus, pois esta espécie tem um rol de plantas hospedeiras muito mais amplo que P. zeae. De fato, há muito poucas plantas hospedeiras de P. zeae fora da família Poaceae. A propósito, essa característica de P. zeae poderia ser aproveitada para a utilização da rotação ou sucessão como
método altamente eficaz de controle. Por meio da rotação ou da sucessão com soja, algodão, girassol, feijão etc, é possível obter uma grande redução populacional de P. zeae. Como a importância dos nematoides para o milho tem sido subestimada, o agricultor brasileiro não está acostumado a utilizar nenhuma técnica de controle contra esses parasitas. Atualmente, há duas técnicas principais de controle para P. zeae e P. brachyurus: o nematicida carbofurano na formulação granulada, para aplicação no sulco de plantio, e o inseticida-nematicida abamectina, na formulação para tratamento de sementes. Experimentalmente, a aplicação de nematicidas no sulco de plantio foi eficaz na redução da densidade dos nematoides, resultando em aumentos de 14% a 39% na produção de milho. Em função Elvio Uzuele
Mário Inomoto
e as espécies mais comuns são Pratylenchus zeae, P. brachyurus, Helicotylenchus dihystera e Meloidogyne incognita. Desde 1963, há registros de milharais nos quais aparecem reboleiras de plantas enfezadas, com folhas cloróticas e raízes apodrecidas. No centro das reboleiras, as plantas são minúsculas, atingindo menos de 1/5 da altura das plantas da margem das reboleiras. Geralmente, os nematoides mais associados a tais sintomas são duas espécies de nematoides das lesões, P. zeae e P. brachyurus, havendo relatos de perdas de 50%. Justificando seu nome, são parasitas que causam lesões, ou seja, manchas escuras, em decorrência de sua atividade dentro das raízes. São muito pequenos, com 0,4mm a 0,5mm de comprimento, e passam a maior parte da vida dentro das raízes, alimentando-se das células do córtex (= casca da raiz). É preciso esclarecer, porém, que as reboleiras nem sempre estão presentes nos locais infestados. A expectativa de que esses nematoides sempre produzam sintomas claramente visíveis talvez seja um dos maiores erros dos agricultores. Muitas vezes, as infestações são relativamente uniformes, não se formando, portanto, reboleiras. Em outras palavras, existem locais em que o efeito do nematoide é uniforme, não havendo variações visíveis no tamanho das plantas. Além disso, as plantas nem sempre apresentam nanismo acentuado. Ocorrendo um desenvolvimento inferior, mas próximo do normal, o agricultor tem a falsa impressão de que está tudo bem. Somente após uma avaliação minuciosa se desfaz tal impressão. São situações nas quais ambas as espécies, P. brachyurus e P. zeae, penalizam vagarosa e conti-
E fácil encontrar milharais em que as raízes estão tomadas de galhas. Em condições controladas é possível verificar o tamanho das plantas, efeitos de M. incognita e dos tratamentos aplicados
30
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
Leandro Martinho
resistentes. No entanto, o objetivo tem sido enfrentar as perdas causadas por P. brachyurus à cultura da soja, em uma sucessão soja-milho. Existe ainda uma terceira espécie de fitonematoide que merece menção. Trata-se de Meloidogyne incognita, espécie que, embora frequente em milharais, não tem recebido a devida atenção dos agricultores. Há um registro muito bem documentado, embora antigo (1986), de milharal em Goiás com plantas exibindo severo ataque por M. incognita. Os sintomas foram acentuado enfezamento e amarelecimento foliar; em plantas mais atacadas, secamento e morte. As galhas radiculares eram muito grandes, com até quatro vezes o diâmetro normal da raiz. Não há registros posteriores de sintomas tão severos, porventura em decorrência do uso muito intenso de adubos, nos plantios atuais, promovendo o bom crescimento da planta de milho mesmo na presença de M. incognita. Entretanto, é fácil encontrar milharais em que as raízes estão tomadas de galhas. Para comprovar o efeito negativo de M. incognita sobre o crescimento de milho, indica-se comparar o tamanho de uma planta não infectada com outra idêntica, mas infectada, em condições controladas. Da mesma forma, é fácil provar o efeito positivo dos métodos de controle, como o tratamento de sementes, que, no entanto, ainda se encontra indisponível comercialmente no Brasil.
No centro das reboleiras, as plantas são minúsculas, atingindo menos de 1/5 da altura das demais
Recomendações finais
A primeira recomendação é avaliar Elvio Uzuele
do reduzido número de opções para o controle dos nematoides das lesões, há várias pesquisas em andamento com a finalidade de avaliar a eficácia de outros produtos. Alguns defensivos são capazes de restaurar grande parte da capacidade de crescimento das plantas de milho, em locais infestados por nematoides das lesões, quando se compara com plantas que não receberam o produto. Também de forma experimental, foi provado o efeito benéfico da torta de mamona, aplicada no sulco de plantio na proporção de 300kg/ha, na redução populacional de P. zeae e P. brachyurus (-38% em comparação à testemunha), bem como no aumento da produção (+15% em comparação à testemunha). O efeito sobre os nematoides foi inferior ao obtido pela aplicação de carbofurano nas proporções de 1,5kg e 3kg de ingrediente ativo/ha (as duas dosagens reduziram a densidade em 86%), porém, o efeito sobre a produtividade de milho foi próximo (+14% para 1,5kg e +23% para 3kg). O uso de cultivares ou híbridos resistentes poderia ser importante ferramenta para o controle de P. brachyurus e P. zeae, como demonstraram trabalhos realizados há 30 anos por pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas. No entanto, essa linha de pesquisa prosperou muito pouco nos últimos três decênios, pelo menos para P. zeae, devido à pouca importância atribuída aos nematoides pelo setor produtivo. Para P. brachyurus, por outro lado, tem havido renovado interesse, no último decênio, pela seleção de cultivares ou híbridos
Para comprovar o efeito negativo de M. incognita sobre o milho, indica-se comparar o tamanho das plantas
o risco representado pelos fitonematoides na propriedade e a primeira ação deve ser a coleta de amostras de solo e de raízes, para verificar a presença de espécies daninhas ao milho e também sua densidade populacional. Perdas geralmente ocorrem em densidades acima de 200 espécimes dos nematoides das lesões (P. zeae e/ou P. brachyurus) por grama de raízes, ou o mesmo valor por 200cm 3 de solo; ou 800 espécimes de M. incognita por grama de raízes ou o mesmo valor por 200cm 3 de solo. Se nenhuma das três espécies for encontrada, a recomendação seguinte é manter o local isento de nematoides, por meio da adoção dos métodos clássicos de prevenção: 1) limpeza frequente do maquinário agrícola e do rodado dos veículos com fortes jatos de água, se possível diariamente ou logo após seu uso; 2) extremo cuidado e rigor quanto à qualidade fitossanitária de mudas, sementes, bulbos etc que adentram a propriedade. Se uma ou mais das três espécies (P. zeae, P. brachyurus e/ou M. incognita) for encontrada em densidades acima dos limites apontados, a recomendação é estimar o tamanho das perdas causadas. Isso pode ser feito de várias formas: 1) comparação da produtividade do talhão infestado com outros da mesma propriedade, com características semelhantes, mas não infestadas; 2) comparação da produtividade na propriedade com a de vizinhos; 3) avaliação do histórico de produtividade no talhão; 4) medição da resposta aos métodos de controle, em microparcelas dentro do talhão infestado etc. Havendo indicação da ocorrência de perdas, surge a grande dificuldade: como fazer o controle. São escassos os métodos de controle com eficácia comprovada. Há somente um produto registrado para tratamento de sementes contra P. brachyurus (abamectina) e nenhum contra os demais fitonematoides do milho. Similarmente, há um produto nematicida registrado para aplicação no sulco de plantio contra P. zeae (carbofurano) e nenhum contra os demais nematoides. Torta de mamona foi utilizada com sucesso, mas somente em trabalhos experimentais. As escolhas das culturas para rotação ou sucessão são óbvias: plantas que não as poáceas para P. zeae; Crotalaria spectabilis e C. breviflora para C P. brachyurus e M. incognita. Mario Inomoto, Esalq/USP
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
31
Cana-de-açúcar
Escavadores do mal
Fotos Tiago Izeppi
Sphenophorus levis é uma das principais pragas que limitam a cana-de-açúcar. As larvas do inseto, ao se alimentarem, escavam galerias e provocam danos capazes de levar as plantas à morte. A amostragem e o monitoramento no campo são medidas indispensáveis para a adoção de táticas de controle, que também devem considerar o estádio de desenvolvimento da cultura, o tamanho da área, as condições climáticas e a oferta de equipamentos e mão de obra
A
cana-de-açúcar é afetada por diversas pragas desde sua implantação até a reforma. Dentre as que ganharam importância nos últimos anos está Sphenophorus levis Vaurie, 1978 (Coleoptera: Curculionidae), considerado fator limitante para essa cultura, devido aos prejuízos que causa e às dificuldades de controle (Almeida, 2005; Dinardo-Miranda, 2008). Os primeiros relatos de incidência dessa praga datam do final da década de 1970 na região de Piracicaba, São Paulo (Precetti e Arrigoni, 1990), mas, atualmente, esse inseto é encontrado nas principais regiões produtoras de cana-de-açúcar de São Paulo, Paraná e Minas Gerais (Dinardo-Miranda, 2008). As larvas de S. levis são as responsáveis pelos danos pois, ao se alimentarem, escavam galerias e danificam os tecidos no interior dos rizomas nas bases dos perfilhos ou colmos da cana, causando a morte das plantas, falhas nas brotações das soqueiras e redução da longevidade dos canaviais. Estes sintomas são mais facilmente visualizados na época seca do ano (junho a agosto), quando são encontradas as maiores populações de larvas. Em algumas áreas críticas, o ataque da praga se dá de forma tão intensa que o canavial é reformado logo
32
após o primeiro corte (Dinardo-Miranda, 2008). Precetti e Arigoni (1990) relataram essa praga como responsável por causar a morte de 50% a 60% dos perfilhos ainda na fase de cana-planta, com cinco a sete meses de crescimento. Terán e Precetti (1982) reportaram o potencial de dano de S. levis em cana-de-açúcar com perdas anuais que podem atingir 20 toneladas de cana por hectare a 30 toneladas de cana por hectare. Nos últimos anos tem ocorrido registros de novas áreas infestadas, que podem estar relacionados à dispersão dessa praga junto às mudas retiradas de locais infestados, já
que a capacidade de dispersão desse inseto é pequena (Precetti e Arrigoni, 1990). Além de novas áreas infestadas, também ocorreram incrementos nas populações da praga em áreas onde ela já estava presente, em virtude de dificuldades de controle e a mudança do sistema de colheita para cana crua. Com a adoção do sistema colheita da cana crua em larga escala, as populações da praga aumentaram drástica e rapidamente, pois, quando a cana era colhida queimada, muitos adultos da praga morriam por causa do fogo. Com a colheita da cana crua, além de não haver a morte dos adultos pelo fogo, a palha lhes serve de abrigo (Dinardo-Miranda e Fracasso, 2013). Diversas são as medidas de controle que podem ser tomadas em áreas infestadas. Devem ser adotadas em conjunto, pois, nenhuma delas, isolada, é altamente eficiente. O controle começa com o preparo da área antiga para plantio, através da destruição mecânica da soqueira infestada, por meio de gradagens, aração ou pelo uso de implementos específicos para a destruição de soqueiras, que deve ser realizada, de preferência, no período mais seco do ano, época em que grande parte da população se encontra na fase de larva. Juntamente com a destruição mecânica da soqueira infestada, é imprescindível a aplicação de inseticidas no sulco de plantio e, em alguns casos, na soqueira, utilizando implemento que corta a linha de cana e deposita o inseticida em seu interior. Vale ressaltar que ainda há muito a ser estudado e, nas melhores condições, a eficiência do controle químico chega, no máximo, de 70% a 80%. Adicionalmente a todas
Touceira de cana-de-açúcar com perfilhos secos devido ao dano de S. levis e base dos perfilhos com o sintoma característico do dano do inseto
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
as medidas de controle também se recomenda dar atenção ao uso de mudas sadias no plantio, provenientes de viveiros que se encontrem livres da praga. O sucesso das estratégias de controle para uma praga pode ser atribuído a diversos fatores, mas certamente o conhecimento da situação em que o inseto se encontra nas áreas cultivadas, através de monitoramentos e amostragens, é um dos aspectos fundamentais não só para a determinação do momento de controle da praga, mas também para avaliar se a estratégia de combate adotada está trazendo resultados eficazes. O levantamento populacional de S. levis pode ser feito por meio da avaliação da presença de formas imaturas da praga e dos danos que causam. Geralmente, tanto usinas como fornecedores usam metodologia que consiste na abertura de trincheiras de 50cm de largura x 50cm de comprimento e 30cm de profundidade, feitas nas linhas de cana, à razão de 2 por hectare. Essa amostragem é feita nas áreas de reforma e é utilizada para estimar as populações de todas as pragas de solo, não só de S. levis. Nos últimos anos, o Centro de Canade-açúcar do Instituto Agronômico (IAC) e a FCAV/Unesp conduziram uma série de estudos a fim de se conhecer melhor o comportamento e a flutuação populacional de S. levis em cana-de-açúcar e, através disso, sugerir novos métodos de amostragem e monitoramento para as condições atuais de cultivo de cana, contribuindo para o programa de manejo integrado para essa praga. Resultados dos estudos mostram que as formas biológicas do inseto podem ser encontradas durante todo o ano em canaviais e que o atual sistema de monitoramento realizado com dois pontos por hectare é pouco preciso para se estimar a população da praga. Os dados dos trabalhos realizados sugerem que
Leila Dinardo-Miranda
Esquema da amostragem por trincheira
seis pontos de amostragem por hectare seria o indicado para estimar a presença do inseto na maioria das situações. A amostragem deve ser realizada, preferencialmente, na época mais seca do ano (abril a setembro) logo após a colheita ou antes da reforma do canavial. Em cada ponto de amostragem deve ser retirada a touceira em 50cm da linha de cana, com o auxílio de um enxadão, e todo o material vegetal da touceira deve ser vistoriado à procura de formas imaturas do inseto (larvas e pupas) e dos danos. Os danos são expressos em porcentagem de rizomas atacados e, para isso, contam-se os rizomas totais e os rizomas danificados na touceira, que são utilizados no cálculo do dano [Dano = nº rizomas danificados/nº total de rizomas)*100]. Em certas épocas do ano, as populações do inseto são mais baixas e, por causa disso, os danos causados pela praga são um parâmetro mais confiável para a realização das amostragens, visto que, mesmo não se encontrando as formas biológicas do inseto no campo, o dano está presente; a presença do dano atesta a ocorrência do inseto. Os adultos de S. levis também podem ser monitorados por meio da instalação de iscas tóxicas dispostas na base das touceiras. Tais iscas são confeccionadas com toletes de cana de 30cm rachados ao meio e embebidos em solução de inseticida com melaço. A época de utilização vai de outubro a março, que coincide com a maior ocorrência de adultos no campo.
Rizoma danificado por larva de S. levis e rizoma danificado com a presença da larva de S. levis
As iscas devem ser dispostas no campo em número de 100 por hectare e avaliadas após 15 dias, para a contagem dos adultos presentes. A técnica foi muito utilizada no final dos anos 80 e início dos anos 90. O objetivo principal era atrair adultos para o monitoramento das populações, mas tornou-se inviável pelo alto custo e grande demanda de mão de obra. Atualmente, este levantamento é indicado em áreas de viveiro para prevenir a liberação de mudas infestadas com S. levis, consideradas a principal forma de disseminação da praga (Precetti e Arrigoni, 1990; Dinardo-Miranda, 2008). Por fim, além de uma correta amostragem e monitoramento da população da praga no campo, a tomada de decisão na adoção de táticas de controle deve também levar em consideração o estádio de desenvolvimento da cultura, o tamanho da área, as condições climáticas e a oferta de equipamentos e mão de obra, pois qualquer problema decorrente de um desses fatores pode levar ao insucesso na adoção das medidas de controle, podendo contribuir para o aumento dos danos causados C por essa praga. Tiago S. Izeppi e José C. Barbosa, FCAV/Unesp – Jaboticabal Leila L. Dinardo-Miranda e Juliano V. Fracasso, IAC
Esquema de amostragem por iscas tóxicas
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
33
Fotos José Braz Matiello
Café
No café
Detectada recentemente no Brasil, a temida Helicoverpa armigera tem causado graves prejuízos em cultivos comerciais como soja, algodão, milho e tomate. Há também relato de presença da praga em cafeeiro. Resta saber se o ataque é eventual ou se haverá adaptação à cultura 34
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
A
Helicoverpa armigera é um inseto/praga de enorme importância mundial em culturas agrícolas, sendo utilizadas vultosas quantias para seu controle. No Brasil, nos últimos dois anos, esta praga tem causado danos nas culturas de algodão, milho, soja, feijão, tomate e sorgo. Os danos são oriundos de sua alimentação, preferencialmente de estruturas reprodutivas das plantas (botões florais, frutos, maçãs, espigas e inflorescências), causando deformações, podridões e quedas. Na safra de 2012 ocorreu, na região do oeste da Bahia, um
O ataque da lagarta causa perfurações, reduções de área foliar, danos nos ponteiros dos ramos, ataque em botões e frutos de café no estágio de chumbinhos
grande surto nas lavouras, com perdas de até 80% na cultura do algodoeiro. Na mesma safra, outras culturas, transgênicas ou não, como milho e soja, também sofreram acentuadas perdas. Na safra de 2013 novamente ocorreram surtos desta praga, que chegaram aos estados de Goiás e Mato Grosso, levando à liberação emergencial de uma série de produtos inseticidas para seu controle. Na cultura do café, não havia relatos de ocorrência de Helicoverpa armigera nas lavouras de nenhuma região produtora. A primeira constatação foi feita só recentemente, em setembro/2013, durante o período de pré-florada, na região do oeste da Bahia. Na Fazenda Olinda, em
Luiz Eduardo Magalhães, o inseto/praga foi encontrado atacando flores, frutos no estágio “chumbinho”, ponteiras e folhas novas (1º e 2º pares) na cultura do café. O técnico Marcos Alvarenga foi até o local e constatou a praga e registrou por meio de fotos a ação e o comportamento do inseto/praga. Nas fotos pode-se ver o tipo de dano ao cafeeiro. O ataque da lagarta causa perfurações, reduções de área foliar, danos nos ponteiros dos ramos, ataque em botões e frutos de café no estágio de chumbinhos. A ocorrência deve, agora, passar a ser observada, tendo em vista a verificação da evolução e a adaptação da Helicoverpa
a esta nova cultura, do café, até então desconhecida. O mais provável é que as lagartas tenham migrado de outros cultivos da região. Em princípio, ainda não se pode avaliar se o ataque foi apenas eventual ou se a praga pode vir a se adaptar também ao cafeeiro. O objetivo da presente nota técnica é relatar a ocorrência e os sintomas de ataque, a fim de que os técnicos, envolvidos na cafeicultura, passem a prestar atenção no seu possível ataque em outras lavouras da região C e em outras zonas cafeeiras do país. José Braz Matiello, Mapa/Fundação Procafé Marcos Alvarenga, Coproeste
Registrada a ocorrência na cultura resta saber agora se haverá adaptação da praga ao cafeeiro ou se o ataque foi apenas eventual
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
35
Arroz
Avanço acelerado Restrito inicialmente a áreas próximas ao litoral ou à beira de regiões montanhosas, o complexo da brusone se encontra atualmente disseminado pela maioria das regiões produtoras de arroz no Brasil. Fungicidas inibidores da biossíntese de melanina, triazóis e estrobilurinas estão entre as ferramentas para enfrentar esse desafio
A
expectativa produtiva do setor orizícola a ser confirmada nesta safra é da ordem de 12,35 milhões de toneladas do grão, 5,1% maior que na safra passada, praticamente sobre a mesma área cultivada, em função de condições climáticas e de manejo (Conab, 2014). No entanto, a confirmação destes patamares produtivos sofreu a interferência de doenças sobre a cultura, vindo a reduzir quantitativamente a produção, bem como qualitativamente, através da depreciação da qualidade final do grão do arroz. Neste sentido, a brusone tem alcançado maior representatividade sobre a grande
36
maioria das áreas cultivadas com arroz. A espécie do patógeno responsável ainda não é unanimidade frente aos micologistas que estudam o assunto. No entanto, trabalhos mais recentes são categóricos em afirmar que se trata do Complexo Magnaporthe (Choi, J. 2013), fase teleomórfica do gênero, onde sua fase anamórfica ganha a denominação de Pyricularia. Dentro do gênero Magnaporthe existem cinco espécies: M. salvinii, M. grisea, M.oryzae, M. poae e M. rhizophila. As duas últimas infectam somente raízes das gramíneas hospedeiras. Já M. salvinii, M. grisea e M. oryzae têm habilidade de afetar
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
colmos e folhas dos hospedeiros, além de alguns relatos dessa última infectar também por meio das raízes. A diferença é que M. salvinii produz esclerócios sobre os tecidos atacados enquanto M. grisea e M. oryzae não apresentam a mesma estrutura (Zhang, N. 2011). Essas duas últimas são as espécies mais representativas para a cultura do arroz e ambas podem ser responsáveis pela inoculação e geração dos sintomas característicos de brusone, por isso denominado de Complexo Magnaporthe (Choi, J. 2013). Anteriormente, essa doença estava restrita a áreas próximas ao litoral ou à beira
Figura 1 – Porcentagem (%) de incidência de brusone na base da panícula (“pescoço”) devido Figura 2 - Porcentagem (%) de incidência de brusone na base da panícula (“pescoço”) em ao atraso no posicionamento químico função de densidade de plantas e kg de N/ha
de coloração marrom, com centro grizáceo. Em condições favoráveis ao patógeno, as lesões coalescem, podendo causar morte de folhas ou da planta inteira. No colmo, a infecção pode bloquear a circulação de seiva, provocando a quebra no ponto de infecção e, consequentemente, o acamamento da planta. Além disso, a infecção pode começar no colar, onde a lâmina da folha entra em contato com o colmo, causando necrose na junção destas duas estruturas, produzindo inóculo para a infecção de ráquis e grãos. No nó da base da panícula, a infecção, também conhecida como “brusone de pescoço”, provoca enegrecimento desta região e obstrução no transporte de seiva, resultando em panículas esbranquiçadas, enfezadas e chochamento total dos grãos. É importante salientar que os sintomas na base da panícula não necessariamente resultarão da infecção presente na folha do arroz, pois a fonte de inóculo pode ser do micélio ou conídio nos restos cul-
turais, plantas daninhas ou lavouras de curta e média distância, se as condições permitirem. Assim, o ponto-chave para a infecção do patógeno no “pescoço” e seu manejo passa pelo entendimento da época vulnerável da planta à infeção do fungo, que compreende todo período entre final do emborrachamento e emissão das panículas. Durante esta fase, qualquer chegada de inóculo, seja produzido pela lesão da folha ou não, irá depositar-se sobre a folha bandeira e o molhamento encarrega-se de movimentá-lo até o interior da bainha, onde encontrará o ambiente ideal para iniciar a infecção no nó da base da panícula – “pescoço”. Qualquer posicionamento químico após a emissão total da panícula terá o intuito somente de reduzir a produção de inóculo que chegará na ráquis ou nos grãos (Figura 1). Desta forma, se as condições adequadas para a infecção estiverem satisfeitas, como temperaturas diurnas entre 25ºC e 28°C e noturnas entre 17ºC e 23°C, UR acima
Fotos Marcelo Madalosso
de regiões montanhosas, onde as condições climáticas eram favoráveis ao progresso acelerado do patógeno. Atualmente, está presente em praticamente todas as áreas produtivas do País, inclusive no interior do estado do Rio Grande do Sul, onde a pressão se encontrava abaixo do nível de dano. O aumento do potencial produtivo dos materiais e consequente queda na rusticidade, aliado à dispersão de inóculo pela semente e sua permanência nos restos culturais, é fator responsável por esta “interiorização” do patógeno. Em regiões de sequeiro ou mesmo áreas irrigadas nas regiões tropicais (Tocantins, Roraima etc) os sintomas da brusone passam a se manifestar a partir das primeiras folhas da planta de arroz. Nas folhas estabelecidas os sintomas caracterizam-se pela formação inicial de pequenas lesões necróticas de coloração marrom, rodeadas por um halo amarelado. Após, evoluem para manchas alongadas com formato típico de diamante, com bordos irregulares e
Sintomas de brusone em plantas de arroz no estádio reprodutivo
Lesões coalescidas provocadas pela doença nas folhas das plantas
www.revistacultivar.com.br • Janeiro 2015
37
Figura 4 – Rota biossintética da melanina (adaptado de Kurahashi, 2001)
Figura 3 - Mecanismo de penetração do apressório de Pyricularia oryzae em epiderme de arroz (adaptado de Kurahashi, 2001)
Marcelo Madalosso
de 90%, nebulosidade elevada e longos períodos de molhamento foliar, a ocorrência de brusone será notada, mesmo com baixa infestação na folhagem. O contrário também será verdadeiro, sendo observada a lesão nas folhas e baixa infecção no “pescoço”. Além disso, estresses causados por fornecimento intermitente de água, aliados a desequilíbrio nutricional (principalmente excesso de nitrogênio no início do ciclo) e associados à elevada população de plantas, também são fatores que aumentam a sensibilidade do arroz à brusone. No caso do descrédito desta interação, mesmo a aplicação do fungicida não será suficiente para reduzir a taxa de progresso do patógeno sobre os tecidos do hospedeiro, resultando em grandes quebras (Figura 2). Este fungo, em especial, possui algumas características no processo de infecção que o diferenciam da grande maioria dos causa-
dores de doenças em plantas. Com o início do processo de germinação do patógeno sobre os tecidos do hospedeiro, há formação do tubo polínico e posterior apressório que produz compostos diferentes dos demais. Neste processo, o fungo sintetiza biopolímeros a partir de compostos fenólicos, formando a melanina. Assim, passa a ser biossintetizada nas paredes do apressório, formando a hifa de infecção para a penetração na epiderme do hospedeiro (Figura 3). Essa é uma característica essencial à patogenicidade, conferindo vantagens adaptativas em condições inadequadas de infecção e aumentando a virulência do patógeno (Suryanarayanan, 2004), visto que indivíduos mutantes que não produzem melanina não causam brusone. Além do Complexo Magnaporthe, patógenos do gênero Colletotrichum sp. também fazem da melanina um componente fundamental do seu processo de patogenicidade (Rodrigues, 2006). De acordo com o Comitê de Ação à Resistência de Fungicidas (Frac), 2013, alguns produtos têm a habilidade de impedir a biossíntese desse tipo de componente, causando a morte do patógeno. Esses mecanismos de ação são responsáveis pela redução ou desidratação enzimática na rota de biossíntese da melanina DHN (polímeros de 1,8-dihydroxynaphthalene), sendo, portanto, os principais sítios alvo (Quadro 1). De todos os produtos citados no Qua-
dro 1, o tricyclazole é o ingrediente ativo (i.a.) de maior comercialização para controle de brusone e sua ação é relatada entre os compostos 1, 3, 8 Trihidroxynaphtalene (THN) e Vermelone (Figura 4). Plantas de arroz foram tratadas com este i.a. e observou-se que a germinação e o início do desenvolvimento do apressório não sofreram alterações, porém, a melanização foi reduzida, diminuindo a patogenicidade e coloração de cinza-escuro para marromclaro. Além disso, ocorreu acúmulo de Scytalone, evidenciando que a continuação do processo de biossíntese foi interrompida a partir dali (Rodrigues, 2006). Além destes grupos de fungicidas, vale lembrar que alguns i.a. dos grupos dos triazóis e estrobilurinas também são eficazes quanto à supressão desta doença, especialmente quando posicionados preventivamente e dentro de um programa de proteção foliar associado às estratégias de manejo para reduzir as condições adequadas ao estabelecimento e avanço do patógeno sobre a planta. C Marcelo Madalosso, Instituto Phytus/URI Santiago Mônica Debortoli, Felipe Weber, Diogo Patias e Caroline Gulart, Instituto Phytus Ricardo Balardin, Univ. Federal de Santa Maria
Quadro 1 – Fração do quadro de classificação de fungicidas de acordo com o mecanismo de ação (Frac, 2013) Mecanismo de ação
Sintomas de brusone na base da panícula (“pescoço”) no arroz
38
I: Inibição da biossíntese de melanina (MBI’s)
Código e Sítio Alvo I1: redutase na biossíntese de melanina I2: desidratase na biossíntese de melanina
Janeiro 2015 • www.revistacultivar.com.br
Nome do Grupo MBI-R (inibidores da biossíntese de melanina - redutase) MBI-D (Inibidores da biossíntese de melanina-dehydratase)
Grupo Químico Nome Comum isobenzeno-furanone fthalide pyrrolo-quinolinone pyroquilon triazolobenzo-thiazole tricyclazole cyclopropane-carboxamide carpropamid carboxamide diclocymet propionamide fenoxanil